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Pesquisas e Práticas Psicossociais

On-line version ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.16 no.4 São João del-Rei Oct./Dec. 2021

 

Os papéis da mulher e do homem nas famílias pela óptica masculina: um estudo de duas gerações

 

The Roles of Woman and Man in Families through the Male Perspective: A Two-Generation Study

 

Los papeles de la mujer y del hombre en las familias por óptica masculina: un estudio de dos generaciones

 

 

Célia Regina Rangel NascimentoI; Carolina Monteiro BiasuttiII; Ivy Campista Campanha de AraújoIII; Zeidi Araujo TrindadeIV

IUniversidade Federal do Espírito Santo. E-mail: celiarrn@gmail.com
IIUniversidade Federal do Espírito Santo. E-mail: psicarolinabiasutti@gmail.com
IIIUniversidade Federal do Espírito Santo. E-mail: ivycampanha@gmail.com
IVUniversidade Federal do Espírito Santo. E-mail: zeide.trindade@gmail.com

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi compreender as representações sociais de homens adultos e adolescentes de classes empobrecidas sobre os papéis de homens e mulheres nas famílias e fazer uma análise das representações sociais que as duas gerações de homens expressaram. Participaram da pesquisa 17 adolescentes do sexo masculino e 30 homens adultos. Observou-se que, embora este estudo evidencie que os participantes mais jovens demonstraram identificação com algumas mudanças sociais envolvendo os papéis de gênero, prevalecem, nas famílias estudadas, elementos de representação social conservadores sobre o que é ser homem e ser mulher e sobre os papéis que estes devem desempenhar na família.

Palavras-chave: Representação social. Transmissão geracional. Gênero. Papéis sociais. Família.


ABSTRACT

The aim of this study was to investigate the social representations of men and adolescent boys about the roles of men and women in the families and analysis social representations that the two generations of men expressed. The participants were 17 adolescent males and 30 adult males. Although this study evidences that the youngest participants showed identification with certain social changes involving gender roles, it was observed that prevail, in the families studied, conservatives social representation elements about what is to be man and to be woman and the roles they should play in family.

Keywords: Social representation. Generational transmission. Gender. Social roles. Family.


RESUMEN

El objetivo del presente estudio fue investigar las representaciones sociales de hombres y adolescentes del sexo masculino sobre los roles de los hombres y de las mujeres en las familias y analizar las representaciones sociales que expresaban las dos generaciones de hombres. Participaron de la investigación 17 adolescentes del sexo masculino y 30 hombres adultos. Aunque este estudio destaca que los participantes más jóvenes demostraron identificación con algunos cambios sociales relacionados con los roles de género, se observó que prevalecen, en las familias estudiadas, elementos de representación social conservadores sobre lo que es ser hombre y ser mujer y sobre los papeles que éstos deben desempeñar en la familia.

Palabras clave: Representación social. Transmisión generacional. Género. Papeles sociales. Familia.


 

 

Introdução

Apesar das evidentes mudanças relacionadas aos papéis sociais do homem e da mulher, principalmente ao longo dos últimos 50 anos, estudos mostram que essas mudanças vêm ocorrendo lentamente, especialmente no contexto familiar (Campos, De Tilio & Crema, 2017; Valentova, 2013). Ainda que seja possível observar mudanças nas representações sociais dos papéis de homens e mulheres, quando se comparam as dinâmicas da família nuclear tradicional com os modelos e as dinâmicas familiares contemporâneas no contexto brasileiro, a representação social sobre esse objeto social dos homens de segmentos empobrecidos permanece pouco investigada. Um trabalho marcante é o de Sarti (2003, p. 53), mostrando que para os indivíduos pobres a família "constitui a referência simbólica que estrutura sua explicação do mundo". A autora identificou, na dinâmica familiar, a prevalência de modelos tradicionais de gênero, como trabalho fora de casa e o sustento como marcas do lugar masculino, enquanto os cuidados com marido, filhos e casa marcam o lugar da mulher, o que também é demonstrado em estudos mais recentes com esse público (Benatti & Pereira, 2020).

Carvalho e Rabay (2015) destacam que o gênero não está relacionado às características biológicas ou supostamente naturais atribuídas ao homem ou às mulheres, e sim à construção social e cultural que estrutura as relações de desigualdade, que influenciam a construção de marcadores de identidade dominante ou dominada. Arruda (2002, p. 133) acrescenta que "Gênero é uma categoria relacional, na qual, ao se levar em conta os gêneros em presença, também se consideram as relações de poder, a importância da experiência, da subjetividade, do saber concreto". Tendo em consideração esses aspectos, verifica-se que a capacidade de cuidar e as habilidades emocionais e de comunicação são ainda atribuídas ao feminino, como estereótipos, enquanto comportamentos ligados à ambição, à força, à assertividade e autoconfiança são atribuídos ao masculino (Romera, 2015; Hryniewicz & Vianna, 2018). Essa compreensão atribui ao gênero feminino "funções historicamente compreendidas como de menor prestígio e complexidade, resguardando espaços de influência, força e reconhecimento ao masculino" (Campos, De Tilio, & Crema, 2017, p. 147), colaborando para que a desigualdade de gêneros sobreviva.

