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Psicologia para América Latina

On-line version ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  no.5 México Feb. 2006

 

FORMACIÓN, EJERCICIO Y CERTIFICACIÓN PROFESSIONAL DE LOS PSICÓLOGOS

 

Estágios de Núcleo Básico na formação do psicólogo experiências de desafios e conquistas

 

 

Simone Cerqueira da Silva

Faculdade Auxilium de Lins – FAL (Brasil)

 

 


RESUMO

O estágio de núcleo básico na formação de psicólogos nas universidades tem despertado interesse e dúvidas nos membros da comunidade acadêmica. Para começar, neste relato de experiência profissional é apresentada a vivência prática ocorrida na Faculdade Auxilium de Lins (FAL) no ano de 2004. A partir dessa experiência foi possível identificar como os aspectos legais do estágio influenciaram na realização das atividades práticas. Em segundo lugar, o enfoque deste artigo é a descrição de três programas que formaram as práticas: as conquistas das brincadeiras (no programa de Propiciação do Brincar), da orientação (no programa de Propiciação de Acesso aos Saberes Psi) e da colaboração (no programa de Vivências Colaborativas). A conclusão deste artigo propõe a vivência dos estágios como uma aprendizagem, um processo contínuo e um objeto de reflexão constante.

Palavras-chave: Estágio de núcleo básico, Formação de psicólogos, Programas de estágio/práticas.


RESUMEN

La pasantía en la formación de psicólogos en las universidades ha despertado intereses y dudas entre los miembros de la comunidad académica. Para empezar, en este relato de experiencia profesional se les presenta una vivencia práctica ocurrida en la Facultad Auxilium de Lins (FAL) en el año del 2004. A través de esa experiencia se pudo identificar como los aspectos legales de la pasantía influyeron en la realización de las actividades prácticas. En segundo lugar el enfoque de ese artículo recae en la descripción de tres programas que compusieron las prácticas: las conquistas de los juegos (del programa Propiciação do Brincar), de la orientación (del programa Propiciação de Acesso aos Saberes Psi) y de la colaboración (del programa Vivências Colaborativas). La conclusión de ese artículo propone la vivencia de la pasantía como um aprendizaje y proceso contínuos y objeto de reflexión constante.

Palabras-claves: Pasantía, Formación de psicólogos, Programas de pasantía/ prácticas.


ABSTRACT

The basic nucleus internship in the formation of the psychologists in the universities has awoken the interest and questions in the members of the academic community. Firstly, it is presented in this professional experience report the practice that takes place at Lins Auxilium College (FAL) in the year of 2004. From this experience it was possible to identify how the legal aspects of the internship influenced in the accomplishment of the practices. Secondly, the focus of this paper is the description of three programs that formed the practices: the achievement of the children’s plays (in the Program “Provision of the Children’s Play”), achievement of the orientation (in the Program “Provision of Access to Psychological Knowledge”) and achievement of the collaboration (in the Program “Collaborative Practices”). The conclusion to this paper proposes the practice of the internships as a learning tool, a continuous process and a constant object of thinking.

Keywords: Basic nucleus internship, Formation of the psychologists, Internships programs/practices.


 

 

Introdução

A formação do psicólogo nas universidades tem sido uma temática de grande percussão na área e vem despertando interesses e discussões na comunidade acadêmica. Este tema foi abordado recentemente no I Congresso Latino Americano de Psicologia (2005), em especial, pela mesa-redonda denominada Reflexões críticas sobre os Estágios de Núcleo Básico em Psicologia.

O objetivo deste relato de experiência é contribuir com o debate acerca da implementação dos estágios de núcleo básico no curso de formação de psicólogos, para que possam ser vislumbradas novas alternativas na sua operacionalização em consonância com o aparato legal que o fundamenta, as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia.

O relato foi dividido em três partes: na primeira, discute-se a vivência do estágio, traçando os desafios diante das dificuldades advindas da legislação pertinente; na segunda, apresentam-se as experiências ocorridas ao longo do ano de 2004 em três diferentes programas do estágio de nível básico e na terceira e última, considera-se essa modalidade de estágio como um processo de contínua aprendizagem.

