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Psicologia para América Latina

On-line version ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  no.8 México Nov. 2006

 

PSICOLOGÍA JURÍDICA Y CRIMINALIDAD

 

A supervisão em psicologia jurídica: a violência em questão

 

 

Patrícia Regina da Matta Silva

Psicóloga, Profa. Dra da Universidade Estácio de Sá, Resende, RJ e da UNISAL, Lorena, SP.

 

 


RESUMO

Este trabalho foi apresentado na Mesa Redonda A supervisão de estágio na graduação de psicologia: clínica, saúde e jurídica. Partindo do pressuposto que a supervisão de estágio é um importante instrumento para a capacitação profissional do aluno, esta mesa teve como proposta reunir três supervisores de estágio de diferentes áreas da graduação de psicologia. Este artigo tratará da psicologia jurídica, enfocando questes e discusses suscitadas na supervisão, quando os estagiários se defrontam com instituiçes e sujeitos envolvidos com o fenômeno da violência, seus agentes e/ou vítimas.

Palavras-chave:Psicologia Jurídica, Violência, Formação Profissional.


 

 

1. INTRODUÇÃO

Falarei/escreverei de lugar de supervisora de estágio (curricular e profissionalizante) do Curso de Psicologia, em que os alunos-estagiários desenvolvem atividades com uma clientela e/ou em locais que configuram o campo de atuação do Psicólogo Jurídico. Este, por sua vez, pode ser definido como aquele profissional que atua com agentes e/ou clientela de instituições relacionadas à aplicação e/ou execução das leis, o que demanda o estudo e discussões de temáticas específicas como, por exemplo, a violência – o que constitui o objetivo deste trabalho. Ou seja, apresentar questões e discussões suscitadas na supervisão quando os estagiários se defrontam com instituições e sujeitos envolvidos com o fenômeno da violência, seus agentes e/ou vítimas1

Em um primeiro momento vou mostrar como o fenômeno da violência vira uma questão na situação de supervisão, da importância que toma para além do ensino e orientação metodológica de um saber-fazer, por ser justamente uma questão relacionada à postura ética que assumimos com os sujeitos e instituições que atendemos.

Então, em um segundo momento, finalizando esta apresentação, destacarei os efeitos desta "presença" na supervisão, tecendo algumas considerações sobre como tais efeitos provocaram reflexões sobre os objetivos, algumas das especificidades e dos modos de operar esta prática institucional da supervisão acadêmico-profissional.

 

1. AS EXPERIÊNCIAS DE ESTÁGIO E A VIOLÊNCIA

Na supervisão, de modo geral, propõe-se apresentar e discutir os princípios teórico-metodológicos que sustentam as práticas psicológicas. E, na supervisão em Psicologia Jurídica, propõe-se discutir os princípios que sustentam as práticas psicológicas na relação com as práticas jurídicas, desenvolvidas em diferentes unidades de estágio, caracterizadas por uma diversidade de atividades e locais de trabalho que apresentarei de modo sintético, inserindo algumas considerações sobre o contexto de algumas cenas institucionais vividas no estágio e contadas nas supervisões – pelas quais chegaremos à questão da violência.

Na área da infância e juventude, atua-se nas medidas de proteção aplicadas à infância como Abrigo e no Grupo de Apoio à Adoção. O estagiário realiza uma intervenção institucional com os agentes e clientela da instituição que lidam com a questão do abandono das crianças sem família ou cuja família violou e/ou ameaçou a sua integridade e colocou-a em situação de risco; das mães biológicas que negam a maternidade (maternagem); dos pretendentes a "pais" muitas vezes marcados pela impossibilidade de gerar um filho biológico.

Nas medidas sócio-educativas em meio aberto, como Liberdade Assistida nas Febems, e parcerias com ONGs, os estagiários lidam com a clientela institucional associada ao estigma da carência, mas também, da periculosidade.

