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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versão On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.15 no.3 São João del-Rei jul./set. 2020

 

Bons encontros promissores: parcerias e travessias no PesquisarCOM

 

Promising Good Encounters: Partnerships and Crossings in PesquisarCOM

 

Buenos encuentros prometedores: asociaciones y cruces en PesquisarCom

 

 

Debora Emanuelle Nascimento LombaI; Thiago de Sousa Freitas LimaII

IDoutoranda em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Mestra em Psicologia Social pela Uerj. Psicóloga pela Uerj. E-mail: debora_lomba@yahoo.com.br
IIDoutorando em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Psicólogo pela Ufes. E-mail: lima.thiagosousa@gmail.com

 

 


RESUMO

O presente artigo nasce a partir do encontro entre a pesquisa de doutorado de uma pesquisadora e um pesquisador cujo interesse centra-se na formação em Psicologia. Assim, a partir desse acontecimento (Tsallis, 2014), trabalhamos o conceito desenvolvido por nós como Bom encontro promissor, inspirado pelo conceito Mal-entendido promissor de Vinciane Despret (Despret, 1999; Moraes 2010) e a definição de Bom encontro de Spinoza (2009). Com isso, pretendemos contribuir com a política de pesquisa do PesquisarCOM proposto por Marcia Moraes (2014; 2010). Os frutos desse entrelaçamento são aqui apresentados para tratar do processo de feitura da tese de doutorado (podendo ser pensando também em relação à produção de outros trabalhos acadêmicos), tendo foco nos efeitos que o cultivo desses bons encontros promovem durante o processo também de escrita. E assim, dada a atenção ao durante, aos caminhos, aos atravessamentos nessa caminhada, apontamos a potência desses Bons encontros promissores tanto no acompanhamento como na sustentação dos nossos trabalhos.

Palavras-chave: PesquisarCOM. Mal-entendido promissor. Bom encontro promissor.


ABSTRACT

This article arises from the dialogue between the doctoral research of two researchers whose interest focuses on training in Psychology. From this event (Tsallis, 2014), we worked on the concept of Good Promising Meetings, developed by us and inspired by the concept of Promising Misunderstandings by Vinciane Despret (Despret, 1999; Moraes 2010) and the definition of Good Meetings, by Spinoza (2009). We aim to contribute to the research policy of PesquisarCOM, proposed by Marcia Moraes (2014; 2010). The fruits of this interlacing are presented here to deal with the process of writing a doctoral thesis (which may also be related to the production of any other academic work), focusing on the effects that the cultivation of these Good Meetings promote during the writing process as well. And so, given the attention to the process, to the paths, to the crossings in this journey, we point out the strength of these Good Promising Meetings for monitoring and supporting our work.

Keywords: PesquisarCOM. Promising misunderstanding. Promising good encounters.


RESUMEN

Este artículo nace de la reunión entre la investigación doctoral de una investigadora y un investigador cuyo interés ronda la formación en psicología. Por lo tanto, a partir de este evento (Tsallis, 2014), trabajamos en el concepto desarrollado por nosotros del "buen encuentro prometedor", inspirado por lo concepto de "malentendido prometedor" de Vinciane Despret (Despret, 1999; Moraes 2010) y la definición de Buen Encuentro de Spinoza (2009). Con eso, tenemos la intención de contribuir con la política de investigación del PesquisaCOM propuesto por Marcia Moraes (2014; 2010). Los frutos de este entrelazamiento son utilizados aquí para tratar el proceso de hacer la disertación doctoral (y también en su relación con la producción de otros trabajos académicos), enfocándose en los efectos que el cultivo de estos buenos encuentros promueve durante el proceso de escritura. Y así, dada la atención al durante, los caminos y los cruces en esta caminata, señalamos el poder de estos prometedores buenos encuentros tanto para acompañar como para sostener nuestro trabajo.

 Palavras clave: PesquisarCOM. Malentendido prometedor. Prometedores buenos encuentros.


 

 

Apresentação ou da produção de um encontro

Ela, doutoranda da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), ele, doutorando da Universidade Federal Fluminense (UFF). Ela estudando no Campus do Maracanã, ele, no Campus do Gragoatá, embora ambos morando no estado do Rio de Janeiro, seguiam separados por uma ponte. Ela orientada por um professor, ele orientado por uma professora, ambos trabalhando com Teoria Ator-Rede. Ela se qualificou em março, ele em setembro de 2018.