 

O Estágio de Núcleo Básico - os desafios diante das dificuldades

Os Estágios de Núcleo Básico (ENB) da FAL representam um primeiro ciclo no conjunto de atividades supervisionadas, no 2o e 3o anos da graduação, seguidos imediatamente pelo ciclo de Estágios de Formação Profissional (EFP), no 4o e 5o anos da graduação.

Os objetivos dos estágios de núcleo básico são: promover a relação e o compromisso social dos alunos com a população regional, na perspectiva da psicologia enquanto ciência e profissão, bem como propiciar a reflexão sobre os condicionantes históricos das características psicossociais da população regional.

A questão - O que é o homem? - consiste no tema geral dos estágios de núcleo básico, que será respondida ao final do ciclo das atividades quando o aluno tiver percorrido os 4 semestres: ENB-I, ENB-II, ENB-III, ENB-IV. Durante esse período ele irá conhecer diferentes locais, diversas populações e terá cursado diferentes disciplinas teóricas.

Esses estágios são contemplados por várias atividades, que são agrupadas de acordo com seus objetivos, suas fundamentações teóricas e suas naturezas, em diferentes programas de serviços, de extensão universitária e de pesquisa de iniciação científica, oferecidos ao estudante–estagiário. A ele, cabe eleger seu foco de interesse por meio da escolha tanto dos programas quanto das instituições que lhe são oferecidas a cada semestre.

Os programas de estágio têm passado por ajustes freqüentes no seu funcionamento para dar conta de atingir os seus objetivos e as necessidades que vêm sendo identificadas ao longo da sua implementação. Atualmente, encontram-se sistematizados em 4 propostas: Vivências Colaborativas, Propiciação do Brincar, Vivências Empáticas e Propiciação de Atividade e Contemplação Artística.

Participar desse processo de construção dos estágios, ao mesmo tempo em que vem sendo um trabalho árduo e exigente, torna-se gratificante e extremamente estimulador no sentido de acompanhar novos horizontes que se abrem no processo de formação do psicólogo. Acreditamos que a oportunidade de socializar essa experiência é um excelente momento de reflexão crítica e de fomento de idéias para o aprimoramento dos estágios nos anos iniciais do curso de Psicologia.

O caráter inovador do ciclo desse estágio, foi uma proposta das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia (Brasil, 2004). Sendo assim, temos construído experiências considerando o que acreditamos ser o ideal e o possível de se promover nos anos iniciais no curso de Psicologia, tendo como referência essas diretrizes.

Ao considerar que as Diretrizes Curriculares foram recentemente aprovadas em 2004, são vividos alguns desafios na sua implementação, em função do contraste identificado entre os estágios de núcleo básico e os estágios profissionalizantes, até então previstos. Ressaltamos a seguir quatro desafios.

O primeiro é o fato de que o estágio de núcleo básico, inserido no 2º ano da formação do aluno, por um lado interpela o estudante principiante com questões que ele ainda não desenvolveu, como o conhecimento teórico básico para dar conta de explicar, compreender e analisar as questões próprias da psicologia, por outro lado, desde já, favorece com a promoção dos conhecimentos requeridos para o exercício profissional, como a tomada de decisões, a comunicação, a liderança, a administração, o gerenciamento e a educação permanente do estagiário.

Como segundo desafio, o estágio apresenta uma proposta nova quanto aos objetivos, atividades e o papel do estagiário de Psicologia. Nesse caso, o estagiário não realiza atividades que sejam exclusivas do psicólogo, como o psicodiagnóstico ou a psicoterapia. A proposta é apresentar e integrar o aluno a um contexto social, até então pouco conhecido, favorecendo o desenvolvimento das competências de planejamento, análise, síntese, observação, descrição, entre outras.

O terceiro desafio apresenta-se pelo fato de que essa modalidade de estágio visa oferecer, num primeiro momento, aos alunos uma formação e um treinamento integrais, por meio do acompanhamento docente zeloso dos efeitos sobre os estudantes deste lançamento inicial ao mundo da Psicologia. Isso implica em supervisões freqüentes e contato estreito com as entidades concedentes. No caso da nossa experiência na FAL, esse acompanhamento exigiu mudanças na contratação dos docentes, como por exemplo, contratá-los por mais horas de trabalho, considerando a) que os grupos de supervisão de estágio acontecem no máximo com 10 alunos e b) em função da necessidade de disponibilidade de horário do professor-supervisor para estar sempre em contato com as entidades concedentes e melhor acompanhar os estagiários.

