SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número6Mecanismos de defesa utilizados por profissionais de saúde no tratamento de câncer de mamaViolência e criminalidade: as razões e as lógicas das instituições de pseudo cuidado índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Psicologia para América Latina

versión On-line ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  n.6 México mayo 2006

 

PROCESO SALUD-ENFERMEDAD Y BIENESTAR SOCIAL

 

Aplicação do psicodrama pedagógico na compreensão do sistema unico de saúde: relato de experiência

 

 

Annatália Meneses de Amorim GomesI; Conceição de Maria de AlbuquerqueII; Escolástica Rejane Ferreira MouraIII; Luiza Jane Eyre de Souza VieiraIV

I Secretaria da Saúde do Ceará, Brasil
II NAMI - UNIFOR, Brasil
III Universidade Federal do Ceará – UFC
IV Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Instituto Dr. José Frota

 

 


RESUMEN

Se trata de un estudio descriptivo – explorador, que ha tenido como objetivo la identificación de los resultados de la aplicación del psicodrama pedagógico como referencial para el aprendizaje acerca del Sistema Único de Salud. Los datos se originan del convivio en un seminario temático que se ha desarrollado como parte de la asignatura de Políticas y Prácticas de Salud, del Master de Educación en Salud de la Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Los resultados han evidenciado que la aplicación del psicodrama pedagógico ha facilitado la comprensión del SUS por parte de los alumnos de este grupo de Master. Integración, afectividad, ingeniosidad, relajación, motivación, participación, conexión entre teoría y práctica y el ponerse en lugar del cliente han sido aspectos favorables al aprendizaje, potencializados por el uso del psicodrama. Se recomienda que otras experiencias se reproduzcan siguiendo este referencial, de manera a desafiar el paradigma de la enseñanza tradicional: controladora, estricta y limitada.

Palabras clave: Enseñanza, Psicodrama, Sistema Único de Salud.


RESUMO

Trata-se de estudo descritivo-exploratório, que teve como objetivo identificar as repercussões da aplicação do psicodrama pedagógico como referencial para aprendizagem sobre o Sistema Único de Saúde. Os dados foram oriundos da vivência de um seminário temático desenvolvido como parte da Disciplina Políticas e Práticas de Saúde, do Mestrado de Educação em Saúde da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Os resultados constataram que a aplicação do psicodrama pedagógico facilitou a compreensão do SUS por parte dos alunos desta turma de mestrado. Integração, afetividade, criatividade, descontração, motivação, participação, conecção entre teoria e prática e colocar-se no lugar do cliente foram aspectos favoráveis à aprendizagem, potencializados pelo uso do psicodrama. Recomenda-se que outras experiências sejam reproduzidas seguindo este referencial, de maneira a desafiar o paradigma do ensino tradicional: controlador, rígido e limitado.

Palavras-chave: Ensino, Psicodrama, Sistema Único de Saúde.


ABSTRACT

This is an exploratory descriptive study, that had as objective to identify the repercussions of the pedagogic psychodrama application as referential for learning on the Public Health System (SUS). The data were originating from the existence of a thematic seminar developed as part of the Subject Politics and Practices of Health, of Masters in Health Education of the University of Fortaleza (UNIFOR). The results verified that the pedagogic psychodrama application facilitated the understanding of SUS for the students of this masters course group. Integration, affectivity, creativity, outgoingness, motivation, participation, connection between theory and practice and to place in the customer's place was favorable aspects to the learning, potentiated for the use of the psychodrama. It is recommended that other experiences are reproduced following this referential, in way to challenge the paradigm of the traditional teaching: controller, rigid and limited.

Keywords: Teaching, Psychodrama, Public Health System.


