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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versão On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.13 no.3 São João del-Rei jul./set. 2018

 

O adolescente em cumprimento de medida socioeducativa e sua inserção escolar

 

The adolescent in compliance with socio-educational measurement and its school insert

 

El adolescente en cumplimiento de medida socioeducativa y su inserción escolar

 

 

Sanyo Drummond PiresI; Myrian de Moraes SarmentoII; Marianna Florentina Lima Alves de Oliveira DrummondIII

IPsicólogo. Doutor em Psicologia pela Universidade São Francisco. Professor Adjunto I da Universidade Federal da Grande Dourados
IIPsicóloga pela Faculdade de Minas/Muriaé. Analista de Educação Básica na Secretaria Regional de Educação, MG
IIILicenciada em Matemática pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Educação Matemática pela Universidade Federal de Ouro Preto. Doutoranda em Educação para Ciências e Matemática da Universidade Estadual de Maringá

 

 


RESUMO

Embora o tema da inclusão escolar venha ganhando espaço nos últimos anos, a questão específica da inclusão escolar de menores que cumprem medidas socioeducativas ainda carece de estudos empíricos em nosso país. O presente estudo procurou identificar as construções discursivas ligadas ao processo de reinserção escolar de alunos em cumprimento de medidas socioeducativas. Para isso foram realizadas entrevistas com os adolescentes que cumprem medidas socioeducativas, os representantes das escolas que receberam as matrículas desses adolescentes, e dos responsáveis técnicos da instituição que acompanha o cumprimento da medida. Verificou-se um elevado grau de discriminação dos adolescentes no contexto escolar e a estruturação de discursos que culpabilizam os próprios adolescentes pela discriminação que sofrem.

Palavras-chave: Inserção escolar. Medidas socioeducativas. Preconceito.


ABSTRACT

While the topic of school inclusion come gaining space in recent years, the specific issue of school inclusion of children that comply programs for young offenders still needs empirical studies in Brazil. This study aimed to then identify the discursive constructions linked to the school reintegration of pupils in fulfillment of programs for young offenders. For that interviews were conducted with adolescents who fulfill the programs, representatives of the schools that received the enrollment of these adolescents, and technical experts of the institution that supervises the fulfillment program. It was found a high degree of discrimination of this adolescents in schools, and the structuring of speeches blaming the teenagers themselves by the discrimination suffered.

Keywords: Entering School. Programs for Young Offenders. Prejudice.


RESUMEN

Aunque el tema de la integración escolar vienen ganando terreno en los últimos años, el tema específico de la inclusión escolar de los niños que cumplen con las medidas socioeducativas aún carece de estudios empíricos en Brasil. Este estudio objetivó identificar las construcciones discursivas ligadas a la reinserción escolar de los alumnos en cumplimiento de las medidas educativas. Para esto fuera hecho entrevistas con los adolescentes que cumplen medidas socioeducativas, representantes de las escuelas que recibieron la matrícula de estos adolescentes, y los expertos técnicos de la institución que supervisa el cumplimiento de la medida. Hubo un alto grado de discriminación de los adolescentes en las escuelas, y la estructuración de discursos culpando los propios adolescentes de la discriminación que sufren.

Palabras clave: Integración escolar. Medidas socioeducativas. Prejuicio.


 

 

Introdução

A participação crescente de adolescentes como autores de crimes e atos infracionais é uma realidade no Brasil (Abramovay et al., 2002). No entanto, essa participação em atividades ilícitas também deve ser percebida a partir da situação de vulnerabilidade desses adolescentes, que são ao mesmo tempo vítimas de uma violência crescente associada a tais atividades, sendo essas situações fortemente associadas a características sociais dessa população, em que a adesão ao crime surge como forma de mitigar os problemas oriundos da exclusão social (Gallo & Willians, 2008).

Dentre esses elementos de vulnerabilidade, merecem destaque os problemas relacionados à inserção educacional, em função do círculo vicioso que ele estabelece com a adesão a ações infracionais. Ao mesmo tempo em que os processos de exclusão na educação criam condições de vulnerabilidade para o crime, o contato com o crime leva à maior evasão das escolas (Costa & Assis, 2006).

Embora a evasão escolar seja um fator também multideterminado, dois aspectos se destacam: a necessidade de se dedicar a uma forma de obtenção de renda e, principalmente, a falta de interesse do aluno, geralmente ocasionada por uma percepção de que não conseguirá alcançar melhorias na vida por meio dos estudos (Neri, 2009). O envolvimento com o crime passa então a ser tanto uma forma de obtenção de renda quanto uma forma de afirmação pessoal possível para alguém sem uma formação profissional e, geralmente, sem uma rede de suporte social, como é o caso da maior parte desses adolescentes (Parada, 2013).

Programas atuais, como o bolsa família, tendem a diminuir um pouco a primeira demanda, em função de possibilitar uma renda à família condicionada à frequência na escola. No entanto, embora venha obtendo resultados positivos diante da evasão escolar, para grupos específicos como famílias sem inserção formal no mercado de trabalho, o problema concreto do trabalho infantil não é resolvido, sendo, em alguns casos, até potencializado (Cacciamali, Tatei & Batista 2010).

