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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versão On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.14 no.2 São João del-Rei abr./jun. 2019

 

Petismo e antipetismo em relatos de simpatizantes da direita na internet

 

Petismo and antipetismo in reports of right-wings sympathizers on the internet

 

Petismo y antipetismo en relatos de simpatizantes de la derecha en internet

 

 

Pedro de Oliveira FilhoI; Giulliany Gonçalves FeitosaII; Caio Cesar Winker e SilvaIII

IUniversidade Federal de Campina Grande
IIUniversidade Federal da Paraíba
IIIUniversidade Federal de Campina Grande

 

 


RESUMO

Desde junho de 2013, a polarização política no Brasil aumentou consideravelmente e teve como ponto alto as grandes mobilizações de grupos antipetistas em 2015 e 2016. Este estudo teve como objetivo compreender como se constrói a identidade dos petistas e dos antipetistas em relatos de simpatizantes da direita na internet. Para isso, foram analisados, com o uso do método de análise de discurso desenvolvido pelos teóricos da Psicologia Social Discursiva, comentários em resposta às postagens do jornalista Reinaldo Azevedo, assumidamente conservador. Observou-se que a desonestidade, o comunismo e a psicopatologia são traços centrais na identidade petista construída pelos antipetistas. Dois discursos constituem seus relatos, o discurso liberal que advoga as virtudes do livre mercado e o discurso da extrema-direita norte-americana para o qual o anticomunismo é um tema central.

Palavras-chave: Antipetismo. Discurso. Identidade.


ABSTRACT

Since June 2013, the political polarization in Brazil has increased considerably and has had as a high point the large mobilizations of anti-party groups in 2015 and 2016. This study aimed to understand how to build the identity of the right militant antipetistas in Brazil on reports from its members and supporters on the internet. Therefore were analyzed using the discourse analysis method developed by theorists of discursive social psychology, comments in response to journalist Reinaldo Azevedo's posts, an openly conservative journalist. It was observed that dishonesty, communism and psychopathology are central features in PT identity built by people against PT. Two discourses compose their reports, the liberal discourse that advocates the virtues of the free market and the discourse of the American right-wing for which anti-communism is a central theme.

Keywords: Antipetismo. Discourse. Identity.


RESUMEN

Desde junio de 2013, la polarización política en Brasil aumentó considerablemente y tuvo como punto alto las grandes movilizaciones de grupos antipetistas en 2015 y 2016. Este estudio tuvo como objetivo comprender cómo se construye la identidad de los petistas y los antipetistas en relatos de simpatizantes de la derecha en internet. Para ello se analizaron, con el uso del método de análisis de discurso desarrollado por los teóricos de la psicología social discursiva, comentarios en respuesta a las publicaciones del periodista Reinaldo Azevedo, un periodista asumidamente conservador. La deshonestidad, el comunismo y la psicopatología son rasgos centrales en la identidad petista construida por los antipetistas. Dos discursos constituyen sus relatos, el discurso liberal que aboga por las virtudes del mercado libre y el discurso de la extrema derecha norteamericana para el que el anticomunismo es un tema central.

Palabras clave: Antipetismo. Discurso. Identidad.


 

 

Introdução

O cenário político brasileiro, a partir da vitória de Dilma Rousseff, candidata do Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições presidenciais de 2014, polarizou-se de maneira visível. Um conjunto de novos atores políticos, sintonizados com o pensamento de direita, emergiu no centro desse cenário compartilhando a rejeição ao petismo.

Tal polarização é incompreensível sem que se leve em conta os processos de construção discursiva das identidades individuais e coletivas. Seguindo Benwell e Stokoe (2006, p. 6), identidade aqui é o modo como nós nos definimos mutuamente, um processo discursivo marcado por negociação e conflito. Como afirma Jenkins (2004, p. 17), identificar a nós mesmos e aos outros é um processo de produção de significado, e esse processo sempre envolve "interação" e, portanto, "concordância e discordância, convenção e inovação, comunicação e negociação".

Isso vale não só para os esquemas classificatórios envolvidos no processo de construção de identidades (brancos e negros; homens e mulheres; direitistas e esquerdistas, etc.); vale também para o conteúdo das categorias que fazem parte dos esquemas classificatórios. Em outras palavras, muitas vezes se discute se tal pessoa ou tal grupo faz parte ou não de uma determinada categoria ou se até mesmo aquela categoria ou o esquema do qual ela faz parte fazem sentido (fulano é negro ou é branco? O esquema que divide os norte-americanos em duas categorias raciais, negros e brancos, faz sentido, ou há outras possibilidades?). Outras vezes, a existência do esquema e das categorias que o constituem não são questionados. O que se questiona são as características atribuídas a uma categoria específica de pessoas. Afinal, há sempre debate, negociação e conflito quando se trata de decidir se determinados indivíduos ou grupos têm essa ou aquela qualidade (a célebre sentença do movimento negro norte-americano, black is beautiful, se insere num contexto de conflito racial em que era fundamental negar determinados conteúdos identitários negativos que os brancos impunham à população negra).

O que se tem em casos como esse é, nos termos da teoria do discurso de Laclau e Mouffe (1985), uma batalha de discursos para constituir as identidades de grupos e categorias sociais de tal modo que essas identidades se apresentem como as verdadeiras e indiscutíveis identidades dos grupos em questão. Essa batalha tem óbvias implicações políticas, como tem óbvias implicações políticas, no Brasil atual, a batalha discursiva para constituir a identidade dos grupos em disputa.