 

 

INTRODUÇÃO

A expectativa do profissional de ensino comprometido com sua tarefa, tem sido de operar com modelos interpretativos que dêem respostas coerentes à pergunta como ensinar, na medida em que, aprender não é copiar ou reproduzir a realidade (Freire, 1983). Esta concepção guarda uma relação com o caráter ativo do aluno no processo ensino-aprendizagem, levando a um conhecimento como fruto de uma construção pessoal e relacional em um contexto ditado de elementos significativos em interação dinâmica, tais como os culturais, sociais, filosóficos, religiosos etc. Quando este processo ocorre, pode-se dizer que a aprendizagem está se efetuando, sendo construído um significado próprio e pessoal no indivíduo a partir de aspectos que emergem também das relações no grupo.

Em conformidade com o que foi descrito, percebe-se que o processo ensino-apredizagem conduz não somente a acumulação de novos saberes, mas, principalmente, a integração, modificação, estabelecimento de relações e coordenações entre esquemas de conhecimentos já existentes, dotados de uma certa estrutura e organização que varia em vínculos e relações a cada nova apreensão da realidade. Neste sentido, o ensino deve promover intercâmbios que levem a aprendizagem cognitiva e à socialização, considerando as condições normativas, efetivas, simbólicas e as relações humanas (Tardif; Loiola & Loiola, 2004). No estudo das leis que regem o comportamento social e grupal, Moreno (1959) desenvolveu os fundamentos da Socionomia, que visa compreender de modo aprofundado toda dinâmica que se instala no processo de interação humana, estruturando o Psicodrama como “o método que penetra a verdade da alma através da ação” (Moreno, 1959, p. 98). Este método nega a repetição de conteúdos e pede a aprendizagem de ações adquiridas nas relações interpessoais por meio de jogos dramáticos visando a espontaneidade e criatividade.

Segundo Monteiro (1994, p. 21), “o jogo é uma atividade que propicia ao indivíduo expressar livremente as criações de seu mundo interno, realizando-as na forma de representação de um papel, pela produção mental de uma fantasia ou por determinada atividade corporal”. O jogo dramático obedece aos mesmos princípios e etapas do Psicodrama: aquecimento, dramatização e compartilhar.

A primeira etapa é o aquecimento que visa situar e focar a atenção em si mesmo, aquietando as resistências e preparando o sujeito para novas vivências; em seguida ocorre a dramatização, a própria ação dramática, finalizando pelo compartilhar, que consiste na expressão de emoções e sentimentos despertados a partir da dramatização (Cukier, 1992).

Para Garrido-Martín (1996), o pensamento de Moreno é correlato ao campo da Pedagogia, pois aquela abordagem nasceu fundamentalmente de uma atitude terapêutica, oferecendo um conjunto de estratégias extremamente úteis ao processo educativo, como: teatro espontâneo, jornal vivo, jogos dramáticos, dramatizações, sociodramas, role playing, mas principalmente, o método educacional psicodramático ou psicodrama pedagógico, este último desenvolvido por Romaña (1987;1996). Romaña (1987) destaca o conceito de psicodrama como sendo a combinação equilibrada de trabalho em grupo, desenvolvido num clima de jogo e liberdade, que alcança sua maior expressão quando articulado no plano dramático ou teatral. Por meio deste conjunto de ações é possível construir conceitos e treinar papéis com o psicodrama pedagógico, o qual se vale do recurso dramático para a reconstrução das experiências individuais, procurando inseri-las no plano coletivo, contextualizado no aqui e agora.

Em face ao exposto, considerou-se relevante relatar uma experiência prática de utilização do psicodrama pedagógico em um seminário temático sobre Sistema Único de Saúde (SUS). Ressalta-se que o SUS surgiu como modelo inovador e integrador das ações de assistência básica em saúde, resultante de um conjunto de embates políticos e ideológicos travados por diferentes atores sociais, ao longo dos anos. Decorrentes de concepções diferenciadas, as políticas de saúde e as formas como se organizam os serviços não são frutos apenas do momento atual, ao contrário, têm uma longa trajetória de formulações e de lutas (Cunha & Cunha, 2001). Para os mesmos autores, a primeira mudança incorporada pelo SUS foi a incorporação de um conceito de saúde mais abrangente, idealizado não apenas como a ausência de doenças, mas sendo resultado de um conjunto de fatores sociais, econômicos, políticos, culturais, ambientais e comportamentais, além do biológico. Foi neste contexto de mudanças na conjuntura do sistema de saúde brasileiro e de construção do SUS que o processo ensino-aprendizagem descrito no presente estudo se desenvolveu, buscando-se a compreensão e apreensão dos seus componentes históricos, doutrinários, avanços e desafios em sua efetivação prática, tendo-se como objetivo identificar as repercussões do uso do psicodrama pedagógico como referencial entre alunos de um curso de mestrado.

