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Pesquisas e Práticas Psicossociais

On-line version ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.15 no.2 São João del-Rei Apr./June 2020

 

A proposição de articulação em rede para atenção pública a crianças e adolescentes

 

The proposition of the network articulation to public attention to children and adolescents

 

La conexión en red como proposición de una atención pública para niños y adolescentes

 

 

Mariana Rossi AvelarI; Ana Paula Serrata MalfitanoII

IUniversidade Federal de São Carlos
IIUniversidade Federal de São Carlos

 

 


RESUMO

Objetivou-se investigar se e de que modo uma articulação em rede pode auxiliar e garantir a participação social na elaboração de uma agenda de políticas sociais pautada na garantia dos direitos de crianças, adolescentes e jovens. Por meio de observação participante e entrevistas, em uma experiência local, concluiu-se que, apesar de ter fomentado o debate sobre direitos e possibilitado a participação dos profissionais, a forma de organização para ser efetivamente democrática precisa ser revista, a fim de propiciar a participação de todos os atores sociais envolvidos, inclusive crianças, adolescentes e jovens.

Palavras-chave: Criança e adolescente. Rede. Políticas Sociais.


ABSTRACT

This study attempt to investigate if and how a network articulation can help and guarantee social participation in the elaboration of an agenda of social policies based on the guarantee of the rights of children, adolescents and young people. Through the method of participant observation and interviews, in a local experience, we concluded that despite the fact we have fomented the debate on rights and made possible the participation of professionals, the form of organization to be effectively democratic needs to be revised in order to facilitate the participation of all social actors involved, including children, adolescents and young people.

Keywords: Child and adolescent. Network. Social Policies.


RESUMEN

El objetivo fue investigar si y cómo una red puede asistir y garantizar la participación social en el desarrollo de una agenda de políticas sociales basado en la garantía de los derechos de los niños, adolescentes y jóvenes. A través de la observación participante y entrevistas, en un experimento local encontró que, a pesar de haber fomentado el debate sobre los derechos y hecho posible la participación de profesionales; la forma de organización efectivamente democrática necesita revisarse, con el fin de propiciar la participación de todos los actores sociales involucrados, incluyendo niños, adolescentes y jóvenes.

Palabras-clave: Niño y adolescente. Red. Políticas Sociales.


 

 

Introdução

Tendo por base a parceria entre a universidade e uma gestão pública municipal, em um município de pequeno porte no interior do estado de São Paulo, Brasil, buscou-se discutir e relacionar espaços públicos, participação social e articulação em rede. O intuito de debater sobre esses conceitos justifica-se pela necessidade de compreender como de fato tais conceitos se apresentam no cotidiano dos atores sociais envolvidos na consolidação de uma iniciativa municipal, denominada Rede da Criança e do Adolescente, voltada para a construção e consolidação de uma rede colaborativa, integrada e articulada entre serviços e profissionais de diferentes setores (assistência social, educação, saúde, entre outros), os quais trabalham com crianças, adolescentes e jovens.

Segundo Telles (1994), espaços públicos se caracterizam como arenas públicas de interface entre sociedade civil e Estado, nas quais são possibilitados o debate e a negociação democrática. Ainda, para a autora, é nesses espaços que a sociedade expressa suas diferenças, circulam seus valores e argumentos para, assim, formar opiniões e tomar decisões. Relaciona-se diretamente com o direito, trazendo para a arena pública discussões relevantes (consideradas assim por atingirem um grande número de pessoas), mas que, diversas vezes, permanecem à margem do debate na esfera pública. Ao contrário, a ausência de tais espaços demonstra a dificuldade em se formular as demandas sociais cotidianas na linguagem pública do Direito, revertendo para o encaminhamento por meio dos códigos da vida privada e caracterizando uma não cidadania, como denominado por Telles (1994).

Podemos afirmar que, nos desafios vividos em uma sociedade arraigada historicamente na tradição do autoritarismo, das oligarquias e do coronelismo, como a história brasileira, a construção da esfera pública concretizaria o ideal democrático, visto que: as decisões políticas tornam-se permeáveis à influência de setores da sociedade civil, geralmente mantidos à margem desses processos; um maior número de interesses, demandas e propostas são ouvidos, o que é essencial na luta contra a exclusão social e proporciona uma revisão de prioridades; contribui para a consolidação de uma cultura de direitos, na qual o outro é reconhecido como cidadão (Grupo de Estudos sobre a Construção Democrática, 1988-1999).

Entretanto, garantir a participação da sociedade não é tarefa simples. Segundo Tatagiba (2003), dois fatores exercem grande influência: o modelo de gestão e a cultura política local. Para compreendermos tal inferência, são necessários, primeiramente, alguns apontamentos históricos sobre a política brasileira atual.

