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Psicologia para América Latina

versão On-line ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  n.5 México fev. 2006

 

LA PSICOLOGÍA EN LA TRASFORMACIÓN EDUCATIVA

 

A utilização de referenciais teóricos na prática docente

 

 

Andrea RapoportI, II, *; João Alberto da SilvaIII, **

I Centro Universitário La Salle - UNILASALLE
II Faculdade de Taquara - FACCAT
III Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 

 


RESUMO

A teoria que sustenta a prática docente tem sido alvo de muitos estudos. A grande maioria das pesquisas procura investigar o referencial teórico subjacente ao trabalho do professor. No entanto, este trabalho procura ir mais além e investigar a real fundamentação dos profissionais da educação. Para isso foram entrevistados 34 professores, com o intuito de descobrir não só o referencial que dizem utilizar, mas a real aplicação prática da teoria que professam. Foi investigado, ainda, como os docentes realizam o processo de avaliação de seus alunos. As respostas foram tabuladas e analisadas através de Análise de Conteúdo. Os resultados obtidos indicam que os professores se valem de verdadeiros “jargões” para sustentar sua atuação, que quando investigada mais a fundo, demonstra basear-se no senso comum.

Palavras-chave: Formação de professores, Psicologia da educação, Epistemologia.


ABSTRACT

The theory that underpins teacher practice has been the target of many studies. Much of research aims at investigating the theoretical basis underlying a teacher´s work. However, this paper seeks to go further and investigate the actual foundations of education professionals. To do so, 34 teachers were interviewed, with the purpose of not only finding the basis they say they use, but also the actual practical application of the theory they profess. Also investigated was how teachers conduct the process of evaluation of their students. The answers were tabulated and analyzed through Content Analysis. The results indicate teachers resort to sheer “jargons” to support their performance, which, when further investigated, is shown to be based upon common sense.

Keywords: Teacher education, Psychology of education, Epistemology.


 

 

Introdução

Percebe-se que a formação de professores tem sido um dos temas que mais tem rendido discussão na área da educação, constituindo-se numa linha de pesquisa recorrente em diversos programas de pós-graduação. Inúmeros estudos têm surgido com o intuito de investigar a relação entre a prática pedagógica e a teoria que sustenta o trabalho docente (Becker, 1993; Perrenoud, 1999; Vasconcelos, 2003). Essa preocupação surge de algo que preocupa constantemente os profissionais da educação: a possível ocorrência de uma prática separada da teoria.

No entanto, apesar dessas constatações, a Psicologia da Educação para as licenciaturas é uma disciplina, muitas vezes, pouco valorizada pelos alunos. Aqueles das áreas exatas estão acostumados a aulas com muitas fórmulas, exercícios e resultados precisos, enquanto na psicologia devido à complexidade do comportamento humano os conhecimentos são relativos e complexos. Os alunos da educação física também realizam o curso sedentos pelas aulas práticas e freqüentemente pouco envolvidos nas teóricas. Já os alunos das disciplinas ligadas às humanas estão mais acostumados às leituras e à forma de trabalhar da disciplina.

Para Guimarães, Bzuneck e Sanches (2002) a motivação dos alunos para a disciplina de Psicologia da Educação é influenciada por algumas variáveis, como verificaram num estudo com 246 alunos de cursos de licenciaturas que cursaram ou estão cursando a disciplina. “As mulheres, os alunos mais velhos, aqueles que atuam no ensino ou que têm clara intenção de ser professores revelaram-se mais motivados” (p.16).

Aliado a essas questões, na docência a incessante situação da separação entre teoria e prática é oriunda de um trabalho docente justificado pelo senso comum ou pela intuição pessoal (Becker, 1993). Dessa forma, parece que os professores estão atrás de uma identidade que os caracterize, de um referencial teórico que os proteja de pedagogos, psicólogos e outros profissionais “opressores” que vivem a exigir uma fundamentação que sustente o processo de ensino que praticam (Arroyo, 2000). Nessa busca por uma identidade, por uma teoria que defenda o professor, acaba-se por fazer uma análise superficial dos pressupostos teóricos. Percebe-se que, freqüentemente, a escolha recai sobre uma teoria que, através de diversas deformações feitas pela incompreensão inconsciente do professor, acaba por justificar a sua prática intuitiva.

