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Psicologia para América Latina

On-line version ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  no.5 México Feb. 2006

 

ALTERACIONES PSICOLÓGICAS Y PROPUESTAS PSICOTERAPEUTAS

 

Além dos muros e dentro da tela: o discurso psi, a mídia e o cotidiano

 

 

Patrícia Regina da Matta Silva; Carolina de Carvalho Barros; Joyce Mendes Ferreira; Maria Claudia Fonseca Lima

Universidade Estácio de Sá (Brasil)

 

 


RESUMO

Desde 1980, verifica-se um movimento de “abertura dos muros” na psiquiatria brasileira, caracterizado pela crítica ao modelo de tratamento “intramuros” e pela ênfase às estratégias de atendimento “extramuros” aos hospitais psiquiátricos. Todavia, neste mesmo período histórico, verifica-se a emergência de um outro movimento: uma “psicopatologia” caracterizada pela produção de detalhamentos classificatórios que circulam para além dos “muros” acadêmico-profissionais e clínico-hospitalares, e passam a circular em espaços do cotidiano, como na mídia. O objetivo deste trabalho é apresentar um estudo sobre o “discurso psi” na mídia televisiva, destacando o modo como categorias psicopatológicas surgiam no cotidiano deste suporte de comunicação. Foram utilizados a metodologia da análise do discurso e o recurso da técnica documental. Com este trabalho, foi possível analisar como o discurso “psi” atravessa (e transita entre) os “muros” clínico-hospitalares e acadêmico-profissionais, bem como passa a circular na tela da televisão, inscrevendo e produzindo uma perspectiva psicopatológica do sofrimento humano no universo cotidiano.

Palavras-chave: Mídia, Psicopatologia, Saúde/doença Mental.


ABSTRACT

Since 1980, there has existed a movement in Brazilian psychiatry to "open the walls." This movement is characterized by its criticism of the in-patient model of treatment in psychiatric hospitals and by the emphasis on strageies for out-patient treatment. Further, in the same period of time another movement emerged, that of psychopathology, which is characterized by the creation of a technical jargon that has circulated beyond the walls of academic and medical/psychiatric institutions. This same jargon also circulates in daily discourse among non-professionals, such as in the media. The objective of this work is to present a study of "psi discourse" in television, emphasizing the ways that psychopathological categories appear in daily discourse as a result of their use in television. The study was done using the methodology of analysis of discourse and documentary techniques. With this work it was possible to analyse how "psi discourse" crosses the walls of academic and psychiatric institutions (as well as moving between the two) and appears on the television screen, informing daily human experience with a psychopathological perspective.

Keywords: Media, Psychopathology, Mental health/illness.


RESUMEN

Desde 1980, existe un movimiento en la siquiátrica brasileña para "abrir las murallas". Dicho movimiento se caracteriza por la crítica del modelo de tratamiento interno a los hospitales siquiátricos y por el énfasis en las estratagías de tratamiento externo. En esta misma época surgió otro movimiento, la sicopatología, la cual se caracteriza por la creación de una jerga técnica que circula más allá de las murallas académicas y médicas y acaba circulando en espacios cotidianos tales como los medios de comunicación. El objetivo de este trabajo es presentar un estudio sobre el "discurso psi" en la televisión, destacando cómo las categorías sicopatológicas entran en lo cotidiano por medio de la televisión. Se utilazaron la metodología de análisis del discurso y la técnica documental. Con este trabajo fue posible analisaar cómo el "discurso psi" atravesa las murallas académicas y médicas (y también transita entre las dos instituciones) y cómo llega a circular en la pantalla chiquita de la televisión para producir una perspectiva sicopatológica del sufrimiento humano en el universo cotidiano.

Palabras clave: Los medios (de comunicación); Sicopatología; Salud/enfermedad Siquiátrica.


 

 

1. Introdução: os muros e a tela

Este trabalho surgiu de um questionamento coletivo - entre professora e alunas - a partir da disciplina de Psicopatologia do Curso de Psicologia da Universidade Estácio de Sá. Nas discussões em sala de aula, a articulação do conteúdo da disciplina ao contexto extramuros da Universidade surgia associada, muitas vezes, a personagens-tipo da mídia televisiva, cinematográfica, etc. que poderiam ser incluídos nos critérios classificatórios das psicopatologias previstas nos códigos, destinados a definir os transtornos psíquicos graves na atualidade. Surgiam também relatos – nas aulas - sobre entrevistas fornecidas por profissionais “psi” (psiquiatra, psicólogo, psicanalista) em programas de televisão ou na mídia impressa que falavam de determinadas psicopatologias (consolidadas e/ou emergentes), suas causas, tratamentos, etc.

Por exemplo, o ator Russell Crowe, que interpretou John Forbes Nash Jr., em Mentes Brilhantes (A Beautiful Mind)1 virou “caso” típico de esquizofrenia e, para muitos, era a própria imagem da esquizofrenia. Anthony Hopkins, que interpretou o personagem Hannibal Lecter em o Silêncio dos Inocentes (The Silence of the Lambs)2, virou caso típico de psicopatia, ou nos termos do DSM-IV, transtorno de personalidade anti-social. Jack Nicholson, como Melvin Udall de Melhor impossível (As Good As It Gets)3, estrelou a sintomatologia “obsessivo-compulsiva” e passou a carregar a marca/imagem deste tipo de comportamento. E assim por diante.