Identidade, portanto, é identificação, e o processo de identificação se materializa tanto num sentido cognitivo quanto num sentido retórico-discursivo em atos de categorização. Esse ato, ou estratégia, é central nos estudos da Psicologia Social contemporânea, e tem sido estudado tanto por psicólogos sociais cognitivos (Hamilton & Gifford, 1976) e sociocognitivos (Tajfel, 1983) quanto por psicólogos sociais discursivos (Billig, 1987; Potter & Wetherell, 1987; Wetherell & Potter, 1992; Potter, 1998; Antaki & Widdicombe, 2008; Edwards, 2008). Esses últimos ressaltam a natureza retórico-discursiva da categorização, o modo como a mobilização de categorias em diferentes tipos de discursos constitui grupos e identidades e realiza diferentes tipos de ações nas relações sociais.

Este estudo investiga esse processo de categorização, entendido como um processo discursivo, em relatos de militantes e simpatizantes da direita antipetista. Mais especificamente, investiga o modo como simpatizantes dessa direita na internet constroem discursivamente o petismo e a si próprios como membros da direita. Aborda, portanto, a construção da identidade de grupos políticos, por meio de um conjunto de práticas discursivo-representacionais, e os efeitos políticos desse processo.

Esta pesquisa segue a linha argumentativa desenvolvida por Bobbio para definir e diferenciar a direita e a esquerda políticas. Segundo Bobbio (1995, p. 118-119), o critério que distingue a direita da esquerda é o modo como esses dois grupos avaliam a ideia de igualdade. A esquerda, diferentemente da direita, definiria a igualdade como um valor central para uma boa sociedade. Para ele, a atitude diante da liberdade distinguiria os grupos moderados e extremistas tanto na direita quanto na esquerda. Os grupos de extrema-esquerda seriam simultaneamente igualitários e autoritários; os de centro-esquerda seriam simultaneamente libertários e igualitários; os de centro-direita seriam simultaneamente libertários e inigualitários; os de extrema-direita seriam simultaneamente antiliberais e anti-igualitários.

A oposição de agrupamentos de direita ao petismo surge no Brasil a partir do momento em que o discurso desse partido de esquerda passa a ter mais visibilidade na sociedade brasileira. Depois da chegada do PT ao poder em 2003, no entanto, emerge uma direita unificada em torno do antipetismo. No ano de 2013, essa direita passa a ter uma visibilidade e uma força inéditas nos anos de governo do petismo. Nesse ano, pessoas de todas as classes, etnias, orientações de gênero e posições político-ideológicas se manifestaram no Brasil, apresentando uma grande variedade de demandas. Nos dois anos seguintes, os agrupamentos de direita ofuscaram os outros movimentos e ocuparam o centro da cena política. Como afirma Delcourt (2016, p. 130), "as mobilizações de junho de 2013" foram "uma verdadeira oportunidade para esta nova direita", permitiu que ela estendesse "sua influência e sua audiência bem além dos círculos restritos nos quais ela permanecia confinada até então".

No dia 15 de março do ano de 2015, com grandes mobilizações de rua, esses agrupamentos de direita unificados em torno do antipetismo se apresentam para o Brasil como um movimento cujo objetivo é retirar o Partido dos Trabalhadores do poder e, com isso, tornar possível no Brasil um conjunto de mudanças sociais e econômicas em harmonia com o pensamento da direita política (ver Tatagiba, Trindade, & Teixeira, 2015).

Para Delcourt (2016, p. 129), esses agrupamentos seriam uma espécie de "Tea Party tropical", mais radical ainda do que o original norte-americano. Para esse autor, "o antipetismo constitui o principal cimento desta nova direita, seu mais sólido traço de união, seu princípio unificador, mas também seu principal negócio". No mesmo sentido, Brugnago e Chaia (2015, pp. 113-115) afirmam que ela representa o PT como a raiz de todos os males do Brasil. O PT e todos os que o apoiam seriam "cúmplices e usurpadores da nação brasileira" e estariam maquinando "o clássico golpe comunista mascarado de democracia", golpe que roubaria "as liberdades individuais, a liberdade do prazer de consumo".

Segundo Santos (2014), os militantes e simpatizantes dessa nova direita situam-se ideologicamente entre a direita tradicional e a extrema-direita não fascista, ainda que nem todos eles se posicionem como direitistas. Segundo esse autor, que investigou a rede de oposição radical ao petismo no Facebook, essa direita se organiza de forma fragmentária e descentralizada; procura produzir revolta e frustração com sua retórica; adota um tom de cinismo ao descrever a corrupção do governo petista e de sua base aliada; e reitera temas como o comunismo, a moralidade e o militarismo.

Duas questões guiaram essa investigação. Que atributos aparecem, nos relatos desses simpatizantes da direita, associados ao campo da direita e que atributos aparecem associados ao petismo ou à esquerda em geral? Como eles descrevem as suas próprias ações e as ações de seus adversários ou inimigos?

 

Método

Trata-se de uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório que utilizou o método de análise de discurso, desenvolvido pelos teóricos da Psicologia Social Discursiva (Billig, 1987, Potter & Wetherell, 1987; Wetherell & Potter, 1992; Potter, 1998; Gill, 2002). Nessa perspectiva, uma atenção especial é dispensada à função do discurso, ou seja, às múltiplas ações realizadas com o uso da linguagem.