Aliás, é justamente na qualificação que surge o acontecimento deste encontro. Tal e qual Despret (como citada em Tsallis, 2014) faz menção ao conceito de acontecimento: um evento que faz mudar a vida. No caso, um evento que nos fez mudar até mesmo o rumo das nossas teses e, podemos dizer, que foi também o que muitas vezes deu prumo às nossas ideias e modo de pesquisar. Assim, este artigo apresenta os frutos colhidos do que trabalharemos adiante como sendo um Bom encontro promissor.

No dia 18 de setembro de 2018, ela tinha uma viagem marcada para Portugal, onde iniciaria seu período de estágio de investigação doutoral sanduíche financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Entretanto, seu visto não ficara pronto a tempo, o que a fez alterar a data de sua viagem em uma semana. Entre correria e desespero em relação às alterações que haveriam de ser feitas, não restava muito que fazer a não ser esperar. As malas já estavam aguardando o dia que então a viagem ocorreria e o coração precisava aquietar.

E, em meio a esse caos, uma amiga chamada Angela Carneiro fez um convite à autora 1: assistir a uma banca de qualificação na qual ela estaria presente e que, segundo ela, o trabalho tinha tudo a ver com o seu. Ainda agitada com toda a confusão que se instaurara com os prazos e alterações para o início do seu doutorado sanduíche, ela decidiu cruzar a ponte Rio-Niterói e confiar no convite feito. Uma vez que ainda não era possível cruzar o Oceano Atlântico, atravessou a Baía de Guanabara.

Assistiu à banca, fez algumas anotações e, no fim, trocou algumas palavras rápidas com o doutorando, a quem conhecia de vista, de outros eventos, mas com quem nunca havia conversado. Ela retornou para casa um pouco mais calma por ter tido alguns momentos sem pensar no caos e a oportunidade de refletir sobre sua tese a partir dos diálogos realizados na qualificação dele.

Um encontro imprevisto, mudando todo planejamento e perspectivas previstas para suas pesquisas, trazendo assim outras questões, acrescentando outros atores. Nesse momento, podemos começar a destacar a produção do que chamaremos de Bom Encontro Promissor. Um encontro que, de partida, inclui atores, autoras e autores que nos fazem pensar, sustentar e organizar um turbilhão de estímulos e sensações que nos acompanham nas pesquisas e mesmo sem forma nos força para transformá-los em palavras e texto.

Uma das inspirações para a criação do conceito Bom encontro promissor é o conceito de mal-entendido promissor, proposto pela psicóloga belga Vinciane Despret (1999). Podemos entendê-lo como sendo uma situação vivenciada no campo de pesquisa em que o inesperado acontece e o pesquisador, em vez de negar ou até mesmo expurgar o ocorrido, se deixa surpreender e usa essa situação para redefinir seus caminhos. A pesquisa, assim, com o atravessamento do mal-entendido promissor, tem a oportunidade de ganhar outros trajetos com o desvio que esse acontecimento proporciona.

Conforme Moraes (2010, p. 29) afirma, "O mal entendido é promissor justamente porque abre outras vias de realização para um fenômeno; abre, enfim, uma bifurcação, ali onde parecia haver uma certa ordenação estável de coisas". Vale ressaltar que essas aberturas são anunciadas a partir da interrogação de um outro, ou seja, versões que só um encontro com o outro pode oferecer.

O mal-entendido promissor, portanto, pode colocar em risco a nossa observação, os nossos modos de interrogar o outro e interpretar o mundo. Momentos como esses indicam novas questões a serem formuladas, deslocam pontos de vista e posicionamentos, nos aproximam da experiência e nos afastam de palavras e conceitos predeterminados.

Esses momentos estiveram presentes no percurso de nossas pesquisas e precisamos destacar que, quando nossas posições se abalam, a escrita também se abala. O desafio de dizer da experiência se instaura em nossos corpos que, de frente a telas e papeis, só contam com as ressonâncias provocadas.

