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Psicologia para América Latina

versión On-line ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  n.9 México abr. 2007

 

NIÑOS Y JÓVENES DEL SIGLO XXI

 

A violência doméstica contra crianças e adolescentes

 

Domestic violence against children and adolescents

 

La violencia doméstica aplicada contra niños y adolescentes

 

 

Rita Aparecida Romaro1; Cláudio Garcia Capitão2

Universidade São Francisco – Brasil

 

 


RESUMO

A violência contra crianças e adolescentes que ocorre no âmbito intrafamiliar tem a cada dia sido mais exposta, devendo–se ressaltar a importância das campanhas publicitárias brasileiras e do aparecimento do tema da mídia. Utilizando–se uma metodologia retrospectiva documental de consulta aos prontuários dos casos atendidos em sete Conselhos Tutelares da Capital de São Paulo, no ano 2000, objetivamos levantar algumas características da vítima e do agressor. Trabalhou–se com os 305 casos registrados, dos quais (52%) de violência física, (22%) de abandono, (16%) de negligência, (8%) de violência sexual, (2%) de violência psicológica. As vítimas apresentavam diferentes faixas etárias, não havendo diferença significativa quanto ao gênero. Os agressores em geral eram os parentes, predominando as agressões proferidas pela mãe. A caracterização do agressor ficou prejudicada pela ausência de dados sobre o mesmo nos prontuários. Os principais denunciantes foram os próprios parentes.

Palavras–chave: Violência Doméstica, Crianças, Adolescentes, Conselho Tutelar.


ABSTRACT

Violence against children and adolescents in the intra–family environment has been more and more exposed, as it must be pointed out the importance of Brazilian ad campaigns as well as the appearance of the topic in the media. By use of documental retrospective methodology of dossiers’ consulting of cases attended by seven Tutoring Councils of São Paulo State Capital in the year 2000, we aimed at gathering a set of characteristics of both victim and aggressor. We studied 305 registered cases, comprising (52%) of physical violence, (22%) of abandon, (16%) of negligence, (8%) of sexual violence and (2%) of psychological violence. Victims belonged to different ranges of age, with no meaningful gender difference. Aggressors were usually relatives, with aggressions inflicted predominantly by their mothers. The aggressor characterization was impaired by the absence of their data on the dossiers. The main denouncers were their own relatives.

Keywords: Domestic Violence, Children, Adolescents, Tutoring Council.


RESUMEN

La violencia contra niños y adolescentes que ocurre en el ámbito intrafamiliar gana mayor visibilidad a cada día, por lo que se debe resaltar la importancia de las campañas publicitarias brasileñas y la exposición del tema en los medios de comunicación. Utilizando una metodología retrospectiva documental de consulta a los prontuarios de los casos atendidos en siete Consejos Tutelares de la Capital de San Pablo, en el año 2000, levantaremos algunas características relativas a la víctima y al agresor. Se trabajó con los 305 casos que han sido registrados, repartidos en un (52%) violência física, (22%) abandono, (16%) negligencia, (8%) violencia sexual, (2%) violencia psicológica. Las víctimas presentaban edades diferentes, no existiendo diferencia significativa en cuanto al género. Los agresores, por lo general, eran parientes, predominando las agresiones maternas. La caracterización del agresor no se afinó del todo a causa de la ausencia de datos sobre el mismo en los prontuarios. Los principales denunciantes han sido los propios parientes.

Palabras clave: Violencia Doméstica, Niños, Adolescentes, Consejo Tutelar.


 

 

Introdução

Nas últimas duas décadas, o interesse dos profissionais de saúde e dos órgãos governamentais tem se voltado para a questão da violência e, particularmente, para a violência doméstica praticada contra crianças e adolescente. No Brasil, sabemos que são altos os níveis de incidência da violência familiar doméstica, no entanto, não encontramos estatísticas oficiais sobre casos notificados de violência doméstica praticada contra crianças e adolescentes, bem como estudos sistemáticos sobre a incidência e prevalência do fenômeno, mas sabemos que a porcentagem de casos não notificados superam, e muito, a dos casos notificados, devido ao complô de silêncio descrito por Azevedo (LACRI,2000).