Mesmo com o maior envolvimento dos homens no âmbito doméstico, o papel realizado por eles ainda é secundário. Mesmo quando participam igualitariamente do sustento da casa, as mulheres ainda assumem sozinhas, ou de forma predominante, as responsabilidades pelas tarefas domésticas e pelos cuidados com os filhos (Lasio, Putzu, & Serri, 2018; Hryniewicz & Vianna, 2018; Simão, 2019), sendo que a sobrecarga é ainda maior nas classes pobres. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2016 (Mostafa, Rezende, & Fontoura, 2019), demostraram que a maior renda salarial é um fator que reduz o tempo de trabalho da mulher nos afazeres de casa. Mulheres pertencentes às classes pobres realizavam serviços domésticos por uma média de até 21,7h/semana, enquanto as das famílias com rendimento domiciliar superior a 8 salários mínimos, com renda 20% maior que as primeiras, despendiam 13,3h/semana nessas tarefas. A responsável por essa diferença, contudo, não é a divisão mais igualitária, e sim a condição de obtenção de equipamentos auxiliares e de contratação de ajuda nos serviços domésticos e de cuidados, quase sempre exercida por outras mulheres dos seguimentos mais pobres.

A morosidade das mudanças nessa questão não é uma característica exclusiva da sociedade brasileira. Valentova (2013) avaliou mudanças no contexto familiar com relação aos papéis de gênero, em Luxemburgo, com dados referentes aos anos de 1999 e 2008 do questionário aplicado pelo European Values Study (EVS) para 2.354 participantes, homens e mulheres, residentes no país. Foram observadas a diminuição de pensamentos tradicionais sobre o trabalho feminino, porém lentas e modestas mudanças com relação às crenças referentes aos cuidados com os filhos e afazeres domésticos na família, especialmente para os participantes masculinos.

A Teoria das Representações Sociais permite que se construa uma compreensão de como um grupo social percebe, vivencia e compartilha um determinado fenômeno. Jodelet (2001, p. 17) considera que as representações sociais "nos guiam no modo de nomear e definir conjuntamente os diferentes aspectos da realidade diária, no modo de interpretar esses aspectos, tomar decisões e, eventualmente, posicionar-se frente a eles de forma defensiva". A autora elucida que as representações sociais se constituem a partir dos processos de ancoragem, no qual a novidade de uma situação ou objeto é assimilada a partir do que já é conhecido, e da objetivação, que transforma o conhecimento ainda abstrato em algo concreto, tornando o estranho em familiar (Jodelet, 2001). Considerando que a compreensão sobre papéis de gênero na sociedade é construída culturalmente, sofrendo transformações ao longo do tempo, a Teoria das Representações Sociais reúne os instrumentos necessários à tentativa de investigação desse complexo fenômeno em diferentes grupos e tem sido base para a análise sobre o tema na família (Coutinho & Menandro, 2015; Visentin & Lhulier, 2019).

As representações sociais sobre o que é ser homem e ser mulher, do ponto de vista masculino e feminino, se relacionam não só à questão de gênero, mas também à transmissão geracional, na medida em que são construídas não apenas no grupo social contemporâneo, mas são compartilhadas geracionalmente. Sant'Ana (2012, p. 257) sublinha que "a vida das diferentes gerações é objeto da produção de representações sociais que referenciam, em maior ou menor grau, as ações de seus atores", destacando pontos de intersecção entre as representações sociais e a transmissão geracional. Valores familiares, crenças, comportamentos e habilidades são transmitidos de uma geração a outra, o que faz com que a família exerça um papel intermediário no processo de transmissão geracional (Azevedo, Féres-Carneiro, & Lins, 2015; Bouchard, 2012). Contudo, embora a família transmita às gerações seguintes representações sociais sobre os mais diferentes aspectos da vida social, não há necessariamente uma cristalização nessa transmissão (Magalhães & Féres-Carneiro, 2007; Sant'Ana, 2012).

Articular a questão de gênero e transmissão geracional às discussões sobre representações sociais de homens e adolescentes do sexo masculino sobre o papel dos homens e das mulheres na família torna-se relevante, na medida em que as relações de gênero não se efetivam de modo individual, mas estão estreitamente relacionadas com as representações sociais que um grupo social constrói a respeito dos fenômenos que o cercam. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi compreender as representações sociais de homens adultos e adolescentes de classes empobrecidas sobre os papéis de homens e mulheres nas famílias e fazer uma análise das representações sociais que as duas gerações de homens expressaram; para isso, destacou-se o processo de ancoragem e analisaram-se as possíveis transmissões geracionais dessas representações sociais.

 

Método

Participantes

Participaram da pesquisa 17 adolescentes, com idade entre 12 e 16 anos, que moravam com a mãe biológica e o pai, e 30 homens adultos, moradores de um bairro de classe pobre do município de Vitória, Espírito Santo. Todos os homens adultos exerciam o papel parental em suas famílias, sendo 23 pais biológicos e sete pais sociais1 (quatro padrastos, dois avôs e um irmão mais velho), com idades variando entre 20 e 64 anos. Entre os participantes, 34 faziam parte da mesma família, sendo pais e filhos. Os dados fazem parte de uma pesquisa mais ampla com 44 famílias que tinham pelo menos um filho ou filha adolescente, entre 12 e 16 anos, o que explica o número diferente de adolescentes e homens adultos.

