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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versão On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.16 no.3 São João del-Rei jul./set. 2021

 

Marcas na/da pele "Entre Mulheres": a experiência de um processo arteterapêutico no diálogo com feminismos e Psicologias

 

Marks on/of the Skin "between Women": the Experience of an Art-Therapeutic Process in the Dialogue with Feminisms and Psychologies

 

Marcas en/sobre la piel "Entre Mujeres": la experiencia de un proceso arte terapéutico en el diálogo con feminismos y psicologías

 

 

Karla Galvão Adrião

Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: galvaoadriao@gmail.com

 

 


RESUMO

Este trabalho discute sobre algumas das posições que circunscrevem o encontro entre três campos do saber: a Psicologia, a Arteterapia e os feminismos pós-estruturais e decoloniais. O caminho trilhado parte das experiências vividas no grupo de estágio do Curso de Formação em Arteterapia denominado "Entre Mulheres". Diversidade de construções e posicionamentos diante de diferenças/desigualdades eram buscados na construção desse grupo, que contou com a presença de 14 mulheres com idades entre 22 e 50 anos, de distintas classes sociais, moradoras de Recife e da sua região metropolitana, negras e brancas, com diferentes graus de escolaridade. É sobre as experiências de diversidade de desigualdades, a partir das marcas/artes desenhadas e tatuadas nas peles dessas mulheres, que este texto vai tratar, buscando deslocar alguns dos saberes/poderes da Psicologia em seus (des)encontros com as epistemes feministas, e desses dois campos com a Arteterapia como método e epistemologia.

Palavras-chave: Arteterapia. Feminismos pós-estruturais. Feminismos decoloniais. Psicologia Clínica e Social. Grupos com mulheres.


ABSTRACT

This paper discusses some of the positions and that circumscribe the encounter between three fields of knowledge: Psychology, Art Therapy and post-structural and decolonial feminisms. The path taken starts from the experiences lived in the internship group, from the Art Therapy Training Course, called "Entre Mulheres". Diversity of constructions and positions in the face of differences/inequalities were sought in the construction of this group, which was attended by 14 women aged between 22 and 50 years old, from different social classes, residents of Recife and its metropolitan region, black women and white, with different degrees of education. It is about the experiences of diversity of inequalities, based on the brands/arts designed and tattooed on the skins of these women, that this text will address, seeking to displace some of the knowledge/powers of Psychology in their (dis) encounters with feminists epistemes, and of these two fields with Art Therapy as a method and epistemology.

Keywords: Art therapy. Post-structural feminisms. Decolonial feminisms. Clinical and Social Psychology. Groups with women.


RESUMEN

Este artículo discute algunas de las posiciones que circunscriben el encuentro entre tres campos del conocimiento: Psicología, Terapia de Arte y feminismos post-estructurales y descoloniales. El camino tomado parte de las experiencias vividas en el grupo de pasantías del curso de capacitación en Terapia de Arte llamado "Entre Mulheres". Se buscó diversidad de construcciones y posiciones frente a las diferencias/desigualdades en la construcción de este grupo, al que asistieron 14 mujeres de entre 22 y 50 años, de diferentes clases sociales, residentes de Recife y su región metropolitana, mujeres negras y blancas, con diferentes grados de educación. Se trata de las experiencias de diversidad de desigualdades, basadas en las marcas/artes diseñadas y tatuadas en las pieles de estas mujeres, que este texto abordará, buscando desplazar algunos de los conocimientos/poderes de la Psicología en sus (des) encuentros con epistemes feministas y de estos dos campos con la Terapia de Arte como método y epistemología.

Palabras clave: Terapia de arte. Feminismos post-estructurales. Feminismos decoloniales. Psicología Clínica y Social. Grupos con mujeres.


 

 

Introduzindo a questão

Este trabalho discute sobre algumas das posições e epistemes que circunscrevem o encontro entre três campos do saber: a Psicologia (a partir de seu encontro entre as áreas clínica e social),1 a Arteterapia e os feminismos pós-estruturais2 e decoloniais.3 A partir da experiência (Scott, 1999) de estágio supervisionado na Formação em Arteterapia e Processos de Criação da Traços - Estudos em Arteterapia (2016-2019), na cidade de Recife, este debate será trazido. O grupo "Entre Mulheres" - Histórias e tessituras de corpos e desejos pulsantes, era composto por 14 mulheres com idades entre 22 e 50 anos, de distintas classes sociais, moradoras de Recife e da sua região metropolitana, negras e brancas, com diferentes graus de escolaridade. Buscava-se com o grupo, uma diversidade de construções e posicionamentos diante das diferenças/desigualdades nos processos de subjetivação, perpassados por raça, classe e gênero, principalmente, mas também por questões geracionais, de território e de sexualidade.

É sobre as experiências da "diversidade na igualdade", a partir das marcas/artes desenhadas e tatuadas nas peles dessas mulheres - metafórica e/ou literalmente - que este texto vai tratar, buscando deslocar alguns dos saberes/poderes da Psicologia em seus (des)encontros com as epistemes feministas, e desses dois campos com a Arteterapia como método e epistemologia.