No final da década de 90, iniciou–se um processo de articulação e mobilização envolvendo a sociedade civil e alguns órgãos governamentais, com o intuito de compreender e criar mecanismos para conter e prevenir a violência que, em geral, começa no âmbito familiar e direciona–se contra crianças, adolescentes, mulheres e idosos.

A partir de então, a violência contra crianças e adolescentes que ocorre no âmbito intrafamiliar tem a cada dia sido mais exposta, tanto em seu caráter perverso quanto na possibilidade de divulgação da mesma, devendo–se ressaltar a importância das campanhas publicitárias brasileiras e do aparecimento do tema na mídia (como nas telenovelas). Abordar publicamente algo mantido em sigilo nas famílias parece propiciar a conscientização sobre as formas de violência, abrindo a possibilidade para a denúncia e quiçá para uma mudança na forma de lidar com a mesma. Apesar de toda essa mobilização, a realidade é que o montante de notificações, apesar de ter aumentado no decorrer dos anos, nem de longe expressa o real número de agressões, não denunciadas pelo temor que encerra.

Denunciar uma situação de agressão doméstica ainda não faz parte do imaginário coletivo, não faz parte de nossa cultura patriarcal, na qual ainda persiste a idéia de que os pais são os melhores amigos e conselheiros, só desejando o bem–estar dos filhos.

No final dos anos 80, com a Convenção Internacional dos Direitos Humanos, com a Constituição Federal de 1988, e, no início de 1990, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei Federal nº 8069/90, a possibilidade de articulação entre sociedade e governo na mobilização para a consciência do direito de cidadania de crianças e adolescentes, com o intuito de protegê–los integralmente, assumiu um caráter legal. Embora conheçamos as falhas existentes no ECA e a dificuldade de sua implantação, essa lei possibilita um respaldo para se denunciar e atuar. (Direitos da criança e do adolescente, 1997).

Os artigos 4 e 5 do ECA privilegiam o processo de desenvolvimento humano buscando garantir alguma qualidade de vida.

Art. 04 – É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte e ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único: A garantia de prioridade compreende:

1. primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

2. precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

3. preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

4. destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Art. 05 – Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. (Direitos da criança e do adolescente, 1997)

O ECA expressa uma mudança de paradigma gestada durante séculos, que nos leva a pensar e a agir sobre os direitos humanos, de forma gradual e quiçá mais efetiva.

O art. 88 do ECA estabelece a criação dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), de natureza deliberativa e de controle, com autoridade para analisar as situações, propor medidas necessárias ao atendimento da diretrizes do ECA, intervir nas várias políticas e também na organização das eleições para os Conselhos Tutelares.

Os Conselhos Tutelares são órgãos permanentes e autônomos, não jurisdicionais, encarregados pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente (art. 131 do ECA). São formados por cinco membros da comunidade e escolhidos pela mesma, com mandato de três anos, podendo ser reeleitos. São requisitos: ter acima de 21 anos, morar no município e ser moralmente idôneo (atestado em documento oficial do Juiz da Infância e da Juventude).

Sabe–se que na prática, nem sempre os Conselhos Tutelares suprem as necessidades de atendimento jurídico, médico, social e psicológico dos agredidos e dos agressores, ora devido ao tamanho da demanda, ora pela dificuldade de se denunciar as agressões, ora por causa do próprio despreparo da equipe que os compõe.

As modalidades de violência doméstica notificadas, principalmente nos Conselhos Tutelares, abrangem a violência física, a violência sexual, a violência psicológica, a negligência e o abandono. Cabe notar que não raro as modalidades de violência apresentam–se associadas, como mostrado nas pesquisas realizadas pelo Laboratório de Estudos da Criança (LACRI, 2000) e pelo Centro Regional de Atenção aos Maus–Tratos na Infância do ABCD (CRAMI, 2000).