Já a segunda demanda tem sido objeto de diversos projetos que buscam, com ações afirmativas e garantia de manutenção de espaços para a construção identitária dos adolescentes, minimizar problemas associados à perda da expectativa de progressão social (Castro, 2004). Porém, é interessante notar que a construção da percepção de uma associação entre progressão social e continuidade de estudos se apresenta nos jovens e em suas famílias de forma ideologizada, geralmente de forma direta, contando que a frequência na escola e a evolução nas séries escolares estariam associadas a essa progressão, e não a construção de um saber possibilitador de uma transformação da realidade (Oliveira et al., 2001). Esse processo ideologizado pode levar a uma série de percepções incongruentes nas quais a interpretação ideológica é mantida, e a percepção de falha é direcionada para o próprio sujeito, e não para o sistema que a ocasionou (Maciel, Brito & Camino, 1997).

Também relacionada a essa segunda demanda é a expectativa de que os cursos técnicos e profissionalizantes, voltados para a preparação para o mundo do trabalho, apresentariam a possibilidade de inserção profissional mais rápida, e mais perceptível pelos adolescentes. Tal perspectiva vem sendo, porém, analisada com ressalvas, por conter também uma perspectiva idealizadora da formação técnica profissional, principalmente em sua relação à inserção no mercado de trabalho (Lima, 2012).

A fragilização do acesso e da manutenção do adolescente na escola estaria então relacionada à perspectiva de que uma trajetória de fracasso escolar geraria a expectativa do fracasso na inserção profissional. Tal aspecto, gerador de baixa autoestima e de uma percepção ampliada de si em uma situação de exclusão social, encontra acolhimento em uma cultura já estruturada de reação a esse processo, tanto em termos de construção de uma identidade e de uma justificação quanto em termos de acesso à renda, ligada à criminalidade (Misse, 2010). Além disso, tal processo de inserção aos grupos ligados à criminalidade criariam situações de sua manutenção nesses grupos, principalmente pela retroalimentação de seu isolamento emocional e social, e da dependência identitária e financeira para com o crime (Bazon, Komatsu, Panosso & Estevão, 2011).

Nesse sentido, as práticas repressivas e judiciais perante a criminalidade de adolescentes, ligadas às medidas socioeducativas, devem buscar estabelecer uma ruptura com esse ciclo de retroalimentação da identificação do adolescente com o crime. Essa questão já é prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990) quando este estabelece que em seu art. 120 a obrigatoriedade da escolarização e profissionalização dos menores em cumprimento de medida socioeducativa, no caso de medidas de semi-internação, e que essa inserção deve se dar utilizando os recursos educacionais da comunidade, bem como no art. 94, que estabelece a obrigatoriedade de acesso a atividades culturais, desportivas e de lazer.

Apesar dessa obrigação, existe uma série de problemas referentes à oferta de vagas, tanto no sistema regular de ensino quanto nos cursos profissionalizantes. Em primeiro lugar, como o adolescente encontra-se em um processo sistemático de fragilização social, fica extremamente dependente da instituição de internação para que seus direitos sejam efetivados, não tendo, ou tendo pouca autonomia na escolha, acompanhamento ou solução de problemas em relação a essa reinserção escolar. Em segundo, pela discriminação que ocorre frequentemente por parte de colegas, professores e diretores das escolas onde vão estudar, existindo resistências tanto na aceitação de sua entrada quanto de sua manutenção na escola. Em terceiro lugar, pela percepção equivocada em relação aos direitos do aluno e da escola, onde as relações existentes na escola são percebidas somente em termos de cumprimento de funções educacionais, excluindo-se a dimensão de garantia do direito à educação. E por fim pela própria dificuldade já expressa na sua trajetória escolar anterior, em relação a qual não houve nenhuma intervenção ou trabalho buscando melhoria (Zannela, 2010).

Porém, essa trajetória é, além de tudo, marcada pelo estigma, pois esses adolescentes que cometem ato infracional acabam sendo rotulados, como se o ato infracional fizesse parte de suas identidades. Tal percepção se dá, além da sociedade de maneira geral, também nos professores, sendo a relação professor-aluno marcada, em grande parte dos profissionais, por uma expectativa negativa do professor pelo aluno que cumpre a medida socioeducativa, associando esse jovem a uma situação de violência presente em nossa sociedade e, assim, deixando de cumprir um papel de fundamental importância para a formação sociocognitivo-emocional desse jovem como motivador e como modelo para uma modificação positiva no adolescente infrator (Cabral & Souza, 2004, Martins et al., 2005).

