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Psicologia para América Latina

versão On-line ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  n.0 México ago. 2002

 

ARTÍCULOS

 

Psicologia jurídica o cotidiano da violência: o trabalho do agente de segurança penitenciária nas instituições prisionais

 

 

Rosalice Lopes

Instituto Sedes Sapientiae e Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo

Apoio: CNPq

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo busca apresentar alguns aspectos da atividade cotidiana dos agentes de segurança penitenciária. São apresentados dados históricos relativos à descrição da função e informações sobre a situação atual dessa categoria profissional nas prisões de São Paulo. Ao final é apresentada uma proposta de acompanhamento/atendimento desses profissionais tendo em vista as alterações comportamentais que muitos agentes de segurança demonstram ao longo dos anos de prática. As reflexões apresentadas encontram suporte nos dados coletados em minha dissertação de mestrado intitulada "Atualidades do discurso disciplinar : A representação da disciplina e do disciplinar na fala dos agentes de segurança penitenciária", resultado de pesquisa realizada entre 1996 e 1997 em unidade penitenciárias da capital e interior, assim como nas atividades desenvolvidas como professora nas turmas dos cursos de formação de agentes, coordenados pela Academia Penitenciária de São Paulo, nos anos de 96/97 e 98.

Palavras-chave: Psicologia jurídica, Prisões, Agentes de segurança penitenciária, Trabalho em prisões.


ABSTRACT

This article introduces some aspects of the daily activities of the Penitentiary Security Agents. It presents historical facts related to the description of the functions and information about the actual situation of this professional category in the prisons of São Paulo. At the end a proposal to accompany these professionals is presented because of the alterations in their behavior which many security agents have shown during their long years of practice. These reflections represent facts which were collected during my master's dissertation entitled "Some Remarks on the Disciplinary Discourse - The representation of discipline and of the disciplinary in the speech of penitetiary security agents", the results of a survey done between 1996 and 1997 in some penitentiry units of São Paulo State; as well as from my developing experiences as a teacher during the courses of the formation of agents co-ordinated by the São Paulo Penitentiary Academy during '96, '97 and '98.

Keywords: Judicial psychology, Prisions, Penitentiary security agents, Work in prisons.


 

 

Agentes de segurança penitenciária: Um pouco de história...

As histórias dos carrascos, carcereiros, guardas de presídio, agentes de segurança penitenciária, independentemente do 'tempo histórico', guardam em comum um aspecto: o fato de sempre terem estado ligadas às situações de torturas, agressão, vigilância e fiscalização e a outros mecanismos disciplinadores utilizados para aplicar o castigo considerado justo, para punir o desvio, promover a adequação e manter uma determinada ordem social

A vida dos profissionais que atuam nas prisões é, desde o início, e ainda hoje, caracterizada pelo vínculo com o encarceramento, a exclusão e a violência.

Os registros sobre a história profissional desses trabalhadores são escassos e, até onde desenvolvi minha pesquisa, encontrei apenas documentos que, ao contar a história das prisões, fazem referência ao pessoal que atuava junto aos condenados.1

Britto (1926) e Pestana (1981) evidenciam em seus textos que desde o surgimento dessa profissão, poucos eram aqueles que se interessavam em exercê-la. Houve época em que os indicados a ocupar tais cargos poderiam ser presos caso se recusassem a cumprir a ordem de trabalhar como carcereiros. Ou seja, de indicado poderia transformar-se em indiciado.

A leitura desses autores aponta para o fato de que os indicados eram membros das populações mais pobres que, na condição de dominados, poderiam, por sua insubmissão, tornar-se novos condenados. É possível supor que prisioneiros e carcereiros pertencessem ao mesmo grupo social, situação que devia causar um grande embaraço. É visível no relato de Pestana que os carcereiros eram vítimas da não-escolha profissional e da obrigatoriedade de exercê-la e ainda das precárias condições das prisões.

