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Psicologia para América Latina

versão On-line ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  n.11 México set. 2007

 

ANÁLISIS Y CONSTRUCCIONES TEÓRICAS EN PSICOLOGÍA

 

Algumas reflexões acerca da construção e contribuições da teoria socionômica

 

 

Maria Luiza Gava Schmidt

Departamento de Saúde Ambiental, Faculdade de Saúde Pública - USP (Brasil)

 

 


RESUMO

O artigo propõe-se, inicialmente, a reconstruir a trajetória de vida pessoal e científica de Jacob Levy Moreno, precursor da metodologia psicodramática e criador da Teoria Socionômica. Focaliza, a seguir, as contribuições dessa abordagem para a mudança de paradigma no campo científico, enfatizando a inserção do procedimento grupal e de análise da constituição de grupo nas diferentes áreas do conhecimento, sobretudo em Ciências Sociais e na Psiquiatria. Reconhece ao conclui, a excelência dessa metodologia e, em função de sua práxis fundamentada no real aponta a conveniência de sua aplicação para a apreensão da subjetividade e compreensão dos fenômenos humanos.

Palavras-chave: Psicodrama, Teoria Socionômica, Metodologia Qualitativa, Subjetividade.


ABSTRACT

The article proposes itself, at first, to reconstruct the personal life and scientific trajectory of of Jacob Levy Moreno, the forerunner of the Psychodramatic Methodology and the creator of the Social-Economic Theory. To follow, it focuses on the contributions of this boarding to the changes of the paradigms in the scientific fields, emphasizing the insertion of the group procedures and the analysis of the group constitution in different areas of knowlegde, over all in Social Sciences and Psychiatry. It recognizes when concludes, the excellency of this methodology and, in function of its usage based in the reality, it points to the convenience of its application to the understanding of the subjectivity and human phenomenons.

Keywords: Psychodrama, Social-Economic Theory, Qualitative Methodology, Subjectivity.


 

 

1. Síntese da Trajetória Pessoal e Científica de Jacob Levy Moreno e a Construção da Teoria Socionômica

Embora o percurso biográfico de Jacob Levy Moreno seja amplamente conhecido no meio científico, sistematizar sua vida e obra, na introdução desse artigo, pareceu - nos oportuno para assinalar a dinâmica que caracterizou a abordagem teórico - metodológica psicodramática e também pontuar, já de início, uma das concepções morenianas: a de indivíduo como autor e ator da própria história. Para isso, reportamo-nos aos trabalhos de Carvalho (2002) e Gomes (2005), que sintetizam dados da vida e obra desse autor, o precursor do método psicodramático.

Consta que nasceu em 1889. Sua família saiu da Península Ibérica para radicar-se na Romênia. Seu pai - Moreno Nissin Levy - era, além de um comerciante, perito em negócios de cereais e na indústria de petróleo. Viajava muito, estando ausente por ocasião do nascimento do filho. Era sério, amoroso, porém inconstante nos hábitos, namorador e profissionalmente instável.

A mãe, Paulina, órfã dos genitores, criada pelos irmãos, foi aos quinze anos por eles entregue a Nissin. Mulher carinhosa, socialmente ativa e dotada de incansável energia, criou seis filhos sozinha. Embora judia, era do Novo Testamento, porém supersticiosa: acreditava em profecias, consultava ciganas, possuía dons premonitivos, e praticava quiromancia. Teve uma vida conjugal infeliz e, apesar dos esforços de Moreno para harmonizar o relacionamento, acabaram separando-se.

Moreno, predileto da mãe. Relata Ramalho que, com um ano de vida estava tão raquítico, que ficou aparentemente paralítico. Desesperançada pelos médicos, Paulina recorreu a uma cigana. Esta além de recomendar banhos de sol ao meio-dia, sentado na areia, vaticinou que ele seria bom, sábio e famoso.

Esse fato, segundo a autora, pode ter incutido na mente da supersticiosa mãe, a convicção de que o menino estava fadado ao cumprimento de uma missão incomum. Seu despertar religioso, mesclou-se, portanto, de crenças judaicas e valores cristãos, alimentado pela idéia de posse de um destino especial, cuja fantasia (estimulada pela mãe) era a de ser Deus. Essa história talvez tenha criado na mãe de Moreno a criança de que ele um predestinado, seguindo a seu filho uma missão especial a cumprir. Portanto, o despertar religioso de Moreno foi uma mistura de crenças judaicas com valores cristãos, alimentadas pela idéia que possuía um destino especial, cuja brincadeira (estimulada por sua mãe) era a de ser Deus.

