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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versão On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.12 no.3 São João del-Rei jul./set. 2017

 

ARTIGOS

 

A experiência da maternidade pela primeira vez: as mudanças vivenciadas no tornar-se mãe

 

The experience of motherhood for the first time: the changes experienced in becoming a mother

 

 

Edinara ZanattaI; Caroline Rubin Rossato PereiraII; Amanda Pansard AlvesIII

IPsicóloga. Mestra em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
IIPsicóloga., Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)., Especialista em Psicologia Clínica com ênfase em Terapia Familiar e de Casal pelo Instituto da Família de Porto Alegre (Infapa). Atua como professora no Departamento de Psicologia e no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
IIIPsicóloga. Mestra em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Atua como psicóloga do Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas) no município de Panambi/RS

 

 


RESUMO

Este estudo buscou conhecer as mudanças percebidas pelas mães primíparas em si, em seus relacionamentos e na rede de apoio a partir da vivência da maternidade. Integraram o estudo seis mães primíparas, cujos bebês tinham entre sete e 12 meses de idade, participantes do Programa da Criança de uma Unidade Básica de Saúde de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul (Brasil). A pesquisa teve caráter qualitativo, utilizando-se de uma entrevista semiestruturada como instrumento de coleta de dados. Os resultados obtidos pela análise de conteúdo apontaram o predomínio de sentimentos de insatisfação diante das mudanças percebidas no corpo e a presença de mudanças positivas no modo de ser da mulher após a maternidade. Além disso, destaca-se a presença de uma rede de apoio e o papel desempenhado pelo pai do bebê como suporte tanto instrumental como emocional à mãe.

Palavras-chave: Relações mãe-criança. Relações familiares. Maternidade.


ABSTRACT

This study sought to understand the changes perceived by the primiparous mothers in themselves, in their relationships and in the support network from the experience of motherhood. Integrated this study six first-time mothers, whose babies were between seven and twelve months and were participants in a Children's Program at a Basic Health Unit of a city in the countryside of Rio Grande do Sul (Brazil). The research was qualitative, using a semi-structured interview as data collection instrument. The results obtained through the content analysis showed the predominance of feelings of dissatisfaction with the perceived changes in the body and the presence of positive changes in the woman's way of being after motherhood. In addition, stands out the presence of a support network and the role played by baby's father on providing both instrumental and emotional support to the mother.

Keywords: Mother-child relations. Family relations. Motherhood.


RESUMEN

Este estudio ha buscado conocer los cambios que han sido percibidos por las madres primíparas en sí mismas, en sus relaciones y en la red de apoyo a partir de las vivencias de la maternidad. Han formado parte del estudio seis madres primíparas, cuyos los bebes tenían entre siete y doce meses de edad, participantes del Programa da Criança de una Unidad Básica de Salud, de una ciudad del interior del Rio Grande do Sul (Brasil). La investigación ha tenido un carácter cualitativo, utilizándose de entrevista semiestructurada como instrumentos para la obtención de los datos. Los resultados que han sido alcanzados, a partir del análisis del contenido, han señalado el predominio del sentimiento de insatisfacción frente al cambio percibido en el cuerpo y, en la presencia de cambios positivos, el modo de ser mujer luego de la maternidad. Además de eso, se pone de relieve la presencia de una red de apoyo y el papel desempeñado por el padre de los bebes como soporte instrumental y emocional para las madres.

Palabras clave: Relaciones madre-bebe. Relaciones familiares. Maternidad.


 

 

Introdução

A maternidade é um evento único na vida da mulher, repleto de expectativas e sentimentos, vivenciado de modo diferente que varia de pessoa para pessoa (Piccinini, Gomes, Nardi & Lopes, 2008). Sendo assim, este artigo tem como objetivo compreender as mudanças percebidas por mães primíparas em suas vidas, nos seus relacionamentos e na rede de apoio disponível a elas em decorrência da maternidade. Para tanto, foi realizado um estudo de cunho qualitativo com seis mulheres que estavam vivenciando a maternidade pela primeira vez, com seus bebês na faixa etária entre sete e 12 meses, participantes de um Programa de Saúde Materno-Infantil.

O desejo de ter um filho constitui-se em um processo que tem início antes da gestação, por meio das primeiras relações e identificações da mulher, passando pela infância e adolescência, até constituir-se na gestação propriamente dita (Piccinini et al., 2008). Nesse sentido, a gestação é um marco significativo do desenvolvimento da mulher, um fato importante da vida de todos os envolvidos que pode reavivar lembranças e experiências passadas (Klaus, Kennell & Klaus, 2000). Além disso, intensos sentimentos podem ser vivenciados pela mulher, entre eles: alegria, tristeza, satisfação e insatisfação. Nesse momento, ela deixa de ser somente filha e esposa para assumir também o papel de mãe (Freitas, Coelho & Silva, 2007), o que demanda adequar seus relacionamentos e estilo de vida às necessidades do bebê (Alves et al., 2007).

A gestação marca um período de intensas mudanças na psique e no corpo da mulher (Da Silva & Da Silva, 2009). No que concerne às mudanças físicas, embora sutis, elas já podem ser percebidas desde o primeiro trimestre: aumento das mamas, percepção diferente de cheiros e gostos e sonolência (Szejer & Stewart, 1997). Assim, a sensação de estar grávida pode existir mesmo antes da confirmação clínica, sendo associada às sensações e mudanças corporais (Da Silva & Da Silva, 2009). Para a mulher, o primeiro trimestre pode ser caracterizado como um "duplo segredo" (Dos Santos, Alves, De Souza & Gama, 2010), pois ela não sente ainda os movimentos do feto e as demais pessoas têm dificuldade em perceber as mudanças físicas em seu corpo. Dessa forma, é comum a presença do sentimento de ambiguidade: se por um lado a mulher sente-se feliz em ser mãe, por outro lado surgem preocupações e dúvidas sobre sua capacidade de exercer a maternidade.

