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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versão On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.13 no.4 São João del-Rei out./dez. 2018

 

Gincana inclusiva: protagonismo, empoderamento e visibilidade das pessoas com deficiência

 

Inclusive collaborative competition: protagonism, empowerment and visibility of person´s with disability

 

Gincana inclusiva: protagonismo, empoderamiento y visibilidad de las personas con discapacidad

 

 

Marineia Crosara de ResendeI; Karen Borges BarbosII

IDoutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2006). Pós-Doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (2008). Professora Doutora da Universidade Federal de Uberlândia. Presidenta do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência de Uberlândia (2015-2017). E-mail: marineia@ufu.br
IIPsicóloga (2017) pela Universidade Federal de Uberlândia

 

 


RESUMO

A participação social das pessoas com deficiência tem um aspecto de exclusão em virtude do estigma imposto pela diferença. Este trabalho tem como objetivo apresentar o relato do evento "Gincana Inclusiva", que pretendeu dar visibilidade às pessoas com deficiência. Participaram 72 pessoas com e sem deficiência. As atividades realizadas na gincana foram: corrida de caiaque, corrida de cadeira de rodas, apresentação de personalidades, jogos com materiais reciclados. Os aspectos mais relevantes da Gincana foram a representatividade e a visibilidade. Num espaço feito por pessoas com deficiência para pessoas com deficiência, o protagonismo prevaleceu. Para fazer valer o lema "nada sobre nós, sem nós", as pessoas com deficiência é que devem ser incumbidas dos movimentos e segmentos que lhes dizem respeito. A luta pela desconstrução do estereótipo é diária e desafiadora para que as pessoas com deficiência consigam o respeito e a visibilidade devidos numa sociedade que a elas também pertence.

Palavras-chave: Deficiência. Empoderamento. Autonomia.


ABSTRACT

The social participation of people with disabilities has an excludent aspect, due to the stigma imposed by difference. This paper aims to present the report of the event "Inclusive Gymkhana", which aimed to give visibility to people with disabilities. Participants was 72 people with and without disabilities. The activities performed in the gymkhana were: kayak race, wheelchair race, presentation of personalities, games with recycled materials. The most relevant aspects of the Gymkhana were representativeness and visibility. In a space made by people with disabilities for people with disabilities, the protagonism prevailed. To assert the motto "nothing about us, without us," people with disabilities must be entrusted with the movements and segments that concern to them. The struggle for the deconstruction of the stereotype is daily and challenging, so that people with disabilities can obtain due respect and visibility in a society that also belongs to them.

Keywords: Disabled. Empowerment. Autonomy.


RESUMEN

La participación social de las personas con discapacidad tiene un aspecto de exclusión, en virtud del estigma impuesto por la diferencia. Este trabajo tiene como objetivo presentar el relato del evento "Gincana Inclusiva", que pretendió dar visibilidad a las personas con discapacidad. Participaron 72 personas con y sin discapacidad. Las actividades realizadas en la gincana fueron: carrera de kayak, carrera de silla de ruedas, presentación de personalidades, juegos con materiales reciclados. Los aspectos más relevantes de Gincana fueron la representatividad y la visibilidad. En un espacio hecho por personas con discapacidad para las personas con discapacidad, el protagonismo prevaleció. Para hacer valer el lema "nada sobre nosotros, sin nosotros", las personas con discapacidad es que deben ser encargadas de los movimientos y segmentos que les conciernen. La lucha por la deconstrucción del estereotipo es diaria y desafiante, para que las personas con discapacidad consigan el respeto y la visibilidad debidos, en una sociedad que a ellas pertenece.

Palabras clave: Discapacidad; Empoderamiento; Autonomía.


 

 

Coerente com a minha posição democrática estou convencido de que a discussão em torno do sonho ou do projeto de sociedade porque lutamos não é privilégio das elites dominantes nem tampouco das lideranças dos partidos progressistas. Pelo contrário, participar dos debates em torno do projeto diferente de mundo é um direito das classes populares que não podem ser puramente "guiadas" ou empurradas até o sonho por suas lideranças.