Por volta dos seis anos de idade, mudou-se com a família para Viena. Marcado pelo afloramento desse devaneio singular, essa fase revelou-se embrionária da idéia de espontaneidade e contexto nodal para seus estudos posteriores.

Gomes (2005, p. 157), ao sintetizar essa a biografia descreveu: "como criança valente, inteligente e sempre interessada pelas coisas do mundo, entro na escola. Habitou-se desde então a sentar-se na primeira fileira. De um lado, isso facilitaria seu aprendizado, inclusive do novo idioma; de outro, se tornava alvo fácil de predileção dos professores, ao auxiliá-los. Saiu-se bem nos estudos, sendo o orgulho dos pais".

Ainda segundo essa autora, por volta dos quatorze anos, Moreno mudou-se coma família para Berlin. Após conflitos com os pais retornou para Viena, afastando-se definitivamente dos familiares. Nesse período, manteve-se como professor particular. Ainda adolescente, recebeu influência de Sócrates, Nietszche, e passou por uma crise religiosa e filosófica.

"Conforme Gomes (2005, p. 157)", por sugestão do pai, seguiu a carreira médica, a exemplo de um tio". Em1909, entrou na Universidade. "Enquanto estudava Medicina, ele não se via como um especialista. Achava que se preparava para sua missão, que ainda não estava clara, mas parecia estar certo de que seria alguém que lidasse com curas" (Gomes, p. 158).

Entre 1907 e 1910, fundou, juntamente com amigos, o Seinismo (a religião do Encontro), que expressava sua rebeldia diante dos costumes estabelecidos e exprimia seus ideais místicos. Liderava um grupo de jovens com quem se reunia, na Casa do Encontro, para ajudar os pobres, oprimidos e angustiados. Ostentava então uma longa barba e vestia um manto escuro, sentindo-se em plena atividade profética, como ele próprio demonstrava em alguns escritos.

Nesse período, estava absorvido pelo misticismo, mas, ao mesmo tempo era estudante assíduo e aplicado de Medicina. Envolvia-se com a Filosofia Experimental e Arte (Teatro). Paralelamente, fazia Teatro Experimental e improvisava jogos imaginativos com crianças nos jardins de Augarten, parque vienense. Contava-lhes histórias e contos - de - fadas, estimulando - as a recriá-los e a dramatizá-los depois. Dessas experiências nasceu o Teatro Infantil.

"Na esteira do movimento expressionista, Moreno buscava sempre novas experiências, fossem elas nos parques públicos, nos tribunais ou nos campos de refugiados. Para ele, a ação era sempre mais importante que a palavra" (Gomes, 2005, p. 158)

Em 1912 ocorre o encontro com Freud na universidade. Assim relatou o episódio:

"Freud tinha acabado de fazer a análise de um sonho. Enquanto os estudantes se alinhavam, ele me perguntou qual era minha atividade. Eu respondi: "Bem, Dr Freud, comecei no ponto em que o senhor desistiu. O senhor atende às pessoas no ambiente artificial do seu consultório. Eu as encontro nas ruas, em suas casas, no seu ambiente natural. O senhor analisa seus sonhos e eu tento estimulá-las a sonhar de novo" ( Ramalho, 2002, p. 44).

Em 1914, desenvolveu um trabalho com prostituas, compondo para isso uma equipe multidisciplinar com um jornalista e um médico venerologista. Utilizando as técnicas grupais, logrou conscientizá-las da situação em que viviam, fato que levou à criação de um sindicato em Amspittelberg. No ano seguinte, provou os princípios do que posteriormente viria ser a Psicoterapia de Grupo e publicou a mais marcante obra de sua fase inicial. "Convite a um Encontro"

No último ano de Medicina, 1916, produziu um trabalho grupal num campo de refugiados da Primeira Guerra. Segundo Gomes (2005, p. 159), "prestou serviços ao exército austro - húngaro, servindo em campos de refugiados. Nessa experiência, ele esboçou os rudimentos da Sociometria".

Entre 1909 e 1917, escreveu alguns ensaios: "A Divindade como Comediante"; "A Divindade como Orador"; "A Divindade como Autor"; "O Reino das Crianças". Nesse último ano, concluiu Medicina, apontando inicialmente por clinica geral, por ser avesso à Psiquiatria tradicional, da forma como era conduzida.