Esse quadro é reforçado, também, pelos próprios comportamentos aprendidos no crime por parte dos adolescentes, como a percepção de que a indisciplina e a violência os levam a se sentirem destacados no grupo e a se tornarem líderes e a atraírem o sexo oposto. Em alguns casos, quando eles se referem ao seu ato infracional, tentam impressionar ou amedrontar os colegas e os professores, até mesmo inventam e exageram nas histórias que contam. Nesses casos, o adolescente usa a violência e a indisciplina escolar com a finalidade de se tornarem visíveis. Tal fato se liga a uma percepção de que existiria um grupo composto ou coordenado pelos jovens infratores, e que este seria responsável pela violência na escola, o que aumenta ainda mais a estigmatização desses adolescentes (Zanella, 2010).

Somado a isso, a proposta de inserção desses adolescentes por meio de lei não vem acompanhada de uma política sistemática de preparação das escolas e dos professores para receber os alunos com essas características. A ação de inserção se dá, então, a partir da simples colocação do aluno dentro da escola por imposição legal, sem uma estrutura para atender às suas demandas específicas (Camargo & Cella, 2009). O que se observa, na prática, é que o adolescente retorna à mesma situação na qual se encontrava antes de evadir da escola, mas agora com o agravante de toda carga de preconceito devido ao fato de estar cumprindo uma medida socioeducativa (Santos, 2014). Explicitar os elementos componentes dessa situação é, então, de grande importância para que se possa embasar tanto a discussão sobre o tema quanto a estruturação de ações concretas voltadas para a elaboração de políticas educacionais inclusivas para esses adolescentes.

Procuramos, então, com esse artigo, identificar, a partir de uma tríplice perspectiva - a do aluno, a da administração das escolas, e a dos técnicos de uma instituição responsável pelo cumprimento dessas medidas socioeducativas - as ações e construções discursivas associadas à discriminação desses adolescentes no processo de reinserção escolar. Esperamos com isso perceber de forma mais contextualizada essas ações, bem como os conflitos entre os posicionamentos de diferentes atores sociais sobre a questão.

 

Método

A amostra foi composta por 19 menores infratores que cumpriam medida socioeducativa em uma instituição de uma cidade de médio porte de Minas Gerais, todos do sexo masculino, com idade variando de 13 a 17 anos. Os delitos praticados, na maioria dos casos, estavam associados a tráfico de drogas ou a furtos e roubos, sendo poucos os casos de crimes violentos, que se expressavam mais por ameaças que por agressões.

Dessa mesma instituição foram também entrevistadas a diretora, a assistente social e a pedagoga, membros da equipe técnica de aplicação da medida socioeducativa. Essa instituição é uma Oscip,1 com polos de acompanhamento de cumprimento de medidas socioeducativas em diversas cidades de Minas Gerais e conveniada com a Secretaria de Segurança Pública do Estado de Minas Gerais para realizar essa atividade. Foram também entrevistados os diretores de quatro instituições de ensino (três diretores-gerais e uma diretora pedagógica) que receberam esses alunos nos últimos dois anos. Destas, duas eram da rede regular e outras duas eram escolas profissionalizantes.

A coleta dos dados foi realizada de maneira separada com cada um dos grupos entrevistados. Com os adolescentes foi utilizada uma entrevista semiestruturada conduzida a partir de um roteiro básico, pensado a partir da descrição de elementos relacionados à vida escolar e ao processo de evasão, buscando explicitar as vivências e proporcionar um espaço de reflexão e expressão de seus sentimentos e da construção de sentido que eles faziam em relação à inserção/evasão escolar (Duarte, 2004). Algumas das questões, como idade, ou se houve ou não evasão, eram perguntas com pouca margem para respostas e serviram para gerar informações mais objetivas com intuito de caracterizar a amostra. No entanto, a intenção principal da entrevista, que se expressava por meio de outras questões, como "por que evadiu" ou "hoje, o que pensa sobre a educação", buscava criar espaços para que os adolescentes refletissem sobre suas vivências e construíssem uma compreensão sobre estas.

Essa construção ficou, no entanto, a nosso ver, muito prejudicada em função da resistência e desconfiança por parte dos adolescentes em relação aos pesquisadores e à pesquisa. A percepção dos pesquisadores é que foram reproduzidas, em alguns trechos das entrevistas, falas estereotipadas relacionadas a posicionamentos defensivos diante de processos judiciais, resistência que já era esperada, conforme indicado por Duarte (2004).

Buscou-se contornar essas resistências por meio da explicação da função da pesquisa e deixando espaço para que as questões fossem expostas e debatidas de maneira mais livre, em vez de respostas diretas, para reforçar a construção de um espaço de uma compreensão sobre as vivências dos adolescentes, conforme indicado por Duarte (2002). No entanto, embora tal ação tenha possibilitado o desenvolvimento um pouco maior das falas, em relação às perguntas diretas, estas ainda se mantiveram limitadas.

As entrevistas foram realizadas individualmente com cada um dos adolescentes, em uma sala da casa onde funcionava a instituição onde cumpriam a medida. A ideia inicial era que também fossem realizadas dinâmicas de grupo para poder buscar criar um espaço para observar como se dava, dentro de um contexto coletivo, o processo de construção da compreensão da inserção escolar. No entanto, a alta rotatividade dos adolescentes cumprindo a medida, além da resistência imposta pelos riscos que essa exposição poderia causar, tornaram inviável essa proposta.