A maioria dos adolescentes (64,7%) estava cursando o ensino fundamental, entre o sexto e o oitavo ano. Entre os homens adultos, a maioria frequentou o ensino fundamental, sendo que 17 (56,7%) tinham o ensino fundamental incompleto e cinco (16,7%), o ensino fundamental completo. As famílias eram compostas em média por 5 membros e viviam com renda média de 2,7 salários-mínimos. Entre os pais, apenas o irmão mais velho, que exercia o papel de pai social, não trabalhava. Nenhum dos adolescentes, trabalhava. Acrescenta-se que nas famílias estudadas a maioria das mães, 28 (63,6%), também tinha trabalho remunerado fora de casa, adicionando recursos à renda familiar.

Instrumentos

Os participantes responderam a questões sociodemográficas e a um roteiro composto por quatro questões se referindo ao que consideravam sobre "ser homem" e "ser mulher". Buscou-se investigar as representações sociais atribuída aos papéis conferidos à mulher e ao homem nas famílias (geral), bem como em suas próprias famílias (específica).

Procedimentos de coleta e análise de dados

A coleta de dados teve o apoio da Unidade de Saúde e das agentes comunitárias do bairro, e foi realizada após o consentimento esclarecido assinado pelos participantes. As entrevistas foram individuais, no espaço da residência escolhido pelo participante. As respostas dos adultos e dos adolescentes foram analisadas de acordo com os passos do método de análise do conteúdo (Bardin, 1977; Mendes & Miskulin, 2017). Considera-se que a análise de conteúdo possibilita a organização do material coletado de forma a fornecer conhecimento sobre como o grupo pesquisado se comunica e interpreta o fenômeno em estudo. Dessa forma, é considerado um método que favorece o acesso às representações sociais (Natt & Carrieri, 2014). Após a pré-análise das entrevistas, as unidades de registro foram identificadas e as respostas foram codificadas e organizadas em um primeiro agrupamento para cada conjunto de participantes, passando, então, pela etapa da interpretação e categorização dos dados, de modo que pudessem ser reorganizadas por temas que sintetizassem o sentido prevalente de cada uma delas. Considerou-se na análise os objetivos do trabalho e o referencial teórico da Teoria das Representações Sociais, conforme proposto por Jodelet (2001). Foi também verificada a frequência e porcentagem das unidades de respostas em cada categoria para constatar quais temas se destacaram nas representações sociais dos participantes. De acordo com Bardin (1977, p. 109), "a aparição de um item de sentido ou de expressão será tanto mais significativa - em relação ao que procura atingir na descrição ou na interpretação da realidade visada - quanto mais esta frequência se repetir". A pesquisa foi realizada de acordo com as normas éticas previstas nas Resoluções que regulamentam pesquisas com seres humanos e do Conselho Federal de Psicologia.

 

Resultados

Após análises, as categorias encontradas foram distribuídas nas Tabelas 1 e 2. Quanto ao papel da mulher nas famílias, foram estabelecidas as seguintes categorias: fazer os trabalhos domésticos; ser boa mãe; mesma responsabilidade que os homens; sustentar; dedicar-se à família; atributos morais; ser boa esposa.

Nos dados da Tabela 1, duas categorias podem ser destacadas: fazer os trabalhos domésticos e ser boa mãe, indicando que são elementos importantes da representação social da mulher no contexto familiar.

Fazer os trabalhos domésticos: a primeira e principal responsabilidade da mulher na família é fazer os serviços domésticos, categoria destacada nas questões geral e específica tanto pelos homens quanto pelos adolescentes. É papel dela: cuidar da casa, limpar, lavar a roupa, passar, manter um lar limpo e aconchegante, além de cozinhar. Para os dois grupos entrevistados, essa categoria foi a que teve um número maior de respostas. Para os pais (56,7% na questão geral e 66,7% na questão específica), cabe à mulher zelar pela casa, por isso, para alguns, ela não tem obrigação de trabalhar fora, e quando trabalha é uma ajuda que dá ao marido. Os adolescentes, ao ponderarem sobre o papel da mulher, tanto na família de forma geral (70,5%) como na própria família (64,7%), consideraram que ela deve se responsabilizar pelas tarefas domésticas, como lavar, limpar e cozinhar, além de saber o que está faltando em casa. Apenas um adolescente, ao mencionar sua própria família, declarou ajudar a mãe na realização das tarefas.

Ser boa mãe:ser boa mãe se destacou nas entrevistas para os dois grupos e para as duas questões. Para os pais, ser boa mãe foi indicado como sendo responsabilidade da mulher nas famílias em geral e na sua própria família em 53,3% e 40% das respostas, respectivamente; e para os adolescentes essa categoria representou 58,8% e 52,9% das respostas. Ser boa mãe foi indicado como um dos principais papéis da mulher na vida familiar, incluindo nessa função cuidar dos filhos e de sua educação, orientar, conversar, saber com quem e onde os filhos ficam, além de cuidar da saúde deles, da vida escolar e colocar limites. O amor e o carinho materno foram mencionados por três adolescentes na questão geral e um na específica, não sendo mencionados pelos adultos.

