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Psicologia para América Latina

On-line version ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  no.6 México May 2006

 

PROCESO SALUD-ENFERMEDAD Y BIENESTAR SOCIAL

 

Mecanismos de defesa utilizados por profissionais de saúde no tratamento de câncer de mama

 

 

Rosani Gambatto; Fabiana Carmen de Carli; Rachel Fernanda Guarienti; André Luiz Picolli da Silva; Alessandra Bonassolo Prado

Universidade do Oeste de Santa Catarina, Brasil

 

 


RESUMO

O câncer de mama é provavelmente o mais temido pelas mulheres devido a sua alta freqüência e efeitos psicológicos que afetam sua imagem pessoal. O objetivo desta pesquisa é identificar quais são esses mecanismos de defesa utilizados pelos profissionais de saúde que exerçam atividades na Rede Feminina de Combate ao Câncer de São Miguel do Oeste – SC no tratamento de mulheres portadoras de câncer de mama. Para obtenção dos dados foi elaborada uma entrevista estruturada, a partir da qual constatou-se uma variedade dos mecanismos utilizados, como racionalização, formação reativa, intelectualização, negação e deslocamento. Pelo exposto nesse trabalho, ficou evidente que a tarefa de tratar de uma paciente com câncer de mama, é considerada pelos profissionais como difícil, razão pela qual os profissionais acabam utilizando os mais variados mecanismos de defesa.

Palavras-chave: Mecanismos de defesa, Profissionais de saúde, Câncer de mama.


RESUMEN

El cáncer de mama es probablemente el más temido por las mujeres debido a su alta frecuencia y efectos psicológicos que afectan su imagen personal. El objetivo de esta búsqueda es identificar cuáles son esos mecanismos de defensa utilizados por los profesionales de salud que ejerzan actividades en la Red Femenina de Combate al Cáncer de São Miguel do Oeste SC, en el tratamiento de mujeres portadoras de cáncer de mama. Para obtención de los datos fue elaborada una entrevista estructurada, a partir de la cual se constató una variedad de los mecanismos utilizados, como racionalización, formación reactiva, intelectualización, negación y desplazamiento. Por el expuesto en ese trabajo, quedó evidente que la tarea de tratar de una paciente con cáncer de mama, es considerada por los profesionales como difícil, razón por la cual los profesionales acaban utilizando los más varios mecanismos de defensa.

Palabras clave: Mecanismos de defensa, Profesionales de Salud, Cáncer de mama.


ABSTRACT

The breast cancer is probably the most fearsome for the women due to his/her high frequency and psychological effects that you/they affect her personal image. The objective of this research is to identify which are those defense mechanisms used by the professionals of health that exercise activities in the Feminine Net of Combat to Cancer of São Miguel do Oeste - SC in the women's breast cancer bearers treatment. For obtaining of the data a structured interview was elaborated, starting from which a variety of the used mechanisms was verified, as rationalization, formation reactivates, intellectual, denial and displacement. For the exposed in that work, it was evident that the task of taking care of a patient with breast cancer, it is considered by the professionals as difficult, reason for the which the professionals end up using the most varied defense mechanisms.

Keyworks: Defense mechanism, Health professional, Cancer of breast.


 

 

1. MECANISMOS DE DEFESA UTILIZADOS POR PROFISSIONAIS DE SAÚDE NO TRATAMENTO DE MULHERES PORTADORAS DE CÂNCER DE MAMA

Objetiva-se com esta pesquisa demonstrar no que se baseia a relação médico/paciente, ressaltando os mecanismos de defesa utilizados pelos profissionais de saúde ao relacionarem-se com mulheres portadoras do câncer de mama. Já que existem poucas pesquisas diretamente relacionadas com o assunto, e no entanto, existe uma importância tanto para a área do profissional de saúde quanto para as pacientes, podendo assim ajudar, mesmo que de uma forma sutil, porém significativa, a comunidade em geral.