Alguns outros são personagens midiáticos mais temporários, entre o auge de uma novela e outra, alguns se destacavam. Enquanto observávamos uma delirante ciumenta na novela das 20h; na novela das 19h, um personagem surgia com transtorno dissociativo de identidade (ou as “múltiplas personalidades”); e, na novela das 18h, uma menina adolescente apresentava alterações alimentares. E, por fim, outras vezes, um aluno dizia: “professora, o Dr. fulano disse no programa de televisão que o transtorno x é genético e o problema vem dos neurotransmissores”. Enfim, programas de gêneros discursivos diversos (filmes, séries, novelas, talks shows, telejornal, etc.) que saiam da cena da tela para a cena de ensino, com referências à psicopatologia.

A partir de tais discussões e de um processo de observação não sistemática do universo midiático, verificava-se, então, a presença explícita ou implícita de várias categorias psicopatológicas (tal como constam nos manuais classificatórios) associadas aos personagens de telenovelas, filmes, desenhos animados que adoeciam e apresentavam sintomatologias de portadores de um ou outro transtorno mental; e, profissionais “psi” apareciam fornecendo seus pareceres em entrevistas nos telejornais e em revistas eletrônicas semanais.

Esta articulação inicial entre psicopatologia e mídia – que partiu do contexto de ensino – fundamentou, então, o interesse em realizar um estudo sistemático e uma pesquisa empírica sobre o tema cujo percurso será exposto a seguir.

 

1.1. Desmoronaram-se os muros...

Desde 1980, verifica-se um movimento de “abertura dos muros” na psiquiatria brasileira, caracterizado pela crítica ao modelo de tratamento “intramuros” e, justamente, pela ênfase às estratégias de atendimento “extramuros” aos hospitais psiquiátricos. Este movimento da Reforma Psiquiátrica brasileira é, também, caracterizado pela crítica, de modo mais ou menos acentuado, ao próprio paradigma manicomial como fundamento da concepção sobre a loucura e o adoecimento psíquico (FERNANDES, 1999).

Todavia, pode-se afirmar que este movimento de "abertura" carrega a marca do modo heterogêneo de como ocorrem as transformações históricas. Por exemplo, a implantação dos serviços substitutivos (ambulatórios, CPAS/NAPS, hospitais-dia, etc.) conviveu e convive com as práticas associadas ao paradigma manicomial que o antecedeu historicamente. E, ainda, nesta convivência, muitas vezes, observa-se a extensão do paradigma manicomial intramuros às práticas inseridas na rede de atendimento comunitária extramuros (Vechi, 2002, Silva, 2000).

Assim, se a "abertura dos muros" significou avanços nas práticas de saúde mental, representou também novos desafios a enfrentar, desde a dimensão das políticas e práticas de atendimento até às questões conceituais que as sustentam.

O cenário de que trata este artigo é justamente o estudo do tema da saúde mental no trânsito - e convivência - entre uma sociedade disciplinar (Foucault, 1977) e uma sociedade de controle (Deleuze, 1992; Negri e Hardt, 2001). Remetemo-nos o Deleuze (1992), quando ele fala desse “trânsito”:

Encontramo-nos numa crise generalizada de todos os meios de confinamento: prisão, hospital, fábrica, escola, família. A família é um "interior", em crise como qualquer outro interior, escolar, profissional, etc. (...) Não se deve perguntar qual o regime mais duro, ou mais tolerável, pois é em cada um deles que se enfrentam as liberações e as sujeições. Por exemplo, na crise do hospital como meio de confinamento, a setorização, os hospitais dias e o atendimento em domicílio puderam marcar de início novas liberdades, mas também passaram a integrar mecanismos de controle que rivalizam com os mais duros confinamentos. Não cabe temer ou esperar, mas buscar novas armas. (p.219-220)

Se o manicômio deixou de demarcar exclusivamente o universo da loucura/doença mental, outras práticas institucionais passaram a exercer tais delimitações. Criaram-se novas alternativas de tratamento e, também, de regulações, coerções, controles, como já foi demonstrado por Albuquerque (1978); e, como será demonstrado a seguir, justamente quando surge o movimento da “psicopatologia dos códigos”.

 

1.2. A abertura dos muros conceituais... e as novas regulações.

Nas últimas décadas do século XX, no período histórico do movimento da “abertura dos muros”, o saber e a prática da psicopatologia toma uma direção caracterizada pela produção de detalhamentos classificatórios propostos pela publicação sucessiva dos manuais diagnósticos internacionais, elaborados pela Associação Americana de Psiquiatria, mais utilizados nos Estados Unidos, como a terceira (1980) e a quarta (1994) edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - o DSM-III e, posteriormente, o DSM-IV; e pela Organização Mundial de Saúde, mais utilizados na Europa, que lança o capítulo especial sobre os transtornos mentais na sua décima edição do Código Internacional de Doenças, o CID-10 (1993).