 

MÉTODO

Estudo descritivo-exploratório uma vez que teve o propósito de descrever um processo ensino-aprendizagem no qual foram realizadas análises empíricas e teóricas. Gil (2002) argumenta que estudos desta natureza são realizados, habitualmente, por pesquisadores sociais ou por organizações educacionais, preocupados com a atuação prática.

Os dados foram registrados por ocasião de um seminário temático realizado como parte da disciplina Políticas e Práticas de Saúde, do Curso de Mestrado em Educação em Saúde, da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). A referida disciplina tem como ementa o estudo das políticas de saúde que norteiam o SUS; a consolidação do SUS; interface entre educação em saúde e promoção de saúde; e concepções vigentes de educação em saúde nas organizações sociais no Brasil. Os conteúdos da disciplina foram divididos em cinco seminários temáticos, que foram conduzidos pelos 20 alunos. A turma tem formação multiprofissional nas áreas de Enfermagem, Psicologia, Serviço Social, Terapia Ocupacional, Educação Física, Fisioterapia, Pedagogia e Odontologia, o que favoreceu a interdisciplinaridade no compartilhar de experiências e conhecimentos.

Os resultados foram apresentados conforme as etapas seqüenciais do seminário, ou seja, acolhimento, aquecimento, contação de história, teatro do improviso, exposição dialogada, conversa em subgrupos, escultura e avaliação / auto-avaliação através da roda de embalo. Esta divisão foi apenas didática, pois, na verdade, estas etapas ocorreram de forma integrada entre si.

Os participantes tiveram suas identidades respeitadas, mantendo-se o sigilo e o anonimato com relação aos sujeitos. A turma está ciente do estudo e concordou com sua elaboração sem nenhuma recusa.

 

RESULTADOS

Relato da experiência

Os facilitadores expressaram boas vindas aos alunos, passando sentimentos de alegria e entusiasmo por ocasião do acolhimento. Apresentaram-se e procederam a leitura e programação proposta, negociando os horários, conteúdos e dinâmica do seminário. Ressalta-se que o seminário ocorrera em um período pós-carnavalesco, sendo que alguns alunos demonstraram euforia e, outros, já se mostraram mais tranqüilos, particularmente aqueles que haviam aproveitado o período para repousar e/ou colocar as atividades acadêmicas em dia.

O aquecimento teve o objetivo de preparar o grupo para retornar desse contato externo e imergir nos objetivos do seminário. Foi realizado por meio de um exercício participativo intitulado “carnaSUS”, no qual um aluno entrevistava o outro sobre “como foi seu carnaval”, procurando identificar os fatos marcantes do período. Formaram-se pares, aleatoriamente, para a tarefa de elaborar uma manchete que retratasse o conteúdo das entrevistas / diálogos entre eles. As manchetes produzidas foram apresentadas à plenária de maneira criativa, onde os alunos simularam os principais noticiários de canais televisivos do País, reproduzindo-se sons, aberturas e posturas dos repórteres. Foram apresentadas as seguintes manchetes: “a busca da alegria e o encontro com a violência”; “carnaval também é descanso”; “carnaval mais saudável ainda é em casa”; “carnaval cultural de Olinda”.