(Freire, 2000).

 

Introdução

Na era dos direitos humanos, temas como igualdade, acessibilidade, equidade, entre tantos outros, vêm à tona e fazem repensar a forma de viver e sobreviver neste mundo moderno, onde há liquidez e plasticidade existencial (Bauman, 2004). De repente surgiu uma esperança de que todos e todas caberiam no mundo, que ser diferente é normal, que características que diferenciam uns dos outros fazem parte da diversidade natural que denota a riqueza humana (Almeida, 2010).

Um mundo de respeito às individualidades, pois assim se apresentam todos os seres: naturalmente heterogêneos, variados, distintos (Souza, 2014). Nesse cenário, destacam-se as pessoas com deficiência, com suas particularidades, virtudes e fraquezas, como quaisquer outros seres humanos (Souza, 2014). O segmento das pessoas com deficiência reúne em uma mesma categoria vários tipos de deficiência - física, auditiva, visual, intelectual e mental -, constituindo assim um grupo bastante heterogêneo (Cruz & Emmel, 2013), encontrando-se inseridas em contextos sociais bem diversos (Bernardes, Maior, Spezia, & Araujo, 2009). Essas pessoas têm, em comum, o fato de que a deficiência pode ser entendida como uma marca que traz um julgamento antecipado, categorizando a pessoa em detrimento do restante de suas qualidades, diferenciando-as dos outros (Goffman, 1988). Mas isso nem sempre foi assim.

 

A exclusão das pessoas com deficiência

O estigma se evidencia pela discrepância entre a identidade social virtual - a caracterização do indivíduo baseada em elementos sociais pré-definidos - e a identidade social real - aquilo que o sujeito, na realidade, é (Goffman, 1988). Os meios de categorizar as pessoas são estabelecidos socialmente e, com base nesses pré-conceitos, enrijece-se o critério de categorização e normatizam-se as expectativas impostas aos indivíduos da sociedade (Frayse-Pereira, 1990). Aquele que não se encaixa nos rigorosos critérios sociais e, consequentemente, não corresponde às expectativas sociais, deixa de ser considerado criatura comum e total e passa a ser considerado uma pessoa diminuída e estigmatizada, o que impõe o processo de exclusão (Goffman, 1988).

O processo de exclusão social das pessoas com deficiência remonta aos primórdios da socialização humana e a história da deficiência sempre foi escrita pelo viés das limitações dessas pessoas, e não de suas potencialidades (Maciel, 2000). As estratégias de exclusão e de confinamento utilizadas por muitos séculos para lidar com as pessoas com deficiência tolhiam sua autonomia e não permitiam seu desenvolvimento saudável e sua integração social (Lanna Junior, 2010).

O sentido de exclusão, de ser o "outro" das pessoas com deficiência, está intimamente ligado à construção da percepção negativa da deficiência na pós-modernidade, e a perspectiva médica está no cerne da invalidação daqueles que não se incluem no ideal de normalidade (Hughes, 1999). É a sociedade que incapacita as pessoas com deficiência; a opressão que delimita a organização social é que impede que essas pessoas atuem autonomamente (Filkelstein, 1980).

Shakespeare e Watson (1997) reformulam a ideia, reconhecendo a pluralidade de fatores que contribuem para o processo de exclusão das pessoas com deficiência: consideram que a sociedade, estruturada para pessoas sem deficiência, é a maior responsável pela incapacitação das pessoas com deficiência e por sua invisibilidade. Almeida (2010) definiu o que chamou de ciclo da invisibilidade: as pessoas com deficiência viviam num círculo vicioso, não conseguiam sair de casa e, logo, não eram vistas pela comunidade; como não eram vistas, não eram reconhecidas como membros da comunidade; como não faziam parte, a falta de acesso não era um problema; sem o acesso a bens e serviços, não havia como serem incluídas; sem serem incluídas, continuavam invisíveis e alvo de discriminação. Nesse sentido, as pessoas com deficiência foram marcadas pela negligência, omissão e segregação, o que interiorizou na sociedade o preconceito e as atitudes discriminatórias (Oliveira & Resende, 2017).