Durante o fim da década de 1970, com o agravamento dos problemas sociais e a crise do setor público, iniciou-se, por parte da população, um questionamento acerca da ordem vigente (autoritária, centralizadora e excludente). Considerando esse panorama, combinado à possibilidade de um espaço de debate trazido pelos movimentos sociais, aqui compreendidos como instrumentos fundamentais para a construção da cidadania, a ação teve seu auge na promulgação da Constituição Brasileira de 1988, marcada por uma mudança radical de paradigma da organização política, deixando para trás a centralização estatal, fragmentada, burocrática e que excluiu a sociedade civil, originando uma nova configuração, descentralizada e valorativa da participação social (Tatagiba, 2003).

Surgiram, então, experiências inovadoras de gestão, as quais apostavam nas novas relações entre Estado e Sociedade Civil e na tendência à integração das suas ações. Parece existir, assim, um consenso de que a participação qualificaria a democracia, sendo posta quase como solução mágica, uma "cura para todos os males". No entanto, a participação da sociedade civil, por si só, não garante a democracia, visto ser difícil reverter a centralidade e o protagonismo do Estado na tomada de decisões: ainda hoje práticas clientelistas dominam as relações entre Estado e sociedade (principalmente na díade partidos políticos-população, nos períodos eleitorais), incapacitando as gestões participativas de provocarem as rupturas pretendidas e tornando a participação moeda de troca nas relações patrão-cliente (Tatagiba, 2003).

Diante desses impasses, é necessário encontrar estratégias que garantam a participação de qualidade, visto que, segundo Dagnino (2002), são nesses espaços que serão expressas as reivindicações populares e se construirá um sentimento de pertencimento, representando uma interlocução possível, inclusive no debate de diferentes ideias para a criação de novas opiniões, espaço no qual parâmetros públicos podem ser (re)construídos a partir das demandas da sociedade, tornando a agenda política mais condizente às reais necessidades da comunidade.

Os espaços públicos mais comumente observados, previstos pela Constituição Brasileira, são os Conselhos, os quais têm o intuito de promover o controle social nas políticas públicas. Embora as instituições participativas no Brasil tenham se instituído de maneira ampla e diversa, incluindo as três esferas de governo, Dau, Palassi e Silva (2019) afirmam que isso, por si, não garante a dinâmica plural para o seu funcionamento. Ainda de acordo com os autores, a literatura sobre conselhos gestores identificou diversos fatores os quais entrepõem a relação entre sociedade civil e representantes do governo, tais como: a falta de tradição participativa, que gera problemas de diversas ordens; a fragmentação das ações; o uso do conselho para manobras políticas; a capacitação insuficiente dos conselheiros.

Além do destaque dado aos Conselhos como importante instrumento de participação, Pereira e Teixeira (2013) defendem a organização em rede como uma estratégia de luta contra a centralização das políticas, na direção do estabelecimento de ações mais horizontais. No campo das políticas sociais, "o conceito de rede pode ser um importante arranjo político no nível local/territorial, contributivo para maior efetividade das ações e oferta de maior suporte social à população atendida" (Avelar & Malfitano, 2018, p. 3203). Para tanto, a compreensão sobre as políticas sociais torna-se fundamental para o entendimento acerca da entrada ou não das redes em sua constituição e operacionalização.

 

Políticas sociais para infância, adolescência e juventude e suas redes

Para que seja possível discutir políticas públicas, primeiramente é preciso apontar sobre quais pressupostos é formada e o que assegura a sua existência. O conceito de política, em sua dimensão mais ampla, pode ser abordado por diferentes referenciais, vinculando-se ao conceito de Estado e às suas funções, de acordo com os pactos sociais estabelecidos.

Para Couto (2005), é preciso compreender, conjuntamente, outros três conceitos: a política constitucional, a política competitiva e as políticas públicas. Para o autor, a política constitucional se refere à estruturação básica do Estado, à sua conformação fundamental, assegurando os direitos e orientando quanto à tomada de decisão dos governantes, assim como quanto à participação política da sociedade civil. Já a política competitiva se define como o jogo político, o qual envolve tanto os conflitos quanto as alianças, as vitórias e as derrotas, sendo que, em certa medida, toda atividade política é competitiva. Couto (2005) defende ainda que a política pública é condicionada pela existência das duas anteriores, ou seja, as políticas públicas se constituem como produto da atividade política, influenciada tanto pela política constitucional quanto pela política competitiva.

Com relação às políticas sociais, um tipo específico de política pública, podemos compreendê-las como uma resposta do Estado à demanda de acesso a bens sociais em um determinado período histórico (Offe & Lenhardt, 1984). Reconhecer a presença de demandas sociais e a necessidade, bem como a responsabilidade, de intervenção estatal sobre elas é condição prévia para se abordar esse tema.

A entrada na agenda política de determinadas questões, como as demandas relacionadas às crianças e aos adolescentes - com reconhecimento jurídico (Lei n. 8.069/1990), e aos jovens -, que mais recentemente ganharam lugar formal na sociedade brasileira (Lei n. 12.852/2013), dependem da passagem da temática de "estado de coisas", ou seja, de problemas sobre os quais não se dirigem intervenções, para "problema político", demandas sociais que requerem ação pública (Rua, 1999). Nesse processo, é notória a influência da visão histórica e sociocultural acerca da infância, da adolescência e da juventude para a efetivação das políticas sociais, sendo que, teoricamente, deveriam atingir uma população extremamente heterogênea em sua totalidade, de forma integral, segundo as premissas dos direitos sociais estabelecidos (Lopes & Silva, 2009). Observa-se, contudo, que as ações para a infância e a juventude constituíram, e permanecem constituídas, em programas e/ou projetos sociais, no âmbito não governamental e governamental, não se configurando, a priori, como política social, pois são, na maioria das vezes, datados, descontínuos, sem proposta de sustentabilidade em longo prazo e com pouco enraizamento na esfera pública (Lopes, Silva, & Malfitano, 2006).