A partir do segundo trimestre, quando as mudanças no corpo tornam-se mais evidentes, inicia-se um período em que a mãe volta-se para a preparação para a chegada do bebê, planejando o guarda-roupa e o quarto do bebê, por exemplo. Esse é um momento denominado de "dupla propaganda", em que tanto o bebê se mostra à mãe quanto a mãe se mostra às pessoas em sua volta como uma mulher grávida: os movimentos do bebê são percebidos pela mãe, favorecendo o seu encantamento por ele e, além disso, as modificações na imagem do corpo da mulher são evidentes às demais pessoas (Dos Santos et al., 2010). Diante disso, é importante compreender o corpo da mulher grávida em toda a sua dimensão, pois as transformações sentidas na própria imagem a preparam para assumir a nova identidade de mãe (Da Silva & Da Silva, 2009).

Além das modificações sentidas no corpo, a maternidade pode proporcionar modificações no contexto familiar oriundas da chegada de um bebê. Não raro, os genitores precisam encontrar recursos para lidar com essa situação nova. Esses recursos geralmente são buscados na rede de apoio social, que se configura na disponibilidade de pessoas significativas para proporcionarem suporte e ajuda no enfrentamento das diversas situações que possam desencadear estresse ao longo dos processos de transição do desenvolvimento humano (Dessen & Braz, 2000; Rapoport & Piccinini, 2006). Diversas são as pessoas que podem exercer esse papel, contribuindo para a qualidade de vida dos envolvidos: a família extensa, os amigos, colegas de trabalho, serviços de saúde, pessoas da comunidade da qual o indivíduo faz parte, entre outras (Dessen & Braz, 2000; Rapoport & Piccinini, 2006). Nesse sentido, as principais formas de apoio social podem ser classificadas em apoio instrumental, relacionado à ajuda financeira, ajuda na divisão das responsabilidades e prestação de orientações em geral e apoio emocional, referindo-se ao cuidado e a preocupação com o outro (Dessen & Braz, 2000).

Com o nascimento de um bebê, o companheiro da mãe e sua própria mãe (avó do bebê) destacam-se como sendo, na maioria das vezes, as principais fontes de apoio à mãe (Rapoport & Piccinini, 2006). Em relação às figuras femininas que servem de apoio, geralmente são mulheres com experiência em relação à maternidade, além de pessoas com quem a nova mãe tem bom vínculo e se sente amparada nos momentos de angústia e dúvida. Assim, a mãe pode se direcionar a essas mulheres na busca de orientações e de modelos, identificando-se com elas na realização dos cuidados com o seu bebê (Lopes, Prochnow & Piccinini, 2010; Stern, 1997).

Considerando-se o apoio da avó materna, este pode ser pensado como um fator positivo diate da insegurança das transformações que a gestação e, em especial, os primeiros meses após o nascimento do bebê podem acarretar na vida da mãe (Rapoport & Piccinini, 2006). Assim, a busca desse apoio em uma mulher com mais experiência a respeito da maternidade poderá contribuir para o próprio desenvolvimento das suas capacidades de ser mãe (Stern, 1997). Dessa forma, "ser ajudada, valorizada e amparada por uma mulher mais experiente, que esteja ao seu lado, possivelmente tornará a nova mãe mais segura e confiante para lidar com seu bebê" (Lopes et al., 2010, p. 302).

Ainda, de acordo com Felice (2007), o tipo de relação que a mulher estabeleceu com sua própria mãe pode tornar-se referência no modo como ela desempenhará a maternidade. Quando são transmitidos modelos positivos, com a ideia da maternidade como uma experiência gratificante para a mulher, isso tende a ser reproduzido na relação da mãe com seu próprio bebê. Por outro lado, exemplos negativos também podem fazer parte dos modelos incorporados ainda na infância pela mulher. Com isso, esses modelos passam a compor o universo mental feminino, com o qual a mãe poderá se identificar ao cuidar de seu bebê (Felice, 2007).

Além disso, o nascimento de um bebê pode trazer profundas alterações no relacionamento entre mãe e filha, podendo ocorrer estreitando dos laços entre elas. A esse respeito, o estudo realizado por Kipper e Lopes (2006) apontou uma melhora no relacionamento entre a nova mãe e sua própria mãe (avó do bebê) após o nascimento do bebê. Tal modificação esteve associada ao amadurecimento proporcionado pela maternidade, juntamente com a valorização da figura da avó. Nesse sentido, o nascimento do bebê pode marcar a renovação dos vínculos entre mãe e filha, propiciando uma nova organização familiar. Ao agregar novos papéis aos já existentes, inaugura-se uma nova fase da vida e se reorganiza a identidade feminina (Kipper & Lopes, 2006).

Destaca-se, também, o apoio do companheiro da mãe como fundamental nesse período de transição e constituição da maternidade. O envolvimento paterno não se refere apenas à divisão de tarefas, mas também ao envolvimento emocional com a mãe e o bebê (Silva, Souza & Scorsolini-Comin, 2013). Nesse sentido, considerando-se a gestação como uma etapa de preparação de novos papéis a serem desempenhados pelos genitores, quanto maior o envolvimento paterno nesse período, maiores as possibilidades de desenvolvimento do vínculo pai-filho depois do nascimento do bebê (Freitas et al., 2007).