Sustentar:trabalhar fora e sustentar a família também foram considerados papéis da mulher na família nas duas questões, geral e específica. Na família em geral, tanto pais (16,7%) como adolescentes (17,6%) destacaram que, além de trabalhar, saber gastar o dinheiro e fazer economia também são atribuições da mulher. De acordo com os pais, a mulher trabalha, sustenta a família, e ajuda nas despesas da casa. A frequência das respostas sobre o trabalho da mulher aumenta para os dois grupos quando se fala da própria família, sendo expressivamente maior para os adolescentes (41,2%) do que para os pais (23,3%).

Mesma responsabilidade/divisão:ao falarem da família em geral, alguns pais (20%) e dois adolescentes (11,7%) consideraram que a responsabilidade da mulher é a mesma do homem e que existe divisão de tarefas. De forma geral, eles mencionaram que a mulher hoje em dia tem deveres e direitos iguais aos do homem, que as tarefas de casa são divididas e que não existem diferenças entre o que a mulher e o homem fazem. No entanto, um dos pais considerou que, apesar de ter o mesmo papel que o homem, a mulher é mais carinhosa e atenciosa. Na própria família, cinco pais (16,7%) consideraram que as responsabilidades da mulher são iguais às do homem: estando o homem presente, a mulher assume metade da responsabilidade que cabe aos dois, estando ele fora, é ela quem comanda a família. Outro pai considerou que as obrigações entre homem e mulher são as mesmas, com a diferença de que, na sua família, é ele quem trabalha. Apenas um adolescente (5,9%) relatou que em sua família o papel da mulher é o mesmo que o do homem com relação à educação/cuidado dos filhos.

Dedicar-se à família: para os dois grupos de participantes, é também papel da mulher ser dedicada à família. Para os pais (13,3%), a dedicação da mulher só aparece quando falam da família em geral e se expressa ao ser carinhosa e receptiva ao carinho, ser atenciosa, ajudar na economia da casa e evitar problemas. Para os adolescentes (11,7%), essa categoria está presente apenas na questão específica, e a mulher dedicada ao lar é aquela que resolve os problemas da família.

Atributos morais:outra categoria de respostas reúne os atributos morais que uma mulher deve ter quando tem uma família. Três pais (10%), na questão geral, consideraram que a mulher deve ser honesta e digna, e deve viver bem com a família para não ser mal falada pelos outros. Deve manter o seu respeito, respeitar a todos e não ficar saindo para festas. Com relação à própria família, um dos pais considerou que a mulher deve ter honestidade com o marido. Entre os adolescentes, a categoria apareceu apenas na questão geral (5,9%), enfatizando a honestidade e direitos da mulher, e o respeito que deve aos direitos do marido.

Ser boa esposa:essa categoria só foi encontrada nas respostas sobre a mulher na família em geral, nos dois grupos, mencionada por dois pais (6,7%) e quatro adolescentes (23,5%). Para os adultos, a mulher deve cuidar do marido e estar disponível na hora do sexo. Os adolescentes consideraram que ela deve cuidar do marido, ajudá-lo nas dificuldades, respeitá-lo e ser dedicada a ele.

Com relação ao papel dos homens nas famílias em geral e em sua própria família, foram estabelecidas as seguintes categorias, apresentadas na Tabela 2: sustentar; ser bom pai; dedicar-se à família; realizar serviços domésticos; ser bom marido; ser o chefe da família; ter atributos morais; mesma responsabilidade que a mulher; e ter características negativas.

Nos dados relativos aos papéis exercidos pelos homens nas famílias em geral e em sua própria família, pode-se destacar as respostas que mostram que prover é a principal responsabilidade do homem.

Sustentar:para as duas questões, geral e específica, tanto pais (76,7% e 76,7%) como filhos adolescentes (94,1% e 82,3%) destacaram que o papel do homem na família é ser o provedor. Cabe ao homem trabalhar para sustentar a família, providenciar o alimento, pagar as contas, não deixar faltar nada para os filhos. Para os participantes, é o homem quem tem a obrigação de sustentar a casa. Uma diferença que aparece nas respostas dos dois grupos ao falar da sua própria família é a menção à ajuda dos filhos do sexo masculino que também trabalham. Nessa categoria, apenas um adolescente avaliou que atualmente as mulheres também trabalham fora e sustentam a casa.

Ser bom pai:outra responsabilidade citada com frequência foi ser bom pai. Contudo, enquanto o cuidar foi a atividade que marcou a boa mãe, com exceção de um pai, apenas os adolescentes destacaram como papel do bom pai cuidar dos filhos. Nas respostas dos pais, prevaleceu a tarefa de educar. Para eles são atribuições do bom pai dar uma boa educação para os filhos, cuidar da saúde deles, ajudar na orientação, mostrar o caminho certo, conversar com os filhos. Apenas um pai destacou ajudar a cuidar dos filhos na sua própria família. Entre os adolescentes, as atribuições dos pais se dividiram em educar, cuidar, conversar e aconselhar os filhos. Um dos adolescentes também mencionou o ato de assumir o filho e registrá-lo como uma responsabilidade do homem na família, e outro apontou que o bom pai deve ser afetuoso.