Nesse momento, destacamos a importância dos Bons encontros promissores, encontros que reconstroem a presença de um outro com o texto, momentos em que podemos incluir novas personagens como a da leitora e do leitor. Essas personagens nos ajudam a não abandonar o outro, afundando em uma escrita emsimesmada. É o momento em que, a partir de alianças, conseguimos fazer falar o que o mal-entendido promissor abriu como versão. Assim, neste artigo, gostaríamos de acrescentar outra nuance das pesquisas parafraseando tal conceito e, por isso, o denominamos como Bom encontro promissor.

Segundo Moraes (2014), o mal-entendido promissor faz parte importante na construção do PesquisarCOM, pois performa a partir de situações inesperadas novas versões de mundo que apenas o encontro com o outro pode produzir. Em outras palavras, trata-se de ocasiões que interpelam uma visão que tínhamos como única, propondo uma nova versão possível dos acontecimentos vividos no cotidiano da pesquisa.

O método PesquisarCOM visa afirmar a pesquisa como uma construção nos modos de lidar e estar com outros. Uma composição de mundo que inclua surpresas, mal-entendidos e coletividades. Uma prática performativa que se faz com o outro e não sobre o outro. A expressão "pesquisar com", sintetizada na grafia PesquisarCOM, tem a dimensão de um verbo, mais do que de um substantivo. Indica que pesquisar e intervir são inseparáveis e a pesquisa, mais do que representar o mundo, é uma ação que produz um mundo.

Para tanto, é preciso acompanhar os processos em ação, se fazendo na prática cotidiana daquelas pessoas que o vivenciam, entendendo que todo sujeito/objeto tem sua expertise. O pesquisar com o outro implica uma concepção de pesquisa que é engajada, situada e se interessa em delinear, problematizar, mover e alargar as fronteiras do pensamento em parceria com os humanos e não humanos que encontramos no processo.

A partir dessas ideias, propomos uma atenção aos Bons encontros promissores durante o processo de pesquisa, entendendo-os como aquilo que nos ajuda a sustentar, a fazer falar o que o mal encontro promissor abriu como possibilidade. E, nesse processo em que vivenciamos esse nosso encontro como um Bom encontro promissor, entendemos que estávamos PesquisandoCOM.

Entre as pesquisas, muitas são as forças de dissipação, de dificuldades com a escrita, de constrangimentos institucionais, de pressões por prazos, de dispersões produzidas pela cidade, entre outras tantas nuances. Portanto, durante as pesquisas, é preciso fazer ver momentos de aglutinação, momentos de suporte e sustentação do ato de pesquisar. Dessa forma, denominamos Bons encontros promissores aqueles que produzem conexões que nos fazem construir caminhos possíveis para continuar seguindo.

Assim o fazemos inspirados também em Spinoza (2009), que traz, a partir da origem e a natureza dos afetos, a formulação do afeto como a capacidade de aumentar ou diminuir, estimular ou refrear a potência de um corpo e ao mesmo tempo a ideia dessas variações. Nosso corpo pode ser afetado de diversas maneiras e quando podemos recolher os efeitos de um encontro que aumenta nossa capacidade de agir à ideia desse encontro também aumenta nossa potência de pensar. A esse processo chamamos de bom encontro, um encontro que recolhe, como efeito, alegria.

Para Spinoza (2009), quando um afeto de alegria acontece, esse encontro nos leva para uma potência maior de ser, agir e pensar com o mundo. Um momento em que nos tornamos mais próximos de nós mesmos e do mundo, aumentando nossa capacidade de agência.

Deleuze (2002, p. 25) considera que "Quando um corpo encontra outro corpo, uma ideia outra ideia, tanto acontece que as duas relações se compõem para formar um todo mais potente..." Eis o que há de prodigioso na potência dos encontros entre os corpos, esse conjunto de partes vivas que se compõem e decompõem de acordo com suas relações. Portanto, neste artigo, pretendemos dar consistência e visibilidade aos momentos, encontros e parcerias que aumentam nossa potência entendendo-os como aliados na produção da escrita e da pesquisa. Um regime de afetos que possibilita a sustentação e ampliação das nossas pesquisas quando encontramos formas de compartilhar e compor com nossas inquietações.

