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Psicologia para América Latina

versión On-line ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  n.6 México mayo 2006

 

ESTRUTURA Y DINÁMICA FAMILIAR

 

Estigma en madres que dejan a sus hijos en instituciones

 

 

Lúcia Aparecida Petruce; Sérgio Antonio Zimmer; Laura Belluzzo de Campos Silva

Universidade São Marcos - Brasil

 

 


RESUMEN

Este estudio busca mostrar la existencia del estigma en madres que dejan a sus hijos en instituciones, siendo considerados niños descompuestos y diminutos. Fue hecho un rescate de los aspectos históricos y sociales del abandono de niños y sobre el mito del amor materno, que trae la idea de que la madre debe amar a sus hijos de forma incondicional. Constatamos también que el estigma impide de que miremos el conjunto de circunstancia, que hace que las madres otorguen su responsabilidad de protección a la institucion. Siendo así, viven el luto no franqueado, que es un luto no autorizado socialmente que contribuye para intensificar el sentimiento de culpa.

Palabras clave: Estigma, Mito del amor materno, Luto no franqueado, Institución, Madres.


RESUMO

Este estudo procura mostrar a existência do estigma em mães que deixam seus filhos em instituições, sendo consideradas criaturas estragadas e diminuídas. Foi feito um resgate dos aspectos históricos e sociais do abandono de crianças e sobre o mito do amor materno, que traz a idéia de que a mãe deve amar os filhos de maneira incondicional. Constatamos também que o estigma impede de olharmos para o conjunto de circunstâncias, que faz com que as mães outorguem sua responsabilidade de proteção à criança a uma instituição. Sendo assim, elas vivem o luto não franqueado, que é um luto não autorizado socialmente que contribui para intensificar o sentimento de culpa.

Palabras clave: Estigma, Mito do amor materno, Luto não franqueado, Instituição, Mães.


ABSTRACT

Este estudo procura mostrar a existência do estigma em mães que deixam seus filhos em instituições, sendo consideradas criaturas estragadas e diminuídas. Foi feito um resgate dos aspectos históricos e sociais do abandono de crianças e sobre o mito do amor materno, que traz a idéia de que a mãe deve amar os filhos de maneira incondicional. Constatamos também que o estigma impede de olharmos para o conjunto de circunstâncias, que faz com que as mães outorguem sua responsabilidade de proteção à criança a uma instituição. Sendo assim, elas vivem o luto não franqueado, que é um luto não autorizado socialmente que contribui para intensificar o sentimento de culpa.

Keywords: Stigma, Myth of maternal love, Non franchised mourning, Institution, Mothers.


 

 

1- INTRODUÇÃO

O interesse pela presente pesquisa se deu devido a situações observadas numa instituição. Algumas mães apresentam dificuldades ao deixar seu filho no abrigo, que as vezes entra chorando. Neste momento o sofrimento de ambos aparece de forma evidente.

Um outro interesse foi despertado através das leituras referentes ao assunto, em que há muitos estudos sobre crianças abandonadas, dentre os quais, podemos citar os autores Chaves (1998), Marcílio (1998), Guirado (1979). Mas há poucos estudos sistemáticos sobre as mães que deixam o filho na instituição. Alguns estudiosos, como Motta (2001), reconheceram a indiferença que persiste em relação a essas mães. Apesar da relevante importância do tema, poucos trabalhos científicos foram publicados, por isso, percebemos a necessidade deste estudo que tem como objetivo verificar se há estigmas nas mães que deixam os filhos em instituições.

 

A INSTITUIÇÃO

A instituição contexto deste estudo foi fundada em 1885, por Padre José Marchetti, da Congregação dos Missionários de São Carlos, para atender órfãos de imigrantes italianos, que perdiam suas vidas no mar, durante as viagens de “vapor” do país de origem com destino ao Brasil. Porém, segundo Di Siervi (2002), desde o início de suas atividades, o orfanato recebeu crianças órfãs filhas de imigrantes de outras nacionalidades e de brasileiros, incluindo negros e índios. Ainda para essa autora, o objetivo inicial do orfanato era oferecer pão, educação e trabalho, pois oferecia cursos profissionalizantes de tipografia, carpintaria, ferraria, serralheria, alfaiataria, padaria e agricultura.