Dentre os objetivos de tais codificações, destaca-se a tentativa de alcançar uma universalidade e uma posição ateórica, como estratégia de combater a diversidade teórico-metodológica que caracteriza a área de estudo e intervenção da psicopatologia. Tal proposição objetivava, por fim, a formulação de códigos universais sobre o adoecimento psíquico.

Sonenreich (2004) analisa esta tendência e apresenta sua perspectiva crítica quando trata da impossibilidade tanto da pretensão de universalidade como da assunção de uma posição ateórica:

A própria obrigação de um diagnóstico unanimemente aceito é discutida. A idéia de uma postura ateórica foi negada, considerada ela mesma um posicionamento teórico (...). O termo “doença” foi substituído por “transtornos”, até que sejam identificadas etiologias, patogênicas características. Os “transtornos” delimitados como categorias diagnósticas são mais numerosos do que em qualquer sistema de classificação proposto antes de 1980. Porém, muitos sustentam e procuram demonstrar com pesquisas empíricas, que em vários casos seria mais correto de falar de diferenças de grau e não de categorias de continuum e eventuais subtipos do que de entidades distintas. As classificações adotadas pela OMS e APA não serviram para alcançar os objetivos para os quais foram criadas. Entre os códigos OMS e APA existem diferenças.

Como mostra Sonenreich, a tentativa de universalidade é frustrada pela simples existência de dois códigos “oficiais” e distintos (os DSMs e os CIDs).

Mas, se a busca da universalidade não provocou o efeito pretendido, produziu outros tais como a multiplicação da criação de categorias diagnósticas e uma tendência à universalização do objeto de estudo e intervenção da psicopatologia.

O objeto da psicopatologia dos códigos não contempla somente a doença mental, mas sim, estende-se aos transtornos, concebidos como um conjunto constante de sinais e sintomas, sem etiologia ou tratamento padrão determinado. Os transtornos não são doenças, mas ainda são focos de atenção e objeto da psicopatologia.

Dessa forma, amplia-se a perspectiva psicopatológica que passa a abarcar uma diversidade de condutas humanas nos critérios de inclusão nas categorias psicopatológicas que historicamente não estavam previstas nas definições de doença mental.

Nota-se, portanto, que no mesmo período histórico em que surgiu o movimento da “abertura dos muros” nas políticas de atendimento à saúde mental, assistimos a produção/emergência de um outro movimento: de uma “psicopatologia dos códigos” como um outro modo de regulação entre doença/transtorno mental.

 

1.3. Os muros caem e entramos na tela...

A produção extensiva de tais categorizações psicopatológicas não se restringe aos espaços acadêmico-profissionais e clínico-hospitalares, o "discurso psi" estende-se a outros espaços do cotidiano como, por exemplo, na mídia - concebida aqui como um suporte de comunicação e de sociabilidade.

Em um contexto de transformações (históricas) das práticas institucionais – da sociedade disciplinar e da sociedade de controle (Deleuze, 1992) - as chamadas novas tecnologias de comunicação e informação criam condições de circulação intensiva de informação, de produção de fatos, de marcação do tempo, do cotidiano, e, enfim, dos modos de sociabilidade (Machado, 2003), bem como suscitando desejos e necessidades que assinalam a produção da subjetividade na cultura contemporânea (Kehl, 2004).

A partir de tais observações, podemos afirmar que se os problemas de doença mental foram tratados historicamente como uma loucura fora de si - compreendida como uma situação de ruptura do juízo de realidade convencional, a partir da concepção de “desrazão” do “doente mental” - e na modernidade passa a ser isolada dos meios de sociabilidade e regulada pelos manicômios e pela disciplina dos saberes e práticas médico-terapêuticas (Foucault, 2000, 2001); em tempos de “abertura dos muros”, vemos instituir-se uma loucura do dentro de si (Birman, 2001) que é regulada pela formulação dos códigos classificatórios a partir dos transtornos psíquicos no e do cotidiano que, por sua vez, são veiculados pelos meios de comunicação e de sociabilidade.

Tais observações pontuais possibilitaram, assim, a formulação da suposição de que a presença das codificações psicopatológicas no cotidiano da mídia mostrava-se como um dos modos de regulação das práticas institucionais (dispersivas) acerca da saúde/doença mental na atualidade.

 

2. A pesquisa na tela ...

2.1. Contexto da pesquisa

O objetivo desta pesquisa foi realizar um estudo sobre o "discurso psi" na mídia televisiva, destacando o modo como as psicopatalogias surgiam neste suporte de comunicação. Foi utilizada a metodologia de pesquisa qualitativa a partir da análise do discurso, com o recurso da técnica documental (Maingueneau, 2001; Guirado, 1994).

A rede de televisão escolhida para a pesquisa foi a Rede Globo pela sua hegemonia e importância na formação de opiniões, necessidades e desejos no contexto brasileiro, constituindo-se já como um padrão global no cenário nacional – e também internacional pela venda de seus produtos.