A esse respeito, nota-se nas últimas décadas uma mudança interessante nos papéis ocupados pelo homem em relação à paternidade. Percebe-se que os pais estão mais participativos, interagindo e envolvendo-se mais na vida e nos cuidados dos filhos (Oliveira, 2007; Benzick, 2011). Além disso, o papel paterno pode contribuir para o desenvolvimento do vínculo mãe-bebê, na medida em que a mãe, ao se sentir amada como mulher, pode desempenhar as funções maternas com mais qualidade (Marin, Gomes, Lopes & Piccinini, 2011).

Além do suporte e do apoio emocional oferecidos à mãe pelos familiares, os cuidados dos profissionais com a saúde dela e do bebê são fundamentais, podendo influenciar na forma como ela realiza a maternidade (Piccinini, Carvalho, Ourique & Lopes, 2012). Nesse viés, os profissionais de saúde destacam-se como provedores de apoio durante a gestação, parto e no acompanhamento posterior da díade mãe-bebê. Nesse sentido, os cuidados com o desenvolvimento da gestação (assistência pré-natal) e o vínculo estabelecido com os profissionais de saúde contribuem para aliviar as tensões e angústias da mulher, e, a partir disso, favorecem o vínculo mãe-bebê (Piccinini et al., 2012). Além disso, o acompanhamento da mãe nos meses posteriores ao parto também se faz interessante para diminuir as dúvidas e a ansiedade quanto aos cuidados com o recém-nascido.

Observa-se, assim, que o nascimento do primeiro filho configura-se como uma experiência nova, marcando um período de aprendizagem para todos os envolvidos. Além disso, precisa ser considerada a singularidade das mudanças que essa experiência confere à vida desses sujeitos (Strapasson & Nedel, 2010).

Diante do exposto, percebe-se que a maternidade pode se configurar em um acontecimento intenso na vida familiar e, em especial na vida da mulher, envolvendo mudanças em diversos âmbitos. Sendo assim, torna-se importante conhecer como se dá essa experiência a partir de relatos de mulheres que estão vivenciando a maternidade pela primeira vez e participam de um Programa de Saúde Materno-Infantil, oriundas de contexto socioeconômico de baixa renda.

 

Método

Participantes

Participaram desta pesquisa seis mães (M) que estavam vivenciando pela primeira vez a maternidade e cujos bebês encontravam-se na faixa etária entre sete e 12 meses. Todas as mães eram participantes do Programa da Criança de uma Unidade Básica de Saúde de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. Escolheu-se esse programa em específico por oferecer atendimento a crianças na faixa etária entre zero e dois anos, cobrindo o período foco do estudo. No referido programa, é realizado um trabalho de acompanhamento mensal das díades mãe-bebê, esclarecendo dúvidas e orientando as mães com relação ao desenvolvimento dos filhos, tanto nos aspectos físicos, realizado pela equipe de enfermagem, como nos aspectos psíquicos, a cargo da equipe da psicologia. Os dados relativos às características sociodemográficas das participantes e de seus bebês podem ser visualizados na Tabela 1.

Delineamento e Procedimentos

Este estudo configurou-se como uma pesquisa exploratória, de caráter qualitativo. No que tange aos procedimentos, após a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa de uma universidade pública, iniciou-se o contato com a Unidade Básica de Saúde e o responsável pelo Programa da Criança. As mães que integraram o estudo foram contatadas pela pesquisadora durante a consulta de puericultura no Programa da Criança, sendo agendadas as entrevistas conforme a disponibilidade delas. Todas as entrevistas foram realizadas pela primeira autora do estudo, nas dependências da UBS, em sala devidamente reservada. As entrevistas foram iniciadas após a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelas participantes. Os dados foram analisados utilizando-se a análise qualitativa de conteúdo (Bardin 2010; Gomes, 2001), sendo agrupados em categorias temáticas os aspectos mais presentes ou mais relevantes das entrevistas. Destaca-se, ainda, que o estudo está respaldado nas Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa envolvendo Seres Humanos (Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde) e na Resolução n° 016/2000 do Conselho Federal de Psicologia.

Instrumento

Como instrumento de coleta de dados foi utilizada uma entrevista semiestruturada, que abordou os seguintes tópicos: mudanças percebidas pela mãe em si mesma com a maternidade, mudanças percebidas em seus relacionamentos com a maternidade; rede de apoio disponível às mães.

 

Resultados e discussão

A partir da análise de conteúdo qualitativa (Bardin, 2010; Gomes, 2001), duas categorias temáticas emergiram dos dados: 1. Tornar-se mãe: uma vivência que envolve mudanças; 2. A rede de apoio na primeira experiência da maternidade. A seguir, serão apresentados os resultados para cada uma dessas categorias, ilustrando-os com as falas das participantes.

1. Tornar-se mãe: uma vivência que envolve mudanças - esta categoria destacará as percepções das mães primíparas acerca das transformações ocorridas no período gestacional e após o nascimento do bebê, que serão apresentadas em três subcategorias: 1.1. Mudanças corporais; 1.2. "Eu acho que eu amadureci bastante": mudanças no modo de ser; 1.3. Mudanças no relacionamento com o pai do bebê.

1.1. Mudanças corporais - por ter um significado único em cada mulher, a mudança física que o corpo passa em decorrência da gravidez permite que cada gestante lhe atribua um sentido, um sentimento distinto (Facco & Kruel, 2012; Szejer & Stewart, 1997). Em relação às mudanças percebidas no próprio corpo durante a gestação e após o nascimento do bebê, pode-se observar a presença de sentimentos de insatisfação expressos pelas participantes. O fim da gestação foi o período lembrado por apresentar as maiores modificações no corpo da mulher, além do desconforto físico em decorrência do avançado estágio gestacional. Assim, emergiram percepções relacionadas à aparência, entre elas a de não se achar bonita.