"Moreno era adepto de um movimento radical que abraçava o credo do subjetivismo e exigia que a vida se apresentasse como é experimentada no aqui - agora: o movimento expressionista. Este, estimulado pelo movimento existencialista, predominava na Arte e na Filosofia da época, projetando a visão de mundo que, no ramo psiquiátrico, tendia a compreender as necessidades singulares de cada pessoa. Era natural, portanto, que Moreno se rebelasse contra as classificações sistemáticas na área de saúde mental. Então preferiu ser médico de família e do trabalho, adotando uma visão psicossomática. Foi trabalhar na área de saúde pública, como médico de uma indústria têxtil em Bad Voslau, pequena cidade ao sul de Viena. Nesta cidade, costumava visitar os doentes e atendê-los em casa, de graça, exercendo uma medicina incomum, propagando a fama de fazer milagres" (Ramalho, 2002, p. 27).

Paralelamente, apaixonou-se por Marianne Lornitzo, com quem passou a conviver. Grande foi sua colaboração para que Moreno concretiza-se seus ideais. Esta, além de desempenhar os papéis de amante, secretária, assistente, e musa tornou-se inspiradora de muitos empreendimentos.

Nessa época, adotando métodos intuitivos e sistêmicos de tratamento, passou a se interessar gradativamente pela saúde mental, baseando-se em experiências com um paciente.

"Como médico, era intuitivo e carismático na maneira de falar com seus pacientes, de olhá-los e tocá-los. Suas primeira"s experiências já tinham um sentido comunitário, colocando - o inclusive como precursor da Terapia Familiar Sistêmica. Era homem de ação, mas ainda incapaz de sistematizar seu trabalho, despertando, então, em torno de si, no meio médico, sentimentos ambivalentes de amor e ódio, preconceito e ciúme" (Ramalho, 2002, p. 29).

Entre 1917 - 1920, foi editor e colaborador da revista expressionista e existencialista Daimon. Neste último ano, publicou o livro "As Palavras do Pai", tentando unir religião e ciência. Ressaltou que somos todos deuses, co-criadores de um universo inacabado, a ser recriado com energia e alegria. Seus inimigos, entretanto, avaliaram a obra como prova de desequilíbrio mental.

Em 1921 fundou o Teatro Vienense da Espontaneidade, fonte de suas idéias da Psicoterapia de Grupo e do Psicodrama. Visualizava aí um campo alternativo e intocado, com infinitas possibilidades de investigar a espontaneidade no plano experimental. A primeira sessão psicodramática oficial foi realizada em primeiro de abril desse ano, no teatro vienense Komödienhaus.

"Busca de uma nova ordem", foi o tema da sessão, que se realizou "no trono vermelho vazio com moldura dourada e encosto alto, com uma coroa e um manto escuro, à espera de alguém que o assumisse como um novo líder do mundo pós - guerra" (Gomes, p. 159). A proposta sofreu severas críticas em Viena, tanto do público como dos jornais.

Nesse ano, criou também a técnica psicodramática do Jornal Vivo e o Teatro de Espontaneidade. Em decorrência dessas experiências, Moreno marcou a passagem do Teatro Espontâneo para o Teatro Terapêutico e, trabalhando com um conflito de casal, inaugurou o Psicodrama de Casal.

Paralelamente, viveu uma fase de intensos questionamentos e auto - análise, objetivando ser mais cauteloso em suas proposições e abandonou a Áustria, pois se sentia incompreendido. Em 1924, publicou: O Teatro da Espontaneidade, no qual sistematizou suas idéias e aproximou o Teatro e a Psicoterapia. Segundo ele, "o teatro das coisas últimas não é a repetição eterna do mesmo, por necessidade eterna (Nietzsche), mas o oposto disso. É a repetição autogerada e autocriada se si mesmo" (Moreno, 1984, p. 78).

Ano seguinte, abandonou Marianne e migrou para os Estados Unidos em busca de maiores oportunidades financeiras, sob pretexto de patentear um invento seu (aparelho precursor do gravador).

Nos seus primeiros cinco anos nesse país, voltou a vivenciar momentos de intensa reflexão e sofreu dificuldades econômicas, enquanto aguardava o reconhecimento de seu título de médico para poder trabalhar e expor suas idéias inovadoras. Por outro lado, conheceu Beatrice Beecher que, interessada por seus trabalhos sobre a espontaneidade infantil, propôs-lhe casamento como meio de ajudá-lo a obter a condição de imigrante (legal) no país. Aceita a proposta, casaram-se em 1928, divorciando-se em 1939, como combinado, após a obtenção do visto.