No entanto, Perrenoud diz que “A ‘revolução das competências’ só acontecerá se, durante sua formação profissional os futuros docentes experimentarem-na pessoalmente” (1999, p. 82). Essa afirmação nos remete a um profundo questionamento sobre o processo de formação de professores. Particularmente, a este trabalho, o interesse maior é especificamente sobre as contribuições que a Psicologia da Educação, como disciplina recorrente na ampla maioria das licenciaturas, pode proporcionar para superar essa dicotomia entre a prática e a teoria. Assim, o conhecimento das teorias, que normalmente são abordadas na disciplina, torna-se um pré-requisito essencial para que o processo de ensino dos professores esteja condizente com a teoria de aprendizagem que dizem/desejam professar.

Ao seguir uma fundamentação baseada na intuição e/ou no senso comum o professor acaba por retirar o caráter formador da escola. Becker (1993), em sua pesquisa sobre a epistemologia do professor, afirma que o docente que não possui fortemente uma teoria que subjaza sua prática, acabando por se deixar levar pelo senso comum e executando um ensino basicamente empirista e/ou apriorista, baseado na repetição e em receitas mágicas que dizem levar a aprendizagem.

Quando a intuição se torna a principal ferramenta de trabalho, o ensino perde sua função de incrementar a aprendizagem acabando por gerar uma reprodução da informação. A isso Demo acrescenta:

A aula que apenas repassa conhecimento, ou a escola que somente se define como socializadora de conhecimento, não sai do ponto de partida, e, na prática, atrapalha o aluno, porque o deixa como objeto de ensino e instrução. Vira treinamento. É equivoco fantástico imaginar que o “contato pedagógico” se estabeleça em um ambiente de repasse e cópia, ou na relação aviltada de um sujeito copiado (professor, no fundo também objeto, se apenas ensina a copiar) diante de um objeto apenas receptivo (aluno), condenado a escutar aulas, tomar notas, decorar e fazer prova. A aula copiada não constrói nada de distintivo, e por isso não educa mais do que a fofoca, a conversa fiada dos vizinhos, o bate-papo numa festa animada (2000, p. 15).

Percebe-se que a modificação desse panorama está intimamente ligada à formação do professor e a sua competência. Segundo Perrenoud (1999, p.7) competência é “uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles” ipso facto é tão relevante o aprofundamento teórico do professor, pois se é competente aquele que age eficazmente em uma situação, o será na mesma proporção em que tiver domínio do conhecimento que apóia essa ação. Dessa maneira, infere-se que uma mudança desse paradigma que desagrega a teoria da prática está diretamente ligada aos processos de ensino dos próprios professores. Mas o que podem fazer os cursos de formação de professores para promover uma ruptura nesse círculo vicioso de prática desprovida de teoria? A resposta está nas idéias de Freire (1996) quando ensina que o professor deve ser um homem de sonhos, caso o sistema não modifique a educação, então, a educação deve modificar o sistema, em um caminho de pequenas mudanças e passos, mas um caminhar que mantém o professor vivo, pois a verdadeira morte está na inércia.

Nesse sentido, vê-se que:

A alma de qualquer instituição de ensino é o professor. Por mais que se invista na equipagem das escolas, em laboratórios, bibliotecas, anfiteatros, quadras esportivas, piscinas, campos de futebol – sem negar a importância de todo esse instrumental - , tudo isso não se configura mais do que aspectos materiais se comparados ao papel e à importância do professor (Chalita, 2001, p. 163).

 

Descrição do estudo

Diante de tal cenário, lecionando Psicologia da Educação para alunos do primeiro semestre de várias licenciaturas, a idéia de motivá-los através do contato com profissionais que já atuam na docência levou a professora responsável pela disciplina a solicitar uma entrevista com professores, que eram semi-estruturadas com questões abertas e fechadas. Após a realização das mesmas, foram realizadas as apresentações em sala de aula e debate, com posterior entrega do material escrito, que é analisado neste estudo. As apresentações destas revelaram, ao contrário do que era esperado, um despreparo teórico dos docentes entrevistados e respostas inusitadas, inclusive dificuldade de interpretar as próprias questões. Muitas vezes, apesar de não identificarem o uso de um referencial teórico observou-se nos relatos palavras e conceitos que remetem a teorias amplamente conhecidas, principalmente oriundas do construtivismo. Tais achados levaram a buscar-se uma relação na fala dos docentes entre o referencial teórico que dizem utilizar e a sua prática pedagógica cotidiana. Além disso, procurou-se relacionar esses achados às áreas de atuação dos docentes. Como esse estudo tem caráter exploratório, utilizando uma análise parcial da amostra, os dados quantitativos servem apenas como indicadores que sugerem tendências a serem aprofundadas em estudos posteriores.