Espinoza e Felmer (2007) defendem que uma política para a juventude deve ser de abordagem fundamentalmente integral, positiva, propositiva e local, a fim de se atender às demandas e dimensões pessoais e coletivas dessa população. Destaca-se a questão do caráter local (ou descentralizado) no qual as ações devem se desenvolver. Devem ser locais na medida em que é nos espaços territoriais que se abrigam os acontecimentos políticos e que garantem a proximidade entre os sujeitos jovens e as instâncias públicas. É o lugar onde o sujeito juvenil pode se tornar real e exercer seu papel de cidadão (Espinoza & Felmer, 2007).

Além desses quatro postos-chave, outra discussão em voga, ancorada no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei brasileira que estabelece essa população como prioridade nacional, aponta para a organização dos serviços em rede como uma ferramenta de aumento da eficácia das ações políticas desenvolvidas. Ao menos no nível do discurso, é reconhecida a necessidade da articulação dos diversos setores envolvidos e, consequentemente, do trabalho intersetorial em proposições que se dediquem às diversas problemáticas que cercam as crianças, os adolescentes e os jovens brasileiros. Dessa perspectiva, a discussão sobre redes ganhou destaque entre os atores envolvidos nesse campo (Malfitano, 2008).

A constituição de redes é considerada uma forma reorganizadora e potencializadora do trabalho e é bastante discutida e associada à intersetorialidade e à ação compartilhada entre diferentes áreas para a eficácia da proposta com a população à qual se dedica uma intervenção. De acordo com Amaral e Bosi (2017), o termo rede é um transconceito. Segundo os autores, rede pode ser definida a partir de múltiplas concepções, extrapolando os limites de um domínio disciplinar específico.

Para o presente trabalho, definimos redes tendo como base as chamadas redes sociais, ou seja, a articulação entre diferentes serviços das políticas sociais. A literatura apresenta inúmeras análises e definições para tais experiências, sendo que nos pautamos na rede social como um conjunto de atores sociais ligados entre si por relações interpessoais que permitem a transmissão de recursos, extrapolando os limites formais, com a densidade de tais redes dependendo da relação e da quantidade de ligações de cada ator com os demais componentes (Gomide & Grossetti, 2010).

Entre os inúmeros tipos de rede podemos destacar, de acordo com Gonçalves e Guará (2010), as redes primárias ou de proteção espontânea (sustentadas pelos princípios da solidariedade e do apoio mútuo); redes sociocomunitárias (baseadas no princípio da confiança ativa e que oferecem serviços às suas microlocalidades); redes sociais movimentalistas (formadas por movimentos sociais); redes setoriais públicas (formadas por serviços de natureza especializada, resultantes da ação do Estado por meio das políticas públicas); redes de serviços privados. Entre as redes de caráter socioassistencial, existem as redes temáticas, redes intersetoriais, redes territoriais, redes organizacionais e interinstitucionais.

Nas políticas para a infância e juventude, são recorrentes os debates sobre a relevância de constituição de espaços coletivos de discussão e encaminhamentos de temáticas comuns que perpassam diferentes serviços. No que tange a essa população, historicamente alvo de violações diversas, o trabalho em rede intersetorial pode ser uma estratégia de garantia de direitos e se situa como um posicionamento metodológico e ético (Taño & Matsukura, 2019). São atribuídas às redes intersetoriais os benefícios da corresponsabilização pelo cuidado e, consequentemente, da efetivação de direitos para as pessoas que acessam os serviços sociais, quando as redes são permeadas por processos dialógicos entre diferentes saberes na produção de estratégias coletivamente elaboradas (Taño & Matsukura, 2019).

Em síntese, Monnerat e Souza (2009, p. 208) afirmam que a intersetorialidade tem como função construir "objeto e objetivos comuns, o que difere das propostas que se traduzem na mera sobreposição ou justaposição de ações setoriais". Paralelamente, é necessário apontar que se cria uma certa mitificação das suas potencialidades (Brenner, Lanes, & Carrano, 2005). Avelar e Malfitano (2018) afirmam que, comumente, as redes intersetoriais são vistas como estratégia para fortalecer o suporte social à população, mas estão também imersas em funções como a vigilância e controle das famílias, por meio de ações técnico-profissionais comumente baseadas em julgamentos morais. Por isso, é necessário combater o discurso acrítico acerca de um suposto potencial inerente a esse tipo de arranjo político.