A programação diária da emissora foi gravada em vídeo (07h à 01h, totalizando 18h por dia), por 07 dias na semana, totalizando 126 h de registro.

Em um primeiro trabalho de análise deste material foi feito uma edição/recorte, destacando-se:

(1)as cenas em que um profissional Psi (psiquiatra, psicólogo, psicanalista) e um tema sobre o adoecimento psíquico surgia na pauta de gêneros discursivos associados à informação e entretenimento: os telejornais, revistas eletrônicas semanais, talks shows, programas de auditório e programas de entrevistas.

(2)as cenas marcadas pela presença dos profissionais “psi” e/ou das “psicopatologias” nos gêneros discursivos de novelas, filmes e séries, quando surgiam explícita ou implicitamente associados a uma explicação psicopatológica sobre o comportamento de seus personagens: nomeada ou referida como doença/transtorno a partir dos termos técnico-científicos, ou somente caracterizada de acordo com os critérios psicopatológicos sem que o discurso "médico-psicológico" se destacasse nas cenas, embora estivesse presente no discurso.

O conjunto desses recortes resultou em 2h30m de registro e constituiu o material de pesquisa que foi analisado de modo mais detalhado.

Neste segundo momento, as cenas discursivas foram agrupadas segundo as semelhanças com os critérios diagnósticos de um dos manuais de classificação em psicopatologia, o DSM-IV da Associação Americana de Psiquiatria, utilizado com freqüência no contexto acadêmico brasileiro; e, pelas diferenças no modo como o discurso “psi” surgia nas cenas.

Neste artigo, serão destacadas somente as cenas que foram consideradas mais significativas para elucidação das reflexões propostas.

2.2. A psicopatologia na cena da tela...

2.2.1. O muro na tela: esquizofrenia e outros transtornos psicóticos

Em um gênero discursivo de telejornal, no período matinal (7h), um profissional “psi” e um usuário de um serviço de saúde mental são entrevistados na reportagem de comemoração dos 100 anos do nascimento de Nise da Silveira:

Psi: Ela como uma pessoa libertária, não aceitava essa violência contra o doente. Nise acreditava que o afeto era importante no processo de recuperação dos pacientes.E mais, apostou em terapias que estimulavam outras formas de expressão que não as palavras. Criou oficinas de artes plásticas no hospital em que trabalhava no Rio de Janeiro e usava as imagens para entender melhor os conflitos dos doentes.

*

Narrador: Como os desenhos de Raphael Domingues nascido em 1913 e vítima dos sintomas da esquizofrenia desde os 15 anos de idade, as obras dele fazem parte do Museu de Imagens do Inconsciente, fundado por Nise da Silveira em [19]52 e que hoje tem um acervo de mais de 300 mil peças. Fernando Diniz, um baiano de família pobre, pintava mandalas em meio a crises de esquizofrenia.

*

Usuário: Me sinto bem, muito bem e muito aliviado. É como se eu colocasse todas as minhas culpas, todos os meus medos, minhas prisões, meus demônios...

*

Narrador: Intrigada com as figuras, Nise procurou um dos papas da Psicanálise (...) Carl Jung disse a ela que os círculos seriam mensagens do inconsciente do paciente tentando mostrar unidade em meio à loucura.

Nos intervalos, repetidas chamadas sobre a data comemorativa:

Chamada: Nise da Silveira, 100 anos de Loucura pela vida. Por dentro e por fora. A vida é mais bela quando se enxerga o que tem dentro de cada um. Homenagem ao centenário da Dra. Nise da Silveira.

Em outro momento, um apresentador de programa de auditório, inicia seu programa com uma chamada pela “loucura”:

Apresentador: Loucura, loucura, loucura....

Convidada: Loucura, loucura, loucura....

A partir dos recortes das cenas apresentadas, pode-se afirmar que a esquizofrenia/loucura aparece na tela referida “para dentro dos muros” na homenagem ao (indiscutível) trabalho que Nise da Silveira realizou, dentro dos muros, em sua época (década de 1940). Mas, por outro lado, a loucura também aparece difusa, evocada em apresentações e saudações, dispersas e exaltadas para fora dos muros.

2.2.2. As regulações do corpo: transtornos somatoformes e alimentares

Uma “questão” e um profissional Psi mencionado em um telejornal no horário vespertino:

Narrador sobre profissional Psi: Uma pesquisa feita em 10 países com mais de 3 mil mulheres, mostra que apenas 2% das mulheres estão satisfeitas com sua beleza. Será entrevistada a Coordenadora da Pesquisa, uma psicanalista que ficou famosa por ter cuidado da bulimia da princesa Diana.

Nesta cena é possível destacar referências aos transtornos somatoformes e alimentares. Quando se afirma a baixa satisfação estética feminina, o que poderia ser uma “questão/problema”, é também uma característica de um dos transtornos somatorformes descritos no DSM-IV: o transtorno dismórfico corporal cuja sintomatologia central é a crença insistente em uma (auto)imagem defeituosa, defeito este proveniente do sentimento de imposição a um padrão (estético) tomado como verdade/modelo.