O roteiro da entrevista se baseava nas seguintes questões:

1. Idade.

2. Nível de escolaridade.

3. Se houve evasão escolar, quando?

4. Por que evadiu?

5. Qual grau de escolaridade dos pais?

6. O que diziam sobre o filho em relação à escola?

7. Como era o comportamento na escola?

8. Tinha alguma dificuldade de aprendizagem?

9. Era aluno frequente?

10. Se interessava pelos estudos?

11. Em quantas escolas estudou?

12. Já teve alguma advertência ou foi expulso? Por quê?

13. E hoje, na medida, retornando à escola, o que pensa sobre a educação?

14. Como foi recebido por essa instituição de ensino?

15. Como é o relacionamento com os colegas de sala?

16. E com os professores?

17. Já sofreram algum tipo de preconceito por parte dos colegas?

18. Por parte dos professores ou outros funcionários da escola?

19. Quando alcançar a progressão ou extinção da Medida, continuará os estudos?

20. Gostaria de fazer algum curso profissionalizante? Qual?

21. Como acha que será recebido na escola?

Quanto aos procedimentos para a realização das entrevistas, foi necessário um local isolado para a aplicação, de modo a garantir o sigilo das informações. Os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido dos menores foram assinados pelo diretor da medida de cumprimento da medida socioeducativa, responsável jurídico deles.

Da mesma forma, foram também realizadas entrevistas semiestruturadas com os representantes das escolas que receberam esses menores como alunos. As entrevistas foram realizadas individualmente, nas escolas onde esses diretores trabalhavam, durante seu horário de trabalho. Dessas escolas, duas eram escolas públicas estaduais, da rede regular de ensino, localizadas em bairros populares, mas sem problemas estruturais ou sociais destacados, e que atendem à população desses bairros. A terceira escola é uma escola técnica federal, e a quarta uma escola de formação técnica, ligada ao Senai.

O roteiro no qual se baseou a entrevista constava com as seguintes questões:

1. Quantos alunos que cumprem medidas socioeducativas foram recebidos na escola nos últimos dois anos? Como foi a demanda pela inclusão desses alunos e sua recepção na escola?

2. Existem algum programa ou professores capacitados para trabalhar especificamente com esse público?

3. Qual o desempenho percebido desses alunos no seu processo de aprendizagem?

4. Qual a expectativa em relação à capacidade de aprendizagem desses alunos?

5. O que poderia ser feito para melhorar essa situação?

6. Os alunos que cumprem medida socioeducativa, durante sua estada na escola, se envolveram em atividades ilícitas?

7. Os alunos que cumprem medida socioeducativa, durante sua estada na escola, apresentaram indisciplina ou perturbaram, de forma destacada à dos outros alunos, as atividades do professor ou da escola?

8. A presença desses alunos que cumprem medidas socioeducativas é prejudicial para os alunos regulares?

Com as informações coletadas nas entrevistas com os alunos e com os diretores, foi realizada uma análise de conteúdo (Moraes, 1999; Galvão, 2005), buscando identificar os elementos contextuais comuns que emergiam nas falas dos entrevistados e descreviam a realidade na qual eles se percebiam inseridos e as categorias explicativas das situações vivenciadas em relação à inserção escolar dos adolescentes.

Essas categorias contextuais e dinâmicas que emergiram nas entrevistas com os adolescentes e com os diretores das escolas serviram de base para a elaboração dos temas que foram abordados nas entrevistas com os técnicos responsáveis pelo acompanhamento do cumprimento da medida socioeducativa. Em virtude da forte influência ideológica presente nos discursos relacionados ao tema, na maior parte da bibliografia levantada, pretendeu-se confrontar essas categorias criadas com os achados já presentes nas referências bibliográficas (Urquiza & Marque, 2016), nas quais se encontrou grande correspondência. No entanto, para além da confrontação entre as categorias levantadas e as categorias teóricas, pretendeu-se também que essas categorias fossem confirmadas ou contrapostas por agentes que ocupam diferentes posições no processo de inserção educacional dos adolescentes, para podermos assim destacar melhor os conflitos e tensões nos discursos desses diferentes atores.

Como houve grande dificuldade de acesso aos adolescentes, tornando inviável a realização de mais de uma entrevista, e como as percepções formais da instituição responsável pelo cumprimento das medidas socioeducativas já eram de amplo conhecimento das escolas, por meio tanto das formalizações dos pedidos de matrícula quanto da contestação, também formal, das queixas das escolas, considerou-se que esta já era de conhecimento dos representantes das escolas e já estavam implícitos em suas falas. Buscou-se então concentrar a análise dessa confrontação a partir da percepção que os técnicos responsáveis pelo acompanhamento do cumprimento da medida socioeducativa fizeram das categorias que emergiram nos dois primeiros grupos de entrevistas.