No nosso caso em análise, a partir do ano de 2005, a gestão municipal da cidade em questão passou a discutir a necessidade de articulação entre os serviços e os profissionais que trabalhavam com crianças, adolescentes e jovens, nos diferentes setores envolvidos - ou seja, voltando-se para a constituição de uma rede de caráter socioassistencial temática e intersetorial. Não por acaso, no mesmo ano, criou-se também um órgão municipal específico para articular ações com a população infantojuvenil: a Secretaria Municipal Especial da Infância e da Juventude (SMEIJ), órgão municipal com a função de organizar e pautar nas demais Secretarias a temática da infância e juventude em suas ações.

Para composição da Rede, foram convidadas organizações inscritas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA); o Conselho Tutelar; a Secretaria Municipal Especial de Infância e Juventude (SMEIJ); a Secretaria Municipal de Cidadania e Assistência Social (SMCAS), enfatizando a participação dos Centros de Referência da Assistência Social (Cras); a Secretaria Municipal de Educação (SME), e as antigas creches1 (atuais Centros Municipais de Educação Infantil: Cemeis); as Coordenadorias de Cultura, de Esporte e Lazer; além do serviço responsável pelo cumprimento de medidas socioeducativas, especificamente: Liberdade Assistida, Prestação de Serviço à Comunidade e Semiliberdade (referente a adolescentes que cometeram algum ato infracional); somando-se aproximadamente 50 organizações.

A Rede, que permaneceu em funcionamento até o fim do ano de 2012 e permanece suspensa por tempo indefinido, era gerida por um Grupo Gestor, coordenado pela Secretaria Municipal Especial da Infância e Juventude, com membros das Secretarias Sociais da Prefeitura (Assistência Social, Educação e Cultura, Esportes, Saúde) e outros órgãos (como o Orçamento Participativo), além de representantes de entidades não governamentais.

Segundo os documentos locais, as ações da Rede pautavam-se na busca pela construção de uma rede colaborativa, articulada e integrada de serviços e profissionais que estavam em contato com essa população, fomentando discussões sobre a temática e intervindo de acordo com as suas demandas.

No ano de 2010, foi feito um levantamento de todos os serviços sociais atuantes com crianças e adolescentes em cada uma das 5 regiões administrativas da cidade, forma como a prefeitura efetivava a descentralização administrativa. Com esse levantamento, todos os locais foram convidados a participar de reuniões em sua região, com o intuito de criar um canal de comunicação entre os profissionais de serviços do mesmo território geográfico. Foram realizadas três reuniões em cada região, nas quais se iniciaram as articulações entre os serviços e a busca do aumento de conexões entre os diferentes atores.

Nossa inserção em campo ocorreu via atividades de extensão realizadas pela universidade em parceria com a gestão pública municipal. Dessa forma, tendo em vista a temática das redes, assim como a experiência do município em tela, o presente artigo objetivou discutir as ações daquela experiência tendo em vista a avaliação, na opinião de seus atores, sobre a constituição de arranjos em rede para atenção às crianças e adolescentes, com foco na participação dos atores sociais.

 

Métodos

Durante o período de 12 meses foi realizada observação participante em campo, buscando o contato direto com o fenômeno observado, com o intuito de se obter informações aprofundadas sobre a realidade dos atores sociais em seus próprios contextos (Minayo et al., 2002). Além disso, utilizou-se dados já disponíveis e sistematizados em relatórios técnicos e aqueles provenientes do acompanhamento das ações pela universidade.

Durante a observação participante foram acompanhadas reuniões organizadas em 3 modalidades: planejamento, com representantes da administração municipal; Pré-Conferência dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes,2 a qual teve um momento especial destinado à participação de crianças, adolescentes e jovens; e Conferência dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes e reuniões setoriais, com a participação dos técnicos dos diferentes serviços da rede de atenção. Também se observou a preparação da divulgação de curso de formação para os técnicos dos serviços sociais (especificamente uma proposta voltada para a formação acerca da legislação, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA).

Paralelamente, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 29 atores (de um total aproximado de 100 pessoas) envolvidos nas atividades da Rede, entre esses técnicos e gestores de diferentes Secretarias. Com o intuito de encontrar a multiplicidade de discursos presentes entre os diferentes participantes da rede, os colaboradores foram escolhidos a compor de forma diversa o número de técnicos de cada uma das 5 regiões administrativas do município, contando com representantes advindos de serviços da Educação, da Assistência Social, da Saúde e de Organizações Não Governamental (ONG), escolhidos de maneira aleatória. Foram também entrevistados integrantes da gestão do município e do comitê gestor da própria Rede de Crianças e Adolescentes - totalizando um universo de 29 entrevistas. Todos os colaboradores foram esclarecidos sobre a finalidade da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Por meio das entrevistas, pretendeu-se averiguar, principalmente, a concepção geral dos participantes sobre o tema da articulação em rede e do trabalho intersetorial; e também compreender qual seria o significado e relevância da Rede de Crianças e Adolescentes para aqueles atores.