Há também outras práticas institucionais de atendimentos em situações de violência e/ou conflito familiar. Existem trabalhos de estagiários na Casa da Mulher, Escritório Modelo do Curso de Direito, na OAB, Serviço de Psicologia Aplicada (que recebe encaminhamento das Varas da Infância e da Família da Comarca). Em tais unidades de estágio, os alunos são responsáveis pelo atendimento de pessoas envolvidas em situações de violência familiar (física, sexual, ou psicológica), envolvendo conflitos de gênero e/ou de geração (ou seja, violência contra mulher e contra criança e adolescente); e/ou dissolução familiar e disputas em torno da parentalidade em diversos tipos de disputas (guarda, visita e pensão de filhos). Nessa área, o estagiário desenvolve atendimento de plantão psicológico e acompanhamento psicológico, utilizando alguns princípios da mediação familiar aplicada ao Direito de Família.

No sistema de segurança e penitenciário, nas instituições-prisões, conta-se com estagiário em uma casa de custódia (para presos que aguardam a sentença judicial), penitenciárias e hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico. Instituições de confinamento por excelência que, segundo M. Foucault (1977), seria destinadas aos sujeitos que violaram os artigos do Código Penal, mas também, sem dúvida, pelo lugar que ocupam na estrutura social. Nestas instituições, o estagiário desenvolve também um trabalho de plantão e acompanhamento psicológico à pessoa presa e sua família, podendo ser um atendimento individual e/ou grupal.

O que poderíamos identificar de comum nessa diversidade de experiências de trabalho relatadas? é justamente um certo tema.... a violência2

Todos trabalham com uma clientela institucional concebida (social e historicamente) como vítimas e/ou autores da violência. Violações e transgressões da norma jurídica, mas também e, sobretudo, de uma certa normatividade.

 

3. OS EFEITOS DA "VIOLÊNCIA" NA SUPERVISÃO

Evidentemente que em supervisões com tais cenas institucionais de estágio, a polêmica impera. Cheguei a ouvir de uma estagiária: "a supervisão é animada". De outra: "a supervisão é carregada".

O contexto da supervisão é marcado pela fala do estagiário que relata situações que em geral transgridem os preceitos sociais, culturais e jurídicos, muitas vezes tomadas como óbvias, naturais - e não tomadas em sua historicidade.

São situações trágicas quando expressam os limites do que é posto como convencionalmente humano. Situações, cenas e personagens que são descritos, analisados e comentados coletivamente na supervisão, quando é feita uma articulação a partir desta situação dialógica, quando ocupo este lugar de supervisora.

é possível imaginar como as situações de estágio chegam à supervisão: menores abandonados, maltratados, carentes, abusados sexualmente, feridos fisicamente e na alma...; as mulheres que gostam de apanhar; o ódio aos maridos alcoólatras e agressores; casais violentando-se, descasando-se... brigando e/ou negligenciando os filhos pelas brigas; crianças adotadas com traumas pela rejeição, dificuldade de vinculação, o ódio às mães que tentam ou cometem o infanticídio; relatos de casais ansiosos por aguardar uma adoção que demora a chegar; a inquietação traduzida em uma frase têm tanta criança abandonada e a justiça não agiliza a adoção......

é como se fizéssemos uma coletânea de todas as notícias mais pesadas dos telejornais e víssemos um compacto! é como se trabalhássemos com situações que queremos nos aproximar, mas a uma distância desejada e possível pela tela da televisão. Mas, de repente, esta distância se aproxima e vira o "cotidiano da sueprvisão".

Vejamos que tipos de associações suscitam tais cenas (de violência) entre os chamados agressores e vítimas. Temos o pólo da compaixão: a infância sem infância, a pessoa/casal sem filhos, a violência que começa em casa, crianças sem seus "pais casados", os filhos adotivos marcados pela primeira rejeição, pelo primeiro trauma... Temos, também, o pólo da transição entre a compaixão e a hostilidade: as vítimas (crianças e mulheres) que merecem apanhar e buscam por elas mesmo esta condição de vida... até as crianças em situação de rua – ou, atualmente, chamadas em situação de risco – pelas quais nutrimos estranhamente um afeto misto de compaixão, medo e repulsão. E temos, por fim, o pólo do medo/periculosidade: aqueles que são os fora da lei e tratados como sem lei.