O terceiro momento foi o da ação dramática caracterizado pela contação de história intitulada “Era uma vez o SUS...” (apêndice). Consistiu em um recurso utilizado para trabalhar o histórico do SUS, tendo sido criado o personagem Doutor Justo para narrar a história. Um dos facilitadores, incorporando este papel, convidou os participantes a se envolverem na construção do SUS, na medida em que a narração transcorria. Em seguida, realizou-se o teatro do improviso – “cotidiano do SUS”, dramatizado a partir de uma fila de atendimento no SUS, formada pelos próprios alunos que protagonizaram o cotidiano de suas práticas em cenas do tipo de atendimento oferecido pela recepcionista, pelo enfermeiro e pelo médico em uma unidade de saúde. As cenas negaram aos clientes grande parte dos princípios do SUS, como: universalidade, integralidade, equidade, bem como os princípios operacionais. Contou-se com a colaboração de representante do grupo de teatro da própria universidade, que favoreceu a condução e a participação dos alunos.

Para fundamentar as discussões que surgiram em decorrência do teatro, após reflexões dos alunos sobre a experiência protagonizada por alguns e assistida por outros, os facilitadores realizaram uma exposição dialogada com apoio de recurso audiovisual, aprofundando conceitos, avanços, desafios e perspectivas do SUS. Após a exposição, o conteúdo foi refletido na roda de conversa em subgrupos, na qual dividiu-se o grupo em dois subgrupos: um para discutir os avanços e o outro para discutir os desafios à implementação do SUS, passando em seguida para uma apresentação em plenária e consolidação do pensamento geral do grupo.

A turma foi conduzida para o momento da escultura, que utilizando o próprio corpo buscou construir uma imagem grupal a respeito da compreensão que agora imprimiam sobre o SUS. Sem utilização da fala foram surgindo diferentes imagens corporais, sendo que a cada imagem construída desfazia-se a anterior para dar lugar as novas formas de configuração, alteradas pelos movimentos das pessoas, até chegar a uma forma que o grupo considerou representar o momento vivenciado por todos. O conteúdo verbal só foi expresso após a construção da escultura, quando várias palavras foram emitidas para dar nome à obra: união de forças, participação, decisão conjunta, determinação, negociação, integração e mudança.

A roda de embalo culminou com a integração do grupo. A última etapa consistiu em compartilhar um momento no qual os alunos expressaram sentimentos com relação a vivência em sala de aula. O grupo finalizou o seminário em círculo com os braços entrelaçados, representando a importância da união e do trabalho em equipe para construção do SUS. Após o compartilhar realizou-se a avaliação.

 

ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA

As relações no grupo foram se reconfigurando constantemente em torno das situações vivenciadas e do nível de conhecimento entre os seus membros. O processo de interação e entrosamento das pessoas cresceu na medida em que a aproximação foi se dando pela aceitação de si mesmo e do outro e do compartilhar de experiências da vida, envolvendo sentimentos e descobertas.

Considerando estes aspectos, a integração entre os participantes foi favorecida durante todo o seminário: no acolhimento, pela maneira simpática, alegre e cordial com que os facilitadores recepcionaram os alunos, deixando-os à vontade; no aquecimento, que através do exercício “carnaSUS” proporcionou uma aproximação entre a temática do seminário e o carnaval, do qual a maioria dos alunos retornava, despertando interesse e integração; no teatro do improviso no qual todos participaram, como platéia ou como personagem, provendo a interação e a integração; na construção da imagem coletiva, momento no qual as oportunidades de re-criar imagens que representassem o SUS deu lugar a formações diferentes, até o abraço coletivo em roda de embalo; e, ainda, na avaliação/auto-avaliação, efetuada sob o olhar do aluno para o aluno e pelas docentes da disciplina. Portanto, o processo de integração grupal foi crescente nas diversas fases do grupo.

Sobre a evolução da integração de um indivíduo ao grupo, Yozo (1996) se refere a quatro momentos básicos: eu-comigo - momento em que se localiza e se identifica num grupo, quem sou eu, como estou e como me sinto; eu e o outro - identificação do outro, quem é o outro, como me aproximo, como me sinto; eu com o outro - percebe-se o outro e principia a inversão de papéis, como é o outro, como ele se sente, pensa e percebe em relação a ele; eu com todos - estabelecimento da relação com todos em busca de identidade e coesão grupal. Esses momentos foram trabalhados durante as diversas etapas do psicodrama pedagógico, o que favoreceu uma interação afetiva e efetiva entre os participantes.