Já o quarto desafio vivenciado incidi no fato de que esse estágio, para cumprir suas finalidades, muitas vezes deve ser inserido em entidades que não têm um psicólogo contratado.

Para a sua realização, inicialmente, isso não traz nenhum tipo de implicação, uma vez que o ciclo de estágios de núcleo básico não tem por objetivo promover aprendizagem das competências específicas do trabalho do psicólogo e sim criar oportunidades dos alunos entrarem em contato investigacional com as características gerais do homem que vive na região.

Por outro lado, a ausência do psicólogo nas entidades tem trazido algumas dificuldades, pois como essa experiência representa uma modalidade de estágio nova e pouca conhecida, enfrentamos inicialmente alguns empecilhos ao firmar o acordo de cooperação entre a entidade concedente e a faculdade, para que o estudante-estagiário permaneça na instituição realizando a atividade de estágio sem o acompanhamento do profissional responsável.

Nesse caso, o acompanhamento do estágio ocorre nos horários de supervisão na própria faculdade, com o professor responsável ou, se necessário, com o coordenador do curso, que também organiza o ciclo dos estágios de núcleo básico.

Importante ressaltar, que apesar das entidades não contarem com um psicólogo para acompanhar o estágio do aluno, temos solicitado sempre a permanência de um profissional responsável por ele no local, a fim de que seja assistido em qualquer dúvida referente à entidade ou ao seu funcionamento, sendo geralmente o diretor, um professor ou outro técnico designado para esse acompanhamento.

O fato da entidade concedente não contar com um psicólogo e receber estagiários de Psicologia ainda não está previsto na legislação que regula a matéria, Lei 8.859/1994 (Brasil, 1994).

Essa questão tem provocado um impacto na sociedade que os tem recebido, uma vez que o estudante–estagiário não cumpre com as expectativas criadas pela própria, pois dele é esperado o serviço de um psicólogo profissional.

A diferença nos papéis do estagiário de núcleo básico e do profissional em Psicologia tem provocado duas reações contrapostas, a primeira de resistência para aceitar o novo, já a segunda de interesse por considerar que esse aluno poderá colaborar com o funcionamento da instituição atendida, mas não como psicólogo, e sim como uma pessoa que está disposta a colaborar e a prestar serviços diversos.

Essa tem sido a proposta do nosso programa de Vivências Colaborativas - prestar serviços diversos junto à clientela ou aos trabalhadores das entidades concedentes, sempre que estas possam oferecer oportunidades ao estagiário de conhecer, vivenciar e refletir sobre a realidade da instituição (Lins, 2005).

A implementação desse estágio tem nos remetido a algumas lacunas que estão sendo identificadas nas seguintes normas: 1) nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia (Brasil, 2004); 2) na Legislação atual atinente aos estágios em geral (Brasil, 1994) e 3) na resolução do Conselho Federal de Psicologia, n. 018/2000, Título IV, do Exercício Profissional, Capítulo I, do Exercício Profissional e dos Estágios de Aprendizagem (Brasil, 2000).

A realização eficiente das tarefas de acompanhamento do estudante e das entidades de estágio exige recursos que não foram previstos nas diretrizes para a implementação dos cursos de Psicologia, como por exemplo a contratação de professores supervisores de estágio com carga horária direcionada para acompanhamento, tanto do aluno quanto da entidade.

Nas Diretrizes Curriculares Nacionais (Brasil, 2004) somente consta que os estágios serão supervisionados por membros do corpo docente da instituição formadora, assegurando a consolidação e articulação das competências estabelecidas.