Para tanto, o artigo foi dividido tendo como base alguns momentos: o primeiro deles traz a apresentação do diálogo, das questões que levaram ao encontro com esse grupo específico de estágio em Arteterapia, e da escolha por trabalhar com mulheres com distintas experiências intersubjetivas; o segundo traz a apresentação da metodologia de trabalho do estágio e sobre as metáforas de corpo como morada, contorno e espaço político; o terceiro momento traz o diálogo entre questões de corporalidade e das relações teórico-epistêmicas entre os campos psi, algumas perspectivas feministas, e a Arteterapia; por fim, o último tópico lança algumas frestas iluminadas ao tema, sem a pretensão de realizar uma conclusão que descerre as cortinas do debate.

Abrindo as portas e janelas

A imagem de abertura desse diálogo é a de uma casa quando, em dia ensolarado, abrem-se as portas e janelas para que as frestas de luz possam entrar. A proposta deste texto é a de colocar em contato pequenos raios dessas frestas de luz, entre campos de saber/poder legitimados, como é o caso da Psicologia, dos feminismos e da Arteterapia.

A Psicologia, em sua imbricada colcha de distintos matizes, será tratada aqui a partir de seu olhar sobre os processos de subjetivação; os feminismos como campo epistêmico que trata de relações de poder, posicionamentos de quem pesquisa/facilita e sobre como os saberes são localizados micro e macropoliticamente (Haraway, 2014). Essa visão se aporta no debate sobre os processos grupais, trazendo um deslocamento sobre "quem pode falar e quem cala - vozes subalternas", relações de poder e desigualdades de classe, raça, gênero, sexualidade dentre outras, e sobre a pretensa neutralidade da facilitadora (Adrião, 2014). A Arteterapia é discutida como um saber/poder que busca, por meio do acesso intersubjetivo aos processos criativos,4 uma reconfiguração (inter)pessoal (Reis, 2014).

Esse percurso será feito a partir de outra imagem/metáfora do(s) corpo(s) e da(s) corporalidade(s)5 de mulher(es), e das inscrições da arte nesse(s) corpo(s). Corpo individual/grupal que se constitui na diferença e no encontro das diferenças e desigualdades "Entre Mulheres".

Janelas que se abrem "Entre Mulheres"

Marcas na pele. Inscrições. Linguagens. Imagens. Memórias. Atos de fala expressos nos movimentos corporais, nos olhares, nos silêncios.

Deslocamentos reflexivos sobre a marca-padronização do termo "sou mulher, sou uma mulher, sou qualquer mulher, sou nenhuma mulher".6

Onde me situo? Com quantas danço a dança da vida? Quem sou mesmo? Socializaram-me assim, com as marcas na pele do que chamam de mulher. Mas, de qual mulher tratavam quando me inscreveram no mundo-forma-pele?

Reconheci-me muitas quando me encontrei "Entre Mulheres".

Reconhecemo-nos muitas e únicas em nossos sofrimentos e dores. Marcas de expressões de desigualdades, de sofrimentos que se configuraram em nossas vivências mais cotidianas.

Compreender porque se sofre trata-se de um processo que precisa passar pelo fio da teia do sofrimento das outras mulheres - nossas muitas irmãs de jornada. Mulheres que assim se nomearam, que a sociedade as nomeou, ou não, que suas famílias as nomearam...

A nomeação como inscrição trouxe consigo padrões de comportamento que configuraram as subjetividades em torno de possibilidades que tratam de constituições de poder, linguagem e identidade (Costa, 1997; Butler, 1997). Possibilidades de viver, de existir. Possibilidades distintas para jovens ou adultas, com escolaridade ou não, de classe popular ou média; com filhos ou não, lésbicas, ou não, brancas ou negras... Possibilidades de atuar intersubjetivamente, a partir de um significante - mulher - que, associado a esses tantos outros, trazia experiências distintas de desigualdade, mas, ainda assim, coadunantes...

Esse espaço de alteridades, entre estar e se reconhecer, perceber as diferenças que marcam distintas desigualdades, foi o espaço de inscrição mais rico que poderia ser construído em um grupo de mulheres. Entre Mulheres construíram-se reconhecimentos e constatações de lugares de privilégios e opressões de raça, classe e gênero (Lugones, 2014).