A relação profissional/paciente é, na verdade, a interação entre dois seres humanos, na qual estão envolvidas, duas personalidades distintas, de modo que tudo o que pode ser observado no processo de relacionamento entre ambos e particularmente os mecanismos de defesa dos profissionais de saúde, pode e deve ser objeto de estudo nesta relação do profissional de saúde com a paciente com câncer de mama.

Houve uma época, em que ter câncer, era ter os dias contados. No entanto, com o passar do tempo e com o conhecimento adquirido da população através de campanhas, houve um aumento das medidas preventivas e uma maior procura de profissionais na área. Segundo Adams & Petersdorf:

Câncer é um termo utilizado para caracterizar o crescimento anormal de células, que pode resultar na invasão de tecidos normais vizinhos ou na disseminação para outros órgãos (metástase). O grau de malignidade do câncer baseia-se na propensão destas células à invasão e disseminação distante. (1980, p1710).

Hakaru Tadokoro disse, em reportagem feita para “Revista de Saúde Mental”(2004), que o câncer pode também expressar as condições de vida das populações e de desenvolvimento das sociedades. A má alimentação ou ingestão de alimentos inadequados, a falta de higiene e de condições sanitárias, o consumo de cigarro e bebidas em excesso, a falta de diagnósticos precoces podem contribuir para desencadear alguns tipos de tumores.

1.1 Lidando com a morte

Segundo Belos (1999), antigamente o paciente em fase terminal morria em sua própria casa, lentamente, onde tinha tempo para despedir-se e passar seus últimos momentos com seus familiares. No entanto, cultura científica e objetiva por excelência, muitas vezes acaba por deixar pessoas morrerem sozinhas, na assepsia fria dos hospitais e experimentando, como último sentimento, um dos medos mais primitivos do ser humano: a solidão.

Com o desenvolvimento científico, morrer tornou-se solitário e desumano. Diante do paciente terminal, quando a medicina já sabe que a doença venceu a guerra, não cabe mais ao médico a tentativa de cura, muitas vezes extremamente sofrível e estéril, mas assistir, servir, confortar e cuidar. Se pretendendo ajudar alguém nessa fase, seja terapeuticamente, medicamente ou humanamente, é preciso preparar-se e informar-se para lidar com a morte.

Segundo Ballone (2005) a morte constitui o oposto da vida. Por isso, torna-se um fenômeno aterrorizante, repulsivo e desconhecido para nossa espécie, que exulta instintivamente a vida. Dor e medo são os sentimentos predominantes nesta relação com a morte.

No entanto, afirma ainda que a morte é um processo biológico natural e necessário. Falar que a morte é o contrário da vida não é correto. A morte é uma condição indispensável à sobrevivência das espécies e, através dela a vida se alimenta e se renova. Desta maneira a morte não seria a negação da vida e sim um artifício da natureza para tornar possível a manutenção da vida. (Ballone, 2005)

A sociedade ocidental, basicamente, rejeita a morte procurando constantemente vencê-la e para isso se baseia no seu desenvolvimento científico. A tentativa de vencer ou, no mínimo, contornar a morte é pretendida com certo sucesso pela medicina moderna. Ao pensar na morte, seja a simples idéia da própria morte ou a expectativa mais do que certa de morrer um dia, seja a idéia estimulada pela morte de um ente querido ou mesmo de alguém desconhecido, o ser humano maduro normalmente é tomado por sentimentos e reflexões. (Ballone, 2005).

Esses pensamentos, ou melhor, os sentimentos determinados por esses pensamentos variam muito entre as diferentes pessoas, também variam muito entre diferentes momentos de uma mesma pessoa. Podem ser sentimentos confusos e dolorosos, serenos e plácidos, raivosos e rancorosos, racionais e lógicos, e assim por diante.

Enfim, são sentimentos das mais variadas tonalidades. Isso tudo pode significar que a morte, em si, pode representar algo totalmente diferente entre as diferentes pessoas, e totalmente diferente em diferentes épocas da vida de uma mesma pessoa.

1.2. A psicologia e o câncer

Uma pergunta dita pela maioria das pacientes é “Por que eu?”. Esta é a pergunta que a pessoa imediatamente se faz quando recebe o diagnóstico de câncer. A vida parece, então, desmoronar junto com todos os projetos, expectativas, desejos e conquistas. (Teixeira, 1999).