A violência física corresponde ao emprego de força física no processo disciplinador da criança ou adolescente, seja por meio de uma ação única ou repetida, não acidental, cometida por um adulto que provoque conseqüências leves ou extrema como a morte (Guerra,1998).

A violência sexual caracteriza–se "por um ato ou jogo sexual, em uma relação hetero ou homossexual, entre um ou mais adultos e uma criança ou adolescente, tendo por finalidade estimular sexualmente esta criança ou adolescente, ou utilizá–la para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa" (LACRI, 2000, p.4).

A violência psicológica, "também designada ‘tortura psicológica’, ocorre quando o adulto constantemente deprecia a criança, bloqueia seus esforços de auto–aceitação, causando–lhe grande sofrimento mental. Ameaças de abandono também podem tornar uma criança medrosa e ansiosa, representando formas de sofrimento mental" (LACRI,2000,p.5).

A negligência consiste em uma omissão em termos de prover as necessidades físicas e emocionais de uma criança ou adolescente (LACRI,2000).

O abandono, segundo Guerra (1998), caracteriza–se como a ausência de um responsável pela criança ou adolescente, podendo ocorrer o abandono parcial (ausência temporária dos pais expondo–a a situações de risco) e o total (afastamento do grupo familiar, ficando as crianças sem habitação, desamparadas, expostas a várias formas de perigo).

As diversas formas de violência ou abuso afetam a saúde mental da criança ou adolescente, visto este se encontrar em um processo de desenvolvimento psíquico e físico, produzindo efeitos danosos em seu desempenho escolar, em sua adaptação social, em seu desenvolvimento orgânico. Vários estudos relacionam a violência doméstica com o desenvolvimento de transtornos de personalidade, comportamentos agressivos, dificuldades na esfera sexual, doenças psicossomáticas, transtorno de pânico, entre outros prejuízos (Holmes & Slap, 1998; Johnson, Cohen, Brown, Smailes & Berenestein,1999).

Levando–se em conta que, muitas vezes, a porta de entrada para a denúncia dos casos de violência doméstica é o Conselho Tutelar, planejamos realizar um levantamento de dados junto ao mesmo, e também percebemos o quão quixotesco era nosso objetivo, pois encontramos promessas, recusas veladas, e por fim conseguimos um acesso restrito a sete dos vinte Conselhos Tutelares da capital de São Paulo.

Considerou–se que um levantamento epidemiológico dos tipos de violência praticadas no âmbito familiar, na cidade de São Paulo, em parceria com outras instituições, poderia auxiliar na compreensão do fenômeno e possibilitar uma melhor atuação psicojurídicosocial, por meio da divulgação dos dados e do estudo das variáveis envolvidas, tais como, perfil do agressor, perfil da pessoa agredida, fatores predisponentes, entre outros.

 

Objetivo

Utilizando–se uma metodologia retrospectiva documental de consulta aos prontuários dos casos atendidos nesses sete Conselhos Tutelares (C.T.), que nos permitiram acesso, no ano de 2000, levantar os tipos de violência doméstica notificadas, da situação sociodemográfica, caracterísitcas da vítima e do agressor que cometeu violência doméstica contra crianças e adolescentes.

 

Método

Após a coleta dos dados foi montado um banco de dados, englobando todos os tipos de violência doméstica, trabalhando–se com os seguintes agrupamentos: Modalidade de violência – sexual, física, psicológica, abandono, negligência e múltiplas; Caracterização socioeconômica da família – renda familiar, domicílio, pessoas que residem na casa, religião e raça; Caracterização da vítima – gênero, idade, escolaridade; Caracterização do agressor – gênero, idade, escolaridade, profissão, vínculo com a vítima, fatores predisponentes e dinâmica familiar; Denunciante; Tipos de registro, reincidências e encaminhamentos realizados pelo CT.