A caminhada rumo aos direitos humanos da pessoa com deficiência, durante longos anos, se mostrou lenta e desarticulada (Souza, 2014), passando historicamente por quatro fases: a) fase de intolerância em relação às pessoas com deficiência, em que a deficiência simbolizava impureza, ou mesmo castigo divino; b) fase de invisibilidade: marcada pela invisibilidade das pessoas com deficiência; c) fase assistencialista: orientada por uma óptica assistencialista, pautada na perspectiva médica e biológica de que a deficiência era uma "doença a ser curada", sendo o foco centrado no indivíduo "portador da enfermidade"; e d) fase de direitos humanos: orientada pelo paradigma dos direitos humanos, em que emergem os direitos à inclusão social, com ênfase na relação da pessoa com deficiência e do meio em que ela se insere, bem como na necessidade de eliminar obstáculos e barreiras superáveis, sejam elas culturais, físicas ou sociais, que impeçam o pleno exercício dos direitos humanos (Resende, Souza & Resende, 2012).

 

Direitos humanos e inclusão

A relação da sociedade com a parcela da população constituída pelas pessoas com deficiência tem se modificado no decorrer dos tempos, nas duas últimas décadas do século passado e no início do século XXI, quando o movimento pela inclusão ganhou visibilidade, projetando avanços sociais significativos (Resende, Costa & Resende, 2012). As pessoas com deficiência saíram da condição de seres invisíveis e tutelados e passaram a participar dos debates de criação e de implantação das políticas públicas nas mais diversas infraestruturas sociais, conquistando espaços antes inatingíveis, materializando, na essência, o lema "nada sobre nós, sem nós" (Souza, 2014).

Esse processo passou pela desconstrução do modelo médico - que, apesar de reconhecer constrangimentos sociais, não reconhecia a associação da deficiência à opressão e a exclusão social sistemáticas, focando-se apenas no indivíduo (Thomas, 2004) - e a implementação do modelo social, no qual as questões do meio em que a pessoa com deficiência está inserida precisam ser consideradas, como preconiza a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Resende & Vital, 2008; Santos, 2016).

No artigo 1º da Convenção, encontra-se que pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdades de condições com as demais pessoas (Brasil, 2009). Nos termos do artigo 1º, o que de fato impede a plena participação é a existência de uma sociedade que exclui, ou seja, de uma sociedade não inclusiva e não apenas a presença de uma limitação funcional e pessoal (Resende, Souza & Resende, 2012).

A contextualização da deficiência é entendida como um conceito em evolução e o fato de ela estar diretamente relacionada à interação entre os limites pessoais, as atitudes e o ambiente em que a pessoa está inserida, com as barreiras ali existentes (Santos, 2016), denota a "mudança de paradigma" nas atitudes e nas abordagens em relação às pessoas com deficiência trazida pela Convenção. Para a Convenção, as pessoas com deficiência não podem ser vistas como "objetos" de tratamentos assistenciais, médicos ou caritativos. Em vez disso, devem ser tratadas como sujeitos de direitos, capazes de exigi-los e tomar decisões sobre sua vida baseadas em seu consentimento livre e bem informado, assumindo assim o papel de protagonista de sua história pessoal (Resende, Costa & Resende, 2012).