Segundo Seguin (1999) “o câncer é percebido ainda hoje como uma condenação, como um castigo – merecido ou não – estando ainda fortemente associado à idéia de morte”. A partir desta vivência, a pessoa, que se depara com a informação de um câncer, tende a se isolar procurando esconder dos outros e, por vezes, até de si mesma, a sua doença.

Este tipo de atitude de negação, longe de ter um efeito positivo na reorganização da pessoa frente à doença, tende a retardar e dificultar os passos necessários na busca dos recursos disponíveis ao seu tratamento. Pois, só na medida em que o câncer é enfrentado de forma direta e objetiva, com a participação ativa da pessoa nas decisões pertinentes ao seu tratamento e à sua vida como um todo, é que se torna possível desmistificar essa doença e reorganizar a vida, de forma que a pessoa possa buscar uma maneira mais plena e satisfatória de viver consigo mesma e com os outros.

Nesta ótica, o atendimento psicológico mostra-se útil ao ajudar a pessoa a lidar com a doença e a perceber o que pode e precisa ser mudado em si mesma – atitudes, crenças, valores e expectativas – visando uma melhor qualidade de vida.

Sendo assim, é importante frisar que isto pode ser buscado e alcançado independentemente do prognóstico e da evolução da doença, uma vez que o essencial está não na quantidade de anos vividos, mas na maneira de vivê-los.

1.3. Relação profissionais de saúde/paciente

Segundo Prado, Ramos e Valle “a relação médico/paciente é interação humana na qual estão em jogo emoções, sentimentos e fantasias de natureza bastante primitivas e portanto muito intensas”(2005, p.72).

Sendo assim, os profissionais de saúde deveriam pensar no efeito humanizador que se concretizaria se estivessem mais próximos de seus doentes ao longo de todo o tratamento. A afetividade da relação médico/paciente possibilita a troca de experiências, dando a oportunidade a ambos de rever conflitos internos; teriam a oportunidade de aprender a viver de modo mais intenso e interessante o dia-a-dia, reformulando sua própria vida como profissional e indivíduo.

Segundo Schiler (1997) “os profissionais saberiam que todo seu empenho na arte médica não se mostra frustrante diante da morte, vendo que contra as forças incansáveis da natureza, não haverá jamais vitória que dure”(p. 22) Necessita-se também se posicionar diante da vida, encarando com realidade e serenidade a própria finitude e limitação, assim como a dos doentes, diante das doenças e portanto compreendê-los quando se mostram frágeis, assustados e com dor.

Para compreender as fases psicológicas que as doenças trazem é essencial para o entendimento das reações do doente e dos familiares, evitando que mecanismos compensatórios surjam impedindo a assimilação da realidade e elevando a altos índices a ansiedade e angústia de todos os envolvidos. Pois a morte mobiliza conteúdos internos, sentimentos persecutórios e angústias no profissional, que não estando preparado não poderá compreender o que sente e por defesa acaba se distanciando do doente e impossibilitando envolvimento tão essencial para a cura ou para o acompanhamento da doença. (Schiler, 1997).

Faz-se necessário, que todos que lidam com doentes crônicos e terminais tenham sido preparados e acompanhados psicologicamente, pois desde o momento da descoberta da doença, a comunicação formal ao doente até o ato de morrer, tudo mobiliza profundamente e não se pode deixar de perceber que são sentimentos e sensações relevantes. Assim, poder estar próximo ao doente amparando e facilitando expressões de rejeição, raiva isolamento e abandono, minimiza sensivelmente o stress de ambos e facilita a compreensão das fases de evolução psicológica da doença e da morte, proporcionando a vivência da grandeza de uma relação humanitária.

1.4. Mecanismos de defesa dos profissionais de saúde

Segundo Nunes (2004) “como seres humanos é difícil conciliar o ideal de curar e a formação como pessoa com o ideal profissional de cuidar”(p. 55). Mas, para isto contribuem as constantes descobertas científicas na área da saúde, que permitem aumentar a esperança de vida do homem e que parecem criar na sociedade cada vez mais a idéia de imortalidade, exigindo dos profissionais de saúde que tudo seja feito no sentido de tratar o órgão ou sistema doente em detrimento do cuidar da pessoa doente no seu todo.