Para este estudo, foram coletados 821 comentários produzidos, de 24 a 31 de agosto de 2015, em resposta às postagens do blog do jornalista conservador Reinaldo Azevedo, blog ancorado naquele ano no site da revista Veja, que tivessem como tema a direita antipetista, a direita em geral, o Partido dos Trabalhadores ou atores políticos ligados a esse partido e à esquerda em geral. No ano da realização da coleta, havia uma mobilização frenética dos grupos que objetivavam o impeachment da presidente Dilma Rousseff, nas ruas, nas redes sociais, nos blogs e sites de política. O blog do jornalista Reinaldo Azevedo era um dos blogs visitados por aqueles que consideravam o petismo um inimigo a ser derrotado. Assumidamente conservador, o jornalista construiu uma imagem de combatente do petismo nos grupos conservadores em razão da publicação diária, ao longo dos governos petistas, de textos políticos nos quais combatia o PT e a esquerda em geral. As postagens do jornalista não foram objeto de análise, só foram mencionadas na análise para contextualizar os comentários dos leitores do blog.

A codificação, no método de análise de discurso desenvolvido pela Psicologia Social Discursiva, não é a análise propriamente dita. Ela tem por objetivo organizar o material em categorias, a partir das questões de pesquisa, para só depois iniciar a análise propriamente dita (Potter & Wetherell, 1987; Gill, 2002). As categorias apresentadas e discutidas a seguir não foram consideradas em sua frequência tal como ocorreria numa análise de conteúdo quantitativa (ver Bardin, 2010). Como se trata de uma análise qualitativa, considerou-se a mera presença de indicadores de uma categoria. Assim, se em diferentes comentários os petistas são descritos como ladrões, corruptos, petralhas, etc., considera-se que essas categorias mobilizadas pelos autores dos comentários para classificar os petistas podem ser legitimamente consideradas indicadores da categoria "corruptos", categoria essa que seria um traço identitário dos petistas nesses comentários.

Como se afirmou anteriormente, a codificação (ou a organização do material discursivo em categorias) não é a análise propriamente dita. Na análise, uma atenção especial é dispensada à função do discurso, ao modo como ele se organiza retoricamente para produzir variados efeitos (Potter & Wetherell, 1987; Gill, 2002). Nesse sentido, os comentários apresentados e analisados a seguir exemplificam o conteúdo das categorias criadas pelos autores para organizar o material discursivo, mas acima de tudo exemplificam o caráter funcional dos relatos, o modo como são organizados retoricamente para construir a identidade de petistas e antipetistas.

 

Representando os petistas

A partir do ano de 2015, início do segundo mandato da então Presidente Dilma Rousseff, grupos à direita no espectro político intensificaram a ofensiva para tirar o Partido dos Trabalhadores do poder.

Os textos analisados aqui, produzidos naquele ano, constituem aquele contexto de radicalismo da direita brasileira. Os militantes que os produziram mobilizaram atributos negativos no processo de construção da identidade dos petistas e da esquerda em geral. Em alguns textos, o petismo é apresentado como uma entidade com capacidade de produzir alienação e conduzir as massas para o caminho da barbárie. Em outros textos, os petistas, e a esquerda em geral, são apresentados como administradores incompetentes, que, em virtude do atrasado ideário de esquerda, seriam incapazes de administrar um país como o Brasil e, por isso, teriam produzido a atual crise econômica. Nesses textos, os petistas são os incompetentes que "quebraram", "destruíram", "devastaram" o Brasil. Algumas vezes, no grupo de militantes tomado como unidade de análise, pode-se observar representações contraditórias do petismo. Ora são vistos como decadentes, como um agrupamento político agonizante que vai ser varrido do mapa político brasileiro, ora são construídos como uma entidade poderosa que só será derrotada com um esforço descomunal.

O populismo também se fez muito presente como um traço identitário do petismo. Quase sempre o suposto populismo petista é exemplificado com referências ao bolsa família, política pública combatida pelos militantes. Afinal, o posicionamento contra os programas sociais que supostamente produzem "vagabundagem" e encarecem a mão de obra é um dos fundamentos do pensamento de direita.

Este trabalho, no entanto, se deterá em três atributos: a corrupção, o comunismo e a psicopatologia. A opção por olhar mais detidamente a mobilização desses traços identitários se deve às seguintes razões: os dois primeiros, corrupção e comunismo, conectam o discurso da direita brasileira atual ao tradicional discurso da direita brasileira que realizou o golpe de 1964. A corrupção e o comunismo eram centrais no discurso daquela direita contra os agrupamentos de esquerda. Por fim, o último, a psicopatologização do adversário/inimigo, embora já tenha sido mobilizado no Brasil no combate ao comunismo, pode ser, como se defenderá posteriormente, não somente uma atualização de um repertório já usado pela direita brasileira, mas também um produto da influência da atual extrema-direita norte-americana nos agrupamentos de direita do Brasil.

O discurso anticorrupção tem sido historicamente usado por setores da direita brasileira contra movimentos de esquerda no Brasil. A União Democrática Nacional (UDN) é, sem dúvida, o partido na história política brasileira mais lembrado quando se pensa no uso da temática da anticorrupção (e do anticomunismo) no combate político contra a esquerda. E de fato esse partido (comandado por seu líder mais carismático, Carlos Lacerda) teve um papel determinante na construção da rebelião de classe média que impulsionou o golpe militar de 1964 (ver Skidmore, 1989; Skidmore, 2010). A grande imprensa, aliada da UDN, teve um papel determinante nesse combate. Motta (2016, p. 22), num estudo sobre o discurso anticorrupção no contexto do golpe de 1964, mostra como a imprensa que apoiou o golpe construiu o comunismo e a corrupção como o "inimigo duplo" a ser derrotado pela nova ordem que regeneraria o Brasil.