Atualmente a instituição se mantém em regime de abrigo gratuito, atendendo cerca de 120 meninos e 100 meninas. Essas crianças estudam na própria instituição, que dispõe de salas de aulas e professores. As crianças ingressam na instituição na faixa etária de seis a sete anos e nela podem ficar em regime de abrigo gratuito até à conclusão da quarta série do ensino do primeiro grau. As crianças permanecem durante a semana e vão para suas casas no final de semana.

 

ASPECTOS HISTÓRICOS E SOCIAIS DO ABANDONO DE CRIANÇAS

Para Chaves “o fenômeno social do abandono de criança coloca-se como um problema de investigação psicológica porque afeta tanto a produção da subjetividade da criança como a do adulto que a abandona”. (CHAVES, 1998, p.8)

Chaves (1998), a partir de sua pesquisa, verificou que nos diferentes momentos da história, as crianças abandonadas foram chamadas de expostos, enjeitados, mendigos, delinqüentes, menores, pivetes ou meninos e meninas de rua. A sociedade retira a responsabilidade de proteção e identifica-as como um grupo de crianças que são ameaçadoras, perigosas e incorrigíveis devido a negligências dos pais ou responsáveis por elas. Mas para esse autor, essas crianças são, na verdade, desprotegidas. Ele distinguiu um conjunto de oito categorias, porém em nosso trabalho destacamos a seguinte: “Crianças cujos pais outorgam a sua responsabilidade de proteção a uma instituição. São crianças que têm pai ou mãe ou ambos; são pobres; os pais não podiam sustentá-las”. (CHAVES, 1988, p.434)

Para falarmos da mãe que abandona os filhos, faz-se necessário resgatar a condição histórica do abandono que, segundo Chaves (1998), é um fenômeno produzido socialmente, que se dá nas relações sociais entre os indivíduos. Assim pode-se pensar o abandono como decorrente da prática de pais biológicos, que diz respeito ao micro-grupo família e também o abandono em decorrência de práticas da sociedade (macro-social). Na perspectiva do abandono produzido socialmente deve-se levar em conta as mudanças culturais que construíram diferentes concepções de abandono de crianças.

Segundo Marcílio (1998), para os Romanos, o aborto de crianças era comum, e quanto às crianças livres:

Embora por lei elas não pudessem tornar-se escravas (apenas servas), muitas das abandonadas foram reduzidas a essa condição. Outras, foram submetidas a abusos; algumas foram estropiadas (torciam-lhes os braços ou as pernas, quebravam-lhes membros, ou furavam-lhes os olhos), para servirem a mendigos que, assim, pensavam poder alcançar melhor a piedade pública. (MARCÍLIO, 1998, p.24)

Para Chaves (1998), o abuso contra a criança, a mutilação de seus órgãos, o abandono, a morte e todo tipo de barbárie a que as crianças estiveram submetidas era considerado necessário para domar sua natureza considerada perversamente inata, sendo que as punições violentas constituíam a prática educacional.

Percebemos que não havia na antigüidade a preocupação com a criança, como na modernidade, pois os adultos preservavam a criança somente se esta pudesse servir de alguma utilidade. As práticas sociais às quais as crianças estavam submetidas eram concebidas como necessárias e naturais.

O tratamento que se dispensava às crianças tornou-se discutível, quando estas deixaram de ser consideradas pequenos adultos e passou-se a atribuir-lhes alguma especificidade. Segundo Philippe Ariès (1981), a descoberta da infância começou no século XII e sua evolução pode ser acompanhada na história da Arte e da iconografia dos séculos XV e XVI. Contudo, os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se numerosos e significativos no final do século XVII. Assim um novo sentimento de infância começou a ser formulado no século XVIII e se consolidou no século XIX. A partir desse momento, a criança passou a ser claramente reconhecida e identificada.

Reconhecida a criança como uma entidade diferente do adulto, com especificidades que requeriam uma atenção diferenciada, a preocupação com o seu desenvolvimento exige novos modelos de relação adulto-criança, passando-se a rejeitar gradativamente o padrão de comportamento do adulto ao qual a criança esteve submetida até esse momento. As formas de relação, de tratamento, de cuidado e proteção aparecem, então, não mais como naturais, mas socialmente determinadas em função da emergência de uma nova concepção de criança. A criança deixa de ser um adulto em miniatura e exige um tratamento que considere as suas especificidades. (CHAVES, 1998. p.3 )

A partir deste momento a criança passa a ficar sempre sob os cuidados maternos, colocada como natural a tendência da mãe proteger o filho.