Constata-se ainda, que a maior dificuldade, e talvez mesmo como profissionais, é precisamente o saber ser com o doente, ou seja, o aspecto relacional e o culto da relação de ajuda. Se para um profissional de saúde é difícil desenvolver os aspectos relacionais com qualquer doente, mais se agrava ao se tratar de uma pessoa com câncer de mama, pois poucas são as doenças que causam maiores sentimentos de ansiedade e apreensão, ainda mais que o câncer de mama apresenta uma conotação social com sofrimento, mutilação, dor, dependência, rejeição e morte. (NUNES, 2004)

Sendo assim, cuidar do doente constitui mesmo uma das atividades mais exigentes e desgastantes, tanto a nível físico como psíquico, a que estão sujeitos os profissionais presenciando muitas vezes à falência do tratar emergindo então o cuidar, o que requer uma grande maturidade profissional e estabilidade emocional face a esta doença.

Segundo Bird (1978) “entre todos os aparatos técnicos que aumentam o poder de observação do médico, nenhum se aproxima em valor do uso habilidoso das palavras faladas – palavras do médico e do paciente”(p.41). Mas sabe-se que muitas vezes mais importante que a comunicação verbal são os gestos, as expressões faciais ou o próprio tom de voz.

Para além do primeiro contato, existem alguns princípios e valores que devem prevalecer e nortear sempre a relação profissional/doente, como seja o respeito pelo outro, reconhecendo cada doente como uma personalidade própria e única. As informações devem ser transmitidas de forma clara, de acordo com a especificidade individual de cada doente e à medida dos seus desejos. Passa também por respeitar o silêncio e procurar desse modo estimular a capacidade de reflexão do doente sobre si mesmo dando-lhe oportunidade e tempo para expressar as suas emoções e esclarecer as suas dúvidas e preocupações. Devem também, ser evitadas atitudes como a frieza, falta de sensibilidade, de afeto, desinteresse ou distância substituindo-as por outras como o calor humano, a compreensão e mais importante que isso se mostrar e manter-se interessado escutando o doente com todos os sentidos.

Os profissionais de saúde, quando em confronto com situações emocionalmente mais desgastantes, tais como quando o doente aborda sobre o seu diagnóstico ou prognóstico de doença, tem-se tendência a adotar muitas vezes, por vezes inconscientemente, mecanismos de proteção e defesa, como: negação da situação, distanciamento, manutenção de relações superficiais com os doentes, instituição de rotinas e protocolos, argumentando falta de tempo e de disponibilidade para ouvir e estar junto das doentes.

Além disso, para poder ser eficaz na sua atuação, o profissional de saúde deve conhecer o impacto emocional que o diagnóstico do câncer tem sobre o doente e a família. Situações como choque, negação, raiva, instabilidade emocional e ansiedade são freqüentemente acompanhadas por distúrbios físicos variados.

Enfim, estes doentes têm necessidade de conseguir uma verdadeira relação de confiança com a equipe de saúde, estabelecer uma comunicação aberta, honesta, verdadeira e freqüente. O doente necessita ter a garantia de que a equipe de saúde fará o maior esforço possível para minimizar os seus sintomas psicológicos e físicos, percebendo que está envolvido na tomada de decisões sentindo-se útil.

Todos os mecanismos de defesa podem ser encontrados em indivíduos saudáveis, e sua presença excessiva é, via de regra, indicação de possíveis sintomas neuróticos. Citam-se os principais (Baseado no livro “Teorias da Personalidade” de J. Fadiman e R. Frager – Harba, 1980): Repressão, Racionalização, Formação Reativa, Projeção, Intelectualização, Negação e Deslocamento.

 

2. MÉTODO

Caracterização Dos Participantes

SUJEITO A – Sexo masculino, 10 anos de profissão, formado em 1994 e a 4,5 anos trablaha com ginecologia e obstetrícia.