Além disso, não é previsto nas Diretrizes Curriculares (Brasil, 2004) que o estágio de núcleo básico seja realizado em entidade que não conta com a participação do psicólogo e ao mesmo tempo é recomendado que o aluno seja envolvido em atividades individuais e de equipe, que incluam observação e descrição do comportamento em diferentes contextos, bem como que os estágios supervisionados visem assegurar o contato do formando com situações, contextos e instituições, permitindo que conhecimentos, habilidades e atitudes se concretizem em ações profissionais, sendo recomendável que as atividades de estágio supervisionado se distribuam ao longo do curso.

Na resolução do Conselho Federal de Psicologia, n.018/2000, Título IV, do Exercício Profissional, Capítulo I (Brasil, 2000) constata-se que o estágio deverá ocorrer somente nos casos de natureza didática, devendo o estagiário ser supervisionado no local de estágio. A resolução considera que ele deve estar cursando disciplina profissionalizante com atividade prática. Quanto à carga horária do estágio, temos que nas Diretrizes Curriculares Nacionais (Brasil, 2004) há uma divisão em dois níveis de estágio, básico e específico, cada um devendo ter 15% da carga horária total do curso. Entretanto, considerando que não há menção quanto à carga horária do curso, não há a indicação de qual é a carga horária para cada um, logo, a dúvida é saber qual seria a carga horária para o estágio de núcleo básico e para o estágio de formação profissional, assim denominados na FAL, ou de nível básico, conforme as diretrizes curriculares? E para o nível específico (ênfases curriculares)?

Na perspectiva de equacionar essas dificuldades, sempre com o objetivo final de promover um curso de graduação em Psicologia, comprometido com a ética e com a qualidade, na prestação de seus serviços, o curso de Psicologia da FAL tem assumido o compromisso de buscar alternativas que possam dar conta de contemplar as exigências requeridas para que os estágios aconteçam o mais cedo possível na vida acadêmica dos alunos.

Nesse sentido, durante o ano de 2004, primeiro e segundo semestres letivos, tivemos várias experiências do estágio de núcleo básico (ENB-I e ENB-2): 1) Brinquedoteca itinerante; 2) Orientação sexual e 3) Vivências colaborativas.

 

O Estágio de Núcleo Básico (ENB) – as conquistas do brincar, de orientar e de colaborar

O programa de Propiciação do Brincar que tem como objetivos,

tanto favorecer o processo de desenvolvimento da criança em seus aspectos afetivos, cognitivos, sociais e psicomotores, como promover o conhecimento a respeito do significado do brincar para o desenvolvimento da criança, além de criar oportunidades de simbolização da realidade e do imaginário através do brincar e promover momentos lúdicos, prazerosos e instigantes, que favoreçam a reflexão, a autonomia e a criatividade (Lins, 2005),

deu continuidade a um dos projetos já anteriormente criados - a Brinquedoteca Itinerante.

A experiência da Brinquedoteca Itinerante no ano de 2004 foi desenvolvida no âmbito desse programa e consistiu no oferecimento de um espaço para crianças e jovens brincarem livremente, com brinquedos e materiais diversos, bem como com estagiárias preparadas para estimular jogos e brincadeiras variadas.

Neste período, foram atendidas três instituições educacionais da cidade de Lins/SP. Em cada uma delas foram realizadas em média 07 sessões, com duração aproximada de 2 horas e 30 minutos cada, sendo atendidas, em média, de 10 a 15 crianças e adolescentes, na faixa etária de 3 a 17 anos. Uma das instituições atendidas prestava serviços para crianças da educação infantil (0 – 6 anos), a outra, atendia crianças e adolescentes carentes, e a terceira se dedicava a crianças e adolescentes com necessidades educacionais especiais.

A Brinquedoteca Itinerante teve como objetivo promover o acesso ao brincar nas suas diversas modalidades e orientar/ensinar a comunidade a respeito do papel do brincar para o desenvolvimento do ser humano.

Buscamos em Vigotski (1984) o fundamento teórico principal, para esse autor, a atividade infantil em geral, jogos e brincadeiras, estão intimamente relacionados com o processo de desenvolvimento. O jogo representa a forma como a criança participa de sua cultura típica e, ao mesmo tempo serve como criador da zona de desenvolvimento proximal – tem um caráter antecipatório ou preparatório. Assim, ao brincar, a criança exercita no plano imaginário capacidades cognitivas e sociais, e nessa interação, ocorre o seu desenvolvimento.