 

O MITO DO AMOR MATERNO

Badinter (1985) nos mostra de maneira muito clara que o amor materno inato é um mito. Torna evidente que este sentimento, considerado como o mais puro e genuíno, que coloca a mãe acima de todas as coisas, pode ser situado historicamente. Ele é adquirido, é produto da evolução social a partir do século XIX, pois nos séculos XVII e XVIII na França as famílias aristocratas entregavam as crianças desde o nascimento às amas. A mãe tinha uma função mais biológica que afetiva, ficando as crianças ao cargo das amas que lhes garantiam a sobrevivência física, o suporte emocional e humanização.

Segundo a autora, as atitudes maternas não pertencem ao domínio do instinto, mas continua-se a pensar que o amor da mãe é tão forte que talvez tenha ligação com a natureza. Este amor, sendo um sentimento humano, é frágil e imperfeito, não sendo, portanto um sentimento inato, mas que se desenvolve através das oscilações sócio-econômicas e culturais da história.

A autora afirma que, no final do século XVIII, aconteceu uma mudança de mentalidade, a imagem da mãe passa a ser vista como fundamental, as mães passam a cuidar pessoalmente de seus filhos, sendo valorizada a sobrevivência das crianças. Ser boa mãe, amamentar, era de extrema importância e valor para o bem da sociedade.

A psicanálise de alguma forma contribuiu para a manutenção do mito do amor materno. Como exemplo, podemos citar Winnicott, que fala de uma mãe suficientemente boa, que deve atender as necessidades do seu bebê, sendo uma mãe devotada para com seu filho. Concordamos com o autor que uma mãe suficientemente boa seja importante para o desenvolvimento sadio da personalidade, entretanto pensamos que Winnicott delegou uma responsabilidade muito grande para a mãe, contribuindo para intensificar o sentimento de culpa naquelas que não têm condições de serem “boas mães”.

Percebemos que o mito do amor materno ainda está presente em nossa sociedade, onde a mãe deve se dedicar inteiramente ao filho. Por isso, o nosso objetivo foi compreender o que acontece com as mães que saem do padrão de “normalidade”, quando precisam deixar seus filhos, durante toda a semana, aos cuidados da instituição. Partimos da hipótese de que essa forma de cuidado leva às mães ao estigma. Para falar do estigma, tomamos como teórico Goffman (1988).

 

ESTIGMA EM GOFFMAN

Em sua obra denominada Estigma, logo no prefácio salienta que “há mais de uma década vem sendo apresentada uma quantidade razoável de trabalhos sobre estigma – a situação do indivíduo que está inabilitado para a aceitação social plena.” (GOFFMAN, 1988, p 07).

Este livro ocupa-se especificamente com a questão dos contatos mistos, o momento em que os estigmatizados e os normais estão na mesma situação social, ou seja, na presença física imediata um do outro, quer durante uma conversa, quer na mera presença simultânea numa reunião informal. Nesta relação aparece o estigma que é “um atributo profundamente depreciativo” e que, aos olhos da sociedade, serve para desacreditar a pessoa que o possui.

Goffman (1988) argumenta que o indivíduo estigmatizado era visto, assim, como uma pessoa que possui “uma diferença indesejável”. Ele observa que o estigma é atribuído pela sociedade com base no que constitui “diferença” ou “desvio”, e que é aplicado pela sociedade por meio de regras e sanções que resultam no que ele descreve como um tipo de “identidade deteriorada” para a pessoa em questão.

A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos considerados comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias. Os ambientes sociais estabelecem as categorias de pessoas que têm probabilidade de serem neles encontradas. As rotinas de relação social em ambientes estabelecidos nos permitem um relacionamento com “outras pessoas” previstas sem atenção ou reflexão particular. Então, quando um estranho nos é apresentado, os primeiros aspectos nos permitem prever a sua categoria e os seus atributos, a sua “identidade social” [...](GOFFMAN, 1988, p.12)

Para Goffman (1988), durante todo o tempo, fazemos algumas afirmativas sobre aquilo que o indivíduo que está à nossa frente deveria ser. Assim, as exigências que fazemos poderiam ser denominadas de demandas feitas “efetivamente”, e o caráter que imputamos ao indivíduo poderia ser encarado como uma imputação feita por um retrospecto em potencial. Uma caracterização “efetiva”, ou seja, o que ele deveria ser, isso ele chama de uma identidade social virtual. A categoria e os atributos que de fato o indivíduo possui, serão chamados de sua identidade social real.