O corpo, nos últimos meses, ele fica enorme. [...] Todo mundo achava: "Coisa linda uma mulher barriguda". Mas a roupa tu bota e não consegue se olhar e se achar bonita. É totalmente diferente quem se olha a barriga de quem te olha. Aí tu tem que botar uma roupa mais larga, tu tá com a cara mais inchada. Então, tu já não se acha bonita nas últimas semanas. (M5)

Ressalta-se também que as alterações no corpo decorrentes da gestação influenciaram no modo como a mulher se sentia em relação ao companheiro, destacando sentimentos de vergonha e preocupação. "Eu sinto muita vergonha em relação a eu e o meu marido. Eu fico com muita vergonha, porque ele me conheceu de um jeito bem diferente. E ele me diz: 'Isso nunca vai mudar. Você vai ser sempre minha mulher'. E daí eu boto roupa, me acho feia e troco de novo" (M3).

Dessa forma, as mudanças corporais podem ser vivenciadas como uma situação angustiante para a mulher, relacionando-se à presença de sentimentos de insatisfação diante da nova imagem. Tais mudanças podem ser sentidas como uma ameaça à sua autoimagem (Szejer & Stewart, 1997), a partir da ideia de perda de um corpo que antes simbolizava uma condição de mulher independente e desejada (Maldonado, 1997; Piccinini et al., 2008).

Nesse contexto, a forma como é vivenciado o relacionamento do casal pode constituir-se em um fator de proteção para a autoestima feminina. O olhar do homem sobre a mulher e o apoio fornecido a ela podem contribuir na diminuição dos sentimentos de insatisfação e insegurança quanto à autoimagem dela (Marin et al., 2011).

Ainda, sentimentos de conformidade diante das mudanças no corpo percebidas com a gestação foram destacados pelas participantes:

Meu corpo mudou tudo, mas valeu a pena. É só fazer bastante exercício, cuidar do corpo e da alimentação porque tudo o que eu tô comendo eu passo pra ela [na amamentação]. (M2)

Mudou muita coisa no meu corpo, porque eu sempre me cuidei muito. Depois que eu fiquei grávida, quase não tive mais cuidado nenhum comigo, com meu corpo. Eu só pensava nele [bebê]. (M3)

Apesar de as mães reconhecerem as mudanças no corpo decorrentes da gestação, para algumas, isso não pareceu relevante, considerando-se o que representava o tornar-se mãe. A presença do sentimento de conformidade pode estar relacionada à aceitação e identificação da mulher com a gestação e com o bebê (Marin et al., 2011; Piccinini et al., 2008). Nesse momento, nota-se que a preocupação maior das mães direcionava-se para os cuidados com o bebê, sendo a atenção com o próprio corpo uma preocupação secundária. Isso remete ao que Winnicott (1958/2000) denominou de Preocupação Materna Primária - um estado de sensibilidade muito especial em que a mãe preocupa-se com o seu bebê e em atender e adaptar-se às necessidades dele, excluindo de forma temporária e normal qualquer outro interesse que poderia vir a ter. Entretanto, de acordo com o autor, não são todas as mães que conseguem identificar-se com o bebê desde a fase inicial do desenvolvimento, contraindo essa "doença normal", a qual possibilitará o desenvolvimento psíquico saudável nesses primeiros anos.

Ainda no que diz respeito às mudanças físicas, para uma participante, estas foram percebidas como favoráveis:

Antes de eu engravidar eu era bem gordinha. Depois que ela nasceu eu emagreci, porque ela mamava e mamava. Agora eu já vacilei um pouquinho, mas eu tô melhor do que eu era antes. A roupa, tudo diminuiu o tamanho. Então, todo mundo me diz que ela me fez bem, porque além de não ter engordado, eu ainda diminuí. (M5)

Para essa mãe, a experiência da maternidade parece ter sido vivenciada de um modo que ela se percebeu melhor do que no período anterior, considerando-se os aspectos físicos. Além disso, outros aspectos apontaram para essa direção, em que o tornar-se mãe, independentemente de ser planejado ou não, trouxe mudanças significativas para a mulher como parte do processo de desenvolvimento humano. Assim, as repercussões oriundas das mudanças físicas vivenciadas pelas participantes, em suas diferentes formas e intensidades, de acordo com cada fase da gestação e também após o nascimento, possibilitam aos poucos que se vá estruturando o sentimento materno, tão importante para a constituição do vínculo mãe-bebê e para o desenvolvimento do maternar (Facco & Kruel, 2012).

1.2. "Eu acho que eu amadureci bastante": mudanças no modo de ser - considerando-se que a maternidade é um evento que implica mudanças da ordem biológica, somática, social e psicológica na vida das mulheres (Piccinini et al., 2008), esta categoria diz respeito às mudanças percebidas pelas mães no âmbito psicológico, a partir da experiência de tornar-se mãe. Para as primíparas, as principais mudanças relacionadas a esse aspecto referiram-se: à responsabilidade, ao amadurecimento, à paciência para lidar com o bebê e às mudanças nas relações interpessoais.