Analogamente a seus pares do passado, que muitas vezes se recusavam a desempenhar a função de carcereiros por considerarem-na aversiva, os agentes de segurança se sentem, ainda hoje, como que discriminados pela sociedade, responsabilizados por fugas, motins, extorsão, corrupção etc. e envergonham-se, muitas vezes, de assumir publicamente essa profissão.

No estudo que realizei, os dados apontam para o fato de que o agente só se torna agente porque, ou está desempregado, ou segue a indicação de algum parente. Com o passar do tempo, acaba se habituando à pratica, tornando-se gradativamente desestimulado a procurar outras formas de trabalho mesmo que continue a afirmar que não gosta do que faz. Uns poucos assumem que gostam de ter essa função; destes ouvem-se as seguintes representações da profissão: " queria ser um policial e como não passei em concurso e resolvi então ser ASP"( sic). A identificação da atividade de agente de segurança com a de policial militar está presente e pode determinar a escolha pelo trabalho na prisão.

 

As atribuições específicas: do carcereiro ao guarda, do guarda ao agente

Durante os séculos, a essência da prática cotidiana da vigilância permaneceu a mesma; porém, ao lado das mudanças de denominação para os que exerciam essa vigilância, foram alteradas a orientação e a expectativa dos mecanismos ordenadores sociais sobres os funcionários, para estabelecer a forma mais adequada de agir junto aos sentenciados.

As mudanças observadas durante os anos espelham modificações sofridas no âmbito das políticas penitenciárias e permitem conhecer como a prática cotidiana nas prisões tentava uma apropriação dos princípios ordenadores. De modo geral, quase sempre esteve presente a expectativa de que esses homens agissem como uma "espécie de educador", que promovesse algum tipo de mudança nos sentenciados no sentido da reabilitação social. No entanto, ainda que a imagem de 'agentes reabilitadores' venha sendo cultivada ao longo da história, a ação - de fato - reabilitadora não tem sido desenvolvida.

Mas, como era essa função no passado? o que se exigia do guarda de presídio?

O primeiro documento que descreve de forma detalhada a função do Guarda de Presídio é o Decreto nº 3.706 de 29 de abril de 1924.2 Nessa época, os guardas eram escolhidos e nomeados pelo diretor do estabelecimento penal. O regime de trabalho na penitenciária era o de plantonistas de 24 horas e de diaristas das 8 às 17 horas. Para ser admitido como guarda, o candidato deveria ser brasileiro, ter mais de 21 e menos de 45 anos, gozar de boa saúde e boa aparência física, provar bons antecedentes, moralidade e conduta, sujeitar-se à pratica do estabelecimento, fazer exame de competência; sendo que eram preferidos os que já tivessem exercido prática análogas.

Os guardas estavam diretamente ligados à "Secção Penal [à qual competia] a policia do estabelecimento." (Decreto nº 3076, 1924, p.36). Ao guarda cabia a função de policiar, ou seja, guardar o cumprimento das leis e normas vigentes na instituição, impedindo e contendo as manifestações dos sentenciados que fossem consideradas impróprias.

Um grande silêncio, em termos de documentação sobre os guardas, observa-se nos registros da biblioteca do sistema penitenciário nas décadas de 50 e 60. Somente um, dentre os documentos da década de 70 - relatório do Departamento dos Institutos Penais do Estado (1975) -, informava sobre o número total de guardas: 1887 no total das 12 unidades. Constam ainda do relatório, dados sobre o grau de escolaridade dos mesmos. Do total de guardas, 823 tinham o primário completo e 53 não o haviam concluído; 245 já haviam completado o 1º grau (antigo ginasial) e 365 não; 199 já haviam terminado o 2º grau (antigo colegial) e 110 não. Ainda desse total, 37 guardas concluíram o curso superior contra 55 que não o haviam terminado. Nenhum informe dessa época trata das atribuições do guarda.

Como está a situação atualmente?