Winnicott (1975) foi outro referencial utilizado como base teórica. O autor considera que a brincadeira é universal, própria da saúde e conduz aos relacionamentos grupais, sendo talvez apenas através dela, que a criança ou o adulto deixam fluir a liberdade de criação – a busca do eu (Self).

A avaliação dos resultados durante e após a experiência da Brinquedoteca Itinerante envolveu diferentes situações: a) As supervisões de estágio; b) A entrevista dos estagiários com os funcionários das entidades concedentes; c) A avaliação final dos estagiários com as crianças atendidas e d) A entrevista de avaliação da supervisora de estágio com os responsáveis pelas instituições atendidas. Ao final, foi possível identificar os seguintes resultados:

1. Desenvolvimento de vínculo afetivo entre estagiárias e crianças;

2. Desenvolvimento de relação interpessoal mais positiva entre as crianças;

3. Manifestação de comportamentos espontâneos, autônomos, criativos e lúdicos tanto das crianças quanto das estagiárias;

4. Desenvolvimento de relacionamento interpessoal profissional positivo das estagiárias com as crianças atendidas e com os profissionais responsáveis pelos locais atendidos;

5. Aprimoramento do conhecimento das estagiárias sobre a realidade de vida da clientela atendida e sobre as condições de trabalho dos profissionais das instituições visitadas.

Nesse sentido, considera-se que a experiência da Brinquedoteca Itinerante ao longo do ano de 2004 atingiu os objetivos propostos tanto pelo programa de Propiciação do Brincar quanto pelos estágios de núcleo básico.

A segunda experiência vivida nos estágios de núcleo básico em 2004 foi no programa de Propiciação de acesso ao saberes Psi (atualmente modificado para Vivências Colaborativas).

Esse programa foi criado em função de algumas propostas dos estagiários (muitas delas em resposta às demandas recebidas das entidades concedentes), de promoção de palestras, trabalhos de orientação e atividades congêneres sobre temas de interesse da clientela e/ou trabalhadores das entidades concedentes e para a população em geral como a visitação, participação e colaboração com grupos comunitários.

Essas propostas foram consideradas um modo de contribuir com as pessoas atingidas pelas atividades de ENB como meio facilitador da inserção, adaptação social e como ampliação da consciência sobre si e sobre o mundo (Lins, 2005).

O projeto de Orientação Sexual foi desenvolvido no âmbito deste programa (em 2004) a um grupo de adolescentes que vivia sob medida de proteção em uma casa de apoio.

No 1º semestre de 2004, os primeiros encontros tinham como objetivo a identificação das necessidades do grupo, da instituição e a análise das condições para a efetivação da vivência colaborativa.

No 1º semestre esses encontros ocorreram no próprio abrigo onde os adolescentes residiam, entretanto decidimos promover os encontros do 2o semestre fora desse, passando-os para as instalações da faculdade - visando com isso melhorar a interação com o grupo e aproximá-los de um espaço diferente daquele onde viviam.

Os encontros foram semanais, à noite, com duas horas de duração, totalizando 14 encontros no final. O grupo era composto, em média, por 8 jovens, na faixa etária de 12 a 19 anos, filhos de pais que perderam a sua guarda legal.

O número de jovens atendidos pelo grupo variava a cada encontro em função do retorno deles à casa dos pais, da entrada de novos jovens no grupo, das normas de funcionamento da casa de abrigo e do horário de aula de alguns jovens.

As estratégias utilizadas foram basicamente voltadas para favorecer a participação de todos, expressando dúvidas, curiosidades e temores em relação à sexualidade, tais como jogos, dinâmicas de grupo, tempestade de idéias, exposição oral, reflexão dialogada, debate de vídeos etc.

A proposta da Orientação Sexual teve como objetivo geral abordar a sexualidade como um aspecto natural e positivo da vida humana, bem como refletir e orientar a respeito do modo como a pessoa vivencia a sua sexualidade nos seus aspectos sociais, biológicos e afetivos.

Considerando o atendimento às necessidades identificadas junto à instituição e aos adolescentes, bem como a concepção que se tem de sexualidade, o processo de orientação a todo o momento se reportou: aos valores pessoais, ao relacionamento interpessoal, às regras e limites da convivência em grupo, às questões de gênero e aos papéis sociais.