Ecoando o discurso da velha UDN, os militantes antipetistas também associam o PT e a esquerda em geral a escândalos políticos que envolvem desvio de dinheiro público e corrupção em geral. Pode-se afirmar que a corrupção, temática que é quase onipresente nos comentários desses militantes, é construída por eles como um traço central da identidade petista e da esquerda em geral.

Impressionante, os manifestantes estão protestando contra a corrupção e este ser está revoltadinho com o quê? Deveríamos sair às ruas e celebrar o desemprego, o desvio de dinheiro público, alta da inflação e é claro à mentira e hipocrisia petistas? [...]. (Laura C. M., 24/8/2015)

Não nos esqueçamos de que o PT tem a chave do cofre. Pode comprar todos os votos de que necessita para manter-se no poder, auxiliado pelas questionáveis urnas eletrônicas [...]. (Maria Luz, 28/8/2015)

Me dirijo em particular aos senhores profissionais da imprensa, ajudem na retirada dessa quadrilha de malfeitores, instalados no poder as custas da ignorância de uma parte expressiva da população. Já está na hora de dar um basta nessa quadrilha, assim como o seu chefe maior. Lula! (Joselio Quintino, 28/8/2015)

Sem dinheiro de propina, de corrupção das Estatais Brasileiras, para comprar os eleitores gigolôs petralhas, esse tal Lula molusco não existe como liderança política, é apenas um, apenas agitador de sindicato e dedo-duro, segundo Romeu Tuma. (Iazi Albuquerque, 28/8/2015)

Os quatro textos apresentam o tom indignado que é um padrão recorrente quando esses militantes mencionam os supostos defeitos do petismo. No primeiro texto, a autora refere-se à charge do cartunista Laerte publicada dia 18 de agosto de 2015, na qual aparecem manifestantes dos protestos contra a presidente Dilma Rousseff tirando selfies com policiais militares que supostamente estariam envolvidos em uma chacina em São Paulo. A charge sugere que tanto os manifestantes quanto a polícia militar apoiariam as chacinas. Na sua intervenção, a autora não rebate a acusação contida na charge, simplesmente apresenta o ataque do chargista aos manifestantes como algo absurdo ("Impressionante, os manifestantes estão protestando contra a corrupção e este ser está revoltadinho com o quê?"). Em tom sarcástico, formula o seguinte questionamento: os manifestantes deveriam protestar contra a corrupção ou deveriam ir às ruas para celebrar o "desemprego", "a alta inflação", o "desvio de dinheiro público" e a "mentira e hipocrisia petistas"? O texto é organizado para construir os manifestantes antipetistas como pessoas sem outros interesses que não sejam o combate à corrupção e às consequências administrativas negativas do governo petista.

No segundo texto, o autor comenta as intenções de voto em Lula na eleição de 2018 e ressalta, contra alguns que comemoravam a impossibilidade da eleição do supracitado candidato, que "o PT tem a chave do cofre" e que as urnas eletrônicas são "questionáveis". Trata-se de um argumento recorrente no material analisado: a possibilidade do PT se perpetuar no poder em decorrência do caráter corrupto e amoral do partido. No terceiro texto, o PT é uma "quadrilha de malfeitores" que se instalou no Brasil em decorrência da "ignorância" do povo. Por isso não surpreende que a imprensa seja solicitada a esclarecer a população ignara que sem isso não daria um basta na "quadrilha" e em seu "chefe maior".

No quarto texto, o autor apresenta o ex-presidente Lula como um grande corruptor e seus eleitores como corrompidos, "eleitores gigolôs petralhas" que são comprados pelo dinheiro roubado das estatais. Esse texto ilustra bem um dos dois retratos dos eleitores petistas produzidos no material analisado. Ora eles aparecem como fazendo parte do petismo, cúmplices, portanto, da corrupção petista, ora eles aparecem como miseráveis e ignorantes que votam no petismo por conta de programas sociais "populistas" como o bolsa família.

A centralidade da corrupção na construção da identidade petista pelos militantes antipetistas no conflito político brasileiro atual é apontada por outros autores. Segundo Santos (2014, p. 114), "é notável a presença do tema da corrupção petista na rede de oposição radical, articulando mensagens de rejeição e de sentimento de impunidade contra os escândalos extensamente divulgados pela imprensa".

O anticomunismo é um traço definidor da direita e da extrema direita em todo o mundo. No Brasil, o discurso anticomunista dos agrupamentos de direita e de extrema direita tem sido mobilizado sempre que as classes médias e a alta burguesia sentem-se ameaçadas pelas demandas de sindicatos e de movimentos sociais que representavam os interesses dos trabalhadores e dos camponeses (ver Skidmore, 1989; Skidmore, 2010). No conflito político brasileiro atual, o discurso anticomunista é um recurso dos mais presentes quando os antipetistas mobilizam produções textuais de diferentes tipos (ver Brugnago & Chaia, 2014; Santos, 2014). Mas há, como ressalta Motta (2017), algumas diferenças entre o comunismo atual e o velho comunismo que predominou no Brasil ao longo do século XX. Os evangélicos, e não os católicos, são atualmente os principais divulgadores da suposta ameaça comunista. Além disso, o argumento liberal a favor do livre mercado e contra o Estado tem um papel bem mais importante no anticomunismo atual.

No material investigado neste estudo, o discurso anticomunista é pervasivo e tem um lugar central na construção da identidade do petismo.