Os transtornos alimentares surgem somente como referência à “fama” da coordenadora da pesquisa (“ficou famosa”) que cuidou da “bulimia” da princesa Diana. Afirma-se o reconhecimento (fama) de uma profissional Psi (psicanalista) pelo serviço prestado a uma personagem/caso da psicopatologia midiática: a princesa Diana e seus transtornos alimentares bulímicos.

Dos transtornos somatoformes e alimentares descritos destacam-se como a desmedida das regulações que marcam a ortopedia estético-social4 na atualidade. Inclusive, a divulgação do acometimento de tal transtorno por parte de uma personagem – a Princesa Diana - que, entre outros fatores, tem seu reconhecimento público marcado justamente pela adequação ao padrão estético hegemônico. Assim, é mostrado que o sofrimento/adoecimento afeta mesmo quem “se imagina perfeito” (esteticamente).

Em uma segunda cena, foi destacado o diálogo sobre “transtornos alimentares” de uma cena de novela da emissora: uma personagem adolescente, seu pai médico e sua madrasta psicóloga em uma conversa familiar:

Pai: Filha, você está sempre sem fome, meu Deus, isso não é bom sinal. A inapetência é um sintoma de alguma doença, algum problema psicológico. Minha filha eu sou seu pai e sou médico também, se abre comigo poxa...

Adolescente: Oh, pai... eu não tenho nenhum problema. É só que eu estou cansada. É estresse e tanto trabalho. É isso. Oh, pai... eu sei cuidar de mim, eu não estou doente, isso é mania de todo médico achar que a gente tem sempre alguma doença, mas que saco.

Pai: Eu não disse que você está doente, mas só que precisa prevenir, você está muito magrinha, você está sem apetite.

Madrasta [é psicóloga e esposa do médico, entra na cena e pergunta]: O que é que está acontecendo aqui? Por que essa discussão?

Pai: Ela quer sair sem tomar café e eu disse que vou preparar alguma coisa antes.

Madrasta: Ótima idéia! Aproveita e prepara alguma coisa para mim também que eu estou morrendo de fome.

Apesar de não estar explícito no diálogo exposto, há um pressuposto baseado nas cenas anteriores e posteriores ao recorte de que a adolescente estava apresentando os sintomas dos transtornos alimentares, em especial, a anorexia.

Destacam-se os lugares ocupados pelos personagens Psi. Na primeira cena descrita, a profissional Psi (psicanalista) é referida como tendo reconhecimento a partir do cuidado com uma personagem midiática da psicopatologia. Na segunda cena descrita, em que uma personagem adolescente dialoga com o pai médico e a madrasta psicóloga. Interessante notar que mesmo que a identidade profissional do pai e da madrasta neste fosse secundária nesta cena – pois ambos não estavam no exercício profissional, mas sim ocupando uma posição familiar – foi um contexto familiar propício para construção de uma concepção médica sobre a ortopedia estético-social.

2.2.3. A loucura mansa: transtornos de ansiedade

Em um telejornal, um profissional Psi é entrevistado sobre o transtorno obsessivo-compulsivo.

Psi: O TOC é uma das doenças classificadas no grupo das ansiedades, que é caracterizado pelas repetições de idéias na mente das pessoas e a mente tenta combater estas repetições com rituais, mais populares são as repetições, por exemplo, de pessoas que saem de casa e não se lembram se trancou a porta e chega a voltar três, quatro vezes por dia. Por exemplo, manias de doenças, são manias. O TOC é caracterizado por manias que se espelham nas repetições no sentido de tentar aplacar a mente que esta causando medo. (...) O TOC é muito diferente da loucura porque o problema do paciente que sofre TOC, a pessoa tem noção que aquilo tudo é produzido na mente dele, ao contrário da loucura que o sujeito acredita nos delírios, naquilo que produz na mente. (...) O TOC é caracterizado não pela qualidade do sintoma, mas sim pela quantidade. O que marca a doença é o sofrimento causado pela quantidade de vezes que o sujeito se sente sujo, por exemplo. (...) Sim, há remédios que podem controlar e é relativamente fácil de controlar. Não tem cura, mas você controla e aprende a conviver. A vida é tão cheia de escolha que a psicoterapia faz o indivíduo a aprender a conviver com ele mesmo. E isto seria a melhor forma de prevenir. A doença pega o sujeito desprevenido e a pessoa que já passou por uma psicoterapia, ele tem uma nova oportunidade.

Em outro momento, também em um telejornal, mas em uma reportagem sobre o dono de uma biblioteca de livros antigos em São Paulo, este fala ao repórter sobre seu interesse por livros antigos:

Entrevistado: É uma loucura mansa porque é uma mania, uma compulsão patológica incurável, mas que me deu prazer a vida inteira.

Saindo do campo das manias e abordando a questão dos traumas e fobias, foram encontradas referências ao universo da psicopatologia também em desenhos de animação destinados ao público infantil.