A partir destas questões, o presente trabalho sistematiza as respostas coletadas pelos alunos, com o intuito de reforçar a necessidade de se aumentar o envolvimento destes com a disciplina. Além disso, futuramente, na sua prática docente, poderão deixar de agir baseados na intuição e no senso comum e passar a planejar suas atividades baseados nas teorias disponíveis para sustentar e nortear o trabalho docente.

O estudo teve como objetivo geral verificar a coerência entre a fala e a utilização de referenciais teóricos da psicologia e da pedagogia na prática docente. De forma específica, buscou descrever o perfil dos professores entrevistados, identificar os referenciais teóricos mencionados e relacionar o conteúdo das falas dos professores com a sua menção da utilização ou não de referencias teóricos da psicologia e da pedagogia para sustentar a prática pedagógica. Tinha-se, como hipóteses, que os professores têm uma prática pedagógica diferente da teoria que dizem utilizar como referencial e que os referenciais teóricos da Psicologia da Educação são utilizados como “jargões” para sustentar práticas baseadas no senso comum.

 

Apresentação e discusão dos dados

O presente estudo apresenta uma análise parcial destas entrevistas, realizada através de Análise de Conteúdo (Bardin, 1977) qualitativa e quantitativa. Participaram do estudo 34 professores, com idades entre 22 e 50 anos (M= 37,1; dp=6,43), que iniciaram a atividade docente entre 1975 e 2002 (M=1993; dp=7,43) e lecionam entre 20 e 52 horas (M=36; dp=9,13). Todos estão atuando na docência e foram selecionados pelos alunos da disciplina de Psicologia da Educação em instituições de ensino públicas (62%), particulares (15%) ou em ambas (23%). Destes, 76% são do sexo feminino e 23% do masculino. A escolaridade predominante foi superior (71%). Os professores atuam principalmente no ensino fundamental (47%) e fundamental e médio (32%). Os professores são graduados ou estão graduando-se em 11 diferentes licenciaturas, como pode ser visto na Tabela 1.

De forma geral, quanto à resposta Negativa ou indefinição de um referencial, as respostas incluíram não (65%), vários (18%) e livros didáticos (18%). Esta última resposta foi surpreendente, revelando provavelmente uma incompreensão da questão e também uma forte preocupação conteudista. As respostas quanto à definição de um referencial envolveram a utilização de múltiplos referenciais (23%) ou de apenas um referencial (76%).

Já na Tabela 2, considerando a totalidade dos professores que definiram um referencial, as repostas revelaram um predomínio de Piaget (43,47%) em relação aos demais teóricos citados.

Para refinar esta análise as respostas foram relacionadas aos cursos de graduação dos professores, como é apresentado na Tabela 3. Destacou-se na Pedagogia Piaget (30%) e Emília Ferreiro (20%). As demais licenciaturas foram divididas em Humanas e Exatas. Na Educação Física metade não utiliza nenhum referencial teórico e alguns (33%) Piaget. No caso da História, metade utiliza livros didáticos e metade Paulo Freire. No curso de Letras, as respostas que representam uma indefinição ou negativa tiveram percentual de 50%, destacando-se os demais com Piaget e Paulo Freire, com 25%. Em Geografia metade respondeu não e metade livros didáticos. Em Filosofia o único entrevistado respondeu Paulo Freire e em Estudos Sociais o entrevistado respondeu Perrenoud e Paulo Freire. No caso das graduações na área de exatas, em Química as respostas variaram entre não, Vygotsky e livros didáticos, com 33% cada um, mas indicando 67% de negativa/indefinição, na Física as respostas foram metade não e metade Piaget, nas Ciências Biológicas a maioria respondeu não (43%) ou vários indefinido (14%), representando um total de 67% de negativa/indefinição, na Matemática o percentual foi de 33% (Vários, Piaget e Paulo Freire).

Em relação aos percentuais apresentados na tabela anterior, pode-se constatar em relação às respostas negativas e de indefinição de um referencial teórico que não existe uma diferença significativa entre as áreas humanas (55%) e exatas (57%). Este resultado surge de uma maneira inesperada, pois se acreditava que os cursos na área de ciências humanas se propusessem a fornecer um embasamento teórico mais aprofundado do que os cursos de ciências exatas quanto aos referenciais pedagógicos e psicológicos utilizados.

Por fim, buscou-se identificar nas categorias citadas como os professores justificavam a sua opção teórica ou a não utilização de um referencial na prática pedagógica. Dentre aqueles que dizem não seguir um referencial, apareceram como categorias de respostas a intuição, a prática, as experiências anteriores, a diversidade para manter a aula agradável, os conhecimentos prévios dos alunos e a ancoragem. Outros, provavelmente por não saberem responder, dizem apenas vários e justificam com falas que indicam o uso da intuição, dos conhecimentos prévios, da prática e da diversidade para manter a aula agradável e surgindo como novas categorias a realidade particular de cada educando e a falta de opção.