As categorias explicitadas com os dois primeiros grupos foram então apresentadas para os técnicos e, a partir delas, foi realizada a entrevista com eles, pedindo que falassem de seu trabalho e fossem comentadas as posições dos outros dois grupos. Com os resultados, as falas foram analisadas, buscando também a explicitação das categorias descritivas dos elementos contextuais e dinâmicos presentes no processo de inserção dos adolescentes na escola a partir da percepção destes. Com a definição dessas categorias interpretativas que emergiram nas falas dos diferentes atores, buscou-se então identificar as articulações e contradições nas falas dos diferentes grupos, de modo a explicitar os elementos ideológicos e defensivos dos sujeitos e entidades participantes do processo de reinserção dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa no sistema educacional.

 

Resultados

Antes de iniciar a descrição dos resultados, é importante destacar que, de forma geral, foi percebida a falta de interesse ou adesão à participação na pesquisa pelos adolescentes, educadores e pelos técnicos do socioeducativo. Embora os participantes não tenham se oposto ou criado empecilhos para responder às perguntas, a interpretação da falta de interesse ou não adesão à participação se deu principalmente pelo fato de a maior parte dos entrevistados responderem de maneira rápida e formal às perguntas, não havendo, na maioria das vezes, demonstrações de reflexão ou envolvimento afetivo. Mesmo nos momentos em que foi percebido algum envolvimento emocional, este se dava, geralmente, como expressões de ansiedade em função da constatação da dificuldade de se abordar a questão, sendo marcado por construções defensivas diante dessa ansiedade.

 

Entrevista com os adolescentes em cumprimento da medida socioeducativa

Dentre os aspectos objetivos da entrevista, identificou-se que a idade dos adolescentes variou entre 13 e 17 anos, a maioria tem ensino fundamental incompleto e apenas um cursa o ensino médio. Os jovens evadiram da escola há um ou dois anos e não sabem qual é o nível de escolaridade dos pais. A maior parte dos adolescentes disse ter estudado em uma escola, apenas um alegou ter estudado em quatro escolas.

Quanto ao motivo pelo qual os jovens evadiram da escola, metade disse que saiu por vontade própria e a outra metade explicou que foi expulsa e que esse fato se deu em função de cometimentos de atos ilícitos. A percepção da evasão, no entanto, com exceção de um entrevistado, está intimamente associada a uma interpretação de terem mal comportamento na escola, expresso principalmente por desacato aos colegas e professores, e em quatro casos pelo uso de drogas dentro da escola. Além disso, com exceção de dois entrevistados, os demais afirmaram não ter dificuldade de aprendizagem, ou ter dificuldade em uma matéria ou outra.

Esse desinteresse em relação aos estudos antes da medida socioeducativa mantém-se ainda. A maioria deles diz não ter interesse pelos estudos e os que disseram ter interesse se referiam apenas a algumas matérias. Praticamente metade dos adolescentes continua dizendo que não gosta de estudar e somente o faz em função do cumprimento da medida. Já os demais dizem perceber a necessidade do estudo, geralmente associado ao emprego, mas não houve nas respostas nenhuma fala a respeito de gostar da escola ou de seu ambiente.

Além disso, as percepções relacionadas às necessidades de estudo aparecem em suas falas de forma idealizadas, principalmente em relação aos cursos de informática, que, em função do critério de seleção ser associado ao desempenho escolar prévio, acabava tendo seu acesso impedido para eles. Essa dimensão ideologizada também aparece nas respostas sobre a percepção e ações das famílias em relação aos seus estudos. Todos responderam que a família os obrigava a frequentar a escola ressaltando o valor do estudo, e que só mantinham a frequência devido à vigilância sistemática e à punição dos pais caso não fossem à escola.

Ao serem reinseridos na escola, todos os adolescentes disseram ter sido bem recebidos e ter bom relacionamento com os colegas e que não sofreram preconceito por estarem em cumprimento de medida,2 mas, ao explicarem a relação, percebe-se claramente que, na maior parte dos casos, essa relação é marcada por tensões, distanciamento e agressividade, o mesmo acontecendo em relação com os professores ou funcionários da escola. É interessante notar aqui um termo recorrente na fala dos adolescentes, que é a noção de respeito, intimamente ligada à noção de bom acolhimento. A compreensão de ter um bom relacionamento se resume ao fato de tratar e ser tratado com respeito, porém, não há percepção de acolhimento, sendo as falas sobre essa questão breves e formais. A temática do respeito se expressa principalmente na fala de um dos alunos: "eu respeito eles do mesmo jeito que eles me respeitarem".

No entanto, essa percepção positiva é contradita quando perguntados sobre a expectativa diante da reinserção escolar. Todos apresentavam expectativa negativa e temor de sofrer preconceito ao retornar à escola (as entrevistas foram realizadas no período de férias escolares, em julho), havendo, no entanto, perspectivas diferentes de reações perante esse preconceito. Pudemos encontrar duas posições bem definidas nesse caso. A primeira se daria por meio de uma não reação ao preconceito, "ficando de boa". A segunda indica que haveria alguma forma de reação, e que tratariam as outras pessoas da mesma forma que fossem tratados.