O exercício de aquecimento “carnaSUS” proporcionou um campo de relaxamento para o grupo, aspecto que foi considerado como necessário por parte dos facilitadores, considerando ter sido este o primeiro seminário da disciplina. Segundo Gomes (2002), o aquecimento permite a superação das resistências, pela criação de um campo de descontração, podendo gerar maior participação, caso seja efetivo. Corroborando esse pensamento, Romaña (1987) afirma que nenhum conhecimento adquire vida dentro de um aluno, aprendiz ou treinando se não há um campo propício e disponibilidade para isso.

Percebeu-se que o aquecimento estabeleceu um ambiente de concentração e espontaneidade aos participantes. Um fato que merece destaque foi que, metade dos alunos preferiu o descanso ao invés das programações carnavalescas, e aqueles que participaram das festividades mostraram-se, por demais, preocupados com as cenas de violência presenciadas. Essa realidade despertou, no grupo, uma reflexão sobre violência e o contexto social atual. Tratar da questão da violência não fugiu ao debate do SUS, uma vez que constitui um dos maiores problemas de saúde pública da atualidade (Minayo, 2003) e, por outro lado, confirma a possibilidade que o processo ensino-aprendizagem participativo e livre abre para os alunos estabelecerem conecções com as diversas nuanças da vida prática.

A contação de história despertou curiosidade e motivação à escuta, constatação que confirma o pensamento de Freyre (2002, p. 14), ao afirmar que cada vez que alguém diz “era uma vez...”, a história ganha vida e prende a atenção:

...ao cruzar a fronteira com o imaginário, a realidade se transforma da mesma maneira que acontece nos sonhos, obedecendo à linguagem de que nada é impossível e trazendo sempre consigo um vasto poder de transformação.

A referida autora acrescenta que quem conta a história tem o brilho renovado no olhar, enquanto seres que diariamente lêem essa grande história que é a vida. Assim, a história do SUS ganhou vida e o grupo ao ouvir “era uma vez...” voltou-se para a contadora, silenciou e a escutou atentamente. O método também despertou o interesse dos alunos sobre a própria temática “contação de história”, talvez por ser um referencial bastante arraigado na cultura cearense.

O teatro do improviso trouxe fotografias da realidade, o que na visão do aluno favoreceu a possibilidade de colocar-se em vários papéis, sobretudo na posição de cliente, tendo a oportunidade de sentir como este se sente, contribuindo para maior atenção em suas práticas no sentido de escutar o cliente em suas necessidades, buscar compreender sua dinâmica sócio-cultural, assim como suas formas de perceber o processo saúde-doença e seus direitos, conforme pode-se observar na expressão de um aluno que protagonizou o papel:

Eu achei interessante porque pude me colocar no lugar do paciente e sentir o quanto é difícil para ele. Também percebi quanto os direitos dos pacientes são desrespeitados.

Moreno (1984) considera que no teatro do improviso, as figuras das personagens emergem na alma do autor, onde cada um destes personagens dramáticos é seu próprio criador, e o poeta é aquele que os combina dentro de um todo unificado. Colocar-se no lugar do cliente ou do profissional, desempenhando papel no teatro ou participando como platéia interativa, através do jogo dramático, permitiu ampliar a perspectiva pessoal dos alunos, pelo acesso a sentimentos, percepções, empatia, identificações e melhor compreensão das representações sociais, tanto do profissional de saúde como do cliente, neste encontro inter-humano na prática cotidiana. O lugar do jogo no desenvolvimento cognitivo/afetivo é aquele que propicia o reconhecimento das próprias capacidades, emoções, sentimentos e conflitos, uma vez que jogar é agir (Wechsler, 1999). Para Romaña (1987), o psicodrama pedagógico promove essa elaboração de conceitos e afetividade a partir de experiências cotidianas significativas, bem como melhor compreensão dos papéis profissionais e sua estruturação.