Quando a presidanta (dos bandidos corruptos!) veste essa fantasia colorida, para enganar os incautos, sobre a sua verdadeira pele, a sua fatiota vermelho-comuna costumeira, me faz lembrar aquele velho e sábio ditado: "Por fora, bela viola! Por dentro, pão bolorento!" Quando é que o povo vai aprender a não votar em homens "charmosos?" (a la Collor), ou em falsos e hipócritas "profetas" (a la Luladrão), ou ainda, em terroristas vermelhos disfarçadas de dil "mãe" (dos ladrões e golpistas, pode ser!!!), quando? [...] (Anônimo, 27/8/2015)

Por um lado fico feliz de um ser abjeto desse não gostar da Polícia Militar, ficaria preocupado se ele gostasse, o que essa caricatura de mulher idolatra é a farda de genocidas nazicomunistas, ele representa bem os intelectualóides cafajestes e artistas decadentes que vivem de um pixuléco dos cofres públicos. (Adhemar, 24/8/2015)

Ridículo por assim dizer a atitude bestial dos que recebem do Governo Federal para destilar sua ira contra os que trabalham e pagam impostos. Esta gente vermelha não está com nada e já sente que o projeto de poder pelo poder está ruindo. Fora PT! Fora petralhas! Fora comunistas. O Brasil não é uma Cuba. (Anônimo, 28/08/2015)

O Brasil do desgoverno PT para virar um circo, de vez, só falta jogar uma lona por cima, pois espetáculos ensaiados, "mágicas" combinadas, e shows de mentiras e barbaridades ignóbeis, já tem aos montes! A Trupe Circense Petralhov são as "aberrações" do circo. E nós, o povo, os palhaços! O Freak Show patrocinado pelo gran circo dilmense faz aquela série televisiva chamada "American Horror Story" parecer o programa infantil "Vila Sésamo". Foro de SP, PT, PSOL, PSTU, PCdoB, Comunas-socialistas, narco-bolivarianos e narco-políticos esquerdistas, e suas milícias (Farc, mst, msts, cut, une, pcc, etc.), com suas práticas terroristas, mentalidades corrompidas, mentes lavadas e ideologia retrógrada criminosa, serão a desgraça e a destruição de todos nós, de todo o continente sul-americano, se não for combatido com rigor e imediatismo. [...] (Anônimo 26/8/2015)

Os comunistas e o comunismo aparecem aí com vários nomes: "vermelho-comuna", "terroristas vermelhas" (ecoando o repertório da direita brasileira que denominava os grupos armados que faziam oposição ao regime militar de "terroristas"), "nazicomunistas", "comunistas", "comunas-socialistas", "narco-bolivarianos", dentre outros. Em vários momentos nesses textos, e em outros em que o comunismo é mencionado, o petismo e a esquerda são representados como entidades inequivocamente malignas, ominosas. Eles são "genocidas"; eles produzem "desgraça" e "destruição"; suas "práticas" são "terroristas"; suas "mentalidades" são "corrompidas"; a atitude deles é "bestial"; têm um projeto de "poder pelo poder".

As consequências sociais dessa construção identitária são óbvias. Quando construímos um grupo social como a personificação da maldade tudo passa a ser permitido contra ele (Tenorio, 2004).

Em alguns desses comentários, e em outros no material analisado, os internautas antipetistas assemelham o Partido dos Trabalhadores a outros partidos ou agrupamentos políticos que eles representam como totalitários, autoritários, tirânicos. A afirmação segundo a qual o "Brasil não é uma Cuba", a referência aos "narco-bolivarianos", às "farcs", entre outros, tem a função de posicionar o Partido dos Trabalhadores como um partido totalitário. O autor do segundo texto usa a expressão "genocidas nazicomunistas" para descrever o PT. O uso da expressão "nazicomunistas" pode parecer um oximoro, afinal em grande parte da literatura ocidental nazismo e comunismo são compreendidos como ideologias radicalmente opostas, uma de extrema direita, outra de extrema esquerda. No entanto, em parte da literatura ocidental de direita, que inspira certamente os militantes aqui estudados, é comum a afirmação de que o nazismo é, na verdade, uma ideologia que tem sua origem no pensamento de esquerda.

Já nos anos 1940 do século passado, por exemplo, na obra "O caminho da servidão", o economista Friedrich Hayek (2010), um dos pais fundadores do neoliberalismo, argumentava que comunismo e nazifascismo fariam parte de uma mesma tendência antiliberal que ameaçaria o Ocidente.

Mas reconhecer que o antiliberalismo estava presente tanto no comunismo quanto no nazifascismo não era o mesmo que afirmar que os dois movimentos tinham uma mesma raiz na esquerda. E de fato Hayek nunca afirmou isso.

Essa afirmação é própria do discurso da extrema direita norte-americana da segunda metade do século XX e atualmente é uma das marcas do Tea Party e de seus seguidores no Brasil (Delcourt, 2016).

Embora menos pervasivo do que os dois atributos identitários discutidos, a psicopatologia como um traço identitário do petismo chama a atenção no material discursivo analisado. Esse traço identitário atribuído aos petistas e à esquerda em geral se assemelha à acusação de comunismo em seus efeitos: constrói os petistas e a esquerda em geral como grupos políticos caracterizados por uma maldade invulgar.

