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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versión On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.15 no.1 São João del-Rei ene./mar. 2020

 

Intervenção com mulheres vítimas de violência doméstica: uma revisão bibliométrica

 

Intervention with women victims of domestic violence: a bibliometric review

 

Intervención con las mujeres víctimas de violencia doméstica: una revisión bibliométrica

 

 

Andrezza Souza Martinez MachadoI; Fernanda Monteiro de Castro BhonaII; Lélio Moura LourençoIII

IMestre em Psicologia na linha de Processos Psicossociais em Saúde pelo Programa de Pós-Graduação do curso de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Pós-graduanda em Psico-oncologia pela Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais (CMMG). Psicóloga graduada pela UFJF. Integrante do Núcleo de Estudos em Violência e Ansiedade Social (Nevas) do Departamento de Psicologia da UFJF. E-mail: andrezza_martinez@yahoo.com.br
IIDoutora em Psicologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Psicóloga e mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). E-mail: fbhona@gmail.com
IIIPós-Doutor em Estudos da Criança pelo Instituto da Criança da Universidade do Minho - Braga, Portugal. Doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1998). Mestre em Psicologia Social pela Universidade Gama Filho (1993). E-mail: leliomlourenco@gmail.com

 

 


RESUMO

Violência doméstica (VD) ocorre entre pessoas com vinculação afetiva, de convivência ou consanguinidade, podendo envolver também outros membros que convivam no espaço doméstico. A Organização Mundial de Saúde afirma que a VD contra a mulher pode ser detectada, prevenida ou reduzida. O objetivo do presente trabalho foi realizar uma revisão bibliométrica da literatura sobre as intervenções utilizadas em casos de violência doméstica contra mulheres. Buscou-se investigar artigos publicados entre 2004 e 2014 em seis bases de dados (Web of Science, PsycInfo, SciELO, Pepsic. Redalyc e Lilacs), com descritores inseridos em espanhol, inglês e português. Como resultado, foram encontrados 163 artigos, dos quais 14 foram selecionados de acordo com a temática do estudo. Foi constatado que, além das ações destinadas diretamente às vítimas, há o desafio da capacitação de profissionais e da triagem dos casos. Os serviços de saúde têm sido o foco dos estudos, visando à preparação de profissionais e a identificação das vítimas.

Palavras-chave: Violência doméstica. Intervenção. Mulheres.


ABSTRACT

Domestic violence occurs between people with affective links, whether familiar or other, involving also those who share their home. The World Health Organization states that the DV against women may be detected, prevented or reduced. The aim of this study was to perform a bibliometric review of the literature about interventions used in cases of DV against women. Studies published between 2004 and 2014 in six different databases (Web of Science, PsycInfo, SciELO, Pepsic. Redalyc and Lilacs) with the describers in Spanish, English and Portuguese were searched. In result, 163 studies were found, of which 14 were chosen according to their theme. It was concluded that, besides of the actions aimed for the victims, there is a challenge in the formation of the professionals and the screening of the cases. The health services have been the focus of the studies aiming for the training of the professionals and victim's identification.

Keywords: Domestic violence. Intervention. Women.


RESUMEN

Violencia doméstica (VD) ocurre entre las personas con vinculación afectiva, de convivencia o consanguinidad, pudiendo envolver también otros miembros que convivan en el espacio doméstico. La Organización Mundial de la Salud afirma que la VD contra la mujer puede ser percibida, prevenida o reducida. El presente trabajo tuvo el objetivo de realizar una revisión bibliométrica de la literatura sobre las intervenciones utilizadas en casos de la violencia doméstica contra las mujeres. Se han buscado artículos entre 2004 y 2014, en seis bases de datos (Web of Science, PsycInfo, SciELO, Pepsic. Redalyc y Lilacs) con los descriptores inseridos en español, inglés y portugués. Como resultado se ha encontrado 163 artículos, de los cuales 14 fueron seleccionados de acuerdo con la temática del estudio. Fue constatado que, además de las acciones destinadas directamente a las víctimas, existe el desafío de capacitación de los profesionales y del cribado de casos. Los servicios de la salud han sido foco de los estudios, visando la preparación de los profesionales y la identificación de las víctimas.

Palabras clave: Violencia doméstica. Intervención. Mujeres.