Em consonância com Goldberg (1982) esse trabalho considerou a orientação sexual um preparo para viver na totalidade das dimensões humanas. Preparo este que fornece informações sobre sexualidade e proporciona meios que possibilitam a reflexão e o questionamento, a fim de desenvolver indivíduos críticos e conscientes em relação à sua sexualidade.

Como subsídio teórico, também nos reportamos a Barroso e Bruschini (1982), os quais consideram a sexualidade como um aspecto natural e positivo da vida humana, englobando o desenvolvimento pessoal, as relações interpessoais, a estrutura social e o contexto político-econômico.

Além disso, as relações de gênero, a construção social e histórica da sexualidade foram trabalhadas segundo as contribuições de Kahhale (2002), que aborda a sexualidade a partir de uma perspectiva da psicologia sócio-histórica.

A avaliação dos resultados durante e após a experiência da Orientação Sexual envolveu diferentes situações: a) As supervisões de estágio; b) Os encontros de avaliação dos estagiários com os adolescentes e c) O encontro da supervisora de estágio com o profissional responsável pela instituição. Ao final, foi possível identificar os seguintes resultados:

1. As discussões acerca da experiência indicam que o grupo de estagiários, ao retratar e discutir problemas, valores e atitudes humanos, e ao orientar quanto a vivencia da sexualidade de um modo positivo, puderam servir como um recurso a mais na conscientização dos adolescentes quanto à sua identidade pessoal e social, contribuindo assim com o processo de socialização e integração dos adolescentes;

2. Consoante aos adolescentes atendidos, foi possível observar uma mudança progressiva no comportamento em grupo, no relacionamento interpessoal e na participação nos trabalhos ao longo do processo de orientação. Apresentaram indícios de mais habilidades sociais, respeito humano, responsabilidade, solidariedade e afeto;

3. O planejamento das atividades, o compromisso com a ética, o interesse por fazer o melhor no atendimento às necessidades do grupo, a manifestação de uma comunicação coerente, transparente e objetiva, foram indicadores do desenvolvimento dos estudantes-estagiários ao trabalharem com o grupo de adolescentes, ao se relacionarem com a equipe técnica da instituição e ao participarem das supervisões em grupo;

4. A experiência evidenciou a importância do diálogo sobre as relações humanas como uma nova proposta de trabalho para os adolescentes.

Esses resultados indicam que a proposta da Orientação Sexual atingiu os objetivos previstos pelos estágios de núcleo básico e pelo programa de Propiciação de acesso ao saberes Psi.

Por fim, a terceira experiência vivida neste ciclo de estágios (ENB-I e ENB-II / 2004) foi desenvolvida no Programa de Vivências Colaborativas, em uma instituição de promoção social.

Este programa tem como principal característica a presença dos estagiários em instituições e em grupos comunitários, colaborando com suas atividades a partir de trabalhos de orientação, palestras e atividades congêneres sobre temas de interesse da clientela e/ou dos trabalhadores das entidades concedentes (Lins, 2005).

Sendo assim, o estágio foi desenvolvido em uma instituição vinculada à Coordenadoria Municipal de Promoção Social da cidade de Lins, onde as estagiárias colaboraram com os serviços prestados para pessoas com múltiplas deficiências. Esses serviços foram referentes à integração comunitária, à manutenção financeira da instituição, à higiene, aparência e acolhimento das necessidades de escuta dos atendidos.

Esses serviços visavam contribuir para a organização e consecução dos objetivos da instituição, bem como oferecer oportunidade ao estagiário de conhecer, vivenciar e refletir sobre a realidade da instituição. Considerando o momento da formação dos estudantes, foram excluídos deste gênero de atividades os trabalhos próprios do psicólogo, como psicoterapia, psicodiagnóstico e exame psicológico.

A colaboração cotidiana – o trabalhar junto – é uma das maneiras mais fecundas de conhecer a realidade humana, como nos ensinou Weil (1979) em suas experiências de vida na fábrica. Esse é um dos fundamentos teóricos que tem norteado as experiências no programa de Vivências Colaborativas, ao enfatizar a importância do estar junto como única atitude capaz de promover a compreensão sobre O que é o homem, tema central desse ciclo de estágios.