Enquanto o estranho está a nossa frente, podem surgir evidências de que ele tem um atributo que o torna diferente de outros que se encontram numa categoria em que pudesse ser incluído, sendo, até, de uma espécie menos desejável – num caso extremo, uma pessoa completamente má, perigosa ou fraca. Assim, deixamos de considerá-lo criatura comum e total, reduzindo-o a uma criatura estragada e diminuída ( GOFFMAN, 1988, p.12).

O estigma será usado nesse caso para caracterizar um efeito de descrédito muito grande, considerado como um defeito, uma fraqueza, uma desvantagem. É usado para referenciar um atributo profundamente depreciativo, mas, que na realidade está ligado a uma linguagem de relações e não propriamente aos atributos. Todo atributo que coloca traços nos seres humanos e que os afasta das relações sociais cotidianas, destruindo a possibilidade de atenção para outros atributos que o indivíduo possua, são considerados estigmas. (GOFFMAN, 1988, p.14)

[...] o estigmatizado passa a ter características que são consideradas anormais pelos ”normais“, ou seja, acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente humano e com base nessa crença fazemos vários tipos de discriminações e muitas vezes sem pensar reduzimos as chances de vida de uma pessoa. Nisso constrói-se uma teoria do estigma, uma ideologia para explicar a sua inferioridade e dar conta do perigo que ela representa (GOFFMAN, 1988, p.15).

Segundo Goffman (1988), os indivíduos “normais” projetam as características estigmatizadas nos outros porque não suportam ver neles mesmos estas fragilidades. Na medida que atribuem aos outros os “defeitos”, não entram em contato consigo mesmos.

O indivíduo estigmatizado passa por um processo de aceitação do estigma. Num primeiro momento sente que ele é um ser humano “normal” e que os outros não são suficientemente humanos. E quanto mais o indivíduo se distancia da identidade virtual mais chances ele tem de apresentar alguns atributos que o coloquem em uma categoria à parte.

O termo estigma e seus sinônimos ocultam uma dupla perspectiva: Assume o estigmatizado que a sua característica distintiva já é conhecida ou é imediatamente evidente ou então que ela não é nem conhecida pelos presentes e nem imediatamente perceptível por eles. No primeiro caso, está-se lidando com a condição de desacreditado, no segundo com a do desacreditável (GOFFMAN, 1988, p.14).

 

LUTO NÃO FRANQUEADO

Além de investigarmos se existe o estigma, pensamos também em alguns aspectos do luto dessas mães que deixam seus filhos na instituição. Para isso tomamos como referencial teórico Motta (2001), que faz uma comparação entre a perda ocorrida por morte e a perda sofrida pela mulher que entrega a criança em adoção. Nessa última, apesar de a criança continuar existindo, a perda é definitiva. A autora conta que as reações emocionais são similares, porém essa mãe apresenta fantasias perturbadoras que intensificam sua culpa. Além disso, a sociedade considera como voluntária essa decisão, por isso, o luto da mãe que entrega o filho é um luto não autorizado socialmente. (MOTTA, 2001)

De acordo com Motta (2001), no processo de perda e luto, cada cultura tem seus rituais próprios para permitir às pessoas aceitar suas perdas, enlutando-se pela mesma, elaborando-as e superando-as. São práticas estruturadas e através delas as pessoas que sofreram perdas recebem o reconhecimento da perda, o apoio emocional, o tempo necessário para elaborá-la e a possibilidade de manifestar seu luto aos outros.

Mas, quando as perdas não são socialmente aceitas, temos o luto não franqueado, para este não existem rituais sociais, a sociedade não conforta os enlutados, deixando-os distantes da possibilidade de superar a perda. Então, o enlutado oculta seu luto até de si próprio, não se permitindo viver sua dor. O luto não franqueado não é reconhecido, nem amparado e deve ser ocultado, porque quando revelado causa uma resposta social muito mais negativa. (MOTTA, 2001).

O luto não franqueado pode ser melhor compreendido através do conceito de não franqueamento intrapsíquico. Motta (2001) chama a atenção para este importante conceito. Nele operam as fontes intrapsíquica e social que tanto podem unir-se sem distinção ou influenciar-se mutuamente.