 

 

Introdução

A violência consiste em um problema social e de saúde pública, vindo a se relacionar a inúmeros fatores, causas e circunstâncias. Seu impacto pode ser mundialmente verificado de várias formas. A violência pode ocorrer em diversos contextos, por exemplo, em uma família e em relacionamentos íntimos. Faz-se importante o planejamento de intervenções, visto os custos na saúde e os prejuízos na vida do indivíduo ocasionados por esse problema (Dahlberg & Krug, 2007).

Considera-se como violência o uso intencional de força física ou do poder, real e/ou ameaça contra si próprio ou outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação (Krug, Dahlberg, Mercy, Zwi & Lozano, 2002, p. 4).

Segundo o Ministério da Saúde (2001), a violência doméstica ocorre entre pessoas com vinculação afetiva, de convivência ou consanguinidade, podendo envolver também outros membros que convivam no espaço doméstico sem função parental, tais como, agregados e empregados domésticos. Ressalta-se que, nesse conceito, o adjetivo "doméstico" não delimita ao espaço físico em que o ato ocorre, mas, sim, nas relações existentes entre agressores e vítimas. Especificamente em relação à mulher, a vitimização pelo parceiro pode ser observada em diferentes culturas por todo o mundo (OMS, 2011).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) ressalta a particular vulnerabilidade da mulher a abusos praticados pelos parceiros em sociedades em que perduram comportamentos pautados nas desigualdades entre homens e mulheres, rígidos papéis de gênero, normas culturais que garantem o direito do homem ao sexo, a despeito da vontade da mulher, e inábeis penalidades contra esse tipo de comportamento. Tais fatores podem tornar difícil ou perigoso para a mulher abandonar um relacionamento abusivo. Além disso, ainda que a mulher consiga sair de uma relação nesses moldes, isso não garante sua segurança, visto que a violência pode se perpetuar, mesmo que o parceiro seja abandonado (Krug et al., 2002).

A violência contra as mulheres pode ocasionar traumatismos sérios, incapacidades e óbitos. Indiretamente, pode acarretar problemas de saúde, como mudanças fisiológicas induzidas pelo estresse, uso de substâncias ou falta de controle sobre a fertilidade e autonomia pessoal (OMS, 2011). De acordo com Dahlberg e Krug (2007), as vítimas de violência doméstica apresentam mais problemas de saúde, gerando custos significativos de tratamento, além de apresentarem consultas mais frequentes aos atendimentos de emergência durante toda a vida.

Afirma-se que a violência demanda, entre vários setores que trabalham com intervenção, ações de saúde, judicial, policial e psicossocial. Tais campos têm diversificação em sua assistência, como a polícia, que trabalha com a denúncia das vítimas, e a psicossocial, que visa à construção de novos projetos de vida (Hanada, D'Oliveira & Schraiber, 2010).

Considerando a busca das vítimas por esses serviços, é possível detectar, prevenir ou reduzir a violência doméstica. Para isso, é necessária a atenção e uma relação de proximidade dos profissionais. Intervenções que identifiquem o problema, apoiem as vítimas e as encaminhem para serviços de suporte psicossociais e legais podem reduzir o impacto da violência na saúde e no bem-estar da mulher, bem como de seus filhos. Tais intervenções também têm o potencial para ajudar a prevenir futuros episódios de violência (OMS, 2008).

Intervenções pautadas em políticas públicas com interface em diversas áreas podem reduzir ou eliminar a violência, amenizando os impactos na saúde das vítimas. Conforme o foco, as intervenções podem ser classificadas como primárias, secundárias ou terciárias. Intervenções primárias se relacionam à prevenção, as secundárias visam evitar a reincidência da violência, e as terciárias concentram-se nas consequências. Há também intervenções que se destinam a ajudar as mulheres diretamente e aquelas que se relacionam indiretamente ao amparo das vítimas por meio do aperfeiçoamento da conduta de profissionais de diversas áreas que lidam com esse tipo de problema (Ramsay et al.,2009).

O objetivo do presente trabalho consistiu em realizar uma revisão bibliométrica da literatura a respeito das intervenções utilizadas em casos de violência doméstica, contra as mulheres, no Brasil e no mundo. A fim de responder como estaria o cenário atual no contexto da intervenção voltada para a mulher vítima de VD, o intuito foi estabelecer um panorama do cenário acadêmico incluindo as diversas áreas que trabalham com a temática. Tal revisão é importante não somente para conhecer de maneira mais concisa o cenário atual a respeito do tema, mas também para detectar lacunas e, dessa maneira, contribuir e avançar para o desenvolvimento do conhecimento acerca desse problema social e de saúde pública.