O Grupo "Entre Mulheres" constituiu-se, portanto, com a presença de 14 mulheres, com idades entre 22 e 50 anos, diferentes níveis de escolaridade (ensino fundamental a terceiro grau completo), mulheres brancas e negras, com filhos e sem filhos, cis heterossexual e cis lésbicas, com diferentes inserções sociais (trabalhadoras cuidadoras, arquiteta, assistente social, estudantes de dança e de Psicologia, dançarina, ativista social).7 Os encontros semanais, com duração de 3 horas, aconteceram no Serviço de Psicologia Aplicada, do departamento de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco; espaço que comporta a clínica-escola do curso, e que também realiza projetos de pesquisa-intervenção, registrados também na plataforma de extensão universitária, e dentre eles, se localizou o "Entre Mulheres".8

A Arteterapia9 como processo de abertura ao ato de se (re)criar, possibilitou, nesse diálogo de distinções e encontros, a possibilidade de construção de alteridade e reconhecimentos por meio do processo artístico. E o ato de construção artística, caminhou por estradas que tiveram o corpo como suporte. Sobre esse percurso vou trazer alguns elementos.

a) Corpo morada

A morada desses corpos-indivíduos foi construída em um espaço concreto: a sala de grupos do Serviço de Psicologia Aplicada do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco. Pela primeira vez no curso de Psicologia, foi aberto espaço para que um grupo de mulheres pudesse, por intermédio de um processo arteterapêutico,10 mergulhar em suas questões de diferenças-igualdades-desigualdades-opressões-privilégios, semanalmente, durante 3 horas de trabalho, que trazia também as metodologias participativas e o uso do teatro (MacCarthy & Galvão, 2001), bem como técnicas de dança e do movimento autêntico (Haze & Stronted, 1994) como suportes.

Na Arteterapia, em uma abordagem arteterapêutica breve, o trabalho com grupos tem duração entre 6 e 9 meses, com frequência de um encontro semanal, com duração média de 2 a 3 horas. Nesse processo há a percepção de que o trabalho pode ser dividido em três ciclos psicodinâmicos: o ciclo I, ou ciclo diagnóstico, é uma fase caracterizada pelo desbloqueio e pela ativação do processo criativo mediante o uso de diversos materiais expressivos; o ciclo II, ou ciclo de estímulos geradores, trabalha uma questão psicodinâmica central e comum ao grupo; e o ciclo III, ou ciclo de processos autogestivos, fortalece a autogestão do grupo e conduz à conclusão do processo arteterapêutico breve (Philippini, 2011).

Nesse espaço, desde o segundo ciclo de aprofundamento do grupo, a partir do 12º encontro em diante, o corpo como inscrição primeira no mundo e como lócus de inscrição de dispositivos de gênero, raça, classe, sexualidade, território e geração, foi o primeiro momento de abertura ao mergulho em torno do significante polissêmico "mulher".

b) Corpo contorno

Em duplas, a partir do 12º encontro grupal, as mulheres desenharam umas os corpos das outras. Depois, cada corpo foi preenchido internamente com os símbolos que cada uma desejou, usando diferentes materiais expressivos (tintas aguadas, folhas, fotos, lápis, fogo, cinzas, materiais orgânicos etc.).

No encontro seguinte, fizeram os contornos desse corpo, que se encontra com o mundo extracorpo. Trabalharam livremente com as ideias que permeiam a relação indivíduo-cultura, e com a aparente dicotomia entre dentro-fora.

c) Corpo social e político

O terceiro momento desta série sobre o corpo e a corporalidade trabalhou com a metáfora de corpo-casa. Utilizando-se de músicas e de trabalhos corporais, convidei as mulheres a passearem pela sala na qual seus corpos-desenhos-preenchimentos metafóricos estavam fixados nas paredes. A partir do reencontro com esses corpos, foi construído um mapa dessa "cidade das mulheres", que teve como abertura a construção de desenhos individuais sobre a morada de cada uma delas. Esses desenhos foram dispostos no chão da sala, formando um mosaico-mapa, a partir de localizações espaço-temporais (onde ficava cada bairro, rua, localidade, nesta nova cidade), que foi, ao final, costurado com lãs coloridas, que uniam as distâncias e traziam uma imagem de ligação-teia.

As marcas na pele...

A imagem-palavra que foi se construindo, a partir do trabalho em torno dos processos criativos individuais-grupais, foi de uma imagem na carne: tatuagem. Essa imagem veio sendo tecida desde o primeiro ciclo, de estímulos geradores ao processo criativo individual, pois constituído como um grupo de mulheres, questões em torno do significante "mulher" eram moldadas, construídas, desveladas: apareciam imagens de força, medo, desconhecimento, revelação de sentidos que uniam diferenças e desigualdades em torno de algo que também as unia, um significante polissêmico "mulheres"; como nos recortes de falas a seguir:

Sou mulher com vivências tão distintas de outras mulheres desse grupo: sou negra, sou branca, sou pobre e trabalho, sou de classe média e estudo na universidade, sou lésbica e não tive filhos, sou hétero mas quero experimentar a bissexualidade, e tenho filhos, sou a princesinha lá de casa e não suporto isso, vivo a violência de ser mulher em uma casa com um irmão homem [...]. (trechos de texto coletivo, produzido pelas participantes e registrado em diário de campo, 2018).