 

Resultados

As reuniões setoriais com os trabalhadores/técnicos da rede eram realizadas em cada uma das 5 regiões administrativas do município, conforme apresentado, com participação espontânea dos técnicos. Os encontros contaram com representantes de diferentes equipamentos sociais, mas não de todos, tendo em média 20 trabalhadores por reunião - o objetivo foi apresentar o conceito de rede e iniciar uma comunicação entre os profissionais de diferentes serviços, o que foi atingido. Contudo, diante de um cronograma pouco flexível, o espaço para intervenção direta dos trabalhadores, como tempo reservado para dúvidas, colocações e sugestões, foi insuficiente. O único espaço que contou diretamente com a participação de crianças, adolescentes e jovens foram as Pré-Conferências dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes.

Quando conversado diretamente com os trabalhadores, via entrevistas, foi questionada a concepção sobre a existência, o conceito e a relevância da articulação em rede e do trabalho intersetorial. Destaca-se, primeiramente, a unanimidade no discurso dos entrevistados sobre a relevância do trabalho em rede. Todos afirmaram, independentemente de seus locais de trabalho, ser importante atuar com uma rede intersetorial articulada, como pode ser exemplificado pelos excertos abaixo, retirados da entrevista com um técnico e com um gestor, respectivamente.

Sim, é importante sim porque, quando você está atuando com crianças e adolescente, você não atua com algo isolado, você atende a criança e adolescente num todo, então você acaba envolvendo várias áreas na situação, então você precisa de uma rede articulada para tentar resolver o problema. Você precisa que vários setores colaborem para estar tentando resolver a problemática.

Fundamental, esse trabalho intersetorial é a chave do sucesso nas questões, na resolubilidade dos casos. É impossível hoje a gente pensar num trabalho que não seja intersetorial. Ele é de fundamental importância, trabalhar todos os setores pra procurar cercar de todas as formas e procurar uma solução pra aquilo ali.

Ao serem questionados sobre os pontos positivos e negativos de se trabalhar em rede, quase todos os profissionais afirmaram não enxergar desvantagens, apenas pontos positivos. Poucos entrevistados pontuaram dificuldades, caracterizadas mais como "desafio", por exemplo, ser mais difícil abrir mão de ter a única decisão sobre os processos, a maior quantidade de tempo despendido nessa lógica de atuação, ou as dificuldades impostas pelo próprio cotidiano de trabalho.

A grande maioria dos trabalhadores e trabalhadoras afirmou que procura outros equipamentos da rede quando não consegue resolver um caso ou quando identifica violação de direitos com alguma criança ou adolescente em seu equipamento social. Essa procura é feita tanto para comunicar/encaminhar o caso como para discuti-lo e encontrar soluções conjuntas para aquela situação.

Quando perguntado sobre espaços de discussão sobre temáticas relacionadas à infância, adolescência e juventude, todos os entrevistados responderam já terem participado de algum encontro ou grupo de discussão que abordasse a temática. Sessenta e dois por cento nomearam a Rede da Criança e do Adolescente como sendo um dos espaços de sua participação sobre o tema, reconhecendo positivamente a constituição da rede para a dinâmica cotidiana do trabalho com essa população, como pode ser observado no excerto do técnico.

É, tem vários espaços de discussão nos quais as temáticas abordadas são crianças e adolescentes. Com vários equipamentos de trabalho, acho que hoje nós temos um monte de conselhos, que no final tem muito a vertente dessa temática. Volta-se muito para a criança e adolescente. Então a gente tem sim, principalmente na questão que eu te falei da Rede da Criança e do Adolescente, ela junta, ela une todo mundo de diferentes equipamentos, diferentes vivências e faz essa discussão.

Quando questionados sobre a existência, de fato, da "Rede da Criança e do Adolescente", os entrevistados deram três tipos de respostas distintas: "não" (20,8%), "sim" (25%) e "a rede está em processo de construção" (37,5%), além de algumas entrevistas das quais não foi possível chegar a uma conclusão clara a partir da fala do entrevistado (16,7%).

Faz-se importante diferenciar as respostas por categoria profissional, pois esse fator parece ser chave, visto que, entre os técnicos, as melhores avaliações provêm da área da Assistência Social e da Saúde. Entre estes, nenhum avaliou de forma negativa a existência da rede, afirmando sua existência ou, ao menos, o processo de construção. Já as piores avaliações são dos atores sociais ligados às Organizações Não Governamentais (ONGs), uma vez que nenhum referiu acreditar na existência plena da rede, pois aludiram ao processo de construção ou à sua não constituição. Por último, os profissionais da Educação apresentaram respostas variadas, mas predominando a não existência da rede. Entre os gestores, das 5 entrevistadas, 2 responderam afirmativamente, e as outras 3 referiram-se ao processo de construção, ou seja, não houve nenhuma negação à constituição da rede, como era esperado, uma vez que a proposta da Rede da Criança e do Adolescente foi criada e conduzida pela gestão municipal.