A autora diz que, no momento em que ocorre o não franqueamento social simultaneamente no nível intrapsíquico, apesar de não serem evidentes as características, estão sendo registrados fenômenos correspondentes. (MOTTA, 2001, p. 110)

No luto não franqueado o sentimento encontrado com freqüência é a vergonha, substituindo o lugar da dor e consequentemente apresentando assim, infinitos meios de negar, inibir e não elaborar o luto adequadamente. Aparentemente independe do que pensam e sentem os familiares e conhecidos a respeito do fato, porque o indivíduo impõe sanções contra si mesmo. (MOTTA, 2001)

Segundo Motta (2001) as mães biológicas se auto censuram ao sentirem incapacidade no cumprimento do papel que a natureza lhes impõe. A autora explica que a auto condenação deve-se ao fato de que essas mães internamente carregam os mesmos valores da sociedade da qual participam. Além disso, os sistemas religioso e legal, para as mães que entregam seus filhos, contribuem para intensificar a culpa das mesmas. (MOTTA, 2001)

Segundo afirma Kauffmann (1989), apud Motta (2001, p.111), a perda de uma pessoa amada parece apresentar como resposta universal a culpa, e no luto não franqueado a intensidade da culpa possivelmente pode ser maior. Por isso, é importante trabalhar a resolução da culpa para evitar tentativa de autopunição. Sendo que, na resolução da culpa é necessário um processo interno de perdão, reparação e uma disposição para perdoar a si próprio. Motta (2001) diz que uma das formas de elaborar a culpa dessas mães é a valorização positiva de seu ato.

O objetivo da nossa pesquisa foi compreender se as mães entrevistadas são estigmatizadas ao deixarem seus filhos durante toda a semana aos cuidados da instituição. Queríamos saber também como essas mães conviviam com o sentimento de deixar seu filho na instituição.

 

2. MÉTODO

Os sujeitos deste estudo foram mães que deixam seus filhos na instituição pesquisada e que não tinham contato direto com os pesquisadores. Foi feito um sorteio aleatório e uma lista das mães sorteadas. A partir desta lista entrevistamos as sete primeiras mães que concordaram em participar.

As entrevistas foram gravadas e transcritas, mediante consentimento das mães. Para obter os dados utilizamos a técnica da entrevista não-diretiva apresentada por Thiollent (1987). Foram feitas duas perguntas norteadoras:

• O que você sentiu quando trouxe o filho para a instituição?

• Qual foi a reação das outras pessoas quando você trouxe seu filho para a instituição?

Para análise dos dados, através das entrevistas transcritas, foi utilizado o método de análise de conteúdo, proposto por Bardin (2000).

Nesse momento é importante falarmos da dificuldade de se fazer uma pesquisa no mesmo local onde o pesquisador trabalha, pois esse foi o nosso caso. De fato, percebemos que nas entrevistas algumas mães ficaram preocupadas em falar algo que as prejudicasse, então falavam que seu filho estava sendo bem cuidado, que gostavam muito da instituição. Dessa forma podemos dizer que filtraram informações, pois essas poderiam comprometer sua relação com a instituição.

 

3. ANÁLISE

Na análise das entrevistas percebemos que o estigma da mãe que outorga sua responsabilidade de proteção à criança a uma instituição existe às vezes de forma explícita, outras de forma sutil. Pretendemos identificar como isso acontece.

Percebemos nas entrevistas que as mães que se afastaram da identidade social virtual, ao outorgarem sua responsabilidade de proteção à criança a uma instituição, tornaram-se estigmatizadas, pois há uma discrepância entre a identidade social virtual que é o que se esperava dessas mães, que ficassem próximas de seus filhos e a identidade social real, que é o fato de não atingirem essas expectativas ao deixarem seus filhos sob responsabilidade de uma instituição. Isso leva a ser uma mãe desacreditada ou desacreditável. Elas deixam de ser criaturas comuns e totais e são reduzidas a pessoas estragadas e diminuídas, a quem são imputados atributos depreciativos, como veremos nas entrevistas:

"Falaram que eu não sou mãe, que eu não gosto dos meus filhos. Como é que deixei no colégio interno. Essa é a reação das pessoas.”(M2)

“Então eu fui muito criticada pelas pessoa que me conheciam, que conviviam comigo, que eu era louca de colocar meu filho num colégio interno, de deixar o tempo todo longe de mim”.(M6)

“É porque eu falei que meu filho ficava no colégio a semana inteira, achou ruim, criticou, entendeu? Não entendeu o meu lado”.(M7)

Nesses relatos identificamos que essas mães são desacreditadas, pois seu estigma já é conhecido. Já no relato que segue, evidente a condição da mãe desacreditável, pois essa manipulou a informação sobre o seu “defeito”.