O desenho “Otto a beira de um colapso” referia-se a um menino que por uma situação traumática não conseguia mais praticar “esportes radicais” (surf, skate, etc.). Com isso, os colegas começaram a dizer que tinha algo errado em ele sentir tanto medo. Um dos personagens dizia:

Personagem 1: É isso, ele está com medo, ele apresenta todos os sintomas clássicos: irritabilidade, evita altura e todas as atividades perigosas.

Personagem 2: É isso, tudo começou quando ele levou aquele caixote.

Com o desenrolar do desenho, toda vez que “Otto” sentia “medo”, mostrava as lembranças do personagem revivendo a situação traumática: ele se imagina caído ou se machucando.

A conversa entre os personagens que estão tentando ajudar o amigo se dá da seguinte forma:

Personagem 1: O Otto é um clássico caso de negação.

Personagem 2: Ele está pirado... mas não admite.

No desfecho do episódio, “Otto” é desafiado pelos colegas a “surfar” e “vence seu medo/trauma”.

Nestas cenas, além da presença de terminologias típicas da psicopatologia (“sintomas clássicos”, “irritabilidade”, “negação”), observa-se também a semelhança com o modo descritivo tal como o próprio manual do DSM-IV (“sintomas clássicos: irritabilidade, evita altura e todas as atividades perigosas”).

É com os transtornos de ansiedade que chegamos mais próximo da “loucura mansa”, da loucura do “dentro de si”, com a qual postula-se a necessidade de conformação. Com a qual postula-se também que não existe cura, mas é possível “controlar e aprender a conviver”.

Tal perspectiva aparece até mesmo em um gênero discursivo destinado ao segmento da população infantil: um personagem “apresenta” um problema/sintoma, os personagens-amigos “diagnosticam”, falam e descrevem os sintomas tal como a “psicopatologia dos códigos”.

2.2.3. A psiquiatria e a justiça na tela: transtornos de personalidade e parafilias

Da “loucura mansa” passamos para a loucura na relação com a justiça, ou seja, na relação com infrações e intervenções penais. Neste ponto, é possível retomar a discussão sobre a relação da psiquiatria e da justiça (Foucault, 2001) que surge no contexto do século XIX e a construção histórica da categoria psicopatológica em que se afirma uma loucura que não é destituída de razão: a monomania ou psicopatia que virou transtorno de personalidade anti-social na atualidade do DSM-IV5.

No período da pesquisa, em uma novela, destacou-se uma cena em que um personagem advogado conversava sobre sua cliente, que havia acabado de admitir a autoria de um crime. Nesta conversa, o advogado afirmava que mesmo com a “confissão”, podia alegar delírios:

Personagem/advogado: Minha cliente confessou um crime que ninguém pensou que ela havia cometido. Posso alegar delírios... Porque perante a justiça pobre é cínico e mentiroso; e rico sofre de privação de sentidos. Minha cliente vive sobre forte tensão, já tentou o suicídio, já ficou internada.

A cliente de que trata o advogado era justamente a personagem vilã da novela e apresentava um comportamento que fora referido por outros personagens da trama como “psicopatia” e que pode ser incluído na categorização do transtorno de personalidade anti-social.

Destacam-se, então, os transtornos de personalidade que, pelas definições dos manuais podem ser concebidos como um transtorno (“mal adaptativo”) da “cultura” e, por isso, muitas vezes associados a transgressões de convenções sociais e/ou penais.

Os diferentes modos históricos de tratamento dos desvios, de acordo com o lugar que se ocupava na estrutura social é enunciado por um personagem de novela, um advogado, quando o uso do discurso médico é utilizado como estratégia de legitimação da desigualdade social: “privação de sentidos” para uns e “cinismo” para outros.

Sobre um outro transtorno que mantém relação de proximidade com a justiça por, muitas vezes, implicar em transgressão penal, a pedofilia destacou-se na semana da pesquisa por uma reportagem com outro personagem midiático da psicopatologia: Michael Jackson (independentemente da autoria de abuso sexual com crianças que lhe é atribuído pelas denúncias divulgadas na mídia, o cantor-personagem já é associado à pedofilia na mídia). Os pais do cantor foram entrevistados em um programa e se manifestaram da seguinte forma:

Repórter: Enfim, o que explica as acusações de pedofilia?

Mãe: Eu posso descrever um pedófilo, eles vão para a cadeia e ficam lá 15 anos, saem e fazem a mesma coisa, aí voltam para a cadeia. Isso é um pedófilo, não alguém que está tentando dizer que está sendo atacado a cada 10 anos.

Pai: Nós conhecemos nosso filho, nós sabemos que ele não é um pedófilo como alguns estão falando.

O modo como a pedofilia surge no discurso, mesmo considerando a autoria familiar dos interlocutores da cena, é associada à persistência no ato e à criminalidade (a pedofilia, mesmo segundo o DSM-IV, pode se caracterizar pela fantasia sexual com crianças sem a concretização do ato); bem como a negação da pedofilia do filho é fundamentada no conhecimento/autoridade familiar (“Nós conhecemos nosso filho”).