Acerca dos equipamentos que formam a rede, geralmente os técnicos conhecem os equipamentos mais próximos fisicamente de onde trabalham e/ou pertencentes à mesma região administrativa, ou, ainda, vinculados à mesma Secretaria. Os gestores, como esperado, tinham uma visão mais ampla dos serviços. A seguir, podem-se observar trechos de entrevistas que tratam dessa questão, nos quais se destaca a dificuldade de comunicação com outros setores ou uma comunicação bastante restrita ou personalista na visão dos técnicos:

Acabo falando mesmo com a Educação, não tenho muito contato com as outras áreas. Quando preciso de alguma coisa, eu recorro à Educação e... dificilmente eu procuro buscar outros, e não sei se eu fosse atrás eu conseguiria, mas no momento do que eu vou atrás é da Educação, da minha área mesmo.

O que nós temos são situações muito personalizadas, a gente resolve determinadas situações porque se conhece, você conhece o fulano tal, você resolve situações mais rápido porque você tem um contato pessoal mais interessante. Mas não é só isso, porque parece uma tragédia, eu não estou falando que isso é uma tragédia, não. Existem situações que esses contatos se transformam em parcerias, mas são situações pontuais.

Já os gestores da rede, por estarem no lugar de organização e articulação, parecem ter mais possibilidade de acesso aos demais equipamentos, inclusive de conhecê-los presencialmente, podendo compreender de forma mais aprofundada as suas ações. Isso ficou explícito nas suas colaborações, que apresentavam, de forma mais ampla, toda a rede na sua composição intersetorial.

Uma questão pontuada frequentemente pelos técnicos foi o fato do seu próprio equipamento não proporcionar a estrutura e organização necessárias que possibilitasse a comunicação externa com outros locais. A lógica cotidiana das atividades locais acabava por estagnar as pessoas dentro do serviço no qual atuavam, desestimulando o contato com outras instâncias, a não ser quando surgisse uma situação complexa para a qual não se encontrava solução possível dentro do próximo serviço.

A possibilidade de conformação de uma rede socioassistencial, no caso temática e intersetorial, depende do contato e comunicação entre os diferentes pontos, equipamentos e técnicos de setores diversos. Assim, tais excertos das entrevistas exemplificam tentativas de tessituras da rede e demonstram, conjuntamente, as fragilidades para atingi-las. O que parece tão banal, como o contato entre profissionais, caracteriza-se como dificuldade de relevância no contexto cotidiano dos serviços que atendem às crianças, aos adolescentes e aos jovens.

Questiona-se aqui a não participação das crianças, dos adolescentes e dos jovens nos espaços oferecidos de discussão da rede. Salvo o momento da Pré-Conferência e Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, nas quais foi priorizada a participação dessa população, em nenhuma outra atividade foi estendido o convite ao diálogo para os usuários dos serviços sociais.

 

Discussão

Ao tratarmos do tema "redes", faz-se imprescindível a discussão de espaços públicos e de participação social, visto que só é possível atingir plenamente uma configuração em rede, seja esta de qualquer natureza, quando todos os envolvidos, no caso os atores sociais na área infantojuvenil, os técnicos, se sintam pertencentes ao processo e engajados com a sua efetivação. Além dos técnicos e gestores, é possível ampliar esse debate inclusive para a sociedade civil como um todo, nesse caso, principalmente, as crianças, os adolescentes e os jovens, que deveriam ocupar os espaços públicos e se integrar ao processo decisório das políticas sociais voltadas para seu grupo populacional.

É presumível afirmar que, ao incluir os atores sociais no processo de decisão da política, espera-se despertar um sentimento de pertencimento, tornando-os parte vital e ativa para a existência da possibilidade de "construção de uma rede colaborativa, articulada e integrada de serviços e profissionais", como defendia a Rede da Criança e do Adolescente estudada.

Ao compreender as discussões acerca dos direitos, da cidadania e da participação, paralelamente à vivência no processo de construção da Rede, diversas questões passam a pairar sobre o tema.

É possível afirmar que a Rede da Criança e do Adolescente configurava-se como um ideal, como um espaço público de discussão, visto que objetivava proporcionar o diálogo entre os membros da sociedade política/Estado (representada pela Secretaria Especial de Infância e Juventude) e da sociedade civil, preferencialmente àqueles que atuam com crianças, adolescentes e jovens.

Também se presume que a criação desse espaço mostra uma preocupação do poder público em reforçar a questão da participação como direito, buscando incluir a população nos processos decisórios. Freire e Shor (1986) defendem que o conhecimento de mundo reverbera como autonomia do cidadão, assim, permitir e proporcionar o acesso da sociedade aos espaços públicos é imprescindível, visto que a oportunidade e capacidade de fazer parte das discussões proporcionaria a manifestação da opinião; e a qualidade da participação incidiria diretamente sobre a qualidade da gestão política, trazendo à tona questões relevantes para os cidadãos e cobrando transparência acerca do funcionamento da máquina pública.

Entretanto, não foi possível assegurar a continuidade das ações da Rede da Criança e do Adolescente, que teve fim no momento de mudança da gestão municipal, já que se tratava de uma política de governo. Como tantas outras iniciativas municipais para infância e adolescência, configurou-se como um projeto datado e que não foi sustentado pelos demais pontos da rede que permaneceram nos serviços. Ao mesmo tempo, vale destacar que durante as entrevistas alguns profissionais, mesmo que poucos, relataram ter assumido novas iniciativas gestoras do trabalho em rede, como em ações próprias de criação de espaços para a discussão de intervenções intersetoriais. Assim, pode-se inferir que mesmo com o fim da Rede da Criança e do Adolescente, especificamente, a potência nela contida fez despertar, ou priorizar, o interesse pela criação de outras redes voltadas àquele público.