Então, se coloca a todo o momento um desafio: como atender as pessoas envolvidas em situações de violência, entender situações de violência, isentando-nos de nossas próprias vivências e julgamentos acerca da violência.

Já ficou evidenciado que nas situações de violências típicas de um cotidiano da "psicologia jurídica" (na intervenção profissional, na supervisão, neste artigo, etc.) destacam-se cenas não de um mal estar da saúde (física e/ou mental), mas a um mal estar da convivência – como Freud nos ensinou no seu Mal estar na civilização (1930) e Birman atualizou e abrasileirou na discussão em seu Mal estar na atualidade (2001).

São questões do cotidiano. Transgressões do cotidiano e, por isso, na supervisão surgem questões polêmicas de assuntos midiáticos (quer assunto mais midiático do que a violência, só perde para a sexualidade), da conversa com amigos/familiares, enfim, concepções morais singulares de cada sujeito-estagiário – e sujeito-supervisora.

Com um risco de virar sala de estar ou mesa de bar (com todo respeito que tenho aos diálogos e trocas estabelecidos nestes lugares), procuro eixos e parâmetros para discussão, com um esforço de suspender coletivamente as próprias moralidades e valorações pessoais...

Mas como? Se, somos afetados sempre pelo que vivemos, como deixar de nos afetar quando nos deparamos com situações de violência... Defendemos a vítima e acusamos o agressor. Podemos até acusar a vítima porque ela mereceu ser agredida. Condenamos e nutrimos vontade de vingança contra os agressores (dificilmente, vontade de justiça). Impossível sair ileso, sem afetações... Difícil sairmos imunes da adesão a um dos lados. Um ou outro...

No esforço de suspensão das moralidades, acionamos o recurso de pensar o que temos em comum com os atores e as cenas (de violência) e o que nos distancia.

E, neste processo, propõe-se um exercício do "mas", do contraponto como possibilidade da emergência da multiplicidade. Mas, como operar com isto na supervisão. Para tanto, fez-se necessário um percurso sobre seus objetivos, especificidades e modos de operação.

 

A VIOLÊNCIA E A ESPECIFICIDADE DA SUPERVISÃO

Inicialmente a supervisão pode ser definida pelo que não é: não é aula, pois não está preocupada somente com a transmissão da informação, mas é ensino. Não é terapia porque não existe demanda e nem contexto de análise ou psicoterapia, mas afeta e trabalha alguns posicionamentos subjetivos, então é formação3. O objetivo institucional da supervisão é, enfim, em termos genéricos, uma orientação teórico-metodológica, uma possibilidade de discussão da prática profissional no contexto acadêmico.

A supervisão pode ser considerada, dessa forma, uma prática institucional híbrida. Ou seja, caracterizada por gêneros discursivos distintos: pedagógico-informativo e terapêutico-formativo. Uma prática entre a sala de aula e o divã do analista - ou o sofá/poltrona do psicoterapeuta - que produz algumas necessidades.

Se for possível afirmar algo sobre a supervisão que não seja pelo que ela deixa de ser (aula ou psicoterapia), então, pode-se dizer que a supervisão tem como objetivo ensinar, mas ensinar algo especial. Pelas reflexões que foram aqui levantadas, pode-se dizer que na prática da supervisão é possível objetivar e tentar levar o estagiário, como psicólogo, a se incluir na cena em que está intervindo.

Nas situações de violências descritas nos itens anteriores como especificidade do trabalho na psicologia jurídica, não há como o estagiário-psicólogo não se incluir na cena, pelo menos como um "ouvinte" dos acontecimentos... e por isso, é afetado (também pelo que ouve).... Mas então, qual seria a especificidade desta "escuta profissional" já que esta seria afetada – e emitiria juízos de valor - como a de qualquer "ser ouvinte"?

A diferença desta "escuta" consiste justamente em operar e contemplar uma multiplicidade. As possibilidades de múltiplas "verdades". é justamente por contribuir com a visão de uma e de outra parte, a partir de uma outra parte (profissional). E, este modo de operar a escuta é fundamental no posicionamento do profissional psi frente o posicionamento subjetivo de ambas e múltiplas partes de um conflito na relação que é estabelecida no contexto do atendimento-intervenção.