A exposição dialogada proporcionou reforçar conceitos, ampliando e aprofundando informações, favorecendo reflexões e conecções com atitudes percebidas na prática profissional, tendo-se destacado a importância de todos os profissionais para um atendimento mais respeitoso, humanizado e efetivo.

A conversa em subgrupos gerou reflexões em torno dos desafios à universalização do SUS. Os principais avanços identificados pelo grupo foram o de descentralização da atenção, incorporação de novas tecnologias e intersetorialidade; ao passo que os desafios corresponderam a desrespeitos dos direitos dos usuários, dificuldades de financiamento e de acesso aos serviços e concepção do processo saúde-doença centrado no modelo biomédico. Ao final, os alunos integraram essas duas faces, considerando o que era avanço como desafio e vice-versa. Neste sentido, os alunos discerniram estar o SUS em construção, sendo, portanto, processo de vir a ser, dependendo da parcela de contribuição dos profissionais e de cada um que ali se encontrava como protagonista e ator na cena de transformação da visão e da prática promotora de saúde no SUS.

No momento de compartilhar o fechamento, comentários relacionaram a vivência à compreensão do SUS, destacando-se a fala de um dos alunos que narrou: o SUS é isso que vivenciamos aqui, esta eterna construção e desconstrução e todos nós temos um papel nisso. Portanto, a idéia de que o SUS está em construção e requer a participação de todos foi a síntese elaborada pelo grupo, sendo que o grupo relacionou várias palavras que ampliaram o significado do SUS: estar aberto, mudança, integração, continuidade, perseverança, movimento, ação, dentre outras. Algumas outras falas de alunos complementam este desfecho:

Estou mudando minha maneira de perceber o SUS. Foi muito boa essa imagem que ficamos de que o SUS é essa construção permanente e que nós fazemos parte dela.

Resultados semelhantes aos apontados pelos mestrandos foram mencionados por L’ abbate (1997), ao se referir a experiência de capacitação em educação e comunicação em saúde utilizando a abordagem do psicodrama pedagógico em cursos e oficinas.

A avaliação abrangeu os itens organização, participação, conteúdo e relação estabelecida com a prática, tendo sido atribuída pelos três representantes do alunado e pelas duas docentes o grau de excelência, por ter atendido às expectativas e aos quesitos avaliados.

Como resultante da auto-avaliação, os facilitadores ressaltaram o sentimento de preocupação, relacionado-o ao fato do seminário ocorrer logo após o carnaval, período que poderia ter dificultado a leitura prévia dos textos de apoio e a boa disposição da turma. Porém, este sentimento foi superado pela coragem e o apoio mútuo dentro da própria equipe de facilitadores, que encontrou nos alunos, potencial de adaptação e superação, facilitando o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem. Alunos destacaram que o método aplicado foi empreendedor, não só no sentido de promover aquisição de informações e conteúdos, mas de enriquecê-los como pessoas e seres humanos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ficou evidenciado que a aplicação do psicodrama pedagógico facilitou a compreensão do SUS, por parte dos alunos desta turma de mestrado. Integração, afetividade, criatividade, descontração, motivação, participação, conecção entre teoria e prática e colocar-se no lugar do cliente foram aspectos favoráveis à aprendizagem, potencializados pelo uso do psicodrama. Esta realidade contribuiu tanto para a apreensão de informações quanto para reflexões dos alunos a respeito de seus papéis, o que certamente poderá conduzi-los a mudanças de comportamento como resultado real da utilização do conhecimento adquirido.

Destacou-se o papel de facilitador, assumido pela equipe responsável pelo seminário, que bem soube animar os alunos e criar condições para que estes se colocassem disponíveis à aprendizagem, numa relação afetuosa, de respeito e igualdade.

Recomenda-se que outras experiências possam ser reproduzidas seguindo o referencial teórico do psicodrama, sobre esta e sobre outras temáticas, de maneira a desafiar o paradigma controlador, rígido e limitado do ensino tradicional, que nega aos alunos a possibilidade de criar e recriar conhecimentos em seu benefício próprio, capaz de transformar a realidade.