 

Método

O levantamento bibliográfico realizado nos meses de maio e junho de 2014 foi feito em seis bases de dados: Web of Science, PsycInfo, SciELO, Pepsic. Redalyc e Lilacs. Foi utilizado como descritor o termo "(intervenção OR psicoterapia OR tratamento OR terapia) AND (violência doméstica OR violência entre parceiros íntimos) AND mulher*", o qual foi pesquisado em português, inglês e espanhol; ou seja, os termos deram entrada separadamente em cada uma dessas línguas. O lastro da pesquisa foi delimitado em 10 anos (2004 a 2014), faixa de tempo considerada razoável para as revisões de literatura para pesquisas científicas, conforme a Biblioteca Cochrane da Bireme - BVS (Vet, Eisinga, Riphagen, Aertgeerts & Pewsner, 2008).

Foram recuperados 163 artigos nas bases de dados. Após a localização dos artigos, um Quadro foi esboçado com as informações essenciais, tais como: base de dados em que o artigo foi recuperado, título, resumo, autor, palavras-chave, ano de publicação, periódico, país e categoria/área de conhecimento da revista. Posteriormente à leitura dos artigos, os Quadros foram preenchidas com informações adicionais, como: local e tipo de intervenção, foco do estudo e método utilizado. Foram excluídos os artigos que não abrangiam a temática da intervenção, que não tinham como público-alvo as mulheres vítimas, aqueles que não se relacionavam com o tema da violência doméstica ou que não estavam disponíveis de maneira livre e integral por meio do portal Periódicos Capes. Finalmente, foram selecionados 14 artigos (Quadro 1) que coadunavam com o escopo da pesquisa.

Para análise dos artigos, que visava caracterizar o universo das publicações acerca do tema, foram considerados os aspectos listados anteriormente a fim de organizar e sistematizar os dados de maneira a facilitar a apreciação de cada informação catalogada.

Foram utilizadas quatro categorias de análise para classificar os artigos, as quais seguiram as nomenclaturas apresentadas pela base de dados Web of Science. Tais categorias são: "Cuidados com a Saúde e violência", "Cuidados primários e violência doméstica", "Psicologia e a Violência doméstica", e "Saúde ocupacional, ambiental e pública no que concerne à violência". Os 14 artigos selecionados foram examinados individualmente considerando-se as características mencionadas.

 

Resultados

O ano que reuniu o maior número de publicações foi o de 2012, com quatro artigos. Os anos de 2004, 2006, 2009 e 2013 obtiveram duas publicações cada um. Já os anos de 2007 e 2010 contemplaram um artigo cada um. Por fim, 2008 e 2011 não obtiveram nenhuma publicação.

As autoras que mais publicaram sobre o assunto apresentaram três trabalhos: Gene Feder, Harriet MacMillan e Nadine Waten. Cinco autores apresentaram duas publicações no período analisado: Charlotte Wats, Daniel Allen, Debbie Sharp e Sandra Eldridge.

No que tange às revistas, verificou-se grande variedade, sendo encontrados 12 títulos diferentes. As revistas que mais publicaram trabalhos sobre o assunto foram a Trials e a BMC Public Health, que apresentaram dois trabalhos diferentes. Os periódicos nos quais tais trabalhos foram publicados são majoritariamente ingleses, correspondendo a oito revistas.

De acordo com os critérios de categorização estabelecidos, os artigos foram agrupados da seguinte maneira: "Saúde ocupacional, ambiental e pública no que concerne à violência", com cinco artigos; "Cuidados com a saúde e violência" e "Cuidados primários e violência doméstica", com quatro artigos em cada; e "Psicologia e a Violência doméstica", com um artigo. No caso das palavras-chave, foi encontrado um total de 76 termos. Entre os mais citados destacam-se: "abuso", oito vezes; "violência doméstica", sete vezes; "violência entre parceiros íntimos", seis vezes; e "mulheres agredidas", quatro vezes.

As investigações sobre a temática foram conduzidas em sua maioria nos Estados Unidos, com quatro trabalhos apresentados. A Inglaterra foi o país de realização de três estudos, e o Canadá de dois. Austrália, Costa do Marfim, Espanha, Paquistão e Uganda foram os países onde foram encontrados um trabalho cada.

Quanto ao tipo das intervenções, quatro artigos abordaram a questão da capacitação dos profissionais (Quadro 2), três exploraram a triagem de casos de VD (Quadro 3), e sete artigos descreveram intervenções com mulheres vítimas de violência doméstica (Quadro 4).