O esquerdismo atrai transtornados. O esquerdismo, por si só, é uma linha de pensamento psicopática, tão bem descrito por Lyle Rossiter em seu livro Liberal Mind. Por ser patológico, o esquerdista não defende a retidão moral ou sequer compreende o papel crítico da moralidade no relacionamento humano. (Gerson, 24/8/2015)

Vocês sempre me perguntam: no que você errou? "Eu fico pensando o que podia ser". Significa que conscientemente ela não reconhece nenhum erro, esse é o maior perigo dessa psicopatia aguda que recorre em sua trajetória politico administrativa, pior é contagiante e provavelmente vinda do mofado arcabouço político lulístico Será necessário um "antibiopiscosupressor" de amplo espectro pra nos livrar do risco de contagio, agora o planalto só incinerando e enterrando as cinzas cobertas com cal (Arquivo x, 26/8/2015)

A esquizofrenia da esquerda é bem retratada na figura deste(a) senhor(a). (R. Meneguite, 24/8/2015)

Quem é este homem???? Nunca vi ou li nada dele! Deve se algum ídolo dos doentes que seguem a esgotofera petralha! (Paulo, 24/08/2015, texto 4)

Pode-se definir a patologização como uma forma de definir o adversário/inimigo político como uma doença física ou como um agente patogênico que vai adoecer o corpo social. Um exemplo citado por Tenório (2004) é a Alemanha de Hitler, na qual os judeus eram comparados a bactérias que deveriam ser eliminadas para que não pudesse contaminar e adoecer o corpo social. A patologização é uma estratégia política utilizada tanto pela esquerda quanto pela direita ao longo do século XX no Ocidente (ver Tenório, 2004). Trata-se de um poderoso instrumento de combate político. No Brasil, Motta (2000, p. 79), identificou esse fenômeno no discurso que construiu o comunismo ao longo do século XX. Nesse discurso, o comunismo era representado por meio de metáforas como "vírus", "praga", "peste", "cancro", "tuberculose", etc.

Esse autor também identificou, nesse discurso, uma variante da patologização, a psicopatologização (embora não a tenha nomeado assim, ele descreve o fenômeno). A psicopatologizacão, na descrição realizada por esse autor, seria a representação do adversário/inimigo político como um doente psíquico repleto de deformações morais que determinariam "suas posições ideológicas revolucionárias" ( Motta, 2000, p. 79). Em um dos documentos citados por esse autor, documento dos anos 1950, lê-se o seguinte: "está ainda por se fazer um estudo do comunismo como fenômeno atinente às ciências médicas em geral e mais particularmente àquelas que procuram desvendar as causas das deformações psíquicas e morais" (Motta, 2000, p. 80).

Nesse sentido, a psicopatologização do adversário/inimigo político não seria um fenômeno novo no Brasil. Mas é razoável a hipótese de que o uso desse repertório no Brasil atual tem também alguma relação com o contato que a direita brasileira atual vem tendo com o discurso da extrema-direita norte-americana. Afinal, como afirma Delcourt (2016, p. 127), os agrupamentos de direita no Brasil "se proclamam próximos" do Tea Party norte-americano, um dos mais agressivos movimentos da atual direita norte-americana.

Nos Estados Unidos, a patologização da esquerda é disseminada por intelectuais radicais da direita norte-americana. Um desses intelectuais é o psiquiatra Lyle Rossiter (Rossiter, 2011), citado no primeiro comentário anterior, autor do livro Liberal mind. Além dele, se destaca Michel Savage (Savage, 2006), na obra Liberalism is a mental disorder: savage solutions. O ataque ao liberalismo nos dois autores pode produzir confusão, afinal o liberalismo aqui e em outras partes do mundo é associado ao discurso da direita (ou, pelo menos, ao discurso da direita sobre economia, embora não necessariamente ao discurso da direita sobre costumes). Nos Estados Unidos, no entanto, o termo liberal denomina os seguidores do partido Democrata, mais favorável à intervenção do Estado na economia e tradicionalmente mais sensível às demandas das minorias.

No primeiro texto, não se nomeia o petismo, mas foi postado num contexto no qual se falava do petismo. Esquerdismo aí é uma categoria mais ampla que inclui o petismo. Nele o pensamento de esquerda é definido como "patológico", "psicopático", e seus seguidores são definidos como "transtornados".

Ao mesmo tempo em que mobiliza esses argumentos sobre psicopatologia, o internauta também acusa o esquerdista de insensibilidade às regras morais. A psicopatologia aparece nesse texto como causa da imoralidade/amoralidade dos petistas. Como se sabe, na literatura psiquiátrica e no imaginário popular, os psicopatas violam as normas socialmente estabelecidas sem qualquer sentimento de culpa. No texto em questão, a argumentação sobre a psicopatologia petista não desresponsabiliza os petistas pela imoralidade, ela é uma peça de acusação. Lança uma sombra de maldade sobre o petismo e o pensamento de esquerda. Afinal, no imaginário popular, o psicopata é a própria personificação da maldade. Segundo Gergen (2007), seríamos mais compreensivos com pessoas diagnosticadas como doentes do que com pessoas que supostamente prejudicassem os outros de maneira intencional. Os comentários anteriores mostram que isso não pode ser generalizado para todos os contextos. Nesses comentários, o vocabulário, com termos que se referem a psicopatologias, é mobilizado para produzir ódio contra os que são classificados como psicopatológicos, afinal eles são apresentados como essencialmente maus e perversos.

O autor do segundo texto reproduz uma afirmação da presidente Dilma na qual ela diz "não reconhecer nenhum erro". Segundo o autor, a dificuldade em reconhecer erros seria fruto da "psicopatia aguda" que vem do "mofado arcabouço político lulístico". Para o autor, o petismo é uma doença contagiosa e, por isso, seria necessário um "antibiopsicosupressor de amplo espectro" contra o risco de contágio. Ao fim ele ainda faz referência ao governo petista afirmando que o "planalto só incinerando". A palavra incinerar tem a denotação de queimar/destruir, e geralmente se incinera lixo ou algo que está em putrefação. Os petistas no planalto, portanto, são representados implicitamente como um "lixo" social que deveria ser reduzido às cinzas.