 

REFERÊNCIAS

• Cukier, R. (1992). Psicodrama Bipessoal: sua técnica, seu terapeuta e seu paciente. São Paulo: Ágora.         [ Links ]

• Cunha, J.P.P; Cunha, R E. (2001). "O sistema único de saúde: princípios". In: Ministério da Saúde (Ed.). Gestão municipal de saúde: textos básicos (pp. 285-304). Rio de Janeiro: MS.         [ Links ]

• Freire, P. (1983). Pedagogia do Oprimido. 13ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.         [ Links ]

• Freyre, K. (Org.). (2002). A fantástica história dos contadores de histórias no reino do tudo é possível II: histórias para acordar os homens. Recife: Edupe.         [ Links ]

• Garrido-Martín, E. (1996). Psicologia do encontro: J. L. Moreno. São Paulo: Ágora.         [ Links ]

• Gil, A.C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas.         [ Links ]

• Gomes, A.M.A. (2002). O Psicodrama aplicado ao grupo de trabalho de humanização no Hospital Geral de Fortaleza. Trabalho para obter o título de Especialização. Instituto Cosmos de Psicodrama e Máscaras, Federação Brasileira de Psicodrama, Fortaleza, Ceará.         [ Links ]

• L’abbate, S. (1997). "Comunicação e Educação: uma prática de saúde". In Merhy, E. E; Onocko, R. (orgs.) Agir em saúde: um desafio para o público (pp. 267 – 292). São Paulo: Lugar editorial.         [ Links ]

• Minayo, M.C. (2003). “Entrevista: Violência e Saúde”. Revista Sustentação, 11, 3-5.         [ Links ]

• Monteiro, R. F. (1994). Jogos dramáticos. São Paulo: Ágora.         [ Links ]

• Moreno, J. L. (1959). Psicoterapia de grupo e psicodrama: introdução à teoria e à práxis Cesarino Filho, A. C. M. (trad.). São Paulo: Editora Mestre Jou.         [ Links ]

• Moreno, J. L. (1984). O teatro da espontaneidade. São Paulo: Summus.         [ Links ]

• Romaña, M. A. (1996). Do psicodrama pedagógico à pedagogia do drama. Campinas, Papirus.         [ Links ]

• Romaña, M. A.,(1987). Psicodrama pedagógico: método educacional psicodramático. 2 ed. Campinas, São Paulo: Papirus.         [ Links ]

• Tardif, M.; Loiola, F. A.; Loiola, L. J. (2004). O trabalho docente, a didática e o ensino: interações humanas, tecnológicas e dilemas. Conseil Canadien de la recherche em Sciences Humanies (CRSH). Canadá: Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),. (mimeogr.)         [ Links ]

• Wechsler, M. P. F.(1999). Psicodrama e Construtivismo: uma leitura psicopedagógica. São Paulo: Fapesp: Annablume.         [ Links ]

• Yozo, R. Y. (1996) 100 jogos para grupos: uma abordagem psicodramática para empresas, escolas e clínicas. São Paulo: Ágora.         [ Links ]

 

APÊNDICE

História: Era uma vez...o SUS

Era uma vez um certo senhor chamado Justo. Como a maior parte dos brasileiros, era curioso e inquieto. O mesmo buscava referências históricas para compreender a construção das políticas de saúde e da conjuntura política de seu País. Em suas andanças, descobriu que não estava só e que havia outros senhores, que como ele, estavam insatisfeitos com a situação em que se encontrava a saúde de seu povo.

Sr. Justo ficou sabendo que houve então um momento histórico em que a sociedade se organizou e se mobilizou politicamente, elaborando propostas para solucionar os problemas de saúde pública da população.

Então pessoal, de 1923 a 1930, existia a Previdência Social, inserida num processo de modificação da postura liberal do Estado frente a problemática trabalhista e social. Os principais acontecimentos desta época foram a criação de Lei Eloy Chaves e a criação das caixas de aposentadoria e pensões (CAPs). Também imaginem vocês que foi a época do sanitarismo campanhista com enfoque no combate as doenças de massa com repressão sobre os corpos individual e social e alta concentração das decisões.