Dessa forma, afirmamos que o mal-entendido promissor nos alteriza, nos faz, por deslocamentos de sensibilidade, perceber a dimensão de outras versões com outros corpos. O Bom encontro promissor cultiva, dá espessura e desdobramento àquilo que o mal-entendido promissor alterou, cuida da composição formada pelo encontro agora com mais possibilidade de ser afetado.

Assim, após esse primeiro encontro, passado o tempo, o visto foi emitido e ela finalmente embarcou rumo a terras lusitanas, ele retornou para Belo Horizonte, onde estava vivendo e lecionando, ambos distantes do Rio de Janeiro, onde se conheceram: o que era uma ponte passa a ser um continente de distância.

Mas, passado mais algum tempo, se adicionaram nas redes sociais (Facebook e Instagram) e em algum momento começaram a se comunicar. Trivialidades cederam espaço para indicações de textos, livros e logo partiram para o WhatsApp, pois a conversa ficava longa: o que era distância, com a disponibilidade de ambos, passou a ser um intenso contato. Assim, já foram usando e-mails para compartilhar materiais próprios e de outras autoras e autores que pareciam ser boas e bons interlocutores. As redes sociais possibilitaram então que uma rede de contato começasse a ser tecida.

A conversa foi se intensificando e decidiram que as ligações mereciam fazer parte do processo de pesquisa com mais regularidade. A princípio, discutiriam um artigo que pensavam escrever juntos, logo em seguida pensaram que havia algo mais urgente e que ambos tinham em comum: a tese! Assim, entusiasmados combinaram de se encontrar toda semana pela internet para discutir seus textos. A cada semana ela enviava uma parte de sua tese, eles liam e discutiam. E ele fazia o mesmo e assim estão se encontrando desde novembro de 2018.

Com encontros semanais e por meio de algum dispositivo tecnológico e de uma rede social (chamada de vídeo pelo Facebook ou pelo WhatsApp), independentemente de nosso fuso horário já ter sido de uma, duas e até quatro horas de diferença. Nossa tese, nosso interesse pela formação em Psicologia e pelos estudos ligados ao corpo, nos conecta e nos faz permanecer nesse encontro que tem reverberado em nossas escritas e que agora encontra aqui um espaço de materializar este COM que temos vivenciado.

Aqui cabe uma pausa para destacar que nosso texto oscila entre o uso do pronome ele/ela e o pronome nós como parte de nosso processo. Em muitos momentos dedicando a falar do que acontecia com ela e com ele, mas em muitos momentos em nossos bons encontros criávamos um nós que se revela em nossa escrita, ou seja, mais do que um pronome, criamos uma qualidade de pesquisa que se coletiviza e fortalece nossa capacidade de expressão quando isso acontece. A partir do momento que incluímos novos atores, muda nossa forma de se expressar no texto.

 

PesquisarCOM e os Bons encontros promissores

No texto A construção de uma comunidade pedagógica: um diálogo, a feminista negra bell hooks (2013), em seu livro Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade, aponta a relevância do diálogo em busca de mudanças nas práticas de ensino. Ela diz:

A prática do diálogo é um dos meios mais simples com que nós, como professores, acadêmicos e pensadores críticos, podemos começar a cruzar as fronteiras, as barreiras que podem ser ou não erguidas pela raça, pelo gênero, pela classe social, pela reputação profissional e por um sem-número de outras diferenças. (Hooks, 2013, p. 174).

Nesse mesmo texto publicado em seu livro, Hooks nos apresenta um diálogo entre ela e o filósofo branco Ron Scapp, afirmando ter ficado interessada em questionar a ideia de não poder haver, em suas próprias palavras,

camaradagem entre acadêmicos brancos do sexo masculino (frequentemente vistos, com ou sem razão, como representantes da incorporação do poder e do privilégio ou das hierarquias opressoras) e grupos marginalizados (mulheres de todas as raças e etnias e homens de cor). (Hooks, 2013, p. 175).

E, com essa perspectiva que Hooks nos presenteia, neste artigo queremos também poder dialogar com ela e com ele. Nós: uma mulher branca e um homem branco, brasileira e brasileiro, latino-americanos, com nossas pesquisas também interessadas em pensar práticas de ensino, no caso, em Psicologia. Ron se aproximou de Hooks depois de ela sair de uma conferência e começou a compartilhar suas ideias sobre o trabalho dela.