Entre os sete estudos que descreveram intervenções, dois artigos apresentaram trabalhos comunitários, direcionados para homens e mulheres, visando à prevenção da violência doméstica, podendo ser classificados como intervenção primária. Uma publicação abordou a intervenção voltada para consequências, caracterizada a intervenção como terciária, bastante comum dos episódios de violência que é o transtorno de estresse pós-traumático (Plichta, 2004). Dois estudos descreveram ações direcionadas às mulheres no sentido de evitar novas ocorrências da violência, podendo ser classificados como intervenções secundárias. Por fim, dois trabalhos apresentaram intervenções com objetivos amplos, voltadas para grávidas e/ou mães, que sofreram ou apresentavam risco para o abuso, apresentando características dos três tipos: primária, secundária e terciária.

No que diz respeito à metodologia, verificou-se que a maior parte dos artigos se baseou no método de pesquisa de ensaio clínico randomizado, aparecendo em nove estudos; a abordagem qualitativa apareceu em dois artigos; pesquisas calcadas em métodos quali-quanti apareceram em dois artigos; e, por fim, um estudo foi quantitativo.

 

Análise e discussão

A revisão que concerniu ao universo das intervenções no campo da violência doméstica contra as mulheres evidenciou que os trabalhos abordam, além das ações destinadas diretamente às vítimas, os desafios da capacitação de profissionais e da triagem dos casos. Nesse sentido, apesar de haver intervenções em diversos contextos, os serviços de saúde têm sido o foco dos estudos visando à preparação de profissionais e a identificação das vítimas, dado o seu papel pioneiro e estratégico no acolhimento e cuidado (Minayo & Deslandes, 2009; Ministério da Saúde, 2010; Schraiber & D'Oliveira, 2003).

Quanto aos tipos de intervenção encontrados, foram observados estudos com o foco em diversos níveis: primário, secundário e terciário. Além de atividades direcionadas especificamente às vítimas, e/ou aos grupos de risco, foram encontrados trabalhos comunitários, direcionados para homens e mulheres, visando à prevenção da violência doméstica. Foram descritas atividades em grupos de diálogo na comunidade, eventos públicos com grupos de discussão, visitas domiciliares com o intuito de prevenir e esclarecer questões sobre a VD, além de encaminhamento para redes de apoio na comunidade. A respeito da modalidade de intervenção envolvendo o gênero masculino, o envolvimento de homens e jovens nesses trabalhos tem demonstrado resultados promissores (Jewkes, Flood & Lang, 2014), visto que a violência contra a mulher, muitas vezes, está enraizada em desigualdade de gênero, envolvendo poder e recursos, sendo as mulheres muitas vezes culpadas e estigmatizadas (Who, 2017).

Observou-se variedade nas ferramentas de intervenção, fazendo crer, sobretudo, a existência de um campo multifacetado que pode passar por inúmeras abordagens. Tal constatação remete também à reflexão sobre o contexto no qual a mulher está inserida ou onde possivelmente ocorrerá algum processo de triagem desses casos. Isso leva a ponderar que, no plano das intervenções, cada contexto detém características intrínsecas que serão decisivas ao planejamento e implementação de ações que visem dar suporte a essa mulher. Faz-se relevante considerar a importância da integração de diferentes disciplinas nesse caso.

Acrescenta-se, ainda, que profissionais da saúde inseridos nesse meio apresentam e desenvolvem técnicas pertinentes a sua área de atuação. Nesse sentido, foram encontrados artigos relacionados ao tipo de trabalho e conhecimento que cada profissional da saúde detém. Destaca-se que a maioria das mulheres pensa que os prestadores de cuidados em saúde deveriam inquirir sobre a violência; não esperam, no entanto, que eles resolvam o seu problema, mas gostariam de ser escutadas e tratadas de uma forma que as ajudem a ganhar a força que precisam para assumirem o controle das suas decisões. Os prestadores de cuidados de saúde têm, muitas vezes, dificuldade em interrogar as mulheres a respeito da violência, pois falta-lhes tempo, formação e competência para o fazerem corretamente (OMS, 2008).

Ademais, com a classificação dos artigos nas categorias já mencionadas, averiguou-se que a violência doméstica vem a ser, realmente, um problema diretamente relacionado à saúde, merecendo destaque nas políticas públicas de saúde e nos mecanismos apropriados para identificação e abordagem dos casos.