Nas décadas de 30 e 40 com a revolução ocorrida neste período, foram apresentadas propostas de contenção de gastos e surgiram as ações centralizadas de saúde pública. A previdência então sofria as suas primeiras reformas, tanto no âmbito organizacional quanto na sua concepção. Os principais marcos desta época foram a criação do Ministério do Trabalho, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e a criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs). Entre 1945 e 1966 aconteceu rápido desenvolvimento urbano e industrial, desencadeando a elaboração da Lei Orgânica da Previdência Social e como conseqüência uma nova reforma da previdência, ou seja, ocorreu a fusão dos IAPs. Dando origem ao Instituto Nacional da Previdência Social (INPS).

Minha gente, o período de 1966 a 1973 foi marcado pelo crescente papel do Estado como regulador e pelo alijamento dos trabalhadores do processo político, ao lado de uma política de arrocho salarial decorrente do modelo de acumulação adotado. Apesar dessas mudanças a população não estava satisfeita, pois ainda não recebia serviços de saúde efetivos.

De 1974 a 1979 foram criados o Ministério da Previdência e Assistência Social (MAPS) e o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS). Gente, deste esta época, já havia a falta de controle sobre os serviços, favorecendo a corrupção e o desequilíbrio financeiro da previdência.

Com o objetivo de controlar estes serviços foi criada a Empresa de Processamentos de Dados da Previdência Social (Dataprev) e em seguida o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), com o objetivo de disciplinar a concepção e a manutenção de benefícios.

A Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, gerou esperança com relação à melhoria da saúde do País, definindo diretrizes e metas como saúde para todos no ano 2000. Este período foi definido como sendo o inicio do movimento contra-hegemônico que, nos anos 80, viria a se configurar com o projeto da Reforma Sanitária.

A década de 80 vivenciou um quadro político e econômico marcado por dificuldades no panorama nacional e internacional. Estudiosos da época definiram os anos 80-83 como período de eclosão de três crises: ideológica, financeira e político-institucional. A crise ideológica foi decorrente pela reestruturação e ampliação dos serviços de saúde.A crise financeira é decorrente do déficit crescente desde 1980. A crise político institucional foi marcada pela criação do Conselho Consultivo da Administração de Saúde Previdenciária (CONASP). A proposta do CONASP foi consubstanciada nas Ações Integradas de Saúde (AIS). Mais do que um programa dentro do INANPS e das secretárias de saúde, as AIS passaram de estratégias setorial para a reforma da política de saúde.

Em 1986 é realizada em Brasília a VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS) significando um marco na formulação das propostas de mudanças do setor saúde consolidadas na reforma sanitária brasileira. Seu documento final sistematiza o processo de construção de um modelo reformador para a saúde, definida como sendo resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra, e acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar desigualdades nos níveis de vida.

Durante o processo de elaboração da Constituição Federal, outra iniciativa de mudança do sistema foi implementada, o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), idealizado como estratégia de transição em direção ao SUS.

Como resultante dos embates e das diferentes propostas em relação ao setor saúde, a Constituição Federal de 1988 aprovou a criação do SUS, reconhecendo a saúde como sendo um direito a ser assegurado pelo Estado e pautado pela universalidade, equidade, integralidade e organização de maneira descentralizada, hierarquizada e com participação da população.

Então amigos, meus companheiros, pode-se compreender que, teoricamente, a saúde chegou a um modelo ideal no País, restaria agora sua viabilização, ou seja, fazer com que os seus princípios norteadores fossem colocados em prática.

O processo de construção do SUS é resultante de um conjunto de embates políticos e ideológicos, travados por diferentes atores sociais ao longo dos anos. Construção é a idéia que melhor sintetiza o SUS. Garantido o alicerce, falta compor parte a parte, a estrutura do edifício.

Creative Commons License