Um dado emergente na pesquisa é a identificação de uma parcela considerável de participantes que não utiliza um referencial teórico definido, mas aponta seguir como padrão o livro didático. Para esses participantes, a justificativa de sua opção se enquadra nas categorias de: atualidade, contextualização, criticidade, diversidade e quantidade de informações, auxiliar da aprendizagem e cumprimento dos conteúdos. Esses participantes são levados pela intuição e/ou senso comum, como exemplificado pelo entrevistado que diz “quanto mais informação puder levar ao aluno, maior o conhecimento e amplia os horizontes”; ou ainda “o que funciona é a prática e o improviso”. Isto sugere um despreparo teórico acerca dos processos de ensino e de aprendizagem e/ou a não compreensão do que estava sendo questionado.

Dentre aqueles que justificam a escolha de um referencial, alguns responderam seguir múltiplos referenciais teóricos, evidenciando os autores que utilizam. Surgem como justificativa para essa escolha a intuição, a obrigatoriedade e o desenvolvimento dos alunos. Novamente aparece a intuição, mas acrescida da obrigação, devido às exigências institucionais, como é exemplificado pelo entrevistado “porque vem ao encontro do que penso sobre educação, conhecimento e, principalmente, minha prática onde procuro proporcionar um ambiente desafiador”; ou ainda “são os teóricos escolhidos pela Instituição onde trabalho. Na verdade, identifico-me com a teoria de Vygotsky”. Esse discursso recorrente entre esses entrevistados indica que a escolha por múltiplos referenciais representa, por vezes, um embasamento teórico fraco e superficial, pois suas escolhas intencionais são justificadas por forças externas como o poder institucional ou por sua opinião puramente pessoal, sem argumentação científica.

Quanto aos que dizem utilizar um referencial, os que escolhem Piaget apresentam como justificativas a construção do conhecimento, o desenvolvimento gradual, a interação social e escolhas pessoais. Para Emília Ferreiro, a opção é justificada pela realidade do educando e o construtivismo. Quanto a Vygotsky, foram mencionadas a visão deste em relação ao ensino e a causa social, que são respostas vagas e pouco fundamentadas. E, por fim, para Paulo Freire foram mencionados a função social e libertária, as faixas etárias, o cotidiano dos alunos e a história pessoal. Assim, o conteúdo das falas dos participantes revela que uma ampla maioria diz usar um referencial sem ter um conhecimento teórico concreto da própria teoria. Um dos entrevistados justifica a escolha por Paulo Freire dizendo “por considerar todas as faixas etárias”, ou ainda, outro disse escolher Piaget “por que considero o conhecimento através de um amadurecimento do aluno”. Essas falas explicitam, de uma forma contundente, que seus interlocutores desconhecem a teoria que dizem professar. Além disso, ainda dentre os participantes que dizem seguir um referencial, surgem, novamente, justificativas embasadas no senso comum e na intuição, como o motivo pela opção do referencial piagetiano “por sempre sonhar com a escola ideal” ou, então, “porque trabalho com todas as faixas etárias, por isso me identifiquei”.

 

A avaliação do ponto de vista dos entrevistados

Além do referencial teórico utilizado pelos professores também foi investigado como eles faziam a avaliação dos seus alunos. As respostas revelaram as seguintes categorias de respostas: centrada no professor, auto-avaliação, com fim de mensuração, avaliação do aluno como um todo, estímulo e identificação de habilidades, variada, diagnóstico, exclusivamente provas, realizada por obrigação, impressões do professor e postura do aluno.

Como pode ser visto, na categoria centrada no professor os entrevistados falam que a avaliação é um “instrumento de retorno do próprio trabalho”, explicitando uma postura na qual a avaliação é considerada como uma medida do próprio desempenho do professor. Na categoria obrigação, a fala do graduado em letras diz que se trata de “um mal necessário, não tem como passá-lo sem avaliá-lo como um todo”. Já a categoria avaliação do aluno como um todo revela elementos interessantes que são considerados na avaliação. Isso pode ser evidenciado pela fala da licenciada em geografia que diz avaliar o aluno “como um todo, comportamento e aprendizagem”.

Respostas surpreendentes surgem na categoria exclusivamente provas. A licenciada em química explicita seu conceito de avaliação ao dizer “saberei o quanto aluno aprendeu a matéria e se sabe transmitir para uma prova. Utilizo a prova durante o processo de ensino e aprendizagem, com testes individuais e sem consulta, pontualmente com data e hora marcada”. A pedagoga justifica o uso de provas porque “a prova obriga os alunos a estudar ou pelo menos ler o material que é dado”.