Antes de ter ela, a minha cabeça era de vento. Agora mudou bastante. A gente fica com mais força, com mais vontade de fazer as coisas pra dar um futuro bom pra ela. Agora não sou mais eu, agora eu tenho ela, e ela depende de mim pra tudo. Daí tem que ser mais responsável. (M2)

A gente se sente com mais responsabilidade. Tu sabe que tu é o exemplo pra eles, então, a gente tem que se cuidar também. Não adianta a gente querer cobrar deles uma coisa que o pai não faz ou a mãe não faz. (M5)

Percebe-se o cuidado e a preocupação das mães em proporcionar um futuro bom e em ser um exemplo para o filho. Salienta-se ainda a importância e o lugar que essas mães projetam para os seus bebês em suas vidas, a partir do investimento e da implicação em proporcionar a eles boas condições de vida. No caso da M2, destaca-se o fato de a gestação não ter sido planejada e a mãe não conviver com o pai da criança, o que pode influenciar na responsabilização expressa por ela, visto perceber-se como a principal responsável pela filha. Assim, a preocupação explicitada pela participante vai ao encontro do crescente número de famílias chefiadas por mulheres, sendo a mãe a principal provedora do sustento e responsável pelos filhos (Brito, 2008; Peres, 2001). Tal empreendimento se mostra uma tarefa árdua, considerando o contexto, muitas vezes de fragilidades e baixa renda, em que essas famílias estão inseridas (Amazonas, Damasceno, Terto & Silva, 2003; Brito, 2008; Peres, 2001).

As participantes do estudo também verbalizaram mudanças em relação ao modo como reagem em situações do cotidiano de seus relacionamentos interpessoais. A maternidade parece ter proporcionado amadurecimento, maior calma e capacidade de ponderação a elas:

Eu acho que eu amadureci bastante. Tem que ter um pouco mais de paciência. Antes eu era bem explosiva. Às vezes, eu respondia de qualquer jeito às pessoas ou eu dava uma resposta torta, mas agora não. Agora eu penso antes de falar e se eu acho que é necessário ficar quieta, eu fico. Coisa que antes eu não era assim. (M4)

Eu era bem diferente do que eu sou agora. Agora eu sou uma pessoa melhor do que antes. Antes eu era bem chata. Depois que você tem um filho, muda bastante. [...] Antes eu era bem explosiva, e agora tô bem mais calma, tenho paciência. As coisas tinham que ser pra ontem, agora não, tem que saber esperar. Eu acho que mudou tudo, mudou pra melhor. (M3)

A capacidade expressa pelas mães de serem mais pacientes apresenta-se como um fator positivo quando se considera todas as exigências advindas da maternidade. Ter calma e tranquilidade possibilita que a mãe consiga se colocar no lugar do bebê, reconhecendo e satisfazendo-o, especialmente no início, quando a comunicação da dupla está sendo estabelecida (Borsa & Dias, 2007). Outra característica interessante apontada pelas mães refere-se à maturidade que essa nova etapa da vida lhes proporcionou. Isso pode ser percebido pelo comprometimento demonstrado por todas as primíparas do estudo em relação ao bebê, assumindo a maternidade intensamente.

1.3. Mudanças no relacionamento com o pai do bebê - esta subcategoria refere-se às mudanças no relacionamento do casal após o nascimento do primeiro filho. Dentre as participantes do estudo, apenas uma não residia com o pai do bebê.

Algumas mães expressaram perceber alteração no relacionamento entre o casal, mencionando um novo arranjo na relação e ciúmes por parte do companheiro em relação ao envolvimento materno com o bebê: "Eu acho que mudou [o relacionamento entre o casal]. Digamos que antes a gente vivia um para o outro. Agora é diferente, agora tem ela. Primeiro ela, depois ele" (M6); "No começo teve [mudanças], porque ele era muito ciumento e a gente se direciona para o bebê" (M5).

É possível observar, a partir das falas maternas, a influência do nascimento do primeiro filho na vida do casal. Assim, destacam-se os ciúmes experienciados pelo pai da relação mãe-bebê, pois se vê tendo que dividir a atenção, que antes era integral para ele, com um outro ser, igual ou mais importante (Klaus et al., 2000; Oliveira, 2007; Piccinini et al., 2008), o que evidencia a necessidade de adaptação do relacionamento marcada com a chegada de um filho (Alves et al., 2007). Essas mudanças tendem a ser mais evidentes no início, período que marca a chegada do bebê em casa e a maior dependência dos cuidados maternos. Desse modo, o prazer de se tornar mãe e pai podem vir acompanhados de algumas perdas, entre elas do relacionamento exclusivo com o companheiro.

2. Rede de apoio: com quem posso contar nesse momento? - o apoio social refere-se a um dos fatores mais importantes para propiciar bem-estar à mãe com o nascimento de um bebê, sendo esse um evento que modifica a vida do casal e da família como um todo (Rapoport & Piccinini, 2006). Esta categoria destacará as principais fontes de apoio percebidas pelas mães no processo de constituição da maternidade. Serão apresentadas três subcategorias, a saber: 2.1. O pai do bebê; 2.2. A avó materna; 2.3. Os profissionais de saúde.

2.1. O pai do bebê - a disponibilidade de pessoas significativas que prestem apoio e suporte à mãe que está experienciando a maternidade é fundamental. A partir da fala das participantes, destaca-se a surpresa delas quanto ao desempenho dos companheiros como pais, os quais se mostraram mais presentes e participativos do que elas imaginavam:

Ele me surpreendeu. Desde o hospital, ele preocupado se eu estava com dor. Depois que o menino nasceu, ele que cuidava, ele que trocava a roupinha. Sempre está na volta e até hoje ele dá atenção. Se tiver que deixar o serviço, alguma coisa assim pra ajudar cuidar, ele fica, cuida, faz dormir, dá comida, dá mamadeira. É muito atencioso, me surpreendeu bastante. (M4)

Ele superou [a expectativa]. Eu pensei que ele não ia ter tanta paciência com ela [filha], mas ele adora ela. E ela adora ele. Precisa ver, um é louco pelo outro. Ele conversa com ela, brinca, leva ela pra passear. (M6)

O melhor [pai] possível. Eu imaginei que ele fosse bem diferente, que ele não fosse trocar fralda, dar banho, mas tudo isso ele faz. (M3)

Por meio das falas maternas, percebeu-se a importância de poder contar com o companheiro nesse momento, sendo apresentados como pais presentes e implicados na vida dos filhos, prestando-lhes apoio instrumental nos cuidados com o bebê. Dessa forma, o pai parece ser percebido como alguém que investe e tem prazer em exercer o seu papel, sendo apresentados com satisfação pelas esposas. A esse respeito, Marin et al. (2011) destacaram que a presença e o reconhecimento do pai de que o bebê também é fruto do seu desejo ajuda a mãe na responsabilização, tanto do sucesso quanto das dificuldades com a criança, o que contribui para minimizar os sentimentos de ansiedade e incapacidade que podem surgir com esse novo papel.