Ao considerar ainda as contribuições da Psicologia Sócio-Histórica para o estágio de nível básico nesse programa, tem-se que ao estagiário cumpre o papel de desvelar o que o psicólogo não é, ou seja, desfazer a idéia que seja um resolvedor de problemas, mero divulgador de teorias e conhecimentos psicológicos, mas um profissional que deve favorecer a relação entre os sujeitos e os conhecimentos (Meira; Tanamachi, 2003).

A competência que tem permeado as discussões de supervisão de estágio é a capacidade de promover o processo de humanização, isto é, o desenvolvimento das características tipicamente humanas, que ao contrário de serem passadas hereditariamente de geração para geração, são construídas histórica e socialmente pelo conjunto de homens nas suas relações interpessoais.

Assim, ressalta-se que o estagiário deve ser capaz de contribuir com o desvelamento de uma série de idéias e concepções cristalizadas e combater em diferentes instâncias as explicações psicologizantes. De acordo com Meira e Tanamachi (2003) é possível abrir espaços que podem diminuir os limites e ampliar nossas possibilidades de concretização de uma prática contextualizada e criticamente comprometida com a humanização.

A partir desses referenciais, foi possível identificar que todos os que estiveram envolvidos na experiência do estágio (os próprios alunos-estagiários, a clientela atendida e os profissionais da instituição) tiveram uma avaliação positiva da experiência, resultando em uma solicitação da continuidade da mesma, mostrando que as colaborações dos alunos têm favorecido o trabalho realizado pelas entidades concedentes.

Além disso, essas experiências têm inspirado aos próprios estudantes projetos de pesquisa e de intervenção naquelas realidades, o que demonstra o estabelecimento do compromisso deles com as pessoas conhecidas e com o seu processo de formação.

Sendo assim, conclui-se que essa experiência do programa de Vivências Colaborativas atingiu os objetivos propostos pelo próprio programa e pelos estágios de núcleo básico.

 

A aprendizagem em processo

Inegavelmente, as experiências obtidas com os programas desenvolvidos pelos estágios de núcleo básico se traduzem em ocorrências de aprendizagens contínuas, seja no erro ou no acerto, aprendendo com os erros e acertando o indevido.

Ao mesmo tempo, reconhece-se que é um processo permanente, que não pára para mudar, mas vai se modificando para não parar. Nesse ciclo as mudanças são objetos de reflexão e crítica constantes em função do objetivo que nos impulsiona para continuar encontrando caminhos viáveis de uma psicologia comprometida com a ética, a ciência e o processo de humanização do ser humano.

Sob essas luzes, a condução dos estágios tem proporcionado vivências, cujas aprendizagens se refletem no modo de ser do aluno-estagiário que passa a assumir o compromisso com o seu processo de formação, incluindo o conhecimento de quem é o homem, objeto de estudo da sua profissão, e do processo de construção de humanização desse conjunto de seres, cujo próprio aluno está inserido.

Nesse processo de construção dos estágios de núcleo básico (ENB) evidencia-se a necessidade de constantes intercâmbios com a comunidade acadêmica e, em especial, de contínuos ajustes no seu próprio delineamento, o que implica tanto em uma divulgação freqüente a respeito desse material quanto no dispêndio de esforços para novas reformulações que venham a ser requisitadas.

 

Referências

Barroso, C.; Bruschini, C. (1982). Educação Sexual. Debate Aberto. Rio de Janeiro: Vozes.        [ Links ]

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Meira, M. E. M.; Tanamachi, E. R. (2003). "A atuação do Psicólogo como expressão do pensamento crítico em Psicologia e Educação". In: Meira, M. E. M.; Tanamachi, E. R. Psicologia Escolar: práticas críticas. São Paulo: Casa do Psicólogo.        [ Links ]

Vigotski, L. S. (1984). "O papel do brinquedo no desenvolvimento". In: Vigotski, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes.        [ Links ]

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Winicott, D. W. (1975). O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago.        [ Links ]

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