Nos trabalhos expressivos com colagem, depois tintas aguadas (nanquim e aquarela), e logo após com costura e produção de objetos de pano, com argila, enfim, apareciam a expressão de diferenças que foram se conformando em torno de dores e sofrimentos em vários corpos de mulher, construídos socialmente, mas também com cargas biológicas, que se entrelaçavam nessas construções de sexo-gênero, de raça, de classe (Scavone, 2010; Gonzáles, 2018; Kilomba, 2019).

No segundo ciclo, o mergulho foi sendo dado a partir de estímulos geradores que uniam diferenças e desigualdades no percurso de cada participante, e deste com o aprofundamento de histórias de mulheres. E nesse percurso, dores e sofrimentos começaram a emergir cada vez mais; o corpo de cada uma, e a relação destes com um corpo coletivo, se mostraram como metáforas eficientes para o trabalho imagético, como tratei um pouco antes, a partir das noções de corpo morada, corpo contorno e corpo social.

Nesse percurso de dores e dissabores, um processo de transgressão ao instituído como norma começou a se conformar: a imagem na carne.

O próprio corpo apareceu então como suporte, como material expressivo, em vez do papel em suas distintas gramaturas e possibilidades. O corpo morada-contorno-social, nesse processo criativo de autogestão, foi se fortalecendo, no terceiro ciclo, como suporte das imagens coletivas do grupo.

Essas mulheres que se reconheciam agora como grupo, como coletivo, e que trabalhavam uma relação de encontro, que se marcava pela não disputa, não reificação de violências cotidianas; optaram por dizer não às desigualdades de raça-classe-gênero que são construídas, performatizadas e reiteradas cotidianamente (Butler, 2006) em uma sociedade capitalista excludente, misógina e racista (Gonzáles, 2018; Nascimento, 2016).

O caminho radical e decolonial foi marcado por escolhas locais, que fortaleciam lógicas cotidianas de pequenos grupos e experiências singulares, em contraposição a uma lógica global, dominante e colonizadora das relações cotidianas e das construções acadêmicas e teóricas (Lugones, 2014).

O grupo opta por construir uma, duas, três, até quatro imagens que seriam, ao mesmo tempo, produção simbólica e material, a partir da experiência de 9 meses em um processo arteterapêutico. Imagem(s) que seria(m) inscrita(s) como marcas na pele de um processo que "rasgou" e "tatuou" significantes que radicalmente não seriam esquecidos, pois estariam "riscados" com uma tinta difícil de ser retirada posteriormente. Mais que isso, o ato de tatuar-se fala de um registro que é realizado com a intenção de manter-se, não ser apagado, a despeito de intenções opostas e futuras que possam vir a surgir na pessoa que é tatuada.

Esse processo pôde ser lido por mim, como professora e pesquisadora no campo da Psicologia, como uma busca por deslocar alguns dos saberes/poderes da Psicologia em seus (des)encontros com as epistemes feministas e decoloniais, e desses dois campos com a Arteterapia como método e epistemologia.

A Psicologia - ciência perpassada por distintas epistemologias e versões de histórias, lida por alguns teóricos (Abib, 2009) como uma grande colcha de retalhos e criticada por outros tantos por apresentarem essa conceituação - trata-se, em minha perspectiva, de uma ciência que tem um objeto definido - a subjetividade humana -, mas que trabalha com propostas teórico-metodológicas tão diversas que compõe em seu bojo uma interdisciplinaridade intrínseca (leiam-se as diversas áreas aí englobadas, tais como a Psicologia Social, a Neurociência e as perspectivas cognitivistas, as distintas perspectivas clínicas, apenas como alguns exemplos).

No campo tradicionalmente chamado de Psicologia Clínica, havia, na década de 1990, no Brasil, duas áreas preponderantes: a Psicanálise freudiana e lacaniana e a área de aconselhamento psicológico. Com a virada do século e a chegada de diversos estudos (Costa, 1995; Bezerra Junior, 2007; 1997) que tratavam de criticar o método e alguns postulados teóricos no fazer clínico, cada vez mais uma pluralidade passou a ser construída na Psicologia Clínica.

Particularmente, uma das críticas apontava a necessidade de um olhar mais social para o trabalho clínico. Chamada de clínica do social, uma proposta começou a ser montada por alguns profissionais que trabalhavam numa perspectiva psicanalítica (Costa, 1995; Bezerra Junior, 1997). Esses profissionais apontavam, em linhas gerais, algumas dificuldades específicas da transposição do setting terapêutico para os espaços de saúde pública e de como a psicoterapia tradicional não chegava a atender às demandas de todas as pessoas que eram atendidas. Um dos relatos (Duarte, 1986) apresentados no livro Da vida nervosa nas classes trabalhadoras urbanas comentava como os homens desempregados vivenciavam um sofrimento psíquico que falava não apenas de um modo de subjetivação individual, mas de um ethos grupal.