Apesar de as mães serem as principais responsáveis pelos cuidados dos filhos e afazeres domésticos, o que faz com que estejam mais presentes no dia a dia do bebê, destaca-se a importância conferida por elas à participação do pai na vida familiar. Salienta-se que os pais do estudo constituíam-se nos principais provedores do sustento das famílias, pois todas as mulheres haviam optado por não retornarem aos seus trabalhos após o nascimento do bebê. Supõem-se que esse aspecto esteja atrelado à baixa remuneração recebida pelas atividades desempenhadas, tendo em vista a baixa qualificação profissional, além da necessidade de realizar as funções domésticas e o cuidado dos filhos. Esses fatores podem ser dificultadores para que a mulher economicamente mais carente se mantenha empregada, concomitante a gravidez e o nascimento dos filhos (Parada & Tonete, 2009). Assim, pode-se considerar que a necessidade de uma maior dedicação ao mundo do trabalho por parte dos pais limitava a oportunidade de participação deles nas atividades diárias dos bebês.

Destaca-se, ainda, a forma favorável com que as mães do estudo apresentaram a participação e o envolvimento do pai com o bebê. Mesmo no caso em que houve uma ruptura conjugal, o pai continuou presente na vida da filha: "Ele tá sendo um pai muito bom, pra quem não tá junto. Ele mora longe, mas ele vê ela. Ele dá bastante carinho pra ela" (M2). Dessa forma, parece não ser necessariamente o casamento ou a união estável entre os genitores o fator primordial para que a mãe se sinta apoiada pelo pai, mas sim a relação estabelecida entre eles acerca da parentalidade (Marin et al., 2011).

Apesar de as mães considerarem positiva a participação dos pais na vida dos filhos, observou-se a manutenção dos papéis tradicionais atribuídos aos homens e mulheres, sendo os primeiros os principais responsáveis pelo sustento familiar e, as mulheres, pelo cuidado da casa e dos filhos. Conforme assinala Araújo (2011, p. 194),

As conquistas da modernização capitalista, do feminismo e da democracia não ocorreram (e ainda não ocorrem) da mesma maneira nos diferentes segmentos e contextos sociais e culturais. No Brasil, elas são mais acessíveis aos segmentos médios urbanos mais intelectualizados, onde é mais visível o processo de democratização das relações pessoais e familiares, no questionamento das desigualdades de gênero e revisão dos papéis tradicionalmente atribuídos ao masculino e ao feminino.

2.2. A avó materna - nesta subcategoria serão apresentados e discutidos os principais resultados acerca da relação entre a nova mãe e a própria mãe, ou seja, a avó materna do bebê, e o papel ocupado por ela na primeira experiência de maternidade da filha. A esse respeito, salienta-se que o nascimento do bebê foi um evento marcante para a reaproximação entre mãe e filha, além de ela servir de apoio à filha na realização dos cuidados com o bebê: "Antes, a gente não era muito [próximas]. Ela mora em outra cidade, então, era distante a nossa relação. E agora ela liga todo dia pra ver como é que a gente tá. Ela já tá louca pra vir ver ele. Ela veio de X [cidade] quando eu ganhei ele e ficou uma semana" (M1).

O nascimento do bebê pode ter possibilitado que os laços entre mãe e filha fossem renovados, marcando uma nova fase no ciclo de vida familiar, quando antigos conflitos podem ser reelaborados. Desse modo, nota-se que a chegada do bebê reestrutura a relação entre mãe e filha, podendo haver uma identificação entre as duas gerações (Kipper & Lopes, 2006), assim como a similaridade entre elas, pois pode gerar uma melhora na compreensão uma da outra em que ambas desfrutam da possibilidade de compartilhar suas experiências acerca do tornar-se mãe (Dornelas & Garcia, 2006).

A presença da avó materna como figura de apoio à mãe nos cuidados iniciais com o bebê também foi mencionada por outra participante do estudo: "Quando ele acordava, a minha mãe mudava ele, dava ele pra mim por causa da cesárea. No início, eu tinha medo de mudar e machucar o umbiguinho, dar banho, mas daí eu tinha minha mãe que me ajudava" (M4).

De acordo com Stern (1997), após o nascimento do bebê, o envolvimento psicológico da mulher geralmente se volta para as figuras maternas da sua vida, que servirão de modelo de identificação para a nova mãe. Nesse momento em que ela torna-se mãe, a relação vivenciada com a própria mãe é ressignificada e reelaborada, sendo que o modo como passou pela experiência de ser cuidada configura-se na principal influência sobre como ela desempenhará a função materna com o seu bebê.

Assim, é significativo para a nova mãe poder contar com a mãe para cuidar do bebê (e dela também) quando ainda está em processo de recuperação após o nascimento do filho (Dessen & Braz, 2000; Lopes et al., 2010), tendo em vista o acolhimento e a proteção que esse cuidado pode representar em um momento em que a insegurança quanto à própria capacidade de desempenhar o papel materno, as fantasias e o medo podem estar acentuados (Maldonado, 1997). Desse modo, a ajuda da avó materna nesse período pode representar para a filha alguém que tenha mais experiência, e também que possa favorecer a aprendizagem dos genitores, deixando-os mais seguros e confiantes (Stern, 1997; Lopes et al., 2010).