 

Entrevistas realizadas com os diretores das escolas

As entrevistas foram realizadas em quatro escolas, em três delas com os diretores e em uma delas com a diretora pedagógica. Dessas escolas, duas eram da rede de ensino regular e duas de cursos profissionalizantes, que implementavam programas de qualificação profissional do Governo Federal. Para melhor visualização dos resultados, podemos identificar essas escolas da seguinte forma: Escola 1 (escola da rede regular que recebeu a maior parte dos alunos); Escola 2 (escola da rede regular que recebeu poucos alunos); Escola 3 (escola técnica federal); e Escola 4 (escola técnica do Senai).

De maneira geral, as respostas foram breves e formais, e quando se tentava aprofundar a discussão, as repostas tendiam a ser evasivas, remetendo a discussões pedagógicas gerais, sem vínculo com a especificidade da inserção do adolescente em medida socioeducativa. Em nenhumas das escolas havia programa de preparação para trabalhar com adolescentes em cumprimento de medida e nenhuma delas relatou ter programa ou profissionais preparados para trabalhar com o público em questão; e em todas foi relatado baixo desempenho dos alunos e a artificialidade de sua presença na escola. No entanto, três escolas alegaram ter expectativa positiva da capacidade de aprendizagem dos alunos, mas que esta não se concretiza pela falta de interesse dos jovens. O mesmo discurso de culpabilização do aluno aparece na Escola 4, que relatou uma expectativa negativa, alegando que o preconceito que existia "poderia ser quebrado pelo bom desempenho dos alunos", ou seja, que, caberia aos alunos, por seu esforço e desempenho, mostrar que não deveriam ser vítimas de preconceito.

É interessante, no entanto, ressaltar, que a Escola 4 foi a única a apresentar práticas pedagógicas voltadas especificamente para os alunos que cumpriam medida, como aulas extras de reforço, além de propor ações de reestruturação da organização pedagógica da escola para melhor atender esses alunos, porém, ainda dentro da lógica de possibilitar ao aluno e ao seu esforço uma chance de demonstrar que poderia não ser objeto de preconceito. Além disso, com exceção dessa escola, as demais relataram que os alunos da medida são indisciplinados e que sua presença é prejudicial, pois, além de prejudicar a aula, há também uma intimidação por parte dos adolescentes que cumprem a medida em relação aos alunos regulares.

Essa mesma culpabilização também foi relatada em relação ao processo de acolhimento. Embora as Escolas 2 e 3 tenham relatado que o acolhimento foi normal, nas Escolas 1 e 4 foi dito que, apesar da tentativa de fazer o acolhimento igual aos demais alunos, acabou havendo uma diferenciação no decorrer do curso causado não pela instituição, mas pelas ações dos próprios jovens "que se rotulavam". Aqui o aspecto que se destaca nas percepções negativas pareceu ser relacionado à quantidade de alunos da Medida Socioeducativa na Escola 1, que iam em grupos para as instituições. Nas outras, além do número de adolescentes encaminhados ser menor, estes também iam para a escola de maneira não agrupada, indo para salas diferentes. Além disso, nessa mesma escola onde havia maior número de alunos, houve relato de uso de drogas dentro da escola por esses jovens, não havendo, no entanto, outros relatos de atos ilícitos nas outras escolas. Quanto à Escola 4, próximo à entrevista, havia ocorrido um furto, praticado por um ex-aluno que entrara na escola a partir do programa de inserção de medida socioeducativa, o que pode ter ressaltado a percepção negativa.

 

Entrevistas realizadas com os funcionários da entidade que gerencia o cumprimento da medida socioeducativa

A partir das duas entrevistas realizadas, mencionadas anteriormente , foi feito um novo roteiro para verificação das categorias estruturadas a partir das falas, tanto dos alunos como dos representantes das escolas que receberam suas matrículas. Esse roteiro serviu de base para a organização da entrevista com os técnicos da instituição responsável pela medida socioeducativa. A intenção dessa entrevista era verificar, por meio da confrontação de posições, os conflitos e ocultações presentes nas falas dos diferentes agentes.

Tais conflitos também já eram antevistos, para além dos conteúdos formais das falas, pelas percepções subjetivas de resistência ou superficialidade das respostas. A partir desses dois parâmetros, conteúdos das falas e percepções subjetivas de pontos de conflito e ocultação foram identificados nas seguintes categorias que organizam os discursos: 1. Culpabilização dos adolescentes em medida socioeducativa pelo seu fracasso escolar e pelo preconceito sofrido. 2. Ausência nas falas de articulação da reinserção escolar e a possibilidade de inserção no trabalho e recuperação da cidadania. 3. Negação do preconceito e resistência ao diálogo sobre o tema.

Como a intenção, nessa segunda etapa da pesquisa, seria possibilitar uma fala menos direcionada, procurou-se condensar todas essas categorias em uma única pergunta, de forma que, além das falas sobre elas, também a articulação entre os temas fosse elaborada de forma livre pelos entrevistados.