De modo semelhante, a autora 1 se aproximou do autor 2 para parabenizá-lo e compartilhar ideias sobre o trabalho apresentado em sua qualificação. Hooks, referindo-se a esse encontro com Ron, diz que "Esse foi o começo de um intenso intercâmbio crítico sobre o ensinar, o escrever, as ideias e a vida" (Hooks, 2013, p.176). Podemos afirmar que este é mais um exemplo da produção de um Bom encontro promissor no meio acadêmico, tal qual aquele que temos vivenciado.

E nosso esforço em tratar aqui da potência desses bons encontros que passa pela disponibilidade tem o intuito de povoar o mundo acadêmico com as histórias de parcerias e compartilhamentos. O espaço acadêmico, por vezes tão marcado por rupturas e disputas, também habita acolhimento, acompanhamento que produz nossas pesquisas em contextos afetivos e politicamente consolidados. É de nosso interesse neste artigo fazer ver, compartilhar e multiplicar essa prática de cuidado com os bons encontros durante o processo como uma política de pesquisa.

E, entre tantas ideias interessantes que Ron Scapp e bell hooks compartilham acerca das práticas de ensino, é tematizado algo muito caro a ela: a herança da Pedagogia crítica feminista com a ideia de que não devemos reforçar a cisão entre mente e corpo, uma vez que as emoções estão envolvidas nesse processo. Ainda abordando o contexto da sala de aula, Ron nos lembra a coexistência da alegria e trabalho duro na sala de aula e aponta a importância de considerar que emoção não é apenas choros e gargalhadas, pois há uma multiplicidade de emoções possíveis de serem vividas nesse ambiente.

Hooks, por sua vez, chama a atenção para que não seja invalidado o nosso trabalho quando este envolver a emoção. Ela diz:

Sempre que irrompem reações emocionais, muitos entre nós creem que nosso objetivo acadêmico ficou prejudicado. Para mim essa é uma visão distorcida da prática intelectual, pois o pressuposto por trás dela é que para ser verdadeiramente intelectual você tem de estar separado de suas emoções. (Hooks, 2013, p. 207).

Destarte, apontamos que nosso processo como professores e pesquisadores com esse tema de doutorado, em nosso momento de escrita e de feitura da tese, também lidamos com reações emocionais, trabalhamos duro e aí nos alegramos. E, durante esse percurso, a forma como reagimos a todo esse emaranhado de sensações diz muito dos encontros que tivemos/temos. E, da mesma forma que Hooks (2013, p. 222) nos diz que "[...] ser professor é estar com pessoas", PesquisarCOM também o é. No nosso caso, PesquisarCOM durante esse processo foi marcado por estarCOM, por acompanharmos um ao outro em nossas reações, sustentando nossas pesquisas com esses Bons encontros promissores.

O PesquisarCOM visa afirmar a pesquisa como uma construção nos modos de lidar e estar com outras pessoas, com determinada maneira de compor o mundo em que vivemos e de engajar-nos em certa composição de mundo que inclua surpresas, mal-entendidos e coletividades. Como bem diz Moraes e Kastrup (2010, p. 13), "Trata-se de afirmar a pesquisa como uma prática performativa que se faz com o outro e não sobre o outro. A expressão 'pesquisar com', sintetizada na grafia do conceito PesquisarCOM, tem a dimensão de um verbo, mais do que de um substantivo."

Para tanto, as autoras indicam que pesquisar e intervir são inseparáveis, logo, é uma ação que produz um mundo, sendo preciso acompanhar os processos em ação, se fazendo na prática cotidiana daquelas pessoas que o vivenciam, entendendo que todos os atores têm sua expertise. O PesquisarCOM implica em uma concepção de pesquisa que é engajada, situada, e a cada encontro demanda uma lógica de cuidado que se interessa em delinear, problematizar, mover e alargar as fronteiras do pensamento em parceria com os humanos e não humanos que encontramos no processo (Moraes, 2010, 2014; Caitité, 2016).

PesquisarCOM, no nosso caso, se faz nesse processo de escrita acadêmica, da escrita da tese, mas também durante o pesquisar. E não apenas um COM que resulta no produto final que é a tese finalizada, mas fala desse processo. O que nos uniu foi o tema, as discussões, mas o que nos mantém juntos durante esse tempo é o processo que construímos. E nesse processo de escrita da tese, que poderia ser de uma dissertação, é fato que passamos por momentos de alegria, euforia, mas também de angústias, de medo, de desespero. E nada disso é um exagero.