Como já destacado por Espinoza e Felmer (2007), as iniciativas locais são essenciais, pois garantem a proximidade entre a população e as instâncias públicas, sendo o espaço no qual irão exercer sua cidadania. Assim, faz-se importante frisar que esse espaço, especificamente, teve participação restrita à população beneficiária de suas ações.

Além disso, fica clara a relação hierárquica entre gestores/condutores e técnicos, indo ao encontro do que foi notado nas entrevistas, confirmando a distância imposta pelo saber técnico e a posição ocupada por cada participante, visto que os encontros pareciam restringir-se aos integrantes da Secretaria Municipal Especial para Infância e Juventude, expondo o que seria a Rede e seus objetivos, enquanto os demais permaneceram como ouvintes.

Durante as entrevistas realizadas, destacou-se o fato de que a maioria dos participantes afirmou que aciona outros equipamentos da rede quando não consegue resolver uma situação ou quando identifica violação de direitos. O compartilhamento, seja para encaminhar, discutir e/ou encontrar soluções conjuntas, vai ao encontro do que Taño e Matsukura (2019) nomeiam de corresponsabilização, sendo esta uma contribuição primordial em direção à intersetorialidade.

Paralelamente, uma parcela significativa dos atores envolvidos, tanto na gestão quanto diretamente nos serviços, apesar de defender a construção de rede, ponderou que no cotidiano do trabalho fica falha a efetivação desse canal de comunicação. Além disso, ao serem questionados sobre sugestões para melhorar o funcionamento da rede, destacou-se a rotatividade das pessoas que formam o grupo gestor/condutor, para que os trabalhadores pudessem experimentar diferentes papéis, pois assim poderiam sentir-se parte de um processo coletivo e interferir no planejamento e implementação das ações.

De acordo com Monnerat e Souza (2010), é essencial que se estabeleçam mecanismos que favoreçam o diálogo, os fluxos de informação e a comunicação como elementos cruciais para a concretização da intersetorialidade, pois permitirão o enfrentamento das diferentes formas de pensar dos atores envolvidos e das disputas de poder que perpassam suas ações.

Indo ao encontro da hipótese de que existe um amplo discurso de reconhecimento e valorização acerca da necessidade de articulação em rede, sendo este um tema em voga no atual cenário das políticas públicas, inclusive naquelas voltadas para infância e juventude, pode-se observar que nenhum dos entrevistados negou a importância em se intervir em parceria com outros serviços. Pelo contrário, os discursos se mostraram bastante homogêneos, mesmo se compararmos profissionais de diferentes setores entre eles ou com os gestores da política.

Adicionalmente, podemos destacar que poucos entrevistados verbalizaram, mesmo quando questionados, dificuldades em se trabalhar em rede, ainda que um número significativo de participantes já tivesse mencionado as falhas na comunicação cotidiana como um problema, como apontado anteriormente.

A hipótese levantada é que o discurso de valorização da rede está tão incutido no imaginário dos atores sociais que a reflexão acerca de suas reais possibilidades e demandas se torna rasa, por isso há pouca crítica sobre as suas desvantagens. Nas palavras de Brenner, Lanes e Carrano (2005), figura-se como a mitificação das potencialidades das ações em redes.

Avelar e Malfitano (2018) contribuem para esse debate ao apontarem a formação de redes intersetoriais como um possível instrumento de controle de pessoas e famílias pobres, em vez de "apenas" suporte. As autoras apontam que, durante sua investigação, evidenciou-se no discurso dos técnicos a questão da vigilância em torno das famílias, permeada por julgamentos morais, que via de regra reproduziam preconceitos e estigmas sociais.

Ao analisarmos especificamente a experiência em tela da Rede da Criança e do Adolescente, pode-se argumentar que as estratégias de sua construção atingiram certas pessoas em detrimento de outras, visto que os entrevistados de certos setores parecem reconhecer de maneira mais positiva a existência ou tentativa de existência da rede, como as áreas da Assistência Social e Saúde, as quais fizeram melhores avaliações, ao contrário da Educação e das ONGs. Provavelmente, pelo que se conhece acerca desses setores, os primeiros contam com maior possibilidade de articulação e participação pela concepção e forma de organização de seus serviços, e os segundos talvez funcionem de maneira menos flexível, pela natureza de seu serviço, no caso da Educação; dificultando, inclusive, a liberação de um profissional para participação em uma reunião. Além disso, não se descarta a hipótese de que a concepção desse tipo de trabalho é muito distinta entre os entrevistados, tendo ou não relação com o setor em que trabalha.