Para a análise dos resultados, considerou–se, enquanto critério para o agrupamento dos tipos de violência doméstica, as seguintes primazias: violência sexual (preponderando sobre todos os outros tipos de violência); violência física (preponderando sobre a violência psicológica, o abandono, a negligência); o abandono (preponderando sobre a violência psicológica e a negligência); negligência (preponderando sobre violência psicológica) e violência psicológica (enquanto registro isolado). Partiu–se do pressuposto que a violência psicológica está associada a qualquer modalidade de violência.

 

Resultados

A análise dos resultados obedece a seguinte estrutura: caracterização dos 305 casos de violência doméstica, caracterização sociodemográfica, caracterização das vítimas, dos agressores, forma de registro e encaminhamento dos CTs.

Caracterização da Violência Doméstica

A forma como os CTs acolhem e exploram as situações de violência é fundamental para a compreensão e acompanhamento dos casos, seja por esses órgãos ou por outras instituições. Os 305 casos de violência doméstica contra crianças e adolescentes atendidos nos 7 CTs estudados, no ano de 2000, são apresentados na Tabela 1.

O CT de São Miguel Paulista totalizou 56% dos casos, sendo que foram disponibilizados para o pesquisador cerca de 3000 prontuários para que o mesmo selecionasse os casos de violência doméstica. O CT de São Mateus também disponibilizou os prontuários, no entanto, a freqüência atingida foi de 7%. Os CT que selecionaram os casos (Tucuruvi, Ipiranga e Vila Prudente) apresentaram uma freqüência em torno de 9,3%. Nos CT da Mooca e da Sé, pode–se dizer que os dados pesquisados fizeram parte de uma amostragem aleatória, pelas condições impostas pelos conselheiros, girando em torno de 4,5%.

 

Tabela 1. Distribuição das notificações por Conselho Tutelar.

Conselho Tutelar


Total de Notificações

F f%

Ipiranga

23 8

São Miguel Pta.

172 56

18 6

Tucuruvi

25 8

São Mateus

21 7

Moóca

8 3

V. Prudente

38 12

Total

305 100

F = freqüência f%= porcentagem de freqüência

 

A distribuição das modalidades de violência doméstica é apresentada na Figura 1, observando–se um predomínio das notificações de violência física (52%), seguida do abandono (22%), da negligência (16%), da violência sexual (8%) e da violência psicológica (2%). Cabe notar que essa última permeia todos os tipos de violência.

Caracterização sociodemográfica

A caracterização sociodemográfica ficou prejudicada devido à falta das seguintes informações nos registros dos CTs: dados relativos à raça ou cor estavam ausentes em 76% dos casos, 14% eram de cor branca, 8% parda e 2% negra. A religião não foi pesquisada em 99% dos casos. A procedência das famílias também não foi pesquisada em 60% dos casos, sendo que os outros 40% eram de São Paulo.

A renda familiar não constava em 95% dos casos, em 2% era até 1 salário mínimo, de 1 a 3 salários mínimos em 2% e de 3 a 5 em 1% da população estudada. Quanto à situação de domicílio, 80,3% moravam na área urbana e em 19,3% dos casos, esses dados não foram pesquisados. A espécie de domicílio (permanente ou provisório) não constava em 87% dos casos, o tipo (casa/ apartamento/cômodo) em 75% dos casos, sendo que dos outros 25% apenas 4% referiram morar em cômodo.

Em 45% dos casos não foi pesquisado quantas pessoas moravam na casa. Os 55% restantes referiram morar em famílias pequenas de 2 a 3 pessoas (30%) e de 4 a 5 (21%). Somente em 4% dos casos havia referência de habitarem mais de 5 pessoas na casa. Quanto às pessoas que residiam com a vítima, encontramos que 20% moravam com os pais, 20% com pais e irmãos, 17% com a mãe, 2% com o pai, 9% mãe e irmãos, 6% pai ou mãe e outros, 4% com parentes e 6% referiram outras condições. Em 16% dos casos esse dado não foi pesquisado.

Caracterização da vítima

As vítimas foram crianças de diferentes faixas etárias, como mostra a Figura 2.