As diferenças qualitativas entre as funções de guarda e agente, propostas por Miotto (1978), discutidas mais amplamente nos diferentes âmbitos da política penitenciária culminaram, em 1986, com a criação da carreira de agentes de segurança penitenciária em São Paulo. O agente cumpre atualmente uma jornada de trabalho que pode ser de dois tipos: plantões de 12 horas de trabalho por 36 de repouso ou ainda 8 horas diárias. O total da carga horária semanal é de 40 horas.

O regime de trabalho do agente segue o estabelecido na Lei Orgânica da Polícia Civil, conhecido como R.T.P.- Regime Especial de Trabalho Policial. Essa vinculação garante equiparação salarial para aqueles que, mesmo atuando em diferentes mecanismos de repressão, objetivam manter a ordem social estabelecida.

O ingresso de novos funcionários no sistema se dá, desde a década de 70, por concurso público. O candidato precisa ter o 2º grau completo e boa compleição física. Atualmente o processo seletivo dos agentes consiste das seguintes fases: exame escrito, exame oral e exame físico. Em caso de aprovação nessas fases, o candidato ingressa na atividade e passa a cumprir o que é denominado estágio probatório. Esse estágio, a partir de 1998, passou a ser de 3 anos após os quais o agente é ou não confirmado no cargo.

Certamente os objetivos da formação referem-se à capacitação do agente para o desempenho de suas funções: contenção, adestramento, vigilância e punição dos sentenciados, de modo seguro e eficaz. É importante para as instituições prisionais terem um pessoal capacitado no desempenho dessas funções.

Embora as políticas penitenciárias defendam, já há algum tempo, os programas reabilitadores, a função dos agentes de segurança penitenciária, como o nome evidencia, é manter a segurança na unidade. Essa preocupação, já tão histórica, tem-se tornado ainda mais acentuada devido às manifestações de insubmissão por parte da população carcerária, como acontece nos motins e rebeliões, as quais têm sido freqüentes na última década. Hoje, mais do que nunca, para os que coordenam o sistema penitenciário, a segurança é fundamental.

A disciplina e o disciplinar aparecem como aspectos da segurança e, em meu estudo, pude constatar que a prática disciplinar nas prisões de São Paulo está longe de ser considerada um bom exemplo. Foi possível colher informações, nas entrevistas com os agentes, as quais dão notícia de uma disciplina calcada na humilhação e na violência tanto num nível psicológico como, por vezes, físico.

Refletindo sobre as causas motivadoras de tais comportamentos por parte dos agentes de segurança, penso que, em termos dos fatores situacionais, a condição de superpopulação prisional e o reduzido número de agentes configuram uma condição de penosidade no trabalho que favorece a opção por mecanismos contensores mais extremos, principalmente nas situações de rebeliões. No entanto, certamente não é desprezível a ação dos fatores disposicionais ou pessoais na determinação do comportamento violento. Destaco, nesse nível, as condições afetivo-emocionais de cada agente - que se alteram ao longo dos anos de prática - além das representações específicas acerca da profissão, as quais, num contínuo, oscilam de um lado, entre um "lugar" de poder e mando na relação com os sentenciados, e de outro, um "lugar" de subserviência e humilhação.

Diante desse quadro, a formação e acompanhamento dos agentes aparece como um fator importante devendo-se considerar, inclusive, que esses profissionais participam ( ou deveriam participar ) de todo e quaisquer procedimentos relativos à reabilitação, caso ocorram.

A Escola Penitenciária - antiga Academia Penitenciária - é o órgão da administração responsável pela formação e capacitação de agentes de segurança; procura, por meio de propostas inovadoras, desenvolver nos agentes uma maior reflexão sobre sua prática. A formação oferece, além dos aspectos mais formais e específicos relativos à segurança e disciplina, uma programação que inclui Direitos Humanos, Psicologia, Relações Humanas e Saúde do Trabalhador. Busca-se que o agente desenvolva uma visão mais abrangente acerca do sentido social de seu trabalho.