Para além de toda cobrança, prazos, imprevistos, há um investimento de energia, de trabalho que nos faz cansar, que nos faz celebrar. É importante entender que, nesse período de quatro anos, muitas coisas acontecem e que não há como separar nossa vida em profissional e pessoal de tal modo que haja uma dissociação do que é vivido. Assim, enquanto estamos doutorando e doutoranda, somos essa mistura de sentimentos, vivências, encontros.

E é nesse contexto que nossos trabalhos são escritos. É com todo esse cenário de um corpo que pulsa que seguimos adiante com nossas pesquisas ou, em alguns casos, essas são interrompidas. Conosco, seguimos e podemos dizer que muito do nosso caminhar se dá em função do nosso encontro: um Bom encontro promissor. Encontramos suporte e parceria, encontramos leitura e escuta acolhedora, comprometimento um com o outro sem que isso nos traga qualquer benefício financeiro ou reconhecimento acadêmico, uma ajuda mútua e genuína trama as entrelinhas de nossa escrita.

Assim, entendemos que conseguimos instaurar em nosso processo um COM. Sentimos que de fato estamos fazendo um PesquisarCOM entre nós, pesquisador e pesquisadora a partir do Bom encontro promissor ocorrido entre nós e multiplicado por cada compartilhamento de textos, filmes ou sugestões de ideias.

Ao trabalharmos com o PesquisarCOM, desenvolvemos uma atenção para os atores humanos e não humanos interessantes em nossas pesquisas e aqui, neste artigo, apostamos na ideia de que essa disponibilidade é porta aberta para reverberar os Bons encontros promissores. E de modo semelhante, um Bom encontro promissor desperta nossa atenção para que outros bons encontros aconteçam, pois, ao nos encontrarmos, fomos apresentando outros autores e outras autoras, compartilhando uma série de novos materiais e novas perspectivas de vida.

E assim, com esse Bom encontro promissor promovendo outros bons encontros, fomos percebendo que o que caracteriza esse conceito que aqui estamos apresentando é não apenas o acontecimento local e situado, mas fundamentalmente o que também o sucede: o processo de acompanhar e encontrar na relação com outra pessoa potência para sustentar nossas pesquisas. O Bom encontro promissor então vem nos falar de companhia que, para nós, é uma tradução possível para esse COM que buscamos em nosso modo de pesquisar.

Franco (2016) aponta a ideia de escrita como materialidade que faz a pesquisa circular; assim, acreditamos ter desenvolvido com nosso modo de pesquisar um acompanhamento dos possíveis movimentos que nossos trabalhos poderiam instaurar, mas também dos movimentos de seu processo de feitura. E, foi a partir das conversas semanais, dos diálogos cotidianos que construímos caminhos possíveis. Embora tenhamos o compromisso de nos encontrar semanalmente para discutir nossos escritos, as ideias não são assim tão disciplinadas e aparecem apenas na data e hora marcada.

Assim, a cada nova ideia, a cada suposta pista encontrada, os teclados do celular e às vezes do computador eram acionados para compartilhar o que poderia vir a ser um fragmento do trabalho final. Um modo, um hábito de pesquisar, porque entendemos que esse processo ainda faz parte da pesquisa, em que a discussão dos textos não é a única etapa. E ter esse esclarecimento nos ajuda a perceber e aqui compartilhar que o PesquisarCOM e o Bom encontro promissor, tal e qual vivenciamos, não se faz apenas discutindo nossos textos.

Ao contrário, nosso modo de PesquisarCOM tem se dado conversandoCOM os textos, escrevendoCOM as ideias, as mensagens, as angústias. É nesse aCOMpanhar o que surge como parte dessa vivência,que constitui nosso PesquisarCOM durante, pois não falamos sobre o que achamos do que está escrito num sentido de atribuir um valor de bom ou ruim, mas nos apegamos aos detalhes, às formas; construímos juntos estratégias de uma escrita que por vezes fica emperrada. Dialogamos COM lembrando de autores, frases, filmes, que também podem ser convidados a entrar em nossa roda de conversa, multiplicando assim as companhias das pesquisas.