Dedicar-se à família:o sentido que predomina é o do cuidado e proteção da família. Para os pais (23,3%), na família em geral, o homem precisa cuidar bem da família, reuni-la, ser exemplo para ela e para a comunidade, ter responsabilidade, ser o "pé direito" da família, ou seja, a sustentação. Na própria família (10%), a dedicação expressou-se no zelo, no cuidado com a segurança e na construção da relação familiar. Para os adolescentes, que só falaram da família em geral (29,4%), o sentido dominante foi que o homem deve cuidar da família, significando proteger, respeitar e zelar por ela, além de ser amigo e conselheiro.

Ajudar em casa:para as duas questões, ajudar nos serviços da casa aparece como uma das responsabilidades do homem. Os pais (10%), na questão específica, exemplificaram o que fazem para ajudar: consertos em geral, pintar a casa e fazer as compras. Na questão geral (10%), um dos pais considerou que essa ajuda é necessária, principalmente, quando a mulher trabalha fora. Os adolescentes, na questão geral (11,7%), também citaram que o homem deve ajudar em casa. Ao falarem da própria família (17,6%), explicaram que os pais ajudam a resolver os problemas e ajudam em casa quando estão de folga do trabalho.

Ser bom marido:outro papel do homem é ser bom marido. Referindo-se à família em geral, dois pais (6,7%) consideraram que o homem deve fazer o que puder para ajudar a mulher e deve cuidar da saúde da esposa. Na questão específica, um pai (3,3%) mencionou que o homem tem responsabilidade com a esposa, enquanto quatro adolescentes (23,6%) destacaram o cuidado, afeto e harmonia com a esposa como um papel do homem nas famílias, falando apenas da família em geral. Foram os adolescentes que citaram mais a afetividade como parte do que se espera do homem na relação com a mulher, considerando que o homem deve dividir as responsabilidades com a esposa, deve casar apenas se gostar da mulher, deve gostar da família, ser afetivo, ser carinhoso e cuidar da mulher.

Atributos morais:apenas um pai (3,3%) e um adolescente (5,9%) falaram sobre atributos morais ao se referirem sobre o papel do homem na família, e apenas na questão geral. Um pai considerou que o homem deve ter caráter, sendo um bom exemplo para a família e a comunidade. Um adolescente disse que o homem deve ser honesto.

Ser o chefe da família:presente apenas na questão geral e entre os adultos, um dos papéis do homem na família, segundo dois pais (6,7%), é ser o chefe da família, considerando que o homem deve estar à frente de tudo e é a ele que compete ter mais firmeza e autoridade na família.

Mesma responsabilidade/divisão:em relação à própria família, dois pais (6,7%) responderam que as responsabilidades são as mesmas para homens e mulheres ou são divididas entre o casal, um adolescente (5,9%) respondeu dessa forma para a família em geral.

Características negativas: quando responderam sobre o papel do homem na própria família, três adolescentes (17,6%) mencionaram outras características dos homens, traduzindo uma avaliação negativa do papel que esses homens cumprem de fato em suas famílias, em comparação com o que os participantes consideravam ideais. Falaram sobre o pai não ter tempo para os filhos, fizeram avaliações negativas sobre a forma como o pai se relaciona com os filhos, mencionando que o pai não é muito de conversa, ou por ser sério, ou por ser muito brincalhão.

 

Discussão

Apesar das mudanças ocorridas nas últimas décadas referentes aos papéis de gênero no âmbito público, decorrentes principalmente do movimento feminista e da ascensão do modelo econômico industrial, observa-se que, no âmbito privado, os papéis de gênero vêm mudando de forma mais lenta e que representações sociais ancoradas principalmente em modelos tradicionais de gênero e de família ainda persistem. Nestas o homem é reconhecido como o provedor e a mulher como a principal responsável pelos afazeres domésticos e cuidados com os filhos (Borsa & Nunes, 2011; Cecílio & Scorsolini-Comin, 2013; Simão, 2019; Campos, De Tilio, & Crema, 2017; Carvalho & Melo, 2017).

Resultados que corroboram essa afirmação puderam ser identificados neste estudo, pois, para a maior parte dos participantes do sexo masculino, tanto para os adultos como para os adolescentes, valores tradicionais sobre os papéis que homens e mulheres desempenham na família demostraram ser o que prevalece nas representações sociais. Contudo, algumas respostam também indicam rupturas em relação ao modelo tradicional nas famílias entrevistadas, indicando que, mesmo que ainda de forma sutil, há assimilação de mudanças em relação aos papéis de homens e mulheres, particularmente para os jovens. Essa convivência do novo e do tradicional faz parte da dinâmica das representações sociais e se transformam à medida que novos conhecimentos e informações estão em jogo e modificam o objeto representado (Arruda, 2002) - no caso deste estudo, demonstram a elaboração das transformações e permanências nas relações de gênero ocorridas nas últimas décadas e exemplificam o movimento e a relação dialética entre práticas e representações sociais.