A distribuição das publicações no tempo permitiu observar certa estabilidade no período analisado, com um ápice das produções no ano de 2012, quando os trabalhos foram duplicados em relação aos anos anteriores. As experiências retratadas nos trabalhos estão inseridas em culturas diversas, o que requer cuidado ao se pensar na reprodução de tais práticas em outros contextos.

Uma das limitações deste estudo consiste no fato de que não foi possível retratar o cenário nacional de intervenções sobre a temática. A metodologia de busca adotada pode ter dificultado a identificação de trabalhos nacionais, o que se constitui em agenda para estudos posteriores. A metodologia de busca encontrou grande diversidade de palavras-chave utilizadas para retratar a temática, vale ressaltar que as pesquisas que abordam o tema utilizam de maneira próxima os termos "abuso", "violência doméstica" e "violência entre parceiros íntimos" ao se referir ao assunto proposto.

Nesse sentido, alguns termos delimitam o fenômeno em determinado aspecto, porém contêm limitações. O descritor "violência entre parceiros íntimos" por muitas vezes é criticado por não especificar a unidirecionalidade da violência de gênero, do homem sobre a mulher, além de não destacar o caráter público e político dessa problemática, que ultrapassa o contexto da intimidade. Em contrapartida, o termo "violência doméstica" tem sido criticado por comportar um sentido de problema gerido e criado internamente, ser omisso na nomeação dos protagonistas (vítima e agressor) e nos tipos praticados de violência, e não traduzir o fato de a violência acontecer também fora do espaço doméstico (Matos, 2006; 2012).

Em referência às metodologias utilizadas nos artigos, cabe destacar o predomínio dos ensaios clínicos randomizados, delineamento adequado para se testar a eficácia de intervenções. Investigações nessa área são desafios, em virtude do grande número de questões a serem respondidas. Assim, há necessidade de pesquisas com metodologias rigorosas para testar e comparar a eficácia das intervenções relacionadas a essa temática. Resultados obtidos a partir desse tipo de pesquisa podem auxiliar para que os cuidados com a saúde atinjam implicações favoráveis, como também notificar abordagens mais eficazes de prevenção no nível da saúde pública (Wathen & MacMillan, 2003).

Há que se destacar que alguns estudos sobre violência doméstica não são publicados, pois o método de intervenção pesquisado não tem comprovação de sua eficácia e, além disso, muitas vezes, as pesquisas não têm o desenho adequado para validar seus resultados. Isso, consequentemente, contribui para um desconhecimento da prevalência das intervenções (Hackett, McWhirter & Lesher, 2015). A ausência de dados pode incorrer em maiores chances de falha na assistência às vítimas, visto que o tema é pouco difundido e debatido, considerando a sua magnitude e impacto na saúde pública. Ademais, o baixo número de artigos encontrados neste estudo demonstra também que a intervenção com as vítimas apresenta uma área frutífera e fundamental para futuras pesquisas.

 

Considerações finais

A priori, devido às consequências imediatas e mediatas que a violência doméstica pode gerar na vida de uma mulher, primordialmente, se deveria dedicar especial atenção à maneira como se conduz esse aludido problema de saúde pública.

No presente artigo, pôde-se perceber, por meio da revisão bibliométrica, que o processo de intervenção com mulheres vítimas de VD deve estar em consonância com o contexto ao qual a mulher está inserida, considerando, assim, suas especificidades familiares, locais e culturais. Atrelado a isso, destaca-se a relevância dos profissionais estarem capacitados para atuarem junto às vítimas. Ressalta-se a variedade de especialistas que podem atuar nesse cenário, dada a complexidade dos fatores de risco e proteção que estão relacionados à VD.

Finalmente, à guisa de conclusão, percebe-se que o tema proposto se caracteriza como terreno fértil para realização de estudos em diversas vertentes, sendo, de tal maneira, condição necessária para transpor lacunas e desafios fecundos nesse campo. Ressalta-se, assim, que novos trabalhos podem auxiliar a suplantar limitações do presente artigo.

Urge, portando, a necessidade de mais pesquisas na área de intervenção, no que concerne à violência doméstica contra a mulher, para que os profissionais que atuam nesse cenário possam adquirir o conhecimento necessário e, assim, angariar resultados cada vez mais satisfatórios no processo de intervenção.

 

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Recebido em: 9/7/2016
Aprovado em: 18/2/2020

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