Por outro lado, destaca-se o sentimento de falta vivenciado por uma das mães do estudo decorrente do distanciamento entre ela e a mãe: "A minha mãe não tá nem aí. Ela é assim, quando ela tá conversando, quando ela tá perto de mim, ela é carinhosa, dá atenção. Depois, ela não liga" (M2). Essa sensação de distanciamento já estava presente desde o momento em que essa mãe ficou sabendo da gravidez: "Eu pensava que ia ser difícil. A minha mãe morava muito longe de mim. Eu não tinha a minha mãe que pudesse ir comigo [nas consultas durante a gestação]" (M2).

Conforme Dessen e Braz (2000), uma das principais modificações encontradas, em geral, na rede de apoio de famílias de baixa renda em momentos de transição familiar, como o nascimento de um filho, refere-se ao aumento no suporte emocional e instrumental (provisão de recursos, serviços e soluções de problemas) recebido das pessoas próximas. Espera-se que ocorra o envolvimento de uma rede familiar que ultrapasse os limites das casas, constituindo-se em auxílio para os desafios inerentes ao dia a dia da família (Costa & Marra, 2013). Contudo, quando isso não é possível, destaca-se a importância do apoio recebido nos serviços de saúde da comunidade.

2.3. Os profissionais de saúde - esta subcategoria refere-se ao papel dos profissionais de saúde no acompanhamento e suporte prestados às mães primíparas. Embora todas as mães do estudo estivessem participando de um programa de saúde materno-infantil no momento das entrevistas, o apoio profissional e de serviços de saúde foi mencionado, referindo-se especialmente ao período da gestação e ao momento do parto. As mães destacaram a realização do acompanhamento pré-natal realizado na mesma Unidade Básica de Saúde onde a pesquisa ocorreu: "Daí o resultado [do teste de gravidez] deu positivo. Daí já vim aqui pegar ficha pra fazer o acompanhamento" (M3); "Quando fiquei sabendo que estava grávida, já vim fazer o pré-natal" (M4).

A importância dos serviços e dos profissionais de saúde no pré e pós-parto responde, ao menos em parte, à proposta do Governo Federal expressa no Programa Rede Cegonha. Tal programa visa a oferecer assistência desde o planejamento familiar, confirmação da gestação, pré-natal, parto e puerpério, incluindo a atenção integral à saúde da criança até os dois anos de idade (Ministério da Saúde, 2011).

Para uma das participantes, os serviços de acompanhamento às gestantes e as consultas médicas se constituíram na principal fonte de informação em relação aos cuidados com o bebê.

Eu não tinha experiência nenhuma. A minha mãe morava muito longe de mim. E a minha vó era daquelas pessoas bem antigas, não falam as coisas. Então, eu dizia: "Deus, eu não sei nada". Eu fiz o cursinho que deram de gestante. Foi bastante útil pra mim. Me ajudou bastante. Lá eles ensinavam a dar banho, que eu não sabia. E o acompanhamento pré-natal na unidade. Daí eu me viro, busco uma informação de um lado, uma informação do outro. Venho no médico, venho nos pediatras. (M2)

Nesse caso, destaca-se o papel que a assistência pré-natal teve na vida da gestante, oferecendo suporte não somente às questões relacionadas à saúde, mas também proporcionando apoio emocional à nova mãe, aliviando as tensões e aumentando o sentimento de segurança (Piccinini et al., 2012). Esse suporte também se estendeu ao período posterior ao nascimento do bebê, por meio de programas de saúde materno-infantil dos quais as mães participavam.

Ainda, ficou evidente a identificação e confiança que algumas mães depositaram em determinados profissionais, como o médico com quem costumavam consultar: "Eu não queria vir no médico Y, porque dizem que ele não conversa. Eu queria vir em outro e os outros estavam de férias. Aí a gente ia deixando, aí eu já tava no quinto mês [de gestação]" (M5). Nesse caso, o fato de o profissional não estar na unidade de saúde pode ter sido um dos motivos que retardou a confirmação da gestação. A esse respeito, destaca-se o vínculo estabelecido entre a usuária do serviço e o profissional de saúde, sendo que o papel desse profissional será facilitado à medida que é estabelecida a confiança entre eles (Piccinini et. al., 2012).

Destaca-se, ainda, a importância de poder contar, no momento do parto, com aqueles profissionais com os quais já se estabeleceu um vínculo durante a gestação.

A médica que era plantonista disse: "Eu não sei se vai ter médico à noite, porque parece que a médica não vai estar de plantão. Se tu tiver mais contração, vai no hospital X". E eu: "Não quero ir". Aí eu voltei [para o mesmo hospital] e a enfermeira disse: "Ah, é tu que a doutora disse que ia voltar?". Aí eu: "Ai, que coisa boa" [a médica que já tinha a atendido estava lá]. (M5)

O parto marca o momento em que as expectativas que acompanharam a mãe ao longo de toda a gestação acabam por tomar uma dimensão real. A forma como esse momento é vivenciado pode repercutir positiva ou negativamente na vida da mulher (Marin et al., 2009). Assim, salienta-se o quanto foi importante para essa mãe ser amparada por uma profissional em quem ela confiasse para a realização do parto. Destaca-se, ainda, a importância de que os profissionais de saúde ofereçam um suporte pautado na atenção e no apoio às mães, visto que a mulher pode se encontrar especialmente fragilizada nesse momento, necessitando de um apoio acolhedor e confiável (Alves et al., 2007).