A pessoa com deficiência deve ser considerada como membro ativo da sociedade e como cidadã imprescindível para o desenvolvimento de um país equânime (Resende, Souza & Resende, 2012). Nesse sentido, ao longo das últimas décadas, as pessoas com deficiência vêm conquistando direitos e seu espaço na sociedade (Silva & Oliveira, 2018). Paulatinamente, as políticas públicas voltadas a essa população são incorporadas à agenda política, haja vista a entrada em vigor, a partir de janeiro de 2016, da Lei Brasileira de Inclusão (Lei n° 13.146, de 6 de julho de 2015) que trata sobre inclusão social.

Para fazer valer todas as conquistas até aqui, movimentos organizados e conduzidos por pessoas com deficiência em diversos países mostram que, quando existe a igualdade de oportunidades de participação, a pessoa com deficiência se representa direta e objetivamente e os resultados são muito mais concretos, já que vêm de um lugar de fala de experiência e de vivência e não de suposições (Neves, 2003). Scherer-Warrem (1987) descreve movimentos sociais como a ação de grupos oprimidos buscando sua emancipação na relação social definida pela dialética opressão/libertação.

Desse modo, a formação de movimentos sociais em defesa de direitos das pessoas com deficiência coaduna com o ideal de empoderamento e de construção de autonomia desses sujeitos (Lanna Júnior, 2010). É importante, no entanto, que esses grupos sejam pautados no protagonismo das pessoas com deficiência, não importando qual seja (Resende, Costa & Resende, 2012). Neves (2003), ao falar sobre a participação de pessoas com deficiência intelectual em movimentos sociais, afirma que, se houver estímulo e apoio, essas pessoas conseguem expor seus anseios e desejos que, na maioria das vezes, divergem daqueles que supõe o senso comum; só a elas é possível a experiência de serem pessoas com deficiência, só a elas é possível avaliar a sensação de ter direitos de participação negados e de serem eternamente infantilizadas e, portanto, por elas devem passar todas as decisões dos movimentos sociais que as envolvem.

Urge, então, proporcionar espaços para a quebra da invisibilidade das pessoas com deficiência. Numa luta que a elas pertence, elas devem ser protagonistas, autônomas; é preciso reconhecê-las como sujeitos idiossincráticos, cessando o processo de fusão entre as pessoas com deficiência e aquelas que se colocam como suas representantes na sociedade (Souza, 2014). A partir do exposto, este trabalho tem como objetivo apresentar o relato de um evento, intitulado "Gincana Inclusiva", que aconteceu em comemoração à Semana de Luta da Pessoa com Deficiência, em Uberlândia-MG, que pretendeu dar visibilidade às pessoas com deficiência.

 

Relato do evento

Caracterização da Instituição Organizadora

O Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência de Uberlândia (Compod) foi criado em 2002, pela Lei nº 7.934/2002, com a finalidade de congregar as entidades envolvidas na luta pelos direitos das pessoas com deficiência à cidadania. Tem como atribuições controlar e fiscalizar as diretrizes e a execução da Política Municipal da Pessoa com Deficiência, opinar sobre a destinação de recursos públicos e aprovação de projetos de adaptação de espaços públicos, contribuir com a programação cultural, esportiva e de lazer, voltada para as pessoas com deficiência, cadastrar entidades de atendimento e defesa dos direitos das pessoas com deficiência, além de inúmeras funções administrativas, como eleição de membros e elaboração de regimento interno, entre outros (Portal da prefeitura de Uberlândia).

A Presidenta do Compod convidou os representantes das instituições vinculadas ao Conselho para constituir uma comissão organizadora, que preparou as tarefas, definiu provas, redigiu o regulamento, divulgou e convidou as pessoas a participarem no dia e local do evento. A Comissão organizadora foi composta por representantes do Compod, da Superintendência da Pessoa com Deficiência da Prefeitura, da Associação dos Paraplégicos de Uberlândia (Aparu), da Associação dos Deficientes Visuais do Triângulo Mineiro (Adevitrim), da Associação de Apoio ao Deficiente do Liberdade (AADL), da Associação de Assistência à Criança Deficiente de Uberlândia (AACD), da Universidade Federal de Uberlândia - UFU (supervisora e estagiários dos cursos de Psicologia e Direito).