Por outro lado, embora também surpreendente, aparecem respostas que indicam uma avaliação desprovida de relação com os conteúdos ensinados ou com o conhecimento do aluno. Uma categoria de respostas pode ser definida como as impressões do professor e a postura do aluno. Neste grupo ocorrem falas como a licenciada em educação física, que diz executar uma avaliação “qualitativa, interesse, participação e assiduidade, [...] o comportamento do aluno e enquanto pessoa”. Nessa mesma categoria é possível de se identificar critérios utilizados pelos professores que remontam a atitudes de preconceito, de distinção por classes sociais. Isso pode ser visto na fala da entrevistada que diz “o mais importante é saber avaliar o aluno, conhecê-lo, obter informações do seu padrão de vida, das suas dificuldades, dos seus receios”.

Resumindo, é possível se ter um panorama através da tabela abaixo:

Outras categorias, tais como as que falam de avaliação variada, auto-avaliação e estímulo e identificação de habilidades apresentam respostas vazias de significados. Os entrevistados respondem de forma casual, sem qualquer reflexão ou conteúdo em suas respostas. A licenciada em Química responde sobre avaliação dizendo que “posso ter várias, formais e não formais”.

Já outro grupo de professores identifica sua avaliação como processo de diagnóstico da aprendizagem. Nos últimos tempos a pesquisa em educação tem revelado a avaliação como um processo no qual o professor e o aluno podem se valer dos resultados para qualificar o seu trabalho (Hoffmann, 2000), o que se encaixa profundamente nessa situação de avaliação como diagnóstico. A fala de um licenciado em educação física diz que “é um processo contínuo, um diagnostico do desempenho do aluno e também do trabalho do professor”

Comparando a formação dos professores com suas respostas, obtemos a seguinte tabela:

Através da tabela podemos ver o estabelecimento de alguns padrões tais como a tendência do grupo de professores com formação nas áreas de história, geografia e estudos sociais para uma avaliação baseada em provas e com fins de mensuração. Outra tendência, nesse mesmo sentido, é a da área de química e física, cujos professore têm sua avaliação orientada para provas, mensuração ou, por outro lado, esvaziada de importância, baseada em impressões do aluno ou em formas variadas. Os formados em letras e educação física também seguem essa tendência. Os licenciados em Pedagogia surgem como os professores que dão mais importância para uma avaliação como diagnóstico. Este é o único grupo que cita a possibilidade de auto-avaliação. As áreas de matemática e ciências biológicas não apresentam uma tendência específica quanto à forma de avaliação.

 

Considerações finais

Dessa maneira, os dados nos indicam que os professores, deste estudo, em grande parte, executam uma prática descontextualizada de uma teoria, guiando-se pelo senso comum e a intuição. Aqueles que dizem utilizar um referencial teórico têm seu discurso caído por terra quando necessitam justificar suas escolhas, pois essas ou são alicerçadas em características que não correspondem com as teorias ou são meramente intuitivas. Essa expressiva parcela de participantes que apresenta uma incoerência entre o dizer/justificar permite concluir que existe um uso indiscriminado do nome de autores mais conhecidos, transformando teorias de maior repercussão em puros “jargões” do meio docente, corroborando as hipóteses iniciais deste estudo.

Estudos recentes, principalmente na área da alfabetização (Capovilla 2004; Capovilla & Capovilla, 2003) indicam um fracasso do construtivismo na escola. Particularmente o método psicogenético é amplamente atacado, em defesa de um método fônico. Segundo Capovilla (2004), a orientação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, originada no construtivismo, é altamente questionada, pois essa tendência tem renegado o ensino brasileiro ao insucesso.

No entanto, a partir dos resultados obtidos, parece coerente questionar se o problema está realmente no construtivismo ou na formação dos professores, pois há uma grande possibilidade de que estes digam que seguem o construtivismo sem realmente terem se apropriado da teoria. Esse uso de jargões por parte dos professores pode ser capaz de falsear os dados de uma pesquisa, uma vez de que sua fala é bastante divergente da realidade com a qual vivem.

 

Referências

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* Psicóloga, Doutora em Psicologia do Desenvolvimento- UFRGS, docente da Unilasalle e da Faccat, nos cursos de Pedagogia e Psicologia. Professora da disciplina de Psicologia da Educação na qual foi realizado o presente estudo.
** Pedagogo, mestrando em Educação- UFRGS.

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