Entre os elementos tradicionais das representações sociais de ser homem e mulher na família, verificou-se que os dois grupos de entrevistados apontaram que cabe ao homem, principalmente, trabalhar e garantir o sustento da família, provendo a alimentação, moradia e recursos para não faltar nada em casa. Essa compreensão a respeito do papel masculino entre os jovens também apareceu em outros estudos. Jagar e Dias (2015) e Sampaio, Vilela e Oliveira (2014), ao entrevistarem jovens de classe pobre que vivenciavam a paternidade pela primeira vez, verificaram que os jovens pais destacaram como sua função o sustento da família e prover o que a companheira e a criança precisavam. Além do sustento, ser dedicado à família, no sentido de protegê-la e ser o chefe da família, também foram respostas que compõem representações sociais ancoradas em valores tradicionais de masculinidade, mas que apareceram principalmente para os participantes adultos.

Mesmo quando consideraram que a mulher também trabalhava fora de casa, o trabalho e o salário da mulher foram abordados pelos participantes das duas gerações como uma "ajuda" que ela dá ao homem. As representações sociais organizam a relação das pessoas com o mundo no qual estão inseridas e tem também um caráter prático (Jodelet, 2001). No processo de familiarização com o novo, os conteúdos das representações podem passar por distorções, suplementações ou subtrações de atributos do objeto representado (Jodelet, 2001; Martins-Silva et al., 2016). Pode-se analisar, dessa forma, que ao subtraírem o valor do trabalho feminino, considerando-o como uma atividade de ajuda, são reforçadas as representações sociais que pressupõem o homem como verdadeiro provedor e, portanto, com o poder de "chefe da família".

Destaca-se, contudo, que embora trabalhar e sustentar não tenha sido considerado de forma expressiva uma das responsabilidades da mulher na família em geral, pode-se verificar aumento do número de participantes que consideraram sustentar como parte das atribuições da mulher quando falam sobre a própria família, principalmente entre os adolescentes. Isso pode ser explicado pelo fato de que a maioria das mulheres nas famílias entrevistadas, de fato, exerciam trabalho remunerado, portanto, no cotidiano dessas famílias a mulher trabalhar fora de casa e participar do sustento se constitui uma realidade e uma necessidade. As diferenças entre adultos e adolescentes sugerem experiências diferentes e/ou momento diferente da relação, atribuindo significados também diferentes quando se referem à mãe ou à mulher/esposa como trabalhadora.

No entanto, ainda que não se possa falar em mudança significativa nas representações sociais dos papéis masculinos e femininos na família, em relação ao trabalho remunerado e ao sustento, esse movimento aponta que mudanças, ainda que lentas, estão em processo, possibilitando novas negociações nas relações de poder e, principalmente para os jovens, uma reflexão ou uma avaliação diferenciada do trabalho feminino e do lugar do homem como o único provedor.

Sobre essa discrepância entre a situação real das famílias em relação ao trabalho feminino e o lugar que o provimento ocupou nas respostas dos homens adultos e jovens ao se referirem a mulher, pode-se analisar que a forma como o trabalho feminino se organiza na sociedade mostra que as representações sociais ancoradas no modelo tradicional estão presentes em um contexto mais amplo. Embora o aumento da inserção de mulheres no mercado de trabalho seja um fato, alguns aspectos do trabalho feminino desqualificam a mulher como trabalhadora e provedora do lar, ajudando a perpetuar as representações sociais de que o homem é o principal responsável pelo sustento e que o trabalho no espaço público o caracteriza mais do que a mulher. De acordo com dados do Ipea (apud Pinheiro, Lima, Fontoura, & Silva, 2016), em 1970, apenas 18,5% das mulheres eram economicamente ativas no Brasil, enquanto em 2014 esse valor foi de 57%. Dados referentes ao ano de 2019 (IBGE, 2021) também mostram que tem aumentado o número de mulheres que exercem trabalho remunerado, indicando, contudo, diferenças no nível de ocupação de acordo com a presença ou não de filhos, o que pode ter relação com a prevalência das mulheres no cuidado com as crianças da família. Para as mulheres de 25 a 49 anos de idade, sem filhos ou com filhos de até três anos de idade, a taxa de mulheres economicamente ativas foi de 54,6% e 67,2%, respectivamente (IBGE, 2021).

Ao se considerar o tipo de ocupação exercida pelas mulheres, principalmente entre as mulheres pretas e pardas, que são as que compõem em sua maioria as classes pobres do país, avalia-se que parte das mulheres trabalhadoras no Brasil exercem atividades semelhantes às que já desenvolviam em casa, atividades domésticas ou de cuidados, geralmente em condição informal e com baixa remuneração (IBGE, 2019), o que desvaloriza o trabalho feminino. Constata-se, por exemplo, que, em 2018, 14,6% das brasileiras ocupadas eram trabalhadoras domésticas, proporção ainda maior quando se considera o contingente de mulheres negras, 18,6 % (Pinheiro, Lira, Rezende, & Fontoura, 2019). Esse panorama é próximo aos das famílias entrevistadas, nas quais 25% das mães que trabalhavam fora de casa exerciam essas atividades.