 

A Gincana Inclusiva

O evento, intitulado "Gincana Inclusiva", foi realizado no dia 24 de setembro de 2016 e foi parte das atividades da XVIII Comemoração Municipal de Luta das Pessoas com Deficiência. Além da gincana, houve, durante o mês, uma Feira de Artesanato, com exposição do material produzido pelas instituições vinculadas ao Compod, palestras, a 1ª Taça Triângulo de Goalball e os Jogos de Integração das Pessoas com Deficiência Intelectual e Múltipla (Jinte). A Gincana contou com a participação de membros do Compod, de diversas instituições da cidade e com a participação popular. Além de espaço de confraternização, tinha como objetivo principal promover a visibilidade e a inclusão das pessoas com deficiência.

 

A Gincana

O evento teve início no período da manhã, com inscrições dos participantes de cada instituição presente. Houve abertura, realizada pela presidenta do Compod, dando as boas-vindas e falando sobre a importância de as pessoas com deficiência ocuparem os espaços públicos e de luta, bem como da necessidade de união entre os diversos segmentos das deficiências e da garantia do "Nada sobre nós sem nós".

As pessoas presentes foram divididas em equipes, formadas da seguinte maneira: três equipes divididas por cores (verde, vermelha e branca), compostas por 24 participantes cada, dos quais 50% deveriam ser pessoas com deficiência (obrigatoriamente pessoas com deficiência física, auditiva, visual, intelectual e mental) e 50% deveriam ser pessoas sem deficiência.

No total, participaram da gincana 72 pessoas, entre membros da Aparu, da Adevitrim, da AADL, da AACD, da UFU, além de membros da comunidade não vinculados a instituições, como estudantes, atletas, jornalistas, advogados, funcionários da prefeitura entre outros.

As atividades realizadas na gincana foram: corrida de caiaque, corrida de cadeira de rodas, apresentação de personalidades, como um funcionário do parque e um atleta olímpico, jogos realizados com materiais reciclados. Além disso, houve momentos de confraternização entre os participantes das diferentes equipes, como o passeio de trenzinho, a hora do lanche e o momento de encerramento, que contou com uma apresentação artística e uma performance musical coletiva, entre os presentes.

 

O Local

O evento foi realizado no Parque do Sabiá, complexo localizado na cidade de Uberlândia. O local conta com um bosque, um conjunto hidrográfico, inúmeras quadras, parquinho infantil, pista de corrida, zoológico, além de diversos espaços de confraternização, como o quiosque, onde foi realizada a gincana. O parque, apesar de sua robusta infraestrutura, peca no que concerne à acessibilidade. Existem algumas rampas de acesso, mas em muitos lugares do parque ainda há barreiras arquitetônicas como degraus, não há bebedouros e sanitários acessíveis, barras de apoio, piso tátil, instruções em braile, entre outros; o trenzinho, atividade oferecida aos visitantes do parque, não é acessível.

 

Resultados e discussão

Os aspectos mais relevantes da Gincana foram a representatividade e a visibilidade. Num espaço feito por pessoas com deficiência para pessoas com deficiência, o protagonismo prevaleceu. O evento ressaltou a importância dos conceitos de representatividade e de autonomia ao promover a inclusão real dessas pessoas, focando em suas potencialidades, na contramão do movimento que apenas evidencia suas limitações.

Apesar dos avanços na legislação e na concepção oficial acerca das pessoas com deficiência, parte do imaginário social ainda é constituída pela noção de que as pessoas com deficiência são incapazes, infantilizadas e dependentes, o que gera sentimentos de superproteção ou de desprezo (Oliveira, 2009). Suas potencialidades são suprimidas por estigmas que as rotulam como dependentes da boa vontade alheia: o que é bom lhes é imputado pela prerrogativa dos outros (Mello, Santos, Rodrigues & Santos, 2014). Assim, perde-se a autonomia e o protagonismo da própria vida (Mello, Santos, Rodrigues & Santos, 2014).