SUJEITO B - Sexo feminino, 27 anos de profissão e a mais de 30 anos em contato com pacientes com câncer de mama.

SUJEITO C – Sexo feminino, 12 anos de profissão e a 12 anos trabalha com pacientes com câncer de mama

Instrumento de coleta de dados

Para uma melhor fidedignidade as informação descritas utilizou-se um gravador da marca Sony, sendo que as fitas foram inutilizadas após a transcrição do discurso.

Procedimento de Campo

Foi realizada uma visita a Rede Feminina de Comate ao Câncer de SMO, para conhecer o trabalho e os profissionais que ali trabalhavam, sendo que havia quatro profissionais e uma profissional que se recusou a participar da entrevista. Desse modo, foi entrado em contato via telefone para agendar entrevista e local com os mesmos, sendo escolhido o dia, horário e local por eles. Assim, ao chegar no local da entrevista foi entregue ao sujeito um termo de livre consentimento, sendo que todos eles assinarem, concordando com os termos na deferida solicitação e a entrevista foi gravada.

 

3. RESULTADOS

SUJEITO A

EXPERIÊNCIA PESSOAL : Conhecimento adquirido ao longo da vida no seu ambiente particular.

O Sujeito A relata, que possui em seu contexto familiar, uma parente muito próxima que é portadora de câncer de mama. Afirma que é uma doença difícil de lidar, devido, a preconceitos, pois o paciente no momento em que recebe o diagnóstico considera a sua vida como selada, com poucas chances de tratamento e cura. Existe também a expectativa da paciente, com a qual é necessário transmitir otimismo para a realização do tratamento.

Este Sujeito também relata o processo de aceitação das pacientes à doença após o diagnóstico estar confirmado. Inicialmente surge a negação da doença (pacientes que permanecem nesta fase acabam não realizando o tratamento e normalmente vem a óbito), em seguida a revolta (muitas pacientes ficam revoltadas e culpam o médico por não ter dado o diagnóstico antes, ficando muitas vezes agressivas) e finalmente a aceitação de sua condição. Assim o Sujeito confirma a falta de preparo para com as pacientes nesses casos, não havendo um treinamento suficientemente adequado para lidar com elas, principalmente aquelas que acabam transferindo para o médico a responsabilidade sobre a doença, e o médico, por sua vez, transfere a paciente antipatia fazendo com que na maioria das vezes ela fuja do tratamento.

Ressalta também, que devido ao fato de ter parente próximos com câncer, encara o paciente com mais sensibilidade, sabendo o que vai acontecer e a maneira de agir em determinadas situações. Isto facilita a interação e assim, este Sujeito, procura transmitir a paciente uma certa dose de paciência e otimismo o que evita possíveis confrontos. Procura também explicar à paciente, que o tratamento é feito passo-a-passo até chegar a uma possível cura. No entanto, para chegar a isso, o Sujeito relata a necessidade do treinamento, da sensibilidade e do manejo clínico, o que considera muito importante “o psicólogo do paciente” para o desfecho final. Utiliza também, meios para tentar confortar o paciente o máximo possível para o mesmo ir aceitando a situação e vivenciando-a junto ao médico.

SUJEITO B

PROCESSO NATURAL DE ENVELHECIMENTO: Processo de mudança espontânea natural, ou inerente de tornar-se velho.

O Sujeito B, relata que há dois grupos de mulheres completamente distintas: de um lado “as que aceitam as mudanças do corpo e a possibilidade de um câncer ao longo da vida” e de outro lado “as que nunca contam com essa possibilidade ao longo da vida”. Este fato repercute na postura do médico frente a estas situações. Argumenta que a paciente que aceita envelhecer já chega no consultório sabendo que está sujeita a neoplasia, colocando-se a disposição para o tratamento imediato, aceitando a possibilidade de cura ou não da patologia. Já a paciente que não aceita envelhecer é mais resistente em aceitar o diagnóstico, se desespera e demora mais tempo para iniciar um tratamento curativo. Este profissional, no entanto, relata que não dá para identificar o porque um grupo se comporta de tal maneira e outro trabalha como uma ocorrência habitual e procuram ajudar no tratamento seguindo todas as orientações médicas, sendo que, essa diferença de comportamento é independente da cultura e da quantidade de conhecimento científico ou técnico ue ela tenha.