Para os adultos e adolescentes, fazer trabalhos domésticos, como limpar e manter a casa organizada, foi a categoria que caracterizou ser mulher com maior frequência de respostas, sendo considerada a principal atribuição da mulher tanto na família em geral como na própria família. Mesmo considerando que parte das mulheres das famílias trabalhava fora de casa também, a participação do pai nas tarefas domésticas foi comumente caracterizada como "ajudar" a mulher, já que os serviços domésticos não são dever masculino. Essa avaliação também foi observada em estudo com adolescentes do sexo feminino de escolas particulares por Carvalho e Melo (2019), retratando a permanência na socialização das desigualdades na divisão de tarefas domésticas.

Para os 10% que destacaram ser papel do homem na família "ajudar" suas mulheres com os afazeres de casa, essa "ajuda" foi descrita como realizar algumas atividades: lavar a louça e fazer a comida, particularmente quando a esposa não estava em casa. No entanto, vale destacar que os serviços de casa, que foram comumente atribuídos aos homens, foram os consertos e as compras no supermercado, atividades que não representam o que tradicionalmente se considera como trabalho doméstico, resultados também identificados em outros estudos (Simão, 2019).

Esses resultados também corroboram dados que mostram que, com ou sem filhos, as mulheres continuam sendo as principais responsáveis pelas tarefas domésticas na sociedade. Em 2019, as atividades domésticas e/ou cuidados de pessoas consumiram mais tempo das mulheres do que dos homens, com o total de 21,4 horas semanais, contra 11,0 horas (IBGE, 2021), o que caracteriza quase o dobro de tempo investido. Em relação aos cuidados, vale lembrar que, na maioria das famílias, também cabe às mulheres o cuidado com os idosos e enfermos. Assim, percebe-se que as respostas fornecidas pelos participantes retratam o que ainda acontece em boa parte das famílias brasileiras. Essas práticas tanto demonstram as representações sociais de gênero nas famílias quanto as mantém, quando orientam a socialização das novas gerações, o que explica a baixa frequência de mudança entre os adolescentes entrevistados em relação a essas atribuições.

O salário inferior é outro aspecto que reforça que a inserção da mulher no mercado de trabalho ainda não alcançou o valor social que tem como direito, mantendo a desigualdade de poder entre homens e mulheres e a desqualificação do trabalho feminino. Em uma comparação feita no Brasil, verificou-se que em 2019 a mulher recebia o equivalente a 77% do salário recebido pelo homem (IBGE, 2021). Pode-se inferir, portanto, que as desigualdades no mercado de trabalho feminino também fornecem elementos para a ancoragem das representações sociais tradicionais sobre os papéis de gênero, mantendo valores e práticas que pressupõem que o trabalho remunerado e a responsabilidade financeira do lar são uma atividade que caracteriza mais o homem do que a mulher.

A parentalidade e a conjugalidade também foram destacadas nas respostas dos participantes e remetem tanto às representações sociais tradicionais como as que apresentam elementos de transformação. Ser bom pai foi a segunda categoria mais frequente para definir o homem na família, para os dois grupos de participantes, embora tenha sido menos frequente do que a designação da mulher como boa mãe. Embora essa diferença indique, por um lado, a manutenção da composição tradicional na dinâmica familiar, tendo a mãe como centro natural das relações com os filhos, por outro, esperar que o homem na família seja um bom pai pode indicar uma expectativa de maior participação dos homens nos cuidados e na proximidade afetiva com os filhos, principalmente para os adolescentes. Os adolescentes descreveram o bom pai como aquele que busca proximidade e comunicação com os filhos, enquanto o foco dos adultos foi educar. Outro resultado que reforça essa análise é que a principal característica negativa apontada pelos filhos aos homens da família tinha relação com o papel parental. Novamente, podemos ter aqui indícios de transformações das representações sociais.

Quando se referem aos papéis masculinos, dois adultos e um adolescente disseram que em suas casas tanto o homem quanto a mulher têm as mesmas responsabilidades e/ou dividem as tarefas. Porém, essa categoria tem maior destaque na fala dos participantes (seis pais e dois adolescentes) quando respondem sobre o papel da mulher na família. Os participantes ressaltam que a mulher tem os mesmos direitos e deveres e já exerce as mesmas tarefas que o homem. É importante ressaltar aqui, contudo, que apenas um adolescente destaca a divisão de tarefas dos pais na educação dos filhos, e, ainda, a mulher é destacada por um pai por ser mais carinhosa e atenciosa, características que se assemelham ao estereótipo do ideal feminino materno. Verifica-se, portanto, que, mesmo que a dedicação familiar faça parte das responsabilidades tanto do homem como da mulher, as funções atribuídas a cada um não são as mesmas.