Essa discussão, nos anos posteriores, foi trazida em um espaço constituído mais como um campo da Psicologia Social que de uma Psicologia Clínica, embora saiba e concorde com o fato de que os limites entre estas possam ser tênues, muitas vezes. Esse percurso se deu a partir dos estudos de gênero e feministas, que apontavam, em linhas gerais, algo do debate anterior sobre um ethos grupal nos processos de subjetivação. Entretanto, agora demarca-se com ênfase as marcas de gênero vivenciadas em uma sociedade capitalista e patriarcal, que tomava as diferenças e as recolocavam como desigualdades. Essa crítica, no entanto, parecia pertencer somente às questões sociais, sem se fortalecer no âmbito do debate clínico. O que este artigo vem evidenciar, junto com outras autoras (Zanello, 2018; Adrião e Rodrigues, 2019, dentre outras), é que esse debate desfaz falsas dicotomias entre individual e coletivo, traduzindo marcadores antes vistos apenas como sociais, como pertencentes a um campo intersubjetivo.

A crítica se ampliou nos últimos anos para somar ao debate de gênero as questões mais que urgentes, de raça e classe, em uma sociedade que subjetiva pessoas a partir de sua cor da pele, e que reifica um mito de democracia racial que termina por aumentar o sofrimento e violência das pessoas negras, e a invisibilizar os privilégios das brancas (Sales Jr, 2006; Gonzáles, 1984; Bento, 2002).

A Psicologia estava, portanto, dialogando com um campo interdisciplinar, que, por sua vez, também tinha, e segue tendo, suas disputas internas entre formas de abordar e compreender os fenômenos. Umas das tensões, que aqui gostaria de deixar pontuada, tratava de conceituar e abordar o conceito de gênero em pelo menos duas direções: uma que discutia as diferenças entre os sexos como construídas como relações de gênero, e, portanto, perpassada por cultura e meio social; e a outra que, além desse debate, trazia nas questões de poder toda a produção teórico-analítica, deslocando gênero do lócus de conceito para o de categoria analítica. A essa segunda perspectiva me filio e, a partir dela, circunscrevo também a perspectiva feminista deste texto. Ou seja, uma perspectiva pós-estrutural (Haraway, 2019) - que toma o discurso e as construções discursivas de saber-poder como centro - e decolonial - que questiona a construção de uma colonialidade de raça, classe e gênero que marcam corpos e subjetividades circunscritos territorialmente no sul do globo, e particularmente nas Américas (Lugones, 2019). Ambas as perspectivas preocupam-se com os atravessamentos de distintas categorias nas relações de poder: gênero, raça, classe, sexualidade, geração, território.

Voltando à Psicologia, esta também é interpelada sobre algumas outras tensões, com destaque para duas: a primeira traz as noções de personalidade e de constituição de subjetividades - nesse quesito, as escolhas teóricas tratam, por um lado, de estruturas de constituição de sujeitos no mundo e, de outro, de posições de sujeitos, propondo maior fluidez e menos cristalização sobre quem são os sujeitos no mundo e como eles atuam; a segunda tensão aponta questionamentos em torno do pessoal, individual, versus social, público e político. Essa cisão, que ainda persiste, vem ser quebrada, desarrumada pelas discussões do campo feminista, ao trazer, por exemplo, que toda experiência pessoal é social e política (Haraway, 2019).

As propostas atuais dos feminismos negros trazem para o centro as opressões marcadas pela construção da ideia de raça e racialização, e tratam sobre como o racismo se constituiu uma marca de opressão e desumanização das pessoas negras nas sociedades capitalistas e nos próprios feminismos (Gonzáles, 2018; Kilomba, 2019). Essa perspectiva se coaduna diretamente com a crítica decolonial, mas também com os feminismos pós-estruturais, ao deslocarem e colocarem em suspensão as "verdades" construídas como materialidades de corpos e subjetividades. Essas visões podem ampliar o debate do campo psi sobre constituição de subjetividades, a partir de questionamentos epistemológicos e teórico-metodológicos que trazem os debates de raça, classe e gênero no centro das questões e não apenas como temas a serem vistos por uma Psicologia que se proponha política. Nesses termos, reitero a necessidade de compreensão dos processos de subjetivação como processos marcadamente políticos e intersubjetivos.

O campo da Arteterapia apresenta um diálogo que se coaduna com essas perspectivas. Por apresentar um método baseado no uso de várias formas de expressão artística, tendo uma finalidade terapêutica como fim, a Arteterapia relaciona-se às metodologias que incitam a participação nos espaços grupais, podendo ser potente para o trato de questões de poder e silenciamento, tais quais tratados nas perspectivas feministas (Adrião, 2014). Além disso, a arte é um importante instrumento no trabalho em Psicologia, para distintas abordagens, em distintos momentos da História da Psicologia - tais como as visões de arte e sublimação na Psicanálise freudiana; de inconsciente imagético, na perspectiva Junguiana; e de figura e fundo na Gestalt-terapia. Além disso, a concepção estética do humano, trazida pela Arteterapia, amplia o debate sobre processos de subjetivação (Reis, 2014).