Nesse meio tempo, recebeu apoio também da cientista social, Helen Jennings, mediante a qual conseguiu realizar alguns trabalhos, publicar obras e estabelecer importantes contatos, com os psicólogos sociais americanos.

Em 1927, além de receber o certificado para exercer Medicina em Nova York, efetivou sua primeira apresentação fora da Europa.

No biênio 1931 - 1932, Moreno apresentou novas contribuições: introduziu o termo Psicoterapia de Grupo ao participar de reunião da Associação Psiquiátrica Americana, criou o Teatro do Improviso, publicou a revista Impromptu (a primeira do gênero sobre o assunto) e trabalhou numa pesquisa sociométrica, analisando as relações interpessoais numa prisão americana.

Além disso, passou a ser diretor de pesquisa na escola de Reeducação de Jovens, localizada em Hudson. Nessa ocasião, seus trabalhos estavam direcionados para a investigação e mensuração das relações interpessoais, firmando-se assim os métodos da Sociometria.

Na nova pátria, onde imperava o positivismo, para se fazer respeitar no meio científico, precisou renunciar temporariamente às suas idéias vanguardistas, preocupando-se em estruturar suas teorias com apoio da Estatística e da Matemática. Criou o Teste Sociométrico e aplicou - o em algumas instituições, motivo por que foi aceito como representante da Psicologia Social, então ramo emergente.

Em 1934, publicou - Quem Sobreviverá? Neste livro, volta a insistir na tese de que sobreviverá quem deixar de ser robômato e puder criar, sendo criativo e insubmisso às conservas e afirma que não é necessário que Religião e Ciência estejam em oposição. Apresenta ainda os resultados de sua pesquisa sobre diagramas sociométricos e análise estatísticas na área da microssociologia. A repercussão dessa obra foi tamanha que em 1937, foi convidado a lecionar Sociometria na Escola de Pesquisa Social de Nova York.

Data de 1936 sua mudança para Becon House (NY) onde ele construiu um sanatório e o primeiro Teatro de Psicodrama. Nesse local funcionou (até 1982)o Centro de formação de profissionais em psicodrama. Aí também conduziu sessões semanais de Psicodrama Público. Então, já bastante amadurecido em seus conceitos técnicos - teórico, passa a ser mais respeitado no meio psiquiátrico. Em1937 fundou a revista Sociometria, publicação especialmente vantajosa para suas obras.

Em 1938 e 1949, respectivamente, concretizou seus outros dois casamentos formais, com mulheres muito mais jovens: a médica Florence Bridge, com quem teve uma filha e de quem se separou uma década depois; Celine Zerca Toeman, que conhecera em 1941 e identificada como companheira ideal para o futuro. Esta se tornou, gradativamente, sua inspiradora, co-terapeuta e parceira de pesquisas e de publicações subseqüentes: "Psicodrama" (1946), "Fundamentos do Psicodrama" (1959) e "Psicoterapia de Grupo e Psicodrama" (1969). Fundou a Associação Americana de Sociometria. Tiveram um filho, Jonathan, que também tornou-se psicodramatista.

Nos anos sessenta, enriqueceu seu currículo organizando, em Paris, o Primeiro Congresso Internacional de Psicodrama e recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade de Barcelona.

Morreu serenamente em seu quarto, acompanhado por um de seus alunos e sua enfermeira, tendo manifestado um último desejo - a inscrição desta frase em sua lápide: "Aqui jaz aquele que abriu as portas da Psiquiatria à alegria".

Há que se constatar com Gomes (2005) o cumprimento da profecia da cigana, pois Moreno realmente se tornou um grande homem. Suas idéias foram divulgadas pelo mundo inteiro e muitas pessoas forma procurá-lo.

Finalizando esta apresentação inicial, é possível visualizar na trajetória pessoal e científica de Moreno seus deslocamentos, os processos de construção de algumas metodologias e desenvolvimento de outras, e também os conceitos de viver e vir -a -ser, o exercitar dinamismo inerente ao ser humano, por ele sublimado, porém pressentido por cada um de nós, peregrinos da elaboração de nossos próprios destinos.

 

2. A Investigação Psicodramática e as Mudanças de Paradigmas no Campo Científico

Como as inovadoras concepções morenianas afloraram numa época em que o complexo cenário epistêmico e os métodos científicos vigentes eram norteados pelo positivismo, ele precisou renunciar a elas temporariamente para merecer respeito nesse meio preocupando-se em fundamentar suas teorias com apoio na Estatística e na Matemática.