O Sujeito considera que o câncer de mama foi e continua sendo muito estigmatizado, não havendo motivo para tanto pavor a presença ou diagnóstico do câncer. Os avanços na medicina possibilitam a paciente que tenha uma vida normal após o tratamento. E o Sujeito repassa a paciente que ela vai ter que dedicar em torno de um ano da sua vida ao tratamento e de reconstrução de seu corpo, após esse tempo, a vida continua da mesma maneira, podendo voltar as atividades cotidianas.

O Sujeito B, considera o câncer uma doença crônica, e que acha mais fácil conviver com um câncer de mama do que com uma diabetes, o câncer limita menos do que a diabetes, uma cardiopatia ou uma hipertensão segundo o Sujeito B.

SUJEITO C

CERTEZA AO DAR O DIAGNÓSTICO: Convicção e segurança ao repassar para a paciente o conhecimento ou determinação da doença pela observação e descrição dos sintomas e/ou mediante exames diversos.

Para o Sujeito C é muito difícil dar o diagnóstico a paciente, sendo que o sujeito considera que não pode falar isso para os familiares, mesmo que julgar que quando uma mulher procura o médico com algum problema de mama, e ela já vem com medo, ninguém está preparado para receber essa notícia, mas a pessoa já vem sabendo ou ela tem ou ela não tem, já chega um pouco preparado, mas não totalmente. Sendo assim, o sujeito só repassa o diagnóstico de câncer ao ter cem por cento de certeza, pois todos o psicológico da mulher que já vem abalado pela lesão, também envolve a família, sendo que, por considerar menos chocante para a paciente, o sujeito não fala em câncer mas em neoplasia.

Relata que o câncer de mama é mais difícil de dar o diagnóstico do que outros cânceres, pela questão que se tiver que ser retirada a mama, onde todas vão ver, vai aparecer, todos enxergam, além do psicológico nesse caso, que é mais complicado. Relembra também que o câncer pode não matar e não mata um número considerável de mulheres hoje, pois as mulheres vão a procura de atendimento, sendo assim, podendo diagnosticar mais cedo e pode-se tratar e curar, portanto, câncer não significa morte. E o médico tem que saber lidar e indicar logo o tratamento que for necessário mesmo que seja cirurgia, radio ou quimioterapia, para que a pessoa viva bem depois disso, sem seqüelas.

DIAGNÓSTICO

Sujeito A e C: Deslocamento (um motivo que não pode ser gratificado de uma maneira é desviado para outro canal)- dificuldade em transmitir o diagnóstico. Não é uma doença fácil de lidar devido a preconceitos. “Difícil dar o diagnóstico, ninguém está preparado para receber essa notícia, só o anuncia o diagnóstico quando tem certeza”.

Sujeito B: Intelectualização (tentativa de se desvencilhar de uma situação estressante lidando com ela de maneira abstrata e intelectual): “Há dois grupos de mulheres diferenes: as que aceitam envelhecer e aceitam as mudanças do corpo e a possibilidade do câncer e outras que não contam nunca com essa possibilidade ao longo de sua existência. As que aceitam, sabem que estão sujeitas a uma neoplasia desta qualidade.”

RELAÇÃO MÉDICO/PACIENTE

Sujeito A: Intelectualização: “Os processos de negação, revolta e aceitação da doença”.

Sujeito B: Racionalização (atribuição de motivos lógicos ou socialmente desejáveis ao que fazemos de modo a parecer ter agido racionalmente). “Não vejo motivo para se tratar com tanto pavor a presença ou diagnóstico de câncer de mama. Depois do tratamento a vida continua completamente igual a que ela tinha antes do diagnóstico”.

Sujeito C: Formação reativa. (Escondem um motivo de si mesmas dando forte expressão ao motivo oposto). "Muito difícil de dar essa notícia, mas normalmente a mulher que te procura com algum problema de mama ela vem com medo, a pessoa já vem sabendo que ou ela tem ou ela não tem".