Quando alguém se coloca em posição de escudo entre uma pessoa e o mundo ao seu redor, acaba anulando o suposto protegido, que deixa de ser sujeito e torna-se objeto do outro - objeto que não tem voz, mas é falado por meio do outro (Oliveira, 2009). Mesmo sendo reconhecidos os direitos dessas pessoas pelos instrumentos de direitos humanos e compromissos, elas continuam a enfrentar dificuldades para participar igualitariamente da sociedade, sofrem violações de direitos humanos básicos ao redor do mundo e vivem em um mundo excludente.

A inclusão se dá quando membros de diferentes grupos realizam atividades semelhantes de maneira parecida (com as mesmas oportunidades e desafios). O que o evento propôs foi a eliminação das barreiras sociais e atitudinais que dificultam a socialização e a atuação das pessoas com deficiência na sociedade. As barreiras sociais e as atitudes podem segregar mais que as limitações físicas. Amaral (1991, 1992), Silva (1999) e Resende e Neri (2005) corroboram esse pensamento quando falam da complexidade das barreiras psicossociais e de como as leis são insuficientes para derrubá-las. Há questões de preconceitos, estereótipos e estigmas que escapam à abrangência da legislação.

Araújo (1997) ressalta que é importante lembrar que as dificuldades sociais enfrentadas pelas pessoas com deficiência, não raro, são acarretadas pelas deficiências da sociedade em atender e aceitar suas necessidades específicas. Para Berger (1999), grande parte das pessoas que não têm deficiência tem atitudes discriminatórias e inferiorizantes para com as pessoas com deficiência. Esse fato pode ser visto no dia a dia e parece ser decorrente da dificuldade de muitas pessoas conviverem com a diferença, principalmente as que podem vir a afetar a qualquer um em decorrência de um acidente ou doença inesperada (Resende & Neri, 2005).

Para Resende e Neri (2005), uma das grandes lutas das pessoas com deficiência é justamente poder ser diferente, sem estar em desvantagem. No Brasil, considerado por Chauí (1994) como uma sociedade autoritária, na qual as diferenças econômicas, étnicas, de gênero são percebidas como desigualdades, e visto por Hobsbawn (1995) como um monumento de injustiça social decorrentes de grandes desigualdades econômicas e sociais, é muito incipiente o sentido de relações igualitárias e a garantia de direitos que contemplem a diferença (Kauchakje, 1999).

Importante ressaltar que o ambiente acessível pode respeitar as diferenças na participação. O local do evento, o Parque do Sabiá, que é considerado um patrimônio da cidade de Uberlândia, criado para possibilitar as práticas desportivas e de atividades de lazer às pessoas de baixa renda (PMU, 2016), apresenta várias barreiras, em desacordo com a LBI, que em seu art. 3º diz:

entende-se todos os tipos de barreiras como qualquer estorvo, dificuldade, atitude ou comportamento que entrave a colocação social e cidadã de qualquer pessoa, assim como o acesso aos seus direitos, liberdade para se locomover, se expressar, se comunicar ou acessar qualquer informação e compreensão vinculante em qualquer meio, seja público ou privado de uso público.

Barreiras fazem parte de uma sociedade pautada tanto por um padrão do perfeito e da normalidade quanto por uma lógica mercadológica caracterizada pela concorrência e a busca incessante do lucro. As políticas públicas relacionadas ao trabalho e à educação têm possibilitado às pessoas com deficiência a conquista da autonomia e da cidadania, contribuindo, portanto, de modo contundente, para o seu processo de visibilidade social (Souza, 2014). Segundo Saviani (2011), a vida humana se constitui social e historicamente, o ser humano se organiza e se estrutura a partir de suas referências, ninguém nasce pronto, assim como suas características biológicas e hereditárias não são determinantes; as pessoas aprendem e se humanizam em sociedade. Assim, pode-se dizer que a socialização é inerente à vida e nesse processo a educação é fundamental, pois é concebida como um processo de socialização e "está direta e intimamente relacionada com a realidade humana" (Saviani, 1983, p. 10).