Em revisão de literatura sobre o fenômeno da paternidade Vieira et al. (2014) apontaram que os trabalhos retratam tanto aspectos conservadores como transformações no papel dos pais. Não obstante, mesmo em processo de mudança, a paternidade ainda teve significado atrelado ao papel do pai provedor. Nos estudos, o pai foi descrito como figura que pouco se envolve nos cuidados com os filhos, havendo ainda a existência da crença de que os pais não são capazes de cuidar de forma adequada dos filhos. Em outra pesquisa realizada com pais e mães em contextos de vulnerabilidade social, Benatti e Pereira (2020) também identificaram prevalência de um modelo tradicional e patriarcal de masculinidade na família. Pais e mães consideraram que a principal função do pai é prover o sustento da família, sendo o pai considerado a autoridade. Embora tenham considerado que o "bom pai" deve ser também afetivo e participativo, a figura da mãe foi destacada como sendo a mais relevante na vida dos filhos. Outras publicações, entretanto, têm ressaltado que a paternidade se encontra em processo de redefinição, visto que os pais têm demonstrado crescente desejo de envolvimento afetivo e maior participação nos cuidados com os filhos (Visentin & Lullier, 2019; Denardi & Botolli, 2017), ressaltando novamente a convivência entre transformações e permanências nas representações sociais, no que se refere aos papéis de gênero na família.

A relação conjugal também foi considerada nas respostas de alguns participantes para a família em geral. Ser boa esposa foi apontado por pais e filhos com o sentido de ser dedicada e cuidar do marido. Ser bom marido, entretanto, foi apontado por pais e filhos com significados diferentes, demonstrando também, nesse aspecto, a coexistência de representações sociais tradicionais e contemporâneas para os papéis de homens e mulheres na família. Os adultos consideraram que, para ser um bom marido, o homem deve ter responsabilidade pela esposa e ajudá-la, enquanto para os jovens ser bom marido foi associado a aspectos emocionais de cuidado e afeto, apontando que o marido pode demonstrar sensibilidade e que ele é parte responsável pela harmonia da casa e da família, indicando uma mudança no sentido do relacionamento conjugal para os adolescentes, em comparação com os adultos, que destacaram aspectos que reiteram uma representação social mais tradicional do homem orientando a relação do casal. Considera-se que a satisfação afetiva e a qualidade na relação conjugal são características do casamento contemporâneo e aparecem como aspectos relevantes para os jovens em outras pesquisas sobre as expectativas em relação ao casamento, revelando as transformações (Alves-Silva, Scorsolini-Comin, & Santos, 2016).

 

Considerações finais

Este estudo buscou conhecer as representações sociais de papéis de homens e mulheres na família para duas gerações de homens. Verificou-se que homens do segmento empobrecido, adultos e adolescentes, representaram os papéis de homens e mulheres na família, com predominância do modelo tradicional, destacando a desigualdade de gênero ainda vivenciada no contexto familiar, resultado corroborado por outras pesquisas recentes realizadas com outras famílias, tanto com participantes de classe empobrecida como com participantes de classe média. Apesar dessas evidências, há também sinais de mudanças geracionais nas representações sociais dos adultos e dos adolescentes sobre os papéis desempenhados pelos homens referentes à paternidade e à conjugalidade, com as expectativas dos jovens de mais afetividade e proximidade nas relações, indo ao encontro da literatura que aponta um momento de transição entre os papéis desempenhados pelos homens nas famílias, demarcando a coexistência entre papéis tradicionais e contemporâneos na atualidade.

A despeito de as mulheres vivenciarem uma ampliação do seu papel como trabalhadoras remuneradas, a contribuição financeira delas para o sustento da família não alcançou reconhecimento nem valorização nas narrativas dos participantes, destacando-se a ênfase do envolvimento da mulher aos aspectos ligados ao cuidado e afazeres domésticos, enfatizando seu papel no âmbito privado. Essas constatações indicam a relevância dos debates, estudos e movimentos sociais que se engajam na luta pela equidade de gênero, não só no contexto laboral, mas também no ambiente familiar.

Apesar das mudanças factuais e das práticas, em relação aos papéis desempenhados pelo homem e pela mulher nas famílias pobres, tais mudanças ainda são incipientes e aparecem principalmente entre os jovens, não suscitando mudanças efetivas nas representações sociais do que é ser homem ou mulher no âmbito familiar, fortemente ancoradas no modelo patriarcal tradicional. Essa situação favorece a divisão desigual de atribuições entre homens e mulheres no âmbito laboral, parental e doméstico, e consequentemente na socialização dos filhos para o desempenho dos papéis de gênero.

Destaca-se como contribuição que o estudo dá ênfase à perspectiva masculina, avaliando permanências e transformações nas representações sociais com duas gerações de homens. Embora o número desigual de participantes adolescentes e adultos possa implicar em limitações para a análise dos dados, considera-se que foi possível cumprir o objetivo proposto. Alerta-se para a relevância de que sejam realizadas mais pesquisas, com diferentes metodologias, sobre as representações sociais de homens sobre os papéis de gênero desempenhados na família para possibilitar reflexões e debates, visando à superação da divisão desigual das funções no contexto familiar e à valorização do trabalho feminino.

 

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Recebido em: 10/3/2019
Aceito em: 16/11/2021

 

 

1 Foram denominados pais sociais todos os homens que exerciam papel parental, independentemente do vínculo biológico.

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