Porém, não podemos pensar as questões da formação desvinculadas de um cotidiano opressor vivido pelos agentes de segurança. Em primeiro lugar, podemos refletir se o número atual de agentes de segurança - 15.488, sendo que 537 estão em licença saúde de no mínimo 30 dias - é adequado ao atendimento dos 59.055 sentenciados que ocupam hoje as 67 unidades do estado de São Paulo3 . Num primeiro momento estes números indicam que cada guarda estaria atendendo 4 sentenciados e que esta proporção não parece tão ruim. No entanto, sabe-se que a distribuição não é assim tão regular, e que, por exemplo, em unidades como a Casa de Detenção de São Paulo já aconteceu de um único agente de segurança ficar responsável pela vigilância de mais de 500 sentenciados no pátio externo.4

Um outro aspecto a refletir nessa relação agentes / sentenciados e que pesa substancialmente para aqueles agentes que estão desempenhando atividades de vigilância é que muitos agentes são transferidos para a área administrativa e outros ainda encontram-se em licença saúde. Segundo dados da Secretaria da Administração Penitenciária, em dezembro de 2000, havia 537 agentes afastados das atividades por motivos de saúde.

Como pensar, então, numa formação com o número "restante" de agentes e desconsiderar a significativa pressão que sofrem no desempenho da atividade devido à carência de profissionais? Há que se considerar ainda que muitos agentes desenvolvem outras atividades quando fora do plantão para complementar a renda familiar. Todos esses aspectos ampliam as condições de estresse e prejudicam, certamente, a qualidade do desempenho da atividade, por melhor que seja a formação.

Da parte da Escola Penitenciária, sabe-se que os cursos não ocorrem com a freqüência necessária e, mesmo que as dificuldades desta instituição formadora fossem superadas e pudesse ser oferecida uma formação continuada, sabemos, com Foucault, que a prática cotidiana nas prisões dificilmente deixaria de fazer parte de um sistema de exclusão, engendrando um verdadeiro campo de guerra, onde, de um lado, estão os agentes, porta-vozes últimos da moral social e, de outro, os sentenciados, representantes de tudo aquilo que a sociedade rejeita em termos de comportamento. Se, admitimos como possível a imagem das prisões como uma espécie de campo de guerra, fica difícil descartar a possibilidade de ocorrência de atos de violência em seu cotidiano. As instituições prisionais, locais criados para segregar, vigiar e punir são aqueles onde a violência é constantemente reproduzida.

Nesse sentido, vejo com certo pessimismo a possibilidade de manutenção, no cotidiano das relações entre agentes e sentenciados, dos ideais desenvolvidos nos cursos de formação enquanto ela continuar ocorrendo da forma como assistimos até o momento. Ela se presta mais a informar do que a formar e o cotidiano nas prisões acaba por fragilizar - talvez até apagar da memória dos agentes - os ideais desenvolvidos no início da profissão.

Na realidade, penso que os cursos de formação e aprimoramento, embora fundamentais enquanto instrumentos de formação e reciclagem, são insuficientes para dar conta da complexidade dos fenômenos que envolvem o sistema de segurança e disciplina nas prisões e, consequentemente, o que vai sendo produzido a partir das relações entre sentenciados e agentes de segurança.

É sabido que muitos agentes, ao longo dos anos, passam a apresentar alterações comportamentais. Tornam-se alcoólatras, dependentes de drogas psicotrópicas - anti-depressivos, ansiolíticos. Outros se envolvem em praticas delinqüenciais e descobrem, tardiamente, como é tênue a linha que separa a conduta criminal da não criminal.

Nas prisões, parece ser uma triste verdade, especialmente para a categoria de agentes, que quando se está exposto, de um lado, às pressões resultantes do contato diário com a delinqüência encarcerada, e de outro, às necessidades econômicas pessoais, se torna mais "tentador" o envolvimento com os ganhos rápidos que a vida criminal oferece.