Ao invés de submeter-se totalmente às conservas da cientificidade dominante, porém, comprometeu-se com a transmutação de conceitos. "Embora as exigências racionais o tenham absorvido, criando técnicas e testes, métodos quantitativos, nunca perdeu o sentimento de fé no potencial humano e em sua busca cósmica" (Ramalho, 2002, p. 35).

Com isso, demonstrou que "a cientificidade tem que ser pensada como uma idéia reguladora de alta abstração e não como sinônimo de modelos e normas a serem seguidos. A história da ciência revela não um "a priori", mas o que foi produzido em determinado momento histórico com a relatividade do processo de conhecimento" (Minayo, 2002, p. 12).

A partir do 'Teatro da Improvisação', realizado em Viena (1921), Moreno revelou ter tomado "consciência das possibilidades existentes na representação, na vivência ativa e estruturada de situações psíquicas conflituosas" (Moreno, 1999, p. 27).

N a época da divulgação das idéias morenianas, a a psicanálise ascendia enquanto metodologia psicoterápica. Ao apontar detalhadamente em suas obra o contraste entre suas concepções e as de Freud, fez ampliarem-se as divergências entre ambos tanto na argumentação teórica quanto na prática terapêutica.

A organização de suas fundamentações teórico-metodológicas, também atendia as exigências do tripé científico (objeto de estudo, método e teoria): seu objeto de estudo focaliza as relações humanas, seu método apóia-se na ação e sua teoria solidificou-se em diversos conceitos por ele elaborados, a partir de suas pesquisas. Com isso, implementou uma nova prática psicoterápica que ampliou o campo da psicoterapia, anteriormente limitada ao indivíduo, e estendeu - a para o grupo. Elaborando dessa forma, um método diferenciado, em que se priorizam os variados agrupamentos sociais nos quais os indivíduos interagem.

Criou também a Psicoterapia de Grupo que, segundo ele, se apóia em três contextos: Medicina, Sociologia e religião.

O da Medicina, primeiramente, visto que essa prática foi tratada de início como assunto médico. Habituados a cuidar apenas do corpo, esses passaram a abordar o indivíduo como um todo e também o grupo no qual ele estava inserido.

O segundo suporte veio da Sociologia no momento oportuno, pois à época em que a Psicoterapia de grupo estava se troando reconhecida, "a Sociologia não possuía nenhum método de investigação objetivo com o qual se pudesse fazer uma análise de grupos" (Moreno, 1999, p. 13). Para suprir essa lacuna, criou-se o Método Sociométrico, alicerce da ciência denominada Sociometria, por ele definida como a base para diagnosticar os aspectos indicadores de normalidade ou patogenia dos grupos.

A linha de pensamento percorrida por esse autor (suas reflexões teórico - metodológicas) evoluíram de uma pesquisa unidisciplinar ortodoxa para uma investigação de caráter interdisciplnar. Seu método passou então a ser referência em muitos contextos, propagando-se para diferentes áreas do conhecimento, não se limitando apenas à Medicina. Com a Sociometria, novas formas de pensar a psicoterapia de grupo foram sendo constituídas, e isso "abriu caminhos para as grandes contribuições, trazidas pelos sociólogos, educadores, psicólogos e assistentes sociais" (Moreno, 1999, p. 14).

O terceiro apoio advém da Religião, visto que "Religião vem de religare, ligar, é o princípio de "tudo reunir", de ligar em conjunto, a imaginação de um universalismo cósmico" (MORENO, 1999, p. 14).

De acordo com Zampieri (1999, p. 92 - 93) "o médico vienense Moreno recebeu influências marcantes do hassidismo, praticado pelo grupo de jovens pensadores judeus da Viena pós - Primeira Grande Guerra. Pensavam de modo otimista diante da vida, acreditando que toda criatura trazia em si uma centelha da divindade criadora e que por meio dessa presença seria possível aproximar-se de Deus, no sentido de tornar-se criativo".

Cabe, neste momento, inserir uma breve diferenciação entre estes dois enfoques: Psicoterapia de Grupo e Psicodrama.