Para os feminismos, também há uma preocupação epistemológica em torno das subjetividades, pois os sujeitos são marcados por significantes como "mulher", "negra", "lésbica", por exemplo, que vão orientar suas relações de saber-poder. Ao trabalhar essas questões, em relação com a Arteterapia, refletimos sobre os processos de subjetivação a partir de como os processos criativos estão sendo impulsionados, na medida em que a arte permite acesso à própria criatividade,11 mola propulsora de pulsão de vida e de embotamento, a depender de como é tratada. Além disso, concordo com a reflexão trazida por Cristina Lopes (2014), ao trabalhar com um grupo de mulheres vivendo sintomas de depressão. A mesma vai apontar que é importante e necessário acreditar no processo criativo, na criatividade em si mesma enquanto atitude que nos impulsiona a lidar com nossas questões internas. Este processo nem sempre é observável no sentido de que não atentamos para sua força e maneira de se produzir em nosso cotidiano.

As mulheres do grupo "Entre Mulheres" mostraram como essas teorias dialogam de maneira fluida e pertinente ao entrarem em contato com suas questões subjetivas, marcadas por posições de sujeitos no mundo que acionavam relações de saber-poder muito demarcadas em torno dos significantes "mulher, negra, branca, lésbica, bissexual, heterossexual, cis, trans, jovem, longeva, rica, pobre..." como distintas miríades de uma mesma e aparente constituição - o se constituir como mulher. Por intermédio dessas distintas marcas de desigualdade, foi possível trabalhar essas posições de sujeitos e seus atravessamentos nas inter-relações. Esse trabalho não aconteceu da maneira proposta apenas em função da compreensão que a Arteterapia trouxe, mas desta em relação às perspectivas feminista e decolonial. O acesso que cada participante realizou rumo aos próprios processos criativos acionou uma forma específica de encontro com suas posições de sujeito e com as de suas parceiras de grupo. Esses espaços, inspirada em Lugones (2014), denomino-os como "fronteiras" ou "lócus fraturados", pois tratam de tensões e dramas pessoais, coletivos e políticos, enfrentados e identificados, transformando suas experiências e caracterizando-se como resistência ao saber-poder hegemônico.

Nesse sentido, no processo do terceiro ciclo do grupo - chamado em Arteterapia de autogestivo (Phillipine, 2011) -, foi decidido que seria convidada uma mulher ilustradora e tatuadora para vivenciar, em um dos encontros do grupo, um pouco das imagens que poderiam ser transpostas depois para as peles em forma de tatuagens. A artista-ilustradora-tatuadora veio e nos enviou depois algumas dessas imagens.

No mais transgressor desse processo tão simples e quase caricato, as duas facilitadoras optaram por também se tatuarem, com imagens diferentes, mas alusivas ao processo grupal.

As sessões de tatuagem, no estúdio da ilustradora, se constituíram como encontros grupais, que se somaram aos encontros no setting formal, do Serviço de Psicologia Aplicada da Universidade Federal de Pernambuco.

Dessa forma, a ideia de corpo e corporalidade como espaço de inscrição se fez presente. Como apontei anteriormente, não mais materiais expressivos externos seriam usados como mediação à expressão do processo criativo. O próprio corpo, morada política, se faria presente. Tanto para o campo psi quanto para os feminismos, o corpo tem grande importância, embora compreendido a partir de caminhos distintos. Enquanto para a Psicologia o corpo é estudado, via de regra, a partir da relação entre seu desenvolvimento e os processos subjetivos, há, na maioria das noções sobre sujeito, um apagamento sobre o corpo, em detrimento da soberania da fala.12 Para os distintos feminismos trazidos neste artigo, há um encontro em torno do corpo como lugar de soberania para construção de uma autonomia das mulheres cis, trans e afeminadas. O corpo é lugar de política, entendendo que o político perpassa todas as pessoas, conformando-as em torno de macroestruturas sociais, culturais e econômicas. O corpo abriga ainda a politização da falsa dicotomia entre natureza e cultura e entre espaços público e privado (Haraway, 2019), sendo esse último aquele para o qual as mulheres estariam conformadas, nos limites de uma visão patriarcal e deformada da realidade.

Dessa forma, trabalhar com o corpo, e com as noções sobre corporalidade, foi um caminho de encontro com as próprias subjetivações aprisionadas em memórias e reatualizações de vivências de desigualdade de raça, classe, gênero. No corpo-inscrição, ficam atualizadas as dores do racismo, do fato de ser enunciada uma mulher negra, e os privilégios que esse mesmo racismo traz às mulheres brancas, vindo elas - brancas e negras - a ocupar posições específicas na sociedade. Por meio da inscrição-desenho-pintura-preenchimento com materiais diversos desses corpos em papéis, em tamanho natural, durante as sessões de Arteterapia relatadas anteriormente, cada mulher pôde entrar em contato com essas dores e com as diferenças de vivências entre elas. Uma delas, mulher negra, jovem, estudante de terceiro grau, após desenhar e pintar seu corpo, ficou deitada em cima dele por um longo tempo, em um movimento performatizado de recolocação desses significantes que se traduziam e se refaziam naquele momento, em uma forte metáfora de corpo-morada. Outra mulher, branca, jovem, também estudante de terceiro grau, pôde preencher seu corpo com palavras e desenhos alusivos ao fato de ser bela e precisar, para a família, cumprir um modelo de boa moça. Dores marcadas por classe e raça, e perpassadas por gênero, mostrando quais corpos importam e quais não importam e não devem existir em nossa sociedade, reatualizando as dores e impossibilidades de voz, deixando evidentes o silenciamento nas relações de poder. Corpos políticos sim, corpos com potência, histórias que importam (Butler, 2010a; Mbembe, 2018).