De modo a ilustrar a situação vivida por essa categoria, apresento a seguir a reprodução original de uma redação elaborada por um agente se segurança num dos curso de atualização profissional onde atuei como professora. Foi solicitado aos participantes que imaginassem um "agente fictício" e relatassem sua prática cotidiana na forma de uma redação. Ela é um exemplo de como as transformações ocorrem na vida desses profissionais. Mesmo tendo sido escrita em 1996, podemos acreditar que, em muitos casos, ainda hoje, as vivências desses " profissionais fictícios" são comparáveis.

São Paulo, 14/05/96 " História " --João foi um trabalhador, em uma empresa particular, sendo que o mesmo prestava suas colaborações na empresa sem maiores problemas. --Até que um determinado dia, veio a calhar uma resseção no País, que fora provocada por uma iperinfração. Essas consequências foram trágicas para João que logo colocara em pânico. --João era um moço passivo, educado, sensato, tinha seus 26 anos quando se viu desempregado, pela trágica História que o País passava, nesse interino João saia de casa, para procurar emprego encontrava muita dificuldades. Até que um dia João saiu de casa e decidiu se juntar para protestar junto com os caras pintadas, João se viu no meio do tumulto, onde também fazia seu protesto que lhe valeu a pena com o ipetman do Presidente da República. --Na manhã seguinte João com sua curiosidade e anseio de achar um trabalho, pois se na banca de jornal e viu as manchetes, por considência acabou desviando sua atenção para um edital do Diário Oficial " CONCURSO PARA A.S.P." salário "R$ 500,00". No dia 7/4/94 João se inscreveu, prestou concurso passou em 1º lugar. Ele não sabia que encontraria pela frente, porque o curso do CRAPH 5 não lhes deu as informações concretas sobre o que viria pela frente no trabalho. Passara 2 anos, o desgate era tanto lhe venho o stresse, doênças. Ele percebia que sua saúde não era a mesma. Chegava em casa batia na mulher, tomava pinga nos bares, junto com seus "amigos". João não era o mesmo, foi para na psiquiatria jamais se recupero. Hoje João lamenta com sua esposa e filhos que deveria ter procurado uma outra função sem ser A.S.P. Essa era a humilde e trágica história de um trabalhador, que não é reconhecido por uma sociedade e nem autoridade competente. Adeus João pois a falecer no dia 28/5/96.

 

Considerações finais e proposta

Penso não ser possível ler essa redação, e não se sensibilizar com ela. Muitos dos fatos, citados na ficção elaborada pelo agente de segurança, ocorrem na vida real. Muitos deles têm suas vidas profundamente modificadas após anos de trabalho em instituições prisionais. Fica evidente na redação as angústias relativas ao "ver" e "sentir" a vida se transformando em ruínas.

Fatos como a superpopulação prisional e a carência de funcionários no setor de segurança das prisões acabam por cronificar o desgate físico e mental cotidiano desses profissionais.

O sistema penitenciário, através de seus órgãos administrativos, tem se esforçado no sentido de criar alternativas de atendimento aos agentes de segurança que apresentam problemas como decorrência do trabalho. No entanto, essas alternativas são ainda insuficientes.

Embora, em alguns casos, seja possível estabelecer parcerias junto aos serviços de saúde do trabalhador disponíveis na comunidade, penso ser necessária a criação de um sistema de atendimento específico para os agentes de segurança não só porque o número de agentes em atividade é significativamente grande, mas também porque as características que envolvem essa prática profissional são muito específicas.

A criação de um espaço privilegiado, onde os agentes de segurança possam falar sobre suas angústias, ansiedades e medos relativos ao trabalho nas prisões é premente.

Entendo que um atendimento humanizado que objetive até mesmo a reabilitação de sentenciados - atendimento no qual os agentes desempenham papel fundamental - se tornar-se-ia uma realidade mais observável se as necessidades e os conflitos daqueles que lidam cotidianamente com a delinquência encarcerada também fossem alvo de atenção e cuidados.