Observou–se que a violência doméstica predominou na faixa etária entre 2 e 15 anos, havendo referência à mesma na idade até 1 ano (7%) e acima dos 16 anos (4%). Mesmo esse dado fundamental não foi pesquisado em 7% dos casos.

Excluindo–se da análise dos resultados o item não consta, as notificações com a idade da vítima (n=283), revelaram que as agressões concentraram–se na faixa etária de 6 a 10 anos (33%), 11 a 15 anos (29%) e 2 a 5 anos (26%). Com relação ao gênero, o sexo feminino somou 52% das notificações e o sexo masculino, 48%.

Dados sobre a escolaridade das vítimas são apresentados na Figura 3.

Quanto à escolaridade, em 62% dos prontuários esse dado não constava, predominando nos 38% restantes, crianças sem idade escolar (19%), da pré–escola à 4a série (7%), da 5a a 8a (10%).

Caracterização do agressor

A caracterização do agressor ficou prejudicada devido à falta de dados constantes nos prontuários dos CTs. A escolaridade não foi pesquisada em 95% dos casos, o tipo de trabalho em 89% e a profissão em 89%. Por isso optou–se por apresentar alguns dados considerados essenciais, sem e com a inclusão do item não consta, nas diversas categorias apresentadas.

De acordo com os dados pesquisados, a idade do agressor não constava em 81% dos casos, conforme Figura 4.

Excluindo–se o item não consta (n= 46) observou–se que predominantemente o agressor encontrava–se acima de 30 anos em 67,4% dos casos entre 22 e 30 anos em 28,3%.

O agressor em 43% dos casos era mulher, em 36% homem, a agressão foi cometida por um casal em 14% dos casos e em 7% dos prontuários o gênero do agressor não constava. Excluindo–se o item não consta (n= 283), permaneceu o predomínio de agressores do gênero feminino (46%), seguido dos agressores do gênero masculino (39%) e de ambos os sexos (15%).

Em 89% dos casos, o agressor apresentava parentesco com a vítima – mãe (43%), pai (31%), os pais (14%), padrasto/madrasta (5%), irmão (2%), parentes (5%). Em 6% era conhecido, em 3% desconhecido e em 2% esse dado não constava.

Os fatores predisponentes não constavam em 63% dos casos, em 23% havia referência ao uso de álcool, em 6% ao uso de drogas, em 5% presença de transtornos do comportamento, em 1% histórico de tratamento psiquiátrico anterior e em 2% uso combinado de álcool e drogas. Excluindo–se o item não consta (n= 112), permaneceu o predomínio do uso do álcool em 64% dos casos enquanto fator predisponente, seguido das drogas (16%), dos transtornos de comportamento (12%), do histórico de tratamentos psiquiátricos anteriores (3%) e do uso combinado de álcool e drogas (5%).

Em 29% dos casos, a dinâmica familiar foi descrita como conflitiva, em 29% havia histórico de separações, em 39% esse dado não foi pesquisado, em 3% havia histórico de doença mental associada a conflitos e separações. Excluindo–se o item não consta, permaneceu o predomínio de dinâmicas permeadas por conflitos e brigas (47%) e por separações (47,5%), sendo que a presença de conflitos gerados por membros com algum tipo de doença mental sobe para 5,5%.

O encaminhamento do agressor foi realizado em 5% dos casos e em 2% recebeu algum tipo de orientação do conselheiro tutelar. A denúncia foi realizada pela mãe (20%), pelos parentes (19%), anônimo (19%) instituições (18%), pelo pai (11%) e pela própria vítima (6%). A caracterização do agressor ficou prejudicada pela ausência de dados nos prontuários quanto à idade (81%), ao trabalho (89%), à profissão (89%), à escolaridade (95%).

Os principais denunciantes foram os próprios parentes, 58% do total das notificações (n=274), a Instituição (20%) e a denúncia anônima (10%). Os resultados indicaram que a criança desde muito cedo é vulnerável a diferentes tipos de agressão, desde física, abandono, negligência, à agressão sexual. Seus agressores principais foram parentes e entre eles os próprios pais. Os parentes foram, também, os principais denunciantes, seguidos de denúncia feita por Instituição e por anonimato. Ressalta–se a importância dessa linha de investigação como respaldo para uma atuação, tanto remediativa, quanto preventiva, do psicólogo e de outros segmentos da sociedade junto à vítima e a sua família.