Um mapeamento subjetivo das e nas cenas (de violência) relatadas (e vividas), pode ser traçado se o psicólogo não analisa os sujeitos isoladamente, mas sim, analisa o cenário e os personagens de um conflito, reconhecendo que ele mesmo - o psicólogo jurídico – já faz parte deste conflito quando estabelece contato com os envolvidos. Neste momento, criam-se expectativas e relações mútuas entre estagiário-psicólogo e as "partes". Tudo que se fala, fala-se endereçado a alguém, ao estagiário-psicólogo associado ao imaginário da instituição (normativa) jurídica em que está inserido, e este depois, criará uma nova cena no relato da experiência na supervisão. Reconhecendo este lugar e colocando em análise as suas "afetações", na situação de supervisão, conseguimos fazer um mapeamento subjetivo dos atores institucionais envolvidos nas cenas, incluindo-nos, possibilitando um posicionamento do estagiário frente à cena de violência em geral, mas em particular, à dinâmica entre os atores envolvidos, a demanda jurídica e o posicionamento de cada um em relação a esta.

Enfim, deixa-se de falar do indivíduo. Fala-se de relação nas supervisões. Em princípio, como percebo na supervisão, reduzimos nossa potência de afirmar (pois abrimos mão de afirmar uma verdade sobre o indivíduo), mas é justamente nesta (de)limitação que reconhecemos a historicidade/finitude de nosso saber/intervenção. Colocar-se no lugar do outro, inversão de papeis, contra-tansferência, transversalidade, análise da implicação, etc.etc.etc Termos e/ou conceitos de abordagem e autores diferentes, mas que têm em comum o fato de tratarem da relação que se estabelecem entre os atores sociais envolvidos na cena criada na situação de intervenção profissional.

 

REFERÊNCIAS

BIRMAN, J. (2001). Mal estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.        [ Links ]

FOUCAULT, M. (1977). Vigiar e punir. Petrópolis, Vozes.        [ Links ]

FREUD, S. (1930). Mal estar na civilização. Obras Completas. Rio de Janeiro, Imago, 1969.        [ Links ]

GUAREECHI, P. (1996). Relações comunitárias, relações de dominação. In: CAMPOS, R.H.F. (org.) Psicologia social comunitária. Petrópolis, Vozes.        [ Links ]

GUIRADO, M. (1987). Psicologia Institucional. São Paulo, EPU.        [ Links ]

GUIRADO, M. (1994). Psicanálise e Análise do Discurso: matrizes institucionais do sujeito psíquico. São Paulo, Summus.        [ Links ]

 

 

1Algumas referências teórico-metodológicas partem das contribuições da estratégia de pensamento da Psicologia (leitura) Institucional, tal como proposta por Guirado (1994, 1987).
2Como não se trata de um trabalho conceitual sobre o fenômeno da violência, não entraremos em detalhes sobre as suas diferentes definições. Como referência, podemos nos remeter à definição freqüentemente utilizada por pesquisadores na área da violência, que a entende a partir de uma relação assimétrica de poder, em que uma parte expropria o poder de decisão e ação de uma outra parte (Guareschi, 1996).
Em especial, trataremos mais das situações em que foi solicitada ou imposta uma intervenção do poder judiciário e, ainda, das situações em que esta intervenção (judicial) está sendo aplicada pelas instituições públicas e da sociedade civil. Dessa forma, a violência está em jogo no motivo de entrada no judiciário, nas instituições de execução penal e de atendimento que recebem os encaminhamentos judiciais: tanto as vítimas quanto os seus agressores. Mas também, é preciso falar de uma violência mais sutil... A violência dos estigmas sociais e institucionais que carregamos, reproduzimos e produzimos nas práticas cotidianas.
3Em nossa prática cotidiana, podemos tentar dar aulas que sejam reflexivas e formativas, mas a aula-ensino institucionalmente privilegia a transmissão da informação.

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