A entrevista consistia de uma única pergunta introdutória e seguia de forma livre, com pequenos questionamentos para esclarecer dúvidas por parte do entrevistador. Foi feita a seguinte pergunta: Em relação a algumas instituições de ensino regular e instituições de cursos profissionalizantes, você observou algum tipo de discriminação ou estigmatização, resistência, quanto aos adolescentes em cumprimento de medida que estão inseridos nessas instituições? Se sim, explique.

A categoria principal em torno da qual circulavam suas interpretações do processo de discriminação dos alunos por parte das entrevistadas se dava a partir da culpabilização técnica dos professores/administradores. Essa culpabilização se expressava por meio de dois argumentos.

O primeiro se refere ao despreparo desses professores para compreender a situação e necessidades específicas desses alunos em função de desconhecimento ou desconsideração nas suas práticas pedagógicas ou na sua postura perante esses alunos, à condição histórica de vulnerabilidade social desses alunos, além do contexto da criminalidade na qual estes estavam inseridos. O segundo foi relacionado a uma postura de não responsabilização por parte da escola e dos professores de seu papel de garantir o cuidado e a inserção desses alunos, o que ocorria não só por despreparo técnico, mas por um posicionamento de desconsideração e temor em relação a esses estudantes, sendo a aceitação meramente burocrática e artificial.

As principais formas de manifestação desse preconceito se davam na resistência em aceitar a matrícula dos adolescentes cumprindo medida socioeducativa, ou a solicitação explícita de retirada deles como alunos. Além disso, a discriminação e resistência à presença desses alunos nas escolas se manifestavam também por meio de um tratamento disciplinar diferenciado, além de uma cobrança excessiva de desempenho. Esse preconceito e a demanda de exclusão desses discentes também se manifestariam por meio de proposta de criação de uma turma específica somente para jovem em cumprimento da medida

Além disso, a discriminação se manifestava também pelo argumento principal utilizado pelos professores/administradores sobre a falta de segurança que esses alunos traziam para a escola, querendo condicionar a aceitação das matrículas ao envio de policiais ou de agentes de medida socioeducativa para a escola. Tal fato estava associado a uma percepção, por parte dos professores/administradores, de que a responsabilidade por esses adolescentes durante o período em que estão na escola não seria da escola, mas da instituição que gerencia o cumprimento da medida.

Somente na fala da pedagoga aparece novamente a categoria de culpabilização dos alunos em função de que eles executavam ações para coagir ou gerar medo em colegas ou professores, e pelo fato de estarem associados ao crime. No entanto, essa percepção se referia especificamente em relação à escola que recebeu maior número de alunos, que, segundo a entrevistada, foi a única que realmente expressou ações de discriminação aos alunos. O que de fato geraria medo não seria o aluno isoladamente, mas o fato "de irem em bando".

 

Discussão

De modo geral, os fatores associados à evasão escolar e ao cometimento de atos ilícitos que levaram os adolescentes da amostra dessa pesquisa à medida socioeducativa parecem estar de acordo com os dados encontrados por Neri (2009), principalmente em relação à questão do não interesse pelo estudo, não interesse este que aparentemente se mantém ainda no momento atual. No entanto, não aparece na fala dos entrevistados a questão da necessidade de renda e de trabalho. Porém, é interessante notar que aparece nessas falas a questão da expulsão da escola pelo fato de terem cometido atos ilícitos, principalmente relacionados ao uso de drogas e à violência (ainda que somente verbal). A percepção de que o fracasso é devido a seus próprios atos é internalizado pelos alunos na análise de sua trajetória escolar. Com exceção de um dos alunos, que alegou ter sido forçado a realizar o tráfico dentro da escola, nenhum deles relata nenhum aspecto relacionado à situação socioeconômica, ou à estrutura escolar como algo associado à evasão escolar ou realizações de atos ilícitos.

Tal aspecto fica ainda mais ressaltado quando analisamos a percepção que os alunos tinham do papel da família no seu processo de evasão. A maior parte alega que a família tinha um papel importante no processo de incentivo aos estudos ou coibição das faltas e da evasão escolar, mas o mesmo fato se contrapõe com o desconhecimento do nível educacional dos pais, o que indica que apesar de cobrados para o estudo, tal tema não era um assunto vivenciado de forma clara na família.

A isso se soma a identificação de importância do estudo relatada por alguns dos entrevistados que aparece em seus discursos desarticulados de consequências ou expectativas objetivas, e uma percepção idealizada de algumas carreiras específicas (como informática). Tais elementos podem se configurar como indícios de que o processo de ideologização da escolarização em certo grau também estaria presente nos adolescentes entrevistados e no contexto em que aderiram às práticas ilícitas, reforçando o processo de autoculpabilização e perda de expectativa em relação aos estudos.