E, assim como Stacy Alaimo (2008) afirma, o trabalho e a escuta dos corpos vai além de uma falsa ideia de dicotomia entre natureza e cultura, e entre corpo e mente. Antes, trata-se de uma ficção como marca de tradução de algo que se inscreve em uma superfície - pele -, tecido que abarca/abraça todo o sujeito. Faz-se então como uma imbricação, uma espiral de significantes - desiguais e opressores/opressivos - que se interpenetram. Essa superfície-pele, por sua vez, contém várias camadas de tecidos, órgãos e sistemas que conformam um ser - humano -, em seus processos de subjetivação. Foi nessa superfície de inscrição que, inspirada em Grada Kilomba (2019), psicóloga e artista plástica, mulher negra que denuncia a violência que perpassa os processos de subjetivação de mulheres negras, utilizamos da arte, por meio dos materiais expressivos, para atualizar os processos criativos das mulheres participantes do grupo, em tatuagens marcas/marcadas na pele, como lócus fraturados (Lugones, 2014) de reconstituições subjetivas. As máscaras (Kilomba, 2019) que criamos para nos adequarmos aos referenciais opressivos culturais, sociais e econômicos caíram por terra, foram queimadas em uma fogueira simbólica e literal, dando surgimento a outras metáforas possíveis que salientam as dobras de sofrimentos vividos, em repactuações e reconstruções inscritas nas peles.

 

Finalizando ou tecendo marcas nas peles...

Este texto trata de algumas questões que não se encerram aqui, antes, abrem para uma reflexão mais prolongada e intermitente. Gostaria de trazer aqui, para finalizar, duas: a primeira delas questiona sobre como nos relacionamos com materiais e produções no espaço arteterapêutico, a partir da ideia de lócus fraturados (Lugones, 2014) e das contribuições dos feminismos. As formas de atuação, de "ser arteterapeuta" relacionam presente, passado e futuro, numa prospecção que apresenta algumas heranças de áreas distintas de conhecimento, e o atravessamento destas pela formação em Arteterapia com suas leituras, vivências e referenciais próprios. Lança-se, após isso, o desafio de alinhavar esse diálogo, de forma a permitir a construção de um olhar da arteterapeuta sobre essas noções, montando formatos próprios, que surgem a partir da sua experiência com o grupo de Arteterapia. O desafio de trabalhar feminismos, Arteterapia e Psicologia foi costurado mediante esse percurso, que trata da reflexividade (Neves & Nogueira, 2005) da própria facilitadora e de seu próprio processo criativo em encontro com o do grupo. Nesse sentido, as marcas na pele fizeram sentido como possibilidade de expressão nesse processo singular e único.

A segunda questão trata da dimensão política como algo que alinhava as perspectivas discutidas neste texto; apontando a necessidade de se repensar os saberes-poderes disciplinares e apontando a necessidade de distanciamento de um modelo individualizante e que não reflete sobre as posições de sujeito em um mundo marcado por desigualdades. Ao pormos evidência na dimensão política das intersubjetividades, podemos apoiar conceitos e métodos criativos que permitam que as complexidades das mudanças pelas quais as sociedades passam - desamparo, dor, abandono -, sintomas presentes no corpo da contemporaneidade, sejam tratadas com mais possibilidades de existência para aquelas que muitas vezes não têm repertórios para nomearem suas dores, dificuldades, sofrimentos. Essa impossibilidade de nomeação aponta a dimensão política, que compreende as micro e macrorrelações na constituição das subjetividades, como condição sine qua non para que práticas de abjeção, marcadas por racismo, xenofobia, machismo e misoginia possam ser ressignificadas com poesia, arte e afetação.