SIGNIFICADO DO CÂNCER

Sujeito A: Experiência pessoal; Racionalização: “são vários familiares com cancer e eu acho que a vivência da gente como indivíduo e quando tem na família uma pessoa com câncer enriquece o lado profissional para quem trabalha na saúde”.

Sujeito B: Negação. (Quando uma realidade externa é muito desagradável de encarar, a pessoa pode desenvolver uma negação, negando a existência de uma realidade indesejável). “Acho mais fácil conviver com um câncer de mama do que com um diabetes. Ele te restringe e te limita menos do que uma diabetes, uma cardiopatia ou um hipertensão).

Sujeito C: Formação Reativa: “Câncer não é sinal de morte”.

 

4. DISCUSSÃO

A análise das três categorias depara-se com algumas questões discutidas na literatura a respeito dos mecanismos de defesa utilizados pelos profissionais de saúde em tratamento com mulheres portadoras de câncer de mama. Em primeiro lugar, os mecanismos de defesa utilizados podem ser considerados como necessários para a relação médico/paciente? Como se constitui a atividade de cuidar do doente, para o profissional de saúde? E finalmente, encontra-se em todo o processo de doença, por exemplo, construções culturais e significado pessoal, quais as articulações mais relevantes do ponto de vista do tratamento, a fim de possibilitar uma maior adesão ao mesmo.

A respeito da primeira questão mencionada acima, Nunes relata que “os profissionais de saúde, quando em confronto com situações emocionalmente mais desgastantes tais como quando o doente aborda sobre o seu diagnóstico ou prognóstico da doença, tem-se a tendência a adotar muitas vezes, incoscientemente mecanismos de defesa, como: negação da situação, distanciamento, manutenções de relações superficiais com os doentes, instituição de rotinas e protocolos, argumentando falta de tempo e de disponibilidade para ouvir e estar junto dos doentes”. E ainda segundo Fadiman “todos os mecanismos podem ser encontrados em indivíduos saudáveis”. De acordo com Alkinson “Freud utilizou o mecanismo de defesa para se referir as estratégias que as pessoas utilizam para lidar com a ansiedade, que são predominantemente inconsciente, eles ajudam nos momentos difíceis até que pode-se lidar com as situações estressantes de maneira mais direta”.

Pode-se perceber, dessa maneira, que a utilização dos mecanismos de defesa é natural e necessária para poder lidar com as situações do dia-a-dia, inclusive na relação médico/paciente. Nos resultados da pesquisa constatou-se uma variedade dos mecanismos utilizados, possuindo diferentes mecanismos para as mesmas questões, surgiram assim, mecanismos de racionalização, formação reativa, intelectualização, negação e deslocamento.

A respeito da segunda questão a atividade do cuidar do doente para o profissional, segundo Nunes “cuidar do doente constitui uma das atividades mais exigentes e desgastantes, tanto a nível físico como psíquico, a que estão sujeitos os profissionais presenciando muitas vezes a falência do tratar emergindo então o cuidar, o que requer uma grande maturidade profissional e estabilidade emocional face a doença. Constata-se ainda, que a maior dificuldade é talvez mesmo como profissional, é precisamente o saber ser com o doente, ou seja, o aspecto relacional e o culto da relação de ajuda. Se para um profissional de saúde é difícil desenvolver os aspectos relacionais com qualquer doente, mas se agrava ao se tratar de uma pessoa com câncer de mama, pois poucas são as doenças que causam maiores sentimentos de ansiedade e agressão, ainda mais que o câncer de mama apresenta uma conotação social com sofrimento, mutilação, dor, dependência, rejeição e morte”. De acordo com os resultados da pesquisa, pode-se perceber que na relação médico/paciente os profissionais utilizam mecanismo de intelectualização de maneira que, os profissionais tentam se desvencilhar de uma situação estressante lidando com ela de maneira abstrata e intelectual, outras utilizam o mecanismo de racionalização, sendo que atribuem motivos lógicos ou socialmente desejáveis para o comportamento. Pode-se perceber assim, que os profissionais procuram utilizar um discurso e atitudes consideradas racionais para com a relação médico/paciente, deixa-se assim de humanizar essa relação, tornando-a muitas vezes, uma relação desinteressada, com falta de comunicação, sensibilidade e afeto, o que por sua vez dificulta que o paciente consiga estabelecer uma verdadeira relação de confiança com a equipe de saúde.