"Fui muito criticada pelas pessoas. Pela minha família, meus pais não. Nunca me falaram nada, sempre falaram “que bom, minha filha, estudar num colégio de padre", nunca falei que era colégio interno”.(M6)

Ao não falar que era um colégio interno a mãe manipulou a informação sobre o seu “defeito”, pois, se revelasse, se tornaria desacreditada. A forma de manipulação sobre o defeito gera tensão, pois no caso da mãe ela estaria trabalhando com as seguintes possibilidades: revelar ou esconder, mentir ou não mentir, em cada caso, para quem, quando, como e onde. Podemos pensar que o defeito pode ser falado para algumas pessoas, que podem ter uma “aceitação” maior sobre o mesmo, no caso de uma mãe que foi entrevistada, que falou para sua patroa que ia deixar o filho na instituição e recebeu “apoio”. Aqui o interesse da patroa estava em jogo, pois segundo ela, a mãe poderia trabalhar sossegada com o filho na instituição.

“A única pessoa que me apoiou o tempo inteiro foi a minha patroa na época, foi quem me apoiou o tempo inteiro, que me falou “ ah que benção que você colocou esse menino lá, ele vai ficar bem, pelo menos você vai conseguir trabalhar sossegada”.(M6)

Entendemos que o desvio das mães, objeto do nosso estudo, as leva a serem desconsideradas socialmente e segundo Motta (2001), aqueles que criticam seus atos não se sentirão mobilizados a tentar compreender mais profundamente quais as condições que levam as mães a deixarem seus filhos na instituição.

Por isso, na parte que segue do trabalho, queremos mostrar o que há por trás do estigma, destacando algumas condições que segundo as entrevistas das mães as levam a deixar o filho na instituição.

Analisando as mães entrevistadas podemos pensar que a condição econômica é um dos principais motivos que as levam a deixarem os filhos na instituição.

“...ficar longe dela, deixar com pessoas que não conhece, mas era o jeito que encontrei para eu trabalhar, senti um pouquinho de medo, mas eu pedi a Deus força e deixei nas mãos do Senhor preparar...” (M1)

"É que eu fiquei sozinha com o neném e eles três, né. Então, fica assim. Pagava aluguel, assim não dava e eles estudavam lá meio período só. E eu precisava de alguém para pegar eles na escola pra mim aí é que me falaram do colégio." (M3)

“Tanto, quando a assistente social foi na minha casa, eu não estava, estava trabalhando, né. E a vizinha conversou com ela, falou “não, se ela tá... se ela quer pô, porque ela precisa mesmo, ela não tem quem olhe a criança dela, a menina dela, ela não tem ninguém.” (M5)

“Então elas falavam: “ ah, M. não tenho coragem de fazer isso com meus filhos, de deixar meus filhos longe”. Eu sei , mas falei: “mas eu preciso trabalhar, eu não tenho com quem deixar ele” (M6)

Entretanto, Motta (2001), ao falar da mãe que entrega o filho em adoção, afirma que não é somente a condição econômica, mas um conjunto de circunstâncias que envolvem a vida da mulher naquele momento.

Assim como as mães que entregam as crianças em adoção, percebemos que as mães entrevistadas que deixam seu filho na instituição também dependem de um conjunto de circunstâncias, tais como, a falta de apoio da família, a falta de um parceiro e, principalmente, a preocupação com o futuro dos filhos. Pois, querem retirá-lo da violência da rua. Esta preocupação é tão imensa, porém, não se dão conta que no presente já estão sofrendo violências sociais e psicológicas. Mostram quanto é considerada inaceitável para essas mães a convivência da criança na rua. Tal preocupação vem expressa sob a forma de temor de que o filho se torne um marginal.

“Porque eu tenho que trabalhar e pra ela não ficar o dia todo na rua. Não ficar com companhias que não são boas.” (M2)

“E as crianças onde moro são totalmente diferentes e tem também o pessoalzinho da rua, tem um cara lá que usa drogas. Então eu queria tirar, porque cê deixa a criança sozinha em casa, ela vai para rua. Ela vai aprender coisa errada. Por mais que você deixa alguém em cima, ela vai aprender coisa errada. Então ficava com esse medo de ele ficar o dia inteiro na rua e não se alimentar direito, ele não entrar pra dentro de casa, ele se envolver com outras pessoas, porque a culpa vem, né, se apavora.” (M4)

"Mas para as pessoas falavam que eu era louca e o que eu respondia era o seguinte: 'louca vou ficar se amanhã ou depois a polícia vier atras dele. Eu chegar em casa, ele não tá, tá na rua, só Deus lá sabe o que, aí sim eu vou ficar louca, mas enquanto ele estiver lá eu tenho certeza que não vou ficar louca' "(M6)

Sobre a falta de um companheiro, apenas uma tem sua presença e mesmo assim não pode contar com sua participação no cuidado do filho.