Tais percepções de culpabilização dos alunos e idealização da escolarização na trajetória escolar pareceram estar presentes também na fala dos diretores das escolas e dos técnicos da instituição responsáveis pela aplicação da medida de segurança. Porém, pode-se perceber também que o discurso de culpabilização técnica dos professores e administradores das escolas, tanto por parte da instituição responsável pela aplicação da medida de segurança, onde tais falas eram explícitas, quanto pelas próprias escolas, principalmente por meio de queixas relacionadas à falta de programas de treinamento para lidar com aquela situação, também individualiza o problema.

Tal fato nos remete aos discursos de justificativa do fracasso escolar, descrito por Angelucci et al. (2004), em que tanto os discursos de culpabilização do aluno quanto os de culpabilização da incapacidade técnica do professor estão associados a um processo de negação da responsabilidade da escola e, mais amplamente, do sistema escolar, na não consideração das necessidades culturais específicas de estudantes que fogem ao padrão esperado pela escola, e ao não questionamento da legitimidade de suas práticas pedagógicas. Nesse sentido, é interessante ressaltar a fala da diretora da escola de curso técnico, que relata a impossibilidade de inserção nos cursos desejados em função da baixa escolarização apresentada pelos adolescentes, e sua não motivação para participarem dos cursos disponíveis para seu nível escolar. Podemos perceber, então, que o mesmo processo de responsabilização dos adolescentes se mantém presente e sua história de exclusão é negada.

No entanto, o que mais chamou a atenção foi que, apesar de todo o processo de culpabilização dos adolescentes, e expressões, muitas vezes bem objetivas, relacionadas ao desejo de exclusão destes, a questão do preconceito aparece pouco nos discursos dos adolescentes. Uma hipótese explicativa para tal fato seria que o processo de autoculpabilização possa interferir nessa percepção de serem vítimas de preconceito, naturalizando as expectativas e ações negativas em direção a eles.

Um elemento que reforça essa interpretação é a preocupação com a questão do "respeito", presente nas falas dos adolescentes. A questão é colocada como uma questão de relação individual entre eles e os colegas e professores, mas não se apresenta a construção da escola e do processo de escolarização como um processo institucional que é um direito seu, e uma relação dele com a escola, e com seu direito. O mesmo parece ocorrer na percepção dos responsáveis pelas escolas, principalmente na expectativa de que os adolescentes precisam demonstrar que não precisa haver preconceitos contra eles.

Tal demonstração de respeitabilidade parece estar associada também ao envolvimento com o crime, uma vez que algumas queixas só passaram a ocorrer depois que foi descoberto que aqueles alunos cumpriam medida de segurança. Esse fato poderia explicar o fato de que a escola que recebeu maior número de alunos foi aquela na qual foi percebido maior índice de preconceito contra os alunos. Independentemente da ação desses adolescentes, a expectativa de que essa possa ocorrer (fato ressaltado pela força que um grupo maior tem em relação a um aluno isolado) parece atuar então quase como a ocorrência do ato ilícito em si, principalmente na percepção de atos de ameaças.

No entanto, o fato de que em todos os discursos apareçam só os elementos negativos sobre os alunos, não havendo relatos relacionados à sua evolução, ou casos específicos bem-sucedidos, ou mesmo relatos sobre os que não tinham comportamentos discrepantes dos outros alunos, reforça a hipótese de que essa ênfase a aspectos negativos e silêncio sobre os aspectos positivos sustenta a situação de preconceito.

 

Considerações finais

Embora venham ocorrendo grandes avanços em relação à obtenção de direitos das crianças e adolescentes, e em relação à inclusão escolar, existe ainda uma série de problemas relacionados às condições institucionais e culturais que possibilitem a concretização de tais direitos.

Os processos de inclusão de estudantes em cumprimento de medida socioeducativa encontram uma série de elementos que precisa ser mais amplamente discutidos, e avançar, de um processo jurídico, relacionado ao cumprimento da medida, para uma proposta educacional, pensada dentro das políticas públicas de educação. Nesse sentido, seria de grande importância que a um trabalho mais sistemático de identificação das causas associadas à relação entre evasão escolar e criminalidade fosse acrescentada uma identificação dos elementos associados ao processo de reinserção desse aluno em cumprimento de medida socioeducativa na escola.

Pudemos perceber como O processo de reinserção desses alunos é fortemente marcado por elementos discursivos que culpabilizam os próprios adolescentes ou os professores por seu fracasso escolar, não questionando o modelo escolar e a ausência de políticas públicas voltadas para o tema. Esse fato parece decorrer da ausência de espaços de discussão nas escolas e de explicitação das posições e pressupostos que são subjacentes às práticas e aos discursos expressos. A construção desses espaços poderia ser de grande importância para buscar soluções mais inclusivas para esses adolescentes, assim como a realização de mais estudos e discussões sobre o tema e sua disponibilização para o fomento de discussões com os diferentes atores e instituições envolvidos no processo.

 

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Recebido em: 5/9/2016
Aprovado em: 20/8/2018

 

 

1 Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, regulamentadas pela Lei n° 9.790 de 23 de março de 1999.
2 O único relato de preconceito apresentado se referiu ao preconceito pela orientação sexual de um dos entrevistados.

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