O Bom encontro promissor, assim como o PesquisarCOM, tem relação com a multiplicação das versões e companhias da pesquisa, abre portas para outros encontros, junto e compartilhados. E por isso propomos uma atenção para os muitos e múltiplos bons encontros ocorridos no percurso e situamos essa atenção e disponibilidade como uma prática de pesquisa. Ao optarmos por aqui registrar os efeitos desses Bons encontros promissores, pretendemos dar visibilidade à potência de uma prática que certamente acontece ao longo de muitas pesquisas E, assim, com a leitura de nossas leitoras e nossos leitores, quem sabe, continuar produzindo outros bons encontros.

 

Parceria e travessia

É comum lermos a respeito das pesquisas empreendidas e do processo que foi pesquisar com as pessoas que compõem a rede de conexões dos temas estudados. É comum lermos acerca do trabalho desenvolvido por pesquisadoras e pesquisadores e pesquisados e pesquisadas, ambos atores nessa rede. E cabe ressaltar que esse é um processo com múltiplos atores e que envolve uma série de cenas. Nós, entretanto, com o presente artigo, buscamos pensar, nesse PesquisarCOM, as formas de organização da pesquisa, assim como a exposição e sustentação da escrita. E mais, colocando em cena como principais atores o pesquisador e a pesquisadora em questão, assim como os atores não humanos que permitiram os encontros acontecerem.

Ao falarmos em PesquisarCOM nas linhas deste artigo, estamos apontando para um exercício que levará em consideração o percurso de pesquisa e escrita de dois jovens pesquisadores saboreando as angústias e alegrias que atravessam esse caminho. Dois pesquisadores pesquisandoCOM, não juntos no mesmo campo e com os mesmos atores, no entanto, compartilhando as vivências a serem relatadas e experienciando juntos o processo de entender o que fazer com a pesquisa. Um COM que se dá no cruzamento de seus caminhos e se sustenta pela força da potência desses Bons encontros promissores produzindo sentido e abrindo atalhos em terrenos tumultuados.

PesquisarCOM aqui assume um status de diálogo a respeito do que foi vivenciado no e com o campo, assim como diálogo sobre como é revisitar essas recordações, bem como o que fazer com elas. Juntos, descobrimos que PesquisarCOM é construir, por meio dessa parceria, um caminho para nossas indagações e dúvidas. É o encontro com o acolhimento de quem também passa por um processo semelhante e, a despeito de também estar com suas ideias bagunçadas, entende que na união é possível desbravar as ideias emaranhadas. Acompanhar e ser acompanhado/a, sem hierarquias, sem cobranças, com apoio, com cuidado.

Entendemos o cuidado como a criação de estratégias para incorporar confiança e interesse pelos outros e outras, numa lógica do cuidado (Mol, 2008) que percorremos durante a pesquisa, nos tornando mais sensíveis aos outros e outras. O cuidado caminha com desestruturas, implica em mutações corporais em relação a todos os atores envolvidos na pesquisa para compor vínculos, um constante deslocamento de si para produção de um si coletivo.

Nesse sentido, o cuidado que exercitamos relacionado aos Bons encontros promissores nos chega como aliado para que a formatação de um texto não for-mate a pesquisa. Os Bons encontros promissores aqui fazem com que perguntas, lembranças, leituras compartilhadas, tempos de dedicação ao outro atualizem constantemente a vitalidade da experiência para o processo de escrita durante a pesquisa.

Quando começamos a conversar, já tínhamos, os dois, passado pela qualificação, com isso, decorrido metade de nossos quatro anos de doutorado. Assim, nos encontrávamos bem no momento de recolher os diários de campo, as ideias iniciais e as contribuições da banca para o momento seguinte de nossa pesquisa: a escrita, já se encaminhando para o que será nossa tese. Um momento em que já não podemos dizer que ficamos diante da folha em branco, pelo contrário, um momento em que, tendo passado mais de dois anos de pesquisa, uma pausa se fez necessária.