Nesse sentido, acredita-se que atividades como a Gincana Inclusiva são fundamentais para dar visibilidade às pessoas com deficiência, numa sociedade que também está num processo de construção da inclusão e na quebra de barreiras (Oliveira & Resende, 2017). Iniciativas de inclusão social das pessoas com deficiência fazem parte de ações que oportunizam o processo de empoderamento desses sujeitos (Dantas, 2017). O movimento de luta pelos direitos das pessoas com deficiência reforçou sua legitimidade a partir da participação em órgãos democráticos como os Conselhos de Direitos, que interferem diretamente nas políticas públicas (Gohn, 2000).

Os Conselhos de Direitos, de Políticas e de Gestão de Políticas Sociais Específicas atuam como mecanismos de participação e de legitimidade social. Iniciam-se, no Brasil, como fruto da organização de lutas e reivindicações sociais, tendo em vista a participação da sociedade civil organizada na gestão da coisa pública e aparecem no momento de redemocratização da sociedade brasileira, após um longo período de ditadura militar e da promulgação da Constituição Brasileira em 1988, que apresentou grandes avanços em relação aos direitos sociais ao instituir a democracia participativa, abrindo possibilidades de criação de mecanismos de controle social, tais como, por exemplo, os conselhos de direitos, de políticas e de gestão de políticas sociais específicas. Para Gohn (2000), os conselhos devem desenvolver um sistema de vigilância sobre a gestão pública e acompanhar e cobrar a prestação de contas do poder executivo, particularmente no âmbito municipal.

E mesmo que algumas ações direcionadas para a população com deficiência ainda se mostrem segmentadas, é perceptível que, nos espaços de participação, as diversas necessidades desses indivíduos, como de qualquer outro cidadão - ou seja, com suas igualdades e diferenças -, têm feito parte das discussões relativas ao segmento das pessoas com deficiência e o espaço conquistado dentro da sociedade e nas políticas públicas (Lanna Júnior, 2010). E isso só será efetivado quando, assim como o lema "Nada sobre nós sem nós", os próprios indivíduos com deficiência seguirem atuantes na luta para as conquistas que contemplem suas necessidades e os reconheçam como cidadãos que usufruem de seus direitos integralmente (Dotto, 2016).

 

Considerações finais

A participação social plena das pessoas com deficiência é permeada por desafios que não afetam as pessoas sem deficiência e, portanto, a estas não cabe ditar e manter regras e barreiras sociais que dificultem ainda mais a vida daquelas. Eventos como a Gincana Inclusiva têm, então, sua importância, ao serem realizados por pessoas com deficiência para pessoas com deficiência, levando em conta o essencial protagonismo dessas pessoas em relação à própria vida. Além disso, o aspecto da visibilidade proporcionada pela gincana se faz extremamente necessário: é preciso fortalecer a autonomia das pessoas com deficiência e mostrar ao mundo sua existência e suas potencialidades, além do fato de que são dignas de direitos iguais àqueles dos quais as pessoas sem deficiência usufruem.

Para fazer valer o lema "nada sobre nós, sem nós", as pessoas com deficiência é que devem ser incumbidas dos movimentos e segmentos governamentais que lhes dizem respeito, bem como do controle da própria vida. A luta pela desconstrução do estigma é diária e desafiadora e urgente, para que as pessoas com deficiência consigam o respeito e a visibilidade devidos, numa sociedade que a elas também pertence.

 

Referências

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Recebido em 20/6/2017
Aprovado em 1º/8/2018

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