Na terceira questão sobre o que é relevante à adesão ao tratamento, percebe-se que em relação ao significado pessoal do câncer para os profissionais, surgiram os mecanismos de formação reativa, no qual há tendência das pessoas esconderem um motivo de si mesmo, dando forte expressão ao motivo oposto, constata-se assim, a dificuldade em confrontar-se com tal situação. Outros profissionais entrevistados utilizaram a racionalização, mecanismos comuns em profissionais de saúde devido ao seus nível de conhecimento. No entanto, talvez esta seja a maneira encontrada pelos profissionais para poderem lidar com a situação, não sendo melhor ou pior que as encontradas por outras pessoas, apenas a encontrada, não tendo, necessariamente maior eficácia. O significado pessoal do câncer passa pela construção cultural, na medida que o Brasil é um país tropical onde se prioriza a exposição do corpo e sua aparência saudável, sendo que a questão da estética muito importante.

Para Prado, Ramos e Valle “os profissionais de saúde deveriam pensar no efeito humanizado que se concretizaria se estivesse mais próximas de seus doentes ao longo de todo tratamento”. Segundo Pereira “compreender as fases psicológicas que as doenças trazem é essencial para o entendimento das reações do doente e dos familiares, evita-se que mecanismos compensatórios surjam impedindo a assimilação da realidade e elevando altos índices a ansiedade e a angústia de todos os envolvidos. Se faz necessário, que todos que lidam com doentes crônicos e terminais tenham sido preparados e acompanhados psicologicamente, pois desde o momento da descoberta da doença, a comunicação formal ao doente até o ato de morrer, tudo mobiliza profundamente e não se pode deixar de perceber que são sentimentos e sensações relevantes. Assim, poder estar próximo ao doente minimiza sensivelmente o estresse de ambos e facilita a compreensão das fases de evolução psicológica da doença e da morte, proporcionando a vivencia da grandeza de uma relação humanitária. Percebe-se assim que, muitas vezes o profissional acaba se distanciando do doente e dificultando o envolvimento que é considerado essencial para a cura ou acompanhamento da doença.

 

5. CONCLUSÃO

Através desta pesquisa, pode-se constatar quais são os mecanismos de defesa utilizados pelos profissionais de saúde em tratamento com mulheres portadoras de câncer de mama, assim como a diferença dos mecanismos de um profissional para outro na mesma questão.

Percebeu-se uma carência de trabalho no que diz respeito aos mecanismos de defesa, sendo que poucos autores arriscaram-se a tecer considerações e aprofundar-se no tema. Em relação aos mecanismos de defesa, o fato é que, seja como forma de lidar melhor com a situação ou de evitar conflito psiquico, ou seja, ainda por ambos parece haver a utilização das mesmas de maneira a evitar um envolvimento mais efetivo com os pacientes.

Pelo exposto nesse trabalho, ficou evidente que a tarefa de tratar de uma paciente com câncer de mama, é considerada pelos profissionais como difícil, principalmente no momento do diagnóstico, fica dessa maneira, a duvida em termos da preparação psicológica dos profissionais em determinadas situações, sendo que nenhum dos profissionais interrogados demonstrou facilidade ou um bom manejo, seja na relação médico/paciente, seja no tratamento em geral.

A relevância desta pesquisa, está em proporcionar aos profissionais de saúde um maior conhecimento sobre como utilizam seus mecanismos de defesa, afim de que possam melhorar a relação médico/paciente, além disso fornecer subsídios para a construção de projetos de intervenção profissional com as quais sejam possíveis tornar mais humanas as ações na área da saúde em relação as portadoras de câncer de mama.

 

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