Podemos inferir, então, que a rede social não é constituída por tramas homogêneas: o contato existe, mas os caminhos são traçados de acordo com a abertura e facilidade colocada, de forma individual, pela instituição, pelo profissional, que muitas vezes pode não ser a mais apropriada para aquela resolução, no que diz respeito às possibilidades que oferece, entretanto é a mais passível de comunicação.

A partir da análise das entrevistas, é possível dialogar com a discussão sobre participação social e o lugar no qual o técnico é colocado e também se coloca nesse processo. Aparentemente, inclusive levando em consideração as estratégias postas, parece existir um desestímulo geral quando se toca no assunto "rede": os atores sociais parecem angustiados, mas ao mesmo tempo apresentaram riqueza de sugestões para a construção de possíveis caminhos, sugerindo como propostas realizar reuniões com maior frequência; torná-las mais significativas, no sentido de proporcionar discussões, vivência, troca de informação; estabelecer objetivos claros para a Rede e para as reuniões, sendo estas organizadas a partir de pautas e cronogramas; propiciar devolutivas aos integrantes da rede, para que demandas e sugestões não se percam; encontros da Rede mais reflexivos, mas também pragmáticos; existência de espaço no qual as questões e angústias cotidianas possam ser acolhidas; convidar profissionais qualificados e preparados para sensibilizar a articulação em rede; e incluir nas reuniões o planejamento técnico e participativo, feito em conjunto com os técnicos, e não apenas pela gestão. Reconhece-se que as sugestões foram despertadas pela construção em rede, mas infelizmente não foram discutidas no momento das reuniões.

Com o desenvolvimento deste trabalho e iniciativas, fica a dúvida sobre qual (ou quais) é(são) a(s) falha(s) que vem(vêm) sendo cometida(s) e, então, o que é preciso mudar para que a participação seja possível e o protagonismo dos profissionais integrantes da rede mais efetivo.

Em nosso contexto histórico, social e político, tal desafio se faz complexo em vista das marcas já explicitadas na construção da relação entre Estado e sociedade civil. Entretanto, um possível primeiro passo para a transposição prática desse desafio na Rede da Criança e do Adolescente é a mudança de metodologia utilizada durante os encontros entre gestores e técnicos, com vistas a incentivar o debate sobre os temas em pauta e possibilitar o protagonismo das crianças, dos adolescentes e dos jovens, também os convidando ao diálogo (como foi feito com os atores da rede).

É compreensível a dificuldade encontrada, tanto por técnicos como por gestores, de manter uma discussão sobre certos temas que, na maioria das vezes, são polêmicos. Vivemos em tempos de violência extrema e, por isso, a sociedade clama por paz. Nesse contexto, se institui uma "cultura da paz", na qual todo tipo de discórdia é considerada inapropriada, maléfica e danosa, prezando-se, dessa forma, pelo consenso de opiniões. Entretanto, no que diz respeito à legitimidade e à efetivação dos espaços públicos, não é possível encontrar soluções satisfatórias apenas pelo não conflito. É necessário reconhecer o conflito e sua legitimidade para, a partir daí, construir o consenso. É por meio do debate que se viabiliza e efetiva a participação popular e o estabelecimento de prioridades para a agenda pública.

 

Considerações finais

De acordo com Andrade (2004), a intersetorialidade pode ser considerada um "consenso discursivo e dissenso prático". Tal afirmação condiz de maneira substancial ao que foi possível analisar ao longo da investigação proposta: ao mesmo tempo em que o discurso sobre a importância e a defesa da Rede da Criança e do Adolescente caracterizou, de maneira unânime, as entrevistas realizadas, seus métodos e funções cotidianas foram questionados, também, de maneira substancial.

Fica a tarefa de constituição de um espaço público concreto e eficaz como meio de atingir os objetivos requeridos, entre estes a efetivação dos direitos, sejam de crianças, adolescentes e jovens ou de qualquer outro cidadão, e a participação, o protagonismo e o controle social da população, principalmente por parte das massas, indo de encontro ao autoritarismo, constituindo espaços efetivamente públicos e democráticos.

Espera-se que iniciativas de constituição de espaços de discussão, abertura do debate e fomento de ações coletivas, numa perspectiva intersetorial, possam ganhar espaço e institucionalização no interior das políticas sociais, com a perspectiva de desenvolvimento de ações mais efetivas e condizentes com as complexas demandas contemporâneas de nossas crianças, adolescentes e jovens.

 

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Recebido em: 28/3/2018
Aprovado em: 20/4/2020

 

 

1 Instituição que atende crianças de 0 a 3 anos com a função de promover ações educacionais e de cuidado. Foram criadas, inicialmente, para permanência de filhos de mães da classe trabalhadora. Atualmente a frequência à creche é uma escolha da família e deve ser garantida pelo Estado, sendo que a obrigatoriedade da matrícula da criança na educação infantil se dá a partir dos 4 anos de idade.
2 Evento facultativo realizado pelos municípios, o qual tem como objetivo introduzir e preparar as discussões para a Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente; esta sim obrigatória, que se propõe a elaborar novas propostas de políticas públicas para a infância e adolescência nos municípios, bem como apresentar as demandas nos níveis estadual e federal (Brasil, 1990).

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