“Meu marido dorme o dia todo porque ele trabalha à noite, ele não ia dar conta dele, entendeu?”.(M6)

Mesmo sofrendo pressões no nível social e familiar, estão convictas de terem feito a melhor escolha. O que não as impede de sofrer e de ter que lutar de maneira interna e externa com o estigma. As mães afirmam que o filho, na instituição, está melhor cuidado do que se estivesse com elas. Que só estão fazendo isso levando em conta o bem estar do filho, portanto, não o estão abandonando.

“Não, porque estou pensando no bem estar do meu filho, não no que os outros estão pensando, está falando. E outra, a pessoa que está falando não está ajudando em nada, se eu precisasse que fique com ele para mim trabalhar, não vai ficar.” (M2)

“Porque sei que ela está em um bom lugar. Vocês são umas ótimas pessoas, são um pai e uma mãe prá todas as crianças aqui, que poucas mães, eu acho que, reconhecesse isso.” (M5)

“Porque eu sabia que meu filho estava bem, então o que as pessoas achavam ou deixavam de achar, isso é problema delas, num tava nem aí, entendeu?” (M6)

A reação das pessoas frente ao estigma da mãe que deixa o filho na instituição contribui para intensificar o sentimento de culpa, pois, não compreendem o conjunto de circunstâncias que as levou a compartilhar esse cuidado. Por isso, achamos importante falar sobre o luto não franqueado que está relacionado com este sentimento.

Nos finais de semana quando as mães deixam os filhos na instituição, sofrem uma interrupção do vínculo nesta separação que parece estar carregada de infinita dor para ambos, ocorrendo uma “perda temporária” sem possibilidade de compartilhar e elaborar o luto.

“Fiquei triste, né. No primeiro dia fiquei triste, né . Quantas vezes, vim e sentei lá fora. Aí eu voltava, eu chorava e voltava, né. Depois de duas semanas me acostumei. Fico triste de deixar eles aí, né.”

“Chorava. Muitas vezes perdi o ônibus e ficava ali sentada, ali fora para ver se via algum deles, né. No primeiro dia que ele entrou, na primeira semana, fiquei muito triste. Aí eu ficava lá fora, nunca eles desgrudaram de mim, foi a primeira vez.” (M3)

“Fiquei com saudade, muita saudade (chorou). Acostumada dormir com ele todas as noites agora ter que dormir sozinha, não saber como que ele tá à noite, se ele tá bem, se ele ficou se cobriu direito. Ele sempre se descobre à noite, né, então, eu tenho que acordar de madrugada e lhe cobrir. Ah, é muita saudade, e é difícil pra mim, né, porque é a única companhia que eu tenho, então fica difícil. Um pouquinho... é só eu me acostumar. (riu)” (M4)

“Como eu me senti? É, ah, cada fim de semana que eu deixo ele aqui é muito triste, né. Por eu não tá com ele assim, podendo acompanhar mais ele, porque ele passa a maioria do tempo aqui, fica muito pouco tempo comigo, né , então. Sei lá, prá mim ainda é muito difícil, tanto pra mim como pra ele. É muito difícil, mas a gente já aceita mais assim, você entendeu?” (M7)

Constatamos que o enlutado oculta seu luto até de si próprio, não se permitindo viver sua dor. Nesse caso não é possível, nem chorar, nem lastimar, não há reconhecimento social do direito e da capacidade de enlutar-se.

“Falavam essa expressão mesmo: “Ah, M. você é louca, colocar seu filho lá, você fica longe dele a semana inteira, ele fica assim sozinho lá também”. Então as pessoas não viam a minha necessidade.” (M6)

“É porque eu falei que meu filho ficava no colégio a semana inteira, achou ruim, criticou, entendeu? Não entendeu o meu lado.”