A pessoa atacada, nos textos três e quatro, é o cartunista transexual Laerte, declaradamente petista e que em 2015 debateu com o jornalista Reinaldo Azevedo na internet (debate marcado pela violência verbal e pelo sarcasmo). Laerte, sendo petista e transexual, é apresentado nesses comentários como um "doente" transgressor que representa a ideologia patológica do PT, o "ídolo dos doentes", aquele que representa bem a "esquizofrenia da esquerda".

 

Representando a si próprios

Os seguidores do blog do jornalista Reinaldo Azevedo definem-se em muitos comentários de maneira tácita. Quando afirmam em tom acusatório que os petistas são corruptos, estão tacitamente posicionando a si mesmos como pessoas honestas; quando afirmam em tom acusatório que os petistas são comunistas, estão tacitamente posicionando a si mesmos como anticomunistas e assim por diante. Como afirma Jenkins (2004), refletindo sobre a construção das identidades coletivas, afirmar algo sobre os outros é frequentemente uma maneira indireta de dizer algo sobre nós.

Em outros comentários, no entanto, definem-se de maneira direta. Quando assim o fizeram, algumas vezes apresentaram-se como vítimas acovardadas ou impotentes de um petismo poderoso, agressivo e arrogante. Frequentemente a impotência ou a fragilidade diante do petismo são atribuídas à covardia de setores do antipetismo pertencentes às cúpulas dos partidos que faziam oposição ao PT, especialmente o PSDB. Outras vezes, em vez de frágeis e impotentes, apresentam-se como libertadores do povo brasileiro subjugado pelo petismo. Este estudo se deterá, no entanto, em uma característica recorrentemente citada por esses militantes antipetistas, uma característica central na identidade que constroem para o antipetismo: o conservadorismo.

Os militantes do blog de Reinaldo Azevedo nomeiam a si próprios como conservadores ou como pessoas que são adversárias/inimigas do pensamento de esquerda. Mas o conservadorismo não é e nunca foi uma corrente política homogênea (ver Giddens, 1996). Assim, não surpreende que, de forma explícita ou tácita, surjam, nos comentários aqui analisados, tensões entre as diferentes perspectivas que reivindicam para si o termo conservador ou outros assemelhados.

A cada dia fica mais claro que um bando de vigaristas esquerdinhas que tomou de assalto o Brasil nestes últimos 13 anos. Com a mentalidade dos Mentirosíssimos, sempre atrás de uma lei Rouanet acharam que nas tetas do governo estava a solução. Aqui está a solução ofertada. Os pobres não querem bolsas idiotas, querem emprego que só o sistema capitalista oferece. A ignorância do boçal esquerdinha é um espanto! Um espanto. (Luiz Rodrigues, 31/8/2015)

Sinceramente? Eu acho que dá tempo de sobra para ser criado um novo partido com estatuto e ideais muito claros sobre a sua posição direita ou esquerda, se capitalista ou outro ista qualquer. Nem PSDB, que como linkado por um comentário aqui de um leitor, é da Internacional Socialista, basta ler no site do próprio partido. Por esse motivo, acredito que o Brasil precisa parar com esse complexo das pessoas, internamente, terem o perfil conservador, porque, por exemplo, eu moro na periferia e o que vejo são as pessoas com gostos por coisas cotidianas, como ter grana para passear, comprar um carrinho, fazer um churras, ir ao mercado, no geral coisas triviais, essa é a real. Ninguém quer ser comunista, se alguém duvida, venha aqui perguntar. Eu vejo muleques que adoram tênis de marca, camisas polo da lacoste e não camiseta de 5,00 reais, é o gosto deles e não acho que devam ser censurados por isso, mesmo não sendo a minha preocupação. Então, acho que o que se tem, e isso vejo mais na classe média um pouco mais alta do que na classe média que mora na periferia, é um certo desconforto em assumir posição de anti-esquerda, essa classe média, sente vergonha de assumir, como na periferia que gosta de Miami, de usar tênis de marca, calça, perfume caro, como se isso fosse um pecado. Claro que uma pessoa dessa classe média baixa e média média, ou média alta, não têm apenas esses desejos consumistas, mas se envergonha de assumir isso, digo a classe média-média e alta. Sendo assim, primeiro deve haver uma reflexão dessas classes, cada um, como de verdade são, o que querem, e, a partir daí, seria ótimo surgir um partido que represente isso: quem gosta da educação, do trabalho, da livre iniciativa, de poder comprar o que quer e não se envergonhar por aqueles que querem dizer que comprar é pecado, quando na verdade o que fazem é pior, é roubar do próprio governo que significa roubar da população. Criar um novo partido, isso é importante. (Forg, 29/8/2015)

Um dado que se pode tirar dessa pesquisa, é que os conservadores estão mostrando a cara nos votos em Bolsonaro, Cunha e Caiado, o que não é nada mal. O que é mal, é que muitos ainda acreditam que Aécio Neves é direita, e que Marina Silva não é o Lula de saias (Elah, 28/8/2015)

Para Caiado ou Bolsonaro o povo conservador que está nas ruas faria a campanha de graça, nas ruas e na internet. A grande maioria dos votos que foram para o Aécio foi pura falta de opção. (Anônimo, 28/8/2015)

Conservadorismo é inequivocamente um termo usado para nomear a direita política. Um conservador é alguém que, de um modo geral, é contrário a qualquer forma de organização social que se inspire nos princípios socialistas e que relativize ou ameace a centralidade da propriedade privada na vida social. Segundo Giddens (1996, pp. 31-35), o velho conservadorismo de estilo europeu defendia "a hierarquia, a aristocracia, a primazia da coletividade, ou do Estado, sobre o indivíduo, e a importância proeminente do sagrado". Para ele, esse conservadorismo está morto porque as formas sociais que defendia não existem mais. Hoje, como reconhece Giddens (1996, pp. 31-32), o conservadorismo varia bastante em diferentes países.