 

Considerações finais

O modo como cada mulher vivencia a experiência da maternidade é singular. Assim, também é a forma como as mudanças decorrentes desse momento foram sentidas pelas participantes do estudo. Pôde-se observar que as primíparas perceberam as mudanças no corpo decorrentes da gestação, sendo ressaltados sentimentos de insatisfação. Para algumas mães, as mudanças corporais foram citadas, influenciando na autoimagem em relação ao companheiro pelo sentimento de vergonha. Associado às mudanças na aparência, o desconforto físico sentido ao fim da gestação também foi lembrado pelas primíparas, sinalizando as limitações físicas decorrentes do fim da gestação. Para outras, as mudanças físicas não se tornaram a principal preocupação, visto que nesse momento a atenção voltava-se mais para os cuidados com o bebê do que para com o próprio corpo. Ainda, sentimentos de satisfação foram destacados a partir das mudanças corporais, sendo essas percebidas positivamente.

Além disso, mudanças no seu modo de ser foram apontadas pelas mulheres após se tornarem mães. A maternidade foi apresentada pelas primíparas como trazendo mudanças positivas para suas vidas, proporcionando amadurecimento, maior responsabilização e paciência para vivenciar esse momento com o bebê e com as outras pessoas ao seu redor.

Considerando-se a relação entre a mãe e o pai do bebê, destaca-se a influência que ela sofreu em decorrência do nascimento do primeiro filho. Levando-se em consideração que a maioria das mães vivia em união estável com o pai do bebê, sentimentos de ciúmes da relação mãe-bebê foram experienciados pelos companheiros. Isso se deu especialmente logo após o nascimento da criança. A partir disso, pode-se evidenciar o quanto o nascimento de um filho marca um evento familiar, no qual o pai também passa por um período de adaptação e mudança, assim como a mulher, necessitando se sentir incluído nessa nova organização familiar.

Diante de todas essas mudanças percebidas pelas mães com a maternidade, mostrou-se fundamental poder contar com figuras de apoio prestando o suporte necessário. A partir desse estudo, destaca-se a satisfação das mães quanto ao desempenho exercido pelo pai do bebê, que as auxiliava especialmente nos cuidados com a criança e nos momentos lúdicos. Apesar de os pais, em decorrência do trabalho, não passarem tanto tempo com os filhos quanto as mães, elas os apresentaram como sendo pais presentes, inclusive no caso da mãe que não tinha relacionamento conjugal com o pai do bebê. Nesse sentido, observou-se, nas famílias estudadas, a manutenção de papéis tradicionais relacionados ao gênero, uma vez que os pais se mantiveram como principais mantenedores financeiros da família e as mães, na maioria, deixaram seus empregos anteriores, aspecto relacionado ao segmento socioeconômico pesquisado.

A avó materna também foi indicada como importante figura de apoio à mãe, auxiliando-a nos primeiros momentos após o nascimento. Além disso, mudanças positivas na relação entre mãe e filha foram destacadas após o nascimento do bebê, havendo uma reaproximação entre elas.

Ainda, ressalta-se a importância dos serviços e profissionais de saúde como fonte de orientação e suporte à mãe primípara que desempenharam um papel ainda mais marcante no caso em que a mãe não tinha relação de proximidade com a própria mãe. Nesse sentido, destaca-se a contribuição prestada pelos serviços de acompanhamento de saúde da díade mãe-bebê, minimizando as dúvidas e prestando amparo à saúde de ambos. O apoio profissional se constituiu como um recurso significativo para as mães, especialmente por meio do vínculo estabelecido com os profissionais da saúde. A partir disso, destaca-se a relevância dos aspectos afetivos e do vínculo estabelecido entre o profissional e as mães no âmbito dos serviços de saúde. Dessa forma, o cuidado do profissional deve estender-se para além do corpo que é gestante, buscando o acolhimento da mulher, a inclusão da família, o incentivo e a valorização da paternidade e das relações familiares na construção dos vínculos com o novo bebê (Da Silva & Da Silva, 2009).

No que tange às limitações deste estudo, salienta-se que este abordou somente a perspectiva das mães. Considera-se importante que novos estudos investiguem também a visão paterna nesse processo de mudanças que marca o nascimento de um filho, já que as mães os apresentaram como figuras ativas e participativas na vida dos bebês. Nesse sentido, a ampliação dos serviços de saúde desenvolvendo ações que incentivem a presença dos pais no acompanhamento das consultas do bebê pode ser fundamental para que eles sintam-se incluídos nesse momento intenso que representa a chegada de um filho.

Cabe ainda lembrar que os resultados encontrados no presente estudo talvez não devam ser generalizados, visto que se relacionam a mulheres primíparas pertencentes a um determinado contexto. O mesmo pode se aplicar às características da rede de apoio das participantes, pois compuseram o estudo somente mulheres oriundas do mesmo grupo socioeconômico e, com uma exceção, todas elas viviam em um relacionamento estável com o pai do bebê e frequentavam um Programa de Saúde Materno-Infantil da Unidade de Saúde.

Por fim, vale destacar a importância dos serviços de saúde para as participantes deste estudo, estendendo-se para a maioria da população, mesmo com as dificuldades enfrentadas pela sociedade em relação ao acesso a eles. Dessa forma, quando se evidencia a fragilidade do sistema de cuidados, com carência de recursos tanto materiais quanto humanos, o estabelecimento do vínculo entre a mulher e os profissionais da saúde pode ser dificultado. Contudo, ressalta-se a relevância desse vínculo frente ao estado de dependência e fragilidade que a mulher pode se encontrar no momento da chegada de um filho.

 

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Recebido em 27/07/2015
Aprovado em 06/11/2017

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