“Ah, sei lá , achou que eu num... assim tipo, num gosto do meu filho, eu entendi assim. Só que não é nada disso, pelo contrário, gosto demais do meu filho.” (M7)

Uma das formas de elaborar a culpa dessas mães é a valorização positiva de seu ato. Nas entrevistas, as mães expressaram-se no sentido de que estavam pensando no melhor para seu filho, isto é um lado positivo, porém, no que diz respeito às exigências do amor materno, gera um lado negativo, pois essas mães deveriam ficar com seus filhos a qualquer custo e segundo Motta (2001), este sentimento de ambivalência é um dos complicadores na elaboração do luto.

“Porque filho tem que ficar ao lado da mãe, né. Assim, chega de noite, você quer tá com seu filho perto de você, né. Agora não estou mais assim igual era antes, sei que aqui vocês, deles cuidam muito bem.” (M3)

“O que eu senti? Um vazio muito grande, dentro de mim. Sabe, como se sente um vazio, parece que tira alguma coisa de dentro de você, senti um vazio muito grande, mas em parte fiquei feliz, porque sabia que ela estava num bom lugar.” (M5)

Os fatos comuns dessas mães que deixam os filhos na instituição, tais como, falta de apoio moral, afetivo e econômico, são os mesmos fatores responsáveis pelo aumento na dificuldade de elaboração do luto e por reforçar a ambivalência de que por um lado estão fazendo, segundo elas, o melhor para seu filho e por outro, devido à pressão social, estão sendo desumanas ao deixá-lo na instituição, pois a mãe que ama não deve deixá-lo ou abandoná-lo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebemos que existe o mito do amor materno e por esse amor a mãe deve se sacrificar pelo bem do seu filho de maneira incondicional. A mãe que não demonstra esse amor, socialmente é considerada anormal e desnaturada, pois nessa visão o amor é natural. No caso das mães objeto de nosso estudo, ao outorgarem sua responsabilidade de proteção à criança a uma instituição, tornaram-se estigmatizadas, devido à discrepância entre a identidade social virtual que é o que se esperava dessas mães, que ficassem próximas de seus filhos e a identidade social real, que é o fato de não atingirem essas expectativas ao deixarem os seus filhos sobre responsabilidade de uma instituição. Para Goffman (1988) quando conhecida ou manifesta, essa discrepância estraga a sua identidade social e tem como efeito afastar o indivíduo da sociedade e de si mesmo de tal modo que acaba sento uma mãe desacreditada ou desacreditável. Elas deixam de ser criaturas comuns e totais e são reduzidas a pessoas estragadas e diminuídas.

Constatamos também que o estigma impede de olharmos para o conjunto de circunstâncias, que faz com que a mãe deixe seu filho na instituição, tais como, a falta de apoio da família, a falta de um parceiro e principalmente a preocupação com o futuro dos filhos.

Identificamos que as mães ao deixarem os filhos na instituição vivem o luto não franqueado, que é um luto não autorizado socialmente. Por isso, sua culpa é intensificada e contribui para adiar, bloquear ou prolongar seu luto. Elas se conformam e se submetem a um intenso sofrimento sem queixas e não se acham no direito de esperar por algo melhor.

A única esperança dessas mães é de que seus filhos possam ter melhores condições de vida. Diante dessa preocupação das mães, nos perguntamos quais são as reais possibilidades de mudanças para essas crianças? Segundo Chaves (1998, p.450), “A proteção oferecida pela instituição não as qualifica para superarem a condição de vida indigna que tinham anteriormente. Na verdade, continuarão sendo tolhidas de ocuparem e estabelecerem interações em outros espaços sociais, de auferirem do seu direito ao ensino escolar de qualidade, de planejarem um futuro profissional que permita a mudança na sua condição social.”

Na sociedade atual uma das principais metas é o bem estar da criança, enquanto essas mães não têm a mesma importância e sofrem pressões internas e externas sem receber qualquer apoio. Como sabemos, temos um grande contingente da população vivendo na extrema pobreza e que vai sobrevivendo através de familiares e amigos. Essa situação vem se agravando a cada dia e revela um problema importante para nosso país, onde atualmente vêm se enfraquecendo as políticas públicas sociais. Portanto, as pessoas que apresentam qualquer situação que as impeça de se manterem economicamente, e que não tenham nenhum apoio, especialmente familiar, ficam predispostas a uma situação de completo abandono, com um agravante ainda maior, a de que elas próprias não poderão lutar pelos seus direitos. Entendemos que é preciso desenvolver políticas sociais que se preocupem também com essas mães, pois segundo Motta (2001, p.24), “essas crianças são a prova viva de que cuidar da mãe significa cuidar do filho.”

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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