Diante de tanto material, de tantas aspirações, de tantas confusões, por onde continuar? Que fio puxar desse grande emaranhado? E aí, talvez, um momento de descobrir que tão difícil quanto começar é continuar. E é aí que somos levados a pensar que a escrita é o momento que nos convoca a ter noção de que algo precisa ser feito. Muitas vezes é a escrita que nos tira da inércia que pode nos acometer durante um tempo, embora muitas vezes seja ela mesma a grande presença ameaçadora de doutorandos e doutorandas.

Como bem apontam Conti e Silveira (2016, p. 55),

É chegada a fatídica hora de sentar e escrever. Não sem antes dificultar a tarefa lendo (mais) um texto acadêmico que possa iluminar os caminhos nublados de nossa questão. A folha antes branca e vazia se enche de clichês e será preciso desmontá-los e rasgar a tela para que algum texto se torne possível. "Não se escreve com as próprias neuroses. Escrever não é contar as próprias lembranças, suas viagens, seus amores e lutos, sonhos e fantasmas" (Deleuze, 1997, p. 12). Ora, mas então com que espécie de matéria escreve o pesquisador sua pesquisa? Ah sim, ele escreve com a experiência. Aquela que Jorge Larrosa Bondía (2002) define como "o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca" (p. 21). É o que nos passa, nos toca, nos acontece. Em última instância é o que me passa, me toca e me acontece. Mas é o que nos passa e nos acontece quando nos colocamos em relação com o campo de pesquisa.

Assim, quando as autoras afirmam que enquanto pesquisadoras escrevemos com a experiência e então escrevemos o que nos passa, nos toca e nos acontece, gostaríamos de contribuir adicionando mais uma camada: como isso se potencializa com outros encontros durante a escrita. Assumimos essa proposição por considerar que abordar COM quem nos encontramos mereça não estar implícito nessa ideia apontada por Bondía e tão bem trabalhada por Conti e Silveira. E destacamos aqui mais esse ponto a ser discutido, pois, em nosso trabalho, para escrever sobre nossa experiência de pesquisa, foi fundamental nosso encontro, nossos diálogos.

Nossa experiência passa fundamentalmente por nossas conversas, que marcam o papel tal e qual a tinta que imprime as palavras e frases que vão dando forma aos nossos escritos. Aliás, a impressão de nossas teses certamente serão páginas e mais páginas das marcas que esse processo de pesquisar imprimiu em nós. Dialogando com Conti e Silveira (2016, p. 55), concordamos que

Nossa escrita e nossa pesquisa se fazem com os erros também, com os momentos de não saber, de não conseguir ficar com o problema. Nossa escrita e nossa pesquisa se fazem também com medos e angústias no campo e nos nossos corpos. Deixar essas marcas de como aprendemos a pesquisar a cada vez que pesquisamos, deixar nossos pré-conceitos e hesitações à mostra no texto e também o fato de como, às vezes, não percebemos questões óbvias no campo é marcar essa experiência no singular, é fazer história, criar caso com as glórias da ciência ou, na proposição de Despret (2012), isso é reencantar o mundo; trazer à tona diferentes versões que tornam o mundo mais denso e mais complexo.

Os erros, as hesitações, são algumas das marcas do nosso percurso e, portanto, compartilhados durante essa travessia. No caso, esse sentir, esse não saber, depois dos momentos de campo e ter de dar conta do que fazer com a escrita, com a pesquisa ela mesma. E, se consideramos, assim como Franco (2016), a escrita como materialidade que faz a pesquisa circular, vivemos juntos a experiência de presenciar o processo de circulação da pesquisa em ato, em nós. E, a cada volta, os efeitos que as escritas produziam em nossos corpos. Este artigo se apresenta como um relato do nosso processo de colocar em movimento a pesquisa, ou melhor, é a história de Bons encontros promissores que fizeram movimentar nossas pesquisas.

Assim, terminamos este texto dedicando-o a Angela Carneiro, uma amiga que nos concedeu o privilégio de nos encontrarmos, sendo então a ponte indispensável para nosso Bom encontro promissor.

 

Referências

Caitité, A. M. L. (2016). Pistas para uma reinvenção da epistemologia: ser afetado, ciência no feminino, pesquisarCOM e saberes localizados. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 11(1), São João del-Rei, 37-52.         [ Links ]

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Recebido em: 1º/11/2019
Aceito em: 31/5/2020

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