Formas de registro e encaminhamento dado aos casos pelos Conselhos Tutelares

A forma de registro empregada pela maioria dos CT foi a ficha de notificação (70%), anotação em um caderno (11%), ficha de notificação e boletim de ocorrência (11%). A maioria dos prontuários possuía dados incompletos que dificultaram a caracterização e compreensão dos casos, que se concentravam mais em itens como renda familiar (95%); dados referentes ao agressor como trabalho (80%), profissão (89%) e idade (81%); raça ou cor (76%) e referência à marcação de retorno (73%). A pesquisa dos fatores predisponentes no meio familiar e a idade da vítima não foram pesquisadas em cerca de 60% dos casos. A reincidência do caso no CT (49%) e o encaminhamento dado (56%) não constavam em cerca de metade dos prontuários.

 

Considerações Finais

A distribuição do tipo de violência notificado nos CTs em 2000, corroboram as estatísticas divulgadas pelo CRAMI (2000), onde 48% das agressões notificadas eram as físicas, 26% referiam–se à negligência e ao abandono, 22% ao abuso sexual e 4% à violência psicológica. Nas pesquisas divulgadas pelo LACRI (2000) o número de casos de negligência superava os de violência física.

A precária infra–estrutura observada nos CT, como a falta de salas de atendimento adequadas, de fichas de registro padronizadas, de sistemas de informatização, de capacitação dos conselheiros parecem contribuir para uma coleta de dados falha, dificultando a compreensão e o encaminhamento adequado das questões, visto que em mais da metade dos casos não houve marcação de retorno, encaminhamento ou dados sobre a reincidência. Conclui–se pela necessidade de se programar uma ficha de notificação onde os dados significativos possam ser pesquisados, viabilizando uma análise adequada e intervenções primárias, secundárias e terciárias.

Os resultados mostraram que a criança desde muito cedo é vulnerável a diferentes tipos de agressão, desde física, abandono, negligência, à agressão sexual. Seus agressores principais foram parentes e entre eles os próprios pais, caracterizando abuso e distorção do poder disciplinador atribuído às figuras parentais, como descreve Guerra (1998), bem como prováveis transtornos mentais, nem sempre pesquisados ou observados pelos conselheiros, o que parece corroborar os achados de Holmes & Slap, 1998; Jonhson et al. 1999. A ocorrência dos transtornos mentais Os parentes foram, também, os principais denunciantes.

A forma como o Conselho Tutelar acolhe e explora essas situações de violência, esbarra no preparo técnico/emocional dos conselheiros para investigarem e encaminharem esses casos, visto que em mais da metade dos prontuários não havia anotação sobre dados significativos da vítima ou do agressor, dificultando um levantamento epidemiológico.

Ressalta–se a importância dessa linha de investigação como respaldo para uma atuação, tanto remediativa, quanto preventiva, do psicólogo e de outros segmentos da sociedade junto à vítima e a sua família, possibilitando o delineamento de medidas preventivas através de programas que possam inserir–se na comunidade, intervindo em diferentes níveis de prevenção – como, por exemplo, a sensibilização da população sobre a identificação e não aceitação da violência doméstica.

Considerando–se que a consciência sobre a história da violência vivida poderá servir como um fator de proteção, evitando a perpetuação dos maus tratos e a submissão aos mesmos, torna–se necessário uma melhor articulação do sistema educacional, de saúde e judiciário na identificação do problema e encaminhamento adequado dos casos detectados.

 

Referências Bibliográficas

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Laboratório de Estudos da Criança (LACRI). (2000). "Ponta do Iceberg". Online. Disponível na Internet via htpp:/ www.usp.br/ip/laboratorios/lacri. Arquivo recuperado em 03.01.2001.        [ Links ]

 

 

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