Nos Estados Unidos, ainda segundo Giddens, o conservadorismo é "agressivamente pró-capitalista" desde o seu início, de uma maneira que não ocorreu no "velho conservadorismo" europeu. Giddens usa o termo "neoliberais" para nomear aqueles conservadores que advogam a expansão indefinida das forças de mercado". É o discurso desse conservadorismo que se apresenta de maneira inequívoca nos dois primeiros comentários dos quatro supracitados. Nesses comentários, termos como "conservadores", "direita", e frases que exaltam o capitalismo e o consumismo sem culpa, são parte do discurso ultracapitalista da direita norte-americana, discurso que é mimetizado pela direita brasileira.

Mas, como foi dito, não há homogeneidade nos discursos desses militantes, e os quatro comentários são, no que diz respeito à heterogeneidade, representativos do universo de comentários analisado. De fato, enquanto o primeiro comentário exalta os poderes do capitalismo para produzir empregos para os pobres (e zomba da "ignorância" dos militantes de esquerda que não compreenderiam algo tão óbvio) e o segundo exalta os prazeres associados à liberdade de consumo livre de culpa, os dois últimos comentários mobilizam uma retórica própria dos setores mais radicais da direita antipetista. Excluem o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) da direita e exaltam um político que adota posições inequivocamente de extrema-direita, como é o caso de Jair Bolsonaro.

O segundo comentário também exclui o PSDB do campo conservador, como os dois últimos. O PSDB, no argumento desenvolvido pelo autor do segundo comentário, não seria suficientemente de direita, defensor do capitalismo, porque seria filiado à Internacional Socialista. Trata-se, evidentemente, de uma avaliação equivocada que subestima e muito o papel central do PSDB no avanço do liberalismo econômico no Brasil. Mas a oposição ao PSDB nesse comentário tem relação com a avaliação de que o partido em questão não seria suficientemente liberal em termos econômicos, enquanto nos dois últimos tem relação com o pressuposto de que o PSDB seria liberal demais em termos de costumes. A presença do deputado Jair Bolsonaro nesses comentários, numa posição de ídolo político de seus autores, permite fazer essa interpretação. O conservadorismo desse político é muito mais extremo na sua oposição às pautas das minorias (sexuais, raciais, etc.) do que na sua oposição à intervenção do Estado na economia.

Se se define o termo discurso como um certo modo de compreender o mundo ou aspectos particulares do mundo (Jorgensen & Phillips, 2002), é possível identificar nos relatos desses militantes dois discursos que são frequentemente mobilizados por grupos de direita e extrema-direita no Brasil atual. Um deles é o discurso que se opõe às pautas das minorias e que é profundamente nacionalista e autoritário em termos de costumes. O outro é o discurso ultraliberal em termos econômicos que exalta as virtudes do livre mercado. Normalmente esses grupos advogam liberdade econômica, usando a retórica neoliberal de um Hayek (2010), mas pedem a intervenção estatal nos costumes.

 

Considerações finais

Este trabalho buscou compreender como os simpatizantes da direita antipetista que frequentavam o blog de Reinaldo Azevedo, jornalista conservador, no ano de 2015, definiam o petismo e a si mesmos.

O ano de 2015 foi marcado pela forte polarização na política brasileira entre petistas e antipetistas, polarização que só se intensificou nos anos seguintes, e, a depender do resultado das eleições presidenciais de 2018, pode se tornar mais aguda do que nos anos anteriores.

Os relatos aqui analisados, produzidos no ano de 2015, e a retórica política da direita brasileira nos anos seguintes mostram inequivocamente uma direita política no ataque com uma agressividade poucas vezes vista na história política brasileira. Trata-se de um fenômeno que ocorre também na Europa e nos Estados Unidos e, como foi visto aqui, a direita brasileira mostra que está conectada com o que ocorre nesses lugares ao ecoar abertamente o discurso da direita norte-americana.

Os relatos investigados neste estudo são constituídos por dois discursos, o discurso liberal de direita e o discurso da extrema-direita norte-americana, que tem no anticomunismo um tema central. Naquele ano de 2015, tanto militantes de direita quanto militantes de extrema-direita frequentavam o blog de Reinaldo Azevedo. A atenção dispensada ao inimigo comum que precisava ser derrotado dificultava a emergência dos antagonismos internos. Com o impeachment da presidente Dilma Rousseff, que significou a derrota parcial do inimigo comum (parcial, não total porque o PT continua bem vivo, apesar dos prognósticos em contrário), os antagonismos internos da direita emergiram. O jornalista Reinaldo Azevedo é atualmente um dos maiores críticos da operação lava-jato na imprensa brasileira,

alegando inclusive que ela tem traços antidemocráticos e fascistas, e inimigo dos internautas situados na extrema-direita do espectro político que frequentavam e aplaudiam o seu blog naquele ano de 2015.

A retórica de extrema-direita, hoje, é ainda mais sedutora para a sociedade brasileira do que era há quatro anos. A vitória do deputado Jair Bolsonaro, político que fez sua carreira reproduzindo um discurso antidemocrático, não deixa dúvidas sobre isso. Espera-se que este trabalho contribua, ainda que modestamente, para a compreensão do pensamento dessa direita e que seja complementado por outros estudos que investiguem esse movimento em outros contextos sociais, além da internet.

 

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Recebido em: 14/10/2018
Aceito em: 27/4/2019

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