Sobre os transtornos relacionados ao uso de substâncias - um transtorno muitas vezes, associados a implicações da saúde pública com a “justiça” - foram destacadas algumas falas periféricas de profissionais Psi entrevistados ou mencionados em telejornais. Todavia, por este transtorno implicar muitos outros aspectos transversais a analisar, como as propaganda “anti-drogas”, as propagandas de medicamentos, entre outros, deixamos de apresentá-los neste momento.

2.2.4. Crise de ciúme, depressão e o “escambau”: transtorno de humor

Apesar de ser freqüente, na observação do cotidiano na mídia, pautas e discursos sobre a depressão na atualidade, no período delimitado da pesquisa, este tema surgiu de modo periférico somente inserido nas cenas de gêneros discursivos das novelas e de programas de humor.

Em uma novela, o diálogo entre uma filha médica e sua mãe trata sobre o estado emocional do pai (e marido).

Filha/médica [diz a sua mãe]: O pai está doente...Você está jogando ele mais ainda pro fundo do poço. Faz alguma coisa para tirar ele daquela depressão.

Outra personagem surge na cena e pergunta o que aconteceu com seu pai e ela responde: “É depressão e das bravas”.

Na mesma novela, mas em outra situação, uma personagem fala sobre a relação do filho com a nora: “Toda vez que o meu filho vai visitar o meu neto, ela [a nora] entra em crise de ciúme, depressão e o escambau”.

Em uma mesma novela a depressão surge associada à especificidade do adoecimento psíquico que a caracteriza para a psicopatologia, mas também surge, dispersa nas reações do cotidiano inter-relacional, entre o “ciúme” e o “escambau”.

2.2.5. Sem outra especificação: auto-estima, saúde e etc.

Em situações/cenas que não surgiam as categorias da psicopatologia, mas surgiam sim, alguns dos critérios e sintomas, bem como estratégias de intervenção, incluímos aqui como a subcategoria de “sem outra especificação”, tal como está presente nos próprios manuais de psicopatologia que contempla em suas categorias espaço para as indeterminações6.

Por exemplo, em um programa de entrevistas, o apresentador dialoga com um músico que desenvolve um trabalho com adolescentes em comunidades periféricas de uma grande cidade:

Músico: O hip hop vem para trabalhar a auto-estima desses meninos (...) Até entre eles têm apelidos, alguns têm defeitos físicos e os outros são muito sádicos com eles (...) A Psicóloga está sempre próxima aos meninos, ela trabalha com esses adolescentes com temas como DST e Dengue. Também realiza um trabalho com os pais para uma mudança da mentalidade da família.

Em um desenho animado intitulado “Construção da auto-estima”, o enredo trata dos pais que cuidam dos filhos quando suas mães estão fora e um dos personagens tenta aplicar a “psicologia infantil”. Em uma de suas falas como “Temos que apoiar os filhos, isso se chama apoio positivo”, nota-se a presença de uma linguagem psicológica (comportamental) na educação dos filhos.

Para finalizar, destacamos a chamada institucional da emissora que de tanta extensão sobre a concepção de saúde, indeterminada e sem especificação, abarcou o mais genérico da noção de saúde/doença para a mídia:

Chamada institucional: “Saúde. A gente vê por aqui”.

A “saúde”, em termos gerais, passa a ser uma questão e um foco também para a mídia...

2.2.3. Discussão

A partir deste estudo foi possível identificar a historicidade da loucura/doença mental na tela da televisão. Destacou-se o discurso associado ao paradigma manicomial/exclusão quando a esquizofrenia é tratada, na tela, ainda sob a perspectiva dos muros – pressupondo a humanização do atendimento por meio da expressão plástica, mas ainda, dentro dos muros.

A presença de profissionais Psi mostrou o quanto a formação discursiva (psi) sustenta a própria existência de um sofrimento tomado como (psico)patologia (mesmo que sob a forma de transtorno): a psicanalista da Princesa Diana, o contexto médico psicológico da família de uma adolescente com alterações/transtornos alimentares na novela; o profissional que emite as verdades sobre o TOC; a filha médica que fala da depressão do pai; do psicólogo mencionado como o profissional da auto-estima. Até mesmo, um profissional advogado que refere o discurso médico como estratégia de proteção ao lugar social que se ocupa (“privação de sentidos” para uns e “cinismo” para outros).

Mas há um novo modo de surgimento dos “psis”, quando o discurso psi não é enunciado por profissionais, mas apropriados no discurso enunciado por “leigos”. A loucura nossa de cada dia (na “loucura, loucura, loucura” das apresentações); da ortopedia social que se desmembra para a “ortopedia estético-social” dos transtornos alimentares na afirmação sobre a baixa satisfação estética feminina; da “loucura mansa” que é “mania”, “compulsão patológica”, “incurável” e que deu “prazer a vida inteira” (do bibliotecário); dos personagens de programas infantis que diagnosticam, descrevem sintomas e interpretam (“é um caso típico de negação”); dos pais de uma celebridade denunciada por abuso sexual que teorizam sobre pedofilia; da depressão que surge entre o “ciúme” e o “escambau”, descrevendo reações frente a situações da convivência humana; do pai que teoriza sobre a importância do apoio positivo na construção da auto-estima dos filhos.