 

Referências

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Recebido em: 22/5/2020
Aceito em: 17/3/2021

 

 

1 Por Psicologia Clínica compreendo os fenômenos de sofrimento psíquico tratados a partir de uma escuta e de uma perspectiva teórica e técnica fundamentada em noções de sujeito. Sobre a ideia de que a clínica deveria se abrir mais às questões sociais falarei mais adiante neste texto. A Psicologia Social seria, então, o lócus teórico-metodológico no qual os fenômenos seriam trabalhados de uma forma mais inter-relacional e intersubjetiva. Contrariando essa fragmentação em duas áreas, embora concordando que existam especificidades, este artigo vai buscar mostrar como há mais interfaces que disrupções, e fará isso a partir da escuta dos fenômenos em uma clínica social arteterapêutica.
2 Os feminismos pós-estruturais assumem uma perspectiva epistemológica que compreende os fenômenos das desigualdades de gênero, classe, raça e sexualidade a partir da lente pós-estrutural. Nesses termos, não há uma verdade única, e sim construções discursivas e narrativas sobre o que aprendemos a chamar de realidades.
3 Os feminismos decoloniais bebem na tradição dos estudos decoloniais, para os quais o sitema-mundo capitalista se baliza na dominação das Américas e na criação do conceito identitário de raça, segundo o qual as pessoas são classificadas como mais ou menos humanas. Os feminismos decoloniais, amparados principalmente, mas não apenas, nos textos de Maria Lugones, vão mostrar que esse binômio raça-classe, carece de um terceiro elemento deflagrador das desigualdades micro e macropolíticas: as questões de gênero.
4 Os processos criativos são uma das principais vias de trabalho no universo arteterapêutico, mediante o (re)encontro do sujeito com esses processos é que o trabalho em Arteterapia se conduz. A criatividade perpassa a própria existência intersubjetiva, revelando-se uma possibilidade de amplitude para as formas de lidar com a própria vida (Lopes, 2014).
5 Sobre corpo e corporalidade, este artigo ampara-se na discussão sobre feminismos transcorpóreos e a noção de estética da "natureza" (Alaimo, 2008), entendendo que a autora perpassa a falsa dicotomia entre cultura e natureza, mostrando a importância dos corpos e da corporalidade serem compreendidos por meio da construção discursiva, que implica em biologia e cultura imbrincados. Nesses termos, há a ideia de que trabalhar os corpos e a vivência de especificidades de um corpo biológico feminino traria aprisionamentos da ordem de um retorno a uma prisão biológica, que se reflete culturalmente. Indo muito mais além em seu debate, a autora propõe uma ruptura que redimensiona a necessidade de compreensão de que o aparente biológico é também cultural e precisa ser apreendido (ver também como Isabel Brandão [2017] traduz esse debate).
6 O debate entre a suposta dicotomia de sexo/gênero e as questões discursivas que conformam corpos e subjetividades foi, e ainda é, bastante discutida pelos distintos feminismos. O significante "mulher" universaliza e exclui uma diversidade de experiências perpassadas por raça, classe e sexualidade e, além disso, instaura um debate político no interior dos feminismos em torno da legitimidade de sujeitos políticos (Adrião, 2008). Judith Butler, ainda no século passado, traz em seu livro Problemas de gênero (com 1 tradução em português em 2003, 3 em 2010) a questão de, se e como um nome essencializa e cria uma cristalização em torno de um significante que mais aprisiona que sustenta as lutas por direitos. Esse debate, longe de ter sido superado, foi apreendido como suporte teórico-metodológico neste trabalho para a consecução da construção do grupo "Entre Mulheres".
7 A Formação em Arteterapia e Processos de Criação, organizado pela Traços - Estudos em Arteterapia (2016-2019), perfaz um total de 620 horas, com 360 horas/aula, 100 horas de prática de ateliê, 100 horas de estágio e 60 horas de supervisão. O curso segue os parâmetros curriculares estabelecidos pela União Brasileira das Associações de Arteterapia (UBAAT).
8 Gostaria de agradecer às 14 mulheres do grupo Entre Mulheres, aos que compõem o SPA pela acolhida entusiástica do projeto, a minha supervisora, Edna Lopes, e a minha parceira de facilitação de grupo, Drica Ayuba, pelas trocas, construções e in(ter)invenções que me transformaram e me permitiram seguir.
9 A Arteterapia foi trabalhada a partir de uma perspectiva teórico-epistêmica da clínica do social, segundo a qual os fenômenos clínicos relacionam-se diretamente aos fenômenos sociais. O olhar da clínica do social (Costa, 1995; Bezerra Junior, 1997) se coaduna, por sua vez, às epistemes feministas pós-estrutural e decolonial, de forma a tensionar e construir um olhar teórico-metodológico analítico sobre o trabalho grupal aqui desenvolvido. Essa perspectiva poderia também se coadunar a uma perspectiva que se aproxima das intervenções psicossociais, por seu caráter teórico-político; entretanto não foi esse o percurso aqui desenvolvido.
10 Outro grupo de mulheres existiu anteriormente a este, mas com perspectiva teórico-metodológica distinta.
11 Sobre criatividade, amparo-me em Fela Ostrower (1987, p. 48-49), para quem "criar é basicamente formar. É poder dar forma a algo novo [...]. O ato criador abrange, portanto, a capacidade de compreender; e esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar, significar".
12 Exceções à regra são as perspectivas que se inspiram na visão reichiana para construírem seus métodos, tais como a bioenergética e a própria terapia reichiana.

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