Um serviço como esse visaria atender um grande número de agentes - não apenas aqueles agentes reféns nas rebeliões - na forma de um programa preventido em saúde fisica e mental no sistema penitenciário uma vez que o elevado nível de sofrimento no trabalho dos agentes acaba por produzir modificações comportamentais dos mais diferentes tipos e com difrentes graus de gravidade. Além disso, esse serviço poderia substituir, em defnitivo, o atendimento prestado aos agentes pelos profissionais que atuam nas prisões.6

Penso que esse serviço deva ser implantado de forma regionalizada e coordenado pela Escola Penitenciária com assessoria do Departamento de Saúde do Sistema Penitenciário7 e ser desenvolvido " fora dos muros da prisão". As parcerias com a Secretarias Estadual e Municipal de Saúde, além das Universidades, seriam fundamentais no que se refere ao estabelecimento de estratégias de ação e desenvolvimento de projetos de pesquisa.

Embora o trabalho dos agentes seja de grande valor numa sociedade que mantém as prisões como parte de um sistema de controle social, muito ainda está por ser feito em prol dessa categoria profissional.

A minimização dos efeitos das experiências cotidianas em um campo de guerra - principalmente a violência - não pode ser alcançada somente com cursos de formação ou aprimoramento. Eles são importantes, mas parciais. Entendo que não basta ensinar estratégias de enfrentamento de rebeliões e táticas anti-sequestro. Não basta despertar a consciência para questões referentes aos direitos humanos e à ética prossional. Em ambientes como as prisões é preciso fazer mais por aqueles que lá trabalham. É preciso cuidar da saúde física e mental dos funcionários.

 

Bibliografía

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Falcão, A. Recomendações Mínimas para a Formação de Agentes Prisionais. Brasília, Ministério da Justiça, 1989. 5p. [ Datilografado]         [ Links ]

Pestana, J.C. Novo processo de seleção e formação para o funcionalismo penitenciário. Revista do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo. São Paulo, a. IV- nº 2, 1981.        [ Links ]

Lopes, R. Atualidades do Discurso Disciplinar : A representação da disciplina e do disciplinar na fala dos agentes de segurança penitenciária. Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia da USP. São Paulo, 1998.        [ Links ]

Miotto, A.B. Curso de Direito Penitenciário. São Paulo, Saraiva, 1975. v.2, p. 349-65.        [ Links ]

____________. Guarda (Externa) e Agente Prisionais. Brasília, Ministério da Justiça, 1978. 8p. [ Datilografado].        [ Links ]

São Paulo, Decreto n. 3706, de 29 de abril de 1924. Dá regulamento á lei n. 1761, de 27 de dezembro de 1920, que reorganiza a Penitenciaria, e, em parte, á lei n. 1406, de 26 de dezembro de 1913, que estabeleceu o regimen penitenciario no Estado de S. Paulo. Diario Official. São Paulo, 1930.        [ Links ]

 

Endereço para correspondência
E-mail: rosilopes.@uol.com.br

 

Notas

1 A pesquisa desses dados foi realizada na biblioteca da Faculdade de Direito da USP e ainda junto à biblioteca da Secretaria da Administração Penitenciária.

2 Esse Decreto foi a mais antiga compilação encontrada na pesquisa sobre as funções do guarda de presídio.

3 Estes dados foram informados pela Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo e referem-se ao mes de dezembro de 2000.

4 Este dado faz parte de minha dissertação de mestrado e foi colhido junto a um agente que atuava na Casa de Detenção.

5 CRHAP, Centro de Recursos Humanos da Administração Penitenciária, era na década de 80, a instituição responsável pela formação de agentes de segurança.

6 Tem sido frequente o atendimento de agentes por funcionários - em sua maioria psicólogos - que trabalham nas unidades prisionais. Embora muitos deles não estejam atendendo sentenciados ao mesmo tempo, eles não foram contratados para exercer tal função. Suas atividades, embora louváveis em termos dos objetivos, acabam por fragilizar ainda mais o precário serviço prestado aos sentenciados.

7 Orgão responsável pela elaboração de programas de saúde no âmbito do sistema penitenciário.

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