Sobre a “loucura mansa” na relação com a justiça, além de aparecer na sua versão histórica da monomania ou psicopatia, surge também associada à pedofilia.

Tal expansão mostra a ampliação da perspectiva da saúde sobre questões de ordem social - e, também, judiciais.

E sobre a saúde, em especial, foi possível identificar um nível acentuado de dispersão quando “ela” se torna foco/pauta de chamada institucional de uma empresa/emissora de televisão.

Se analisarmos a psicopatologia e sua historicidade, é possível identificar diferentes modos de conceber e agir sobre o fenômeno da loucura. Dentre os possíveis, pode-se destacar a loucura tomada por doença mental, quando destinada pela racionalidade científica da modernidade a um lugar de exclusão; que, por sua vez, vai forjando uma “racionalidade disciplinar”, incluindo o “louco/doente” na rede social (mesmo que a partir de um lugar de exclusão); até chegarmos nos “transtornos nossos de cada dia”. Marcam-se aí modos distintos de enfrentamento da loucura/doença mental tomada como experiência da diferença: do confinamento à disciplina; da (abertura da) disciplina ao controle.

3. Considerações finais

As discussões e resultados produzidos neste estudo inicial - sobre o “discurso psi” no cotidiano da mídia - mostraram a importância e a necessidade da realização de novas pesquisas sobre o tema por contribuir para a compreensão do fenômeno de uma certa psicopatologização do sofrimento humano na atualidade, caracterizado pela extensão da concepção médico-psicológica sobre o sofrimento.

Este estudo possibilitou, ainda, identificar na noção de transtorno mental a sustentação conceitual da “psicopatologia dos códigos” que possibilita tal extensão no momento em que deixa de se restringir à noção de doença para abarcar uma diversidade indeterminada de comportamentos.

Pode-se dizer, então, que a queda dos muros e a Reforma Psiquiátrica brasileira, bem como a criação dos serviços substitutivos inseridos na rede comunitária conviveu e convive com uma certa psicopatologização do sofrimento humano. Ao mesmo tempo em que manteve e mantém relação com um modo de controle historicamente precedente (manicomial intramuros), inaugura um modo de controle dispersivo (extramuros).

A partir deste trabalho, foi possível analisar como o discurso “psi” atravessa (e transita entre) os “muros” hospitalares, acadêmicos e clínico-profissionais, bem como passa a circular na tela da televisão, inscrevendo e produzindo uma perspectiva psicopatológica do sofrimento humano no universo cotidiano. Foi possível mostrar novos modelos de subjetivação: da loucura fora de si à loucura de dentro de si.... Uma loucura mansa, domesticada, no cotidiano....na TV.

A reflexão proposta neste trabalho possibilitou, assim, o questionamento das “psicopatologias dos códigos” e produziu um modo de sinalizar a importância para o profissional "psi" – na pesquisa, na clínica e nas demais intervenções institucionais - trabalhar para além das “categorias”. Este trabalho possibilitou, por fim, repensar a “psicopatologia dos códigos”, identificar as estratégias de controle e criar modos de escuta que não aprisione o sofrimento psíquico na “loucura mansa” dos códigos e da tela. Finalizamos, então, retomando novamente Deleuze (2002): “Não cabe temer ou esperar, mas buscar novas armas”.

 

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Notas

1Filme dirigido por Ron Howard e lançado nos Estados Unidos em 2001. Regresar al texto
2Filme dirigido por Jonathan Demme e lançado nos Estados Unidos em 1991. Regresar al texto
3Filme dirigido por James L. Brooks, lançado nos Estados Unidos em 1997. Regresar al texto
4Assume-se aqui um desdobramento do que Foucault (1977) chamou de “ortopedia social”. Regresar al texto
5Pode-se, ainda, acrescentar alguns aspectos típicos da contemporaneidade na relação da psiquiatria e da justiça, justamente no que se refere aos transtornos caracterizados pela compulsão, tal como os transtornos sexuais, em especial, as parafilias - como a pedofilia que recentemente tem sido bastante divulgada na mídia - ou os transtornos relacionados ao uso de substâncias, em especial, para aqueles em que o consumo da substância é considerado ilícito ou o consumo da substância leva o sujeito a cometer atos ilícitos. Quanto a este aspecto, há iniciativas contemporâneas de práticas institucionais híbridas como os programas de Justiça Terapêutica - medida aplicada às pessoas envolvidas com infrações relacionadas ao uso de drogas lícitas e ilícitas (Pulcheiro, 2002) - que parecem re-atualizar a discussão sobre as relações entre as intervenções judiciais e terapêuticas apresentada por Foucault (2001). Regresar al texto
6Esta categoria “sem outra especificação” está presente pelo menos uma vez em todas as categorias no DSM-IV e referem-se as seguintes situações: quando os sintomas apresentados são mistos, atípicos ou estão abaixo do limiar apresentado para algum diagnóstico específico; quando um padrão de sintomas não foi descrito, mas são provocadores de sofrimento no sujeito; quando há incerteza quanto a etiologia (condição médica geral, induzido por substância ou primário) (KAPLAN, 2002, p.306). Regresar al texto

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