O primeiro constitui "um método que trata, conscientemente, as relações interpessoais e os problemas psíquicos de vários indivíduos de um grupo dentro de um quadro científico empírico" (Moreno, 1999, p. 72). Metodologia de abordagem clínica, que compreende o tratamento de vários indivíduos dentro de um grupo; todavia, não trata as queixas somáticas, exceto quando essas são causadas por perturbações mentais. Sua meta é saúde do grupo e de seus membros. Difere da 'terapia de grupo' porque nessa a prática terapêutica consiste em tratar os participantes sem o consentimento explícito dos mesmos, de modo que os efeitos terapêuticos são secundários.

O segundo constitui a terapia profunda de grupo. Principia onde termina a psicoterapia de grupo e a amplia para torná-la mais eficaz. O método psicodramático utiliza-se de vários instrumentos que colocam os participantes em ação e, através dela, o grupo se expressa.

No decorrer de seu desenvolvimento, a metodologia psicodramática foi sendo reformulada, permanecendo, porém, o núcleo inalterado frente as mais variadas formas de utilização, tais como: o psicodrama existencial, o psicodrama analítico, o hipnodrama, o sociodrama e o jogo de papéis, o etnodrama, o axiodrama, o psicodrama diagnóstico, o psicodrama didático, a psicodança, a psicomúsica, e outras.

O número de técnicas psicodramáticas é grande, ultrapassa trezentas, conforme apontado por Moreno (1999). As mais conhecidas são: a auto - representação, o solilóquio, o duplo, o espelho e a inversão de papéis.

O desafio de Moreno era encontrar um método que atendesse concomitantemente o indivíduo e o grupo abarcando também o descobrimento das estruturas peculiares de coesão e complexidade dos grupos. Seus objetivos repercutiram numa quebra de paradigma no pensamento terapêutico.

O procedimento terapêutico anterior a Moreno era assim desenvolvido: métodos individuais, com sessões no divã - atrás do qual se posicionava o terapeuta - e onde o paciente era confrontado as situações pessoais, visto que o psiquismo era tratado isoladamente. A partir das concepções morenianas, um modelo diferente na maneira de proceder terapeuticamente foi implementado: os métodos grupais de atendimento foram introduzidos, as sessões passaram a ser realizadas no local de atuação dos pacientes, estes passaram a ser confrontados com situações reais de sua vida e com a de outras pessoas, e o terapeuta passou a ocupar a posição no meio do grupo.

Diante do exposto neste tópico, devemos considerar que o precursor da metodologia psicodramática, ao construí-la, encarou um processo de eterno devir. Mergulhou em incertezas e contradições e realizou movimentos de construções e desconstruções. Partiu de hipóteses e sustentou-se epistemologicamente, alicerçando-se para argüir-se quando questionado.

Parece ser esse o processo de produções científicas em que se estruturam teorias e métodos.

Para Minayo (2002, p. 12), "o labor científico caminha sempre em duas direções: numa, elabora suas teorias, seus métodos, seus princípios e estabelece seus resultados; noutra, inventa, ratifica seu caminho, abandona certas vias e encaminha-se para certas direções privilegiadas".

Simbolicamente MIinayo & Deslandes (2002) conceituaram teoria como uma espécie de janela através da qual o cientista olha a realidade que investiga e conceberam método como os caminhos por onde passam as linhas teóricas. Assim, todo processo científico somente se efetua tendo como base a teoria e o método, somados às técnicas (instrumentos operacionais) por meio das quais o objeto de estudo é apreendido.

A atividade científica também está condicionada aos fatores da realidade sociopolítica e cultural, os quais, por sua vez, exercem influência decisiva no desenvolvimento da ciência. "Mesmo pautada sobre quatro pilares (empirismo, racionalidade, inovação e verificação), a ciência é, antes de mais nada, uma comunidade sócio - cultural e histórica, que não poderá abarcar todas as questões da existência, nem encontrar nenhuma "verdade absoluta" (Ramalho, 2002, p. 15) .

 

3. A Articulação Quali - Quanti da Abordagem Psicodramática e o Predomínio de um dos Pólos

Moreno procurou fundamentar sua teoria através de estudos de natureza quantitativa, sobretudo porque viu-se 'intimado' a demonstrar de forma métrica o critério de confiabilidade de seus estudos para atender o rigor científico positivista. Partiu para uma análise do social, por meio de instrumentos padronizados, que ofereciam a possibilidade de expressar generalizações com precisão e objetividade.

Vale salientar, todavia, que o teste sociométrico não se reduz apenas a seleção de pessoas num determinado grupo, mas sinaliza que essa técnica contém elementos potenciais que permitem o reconhecimento profundo das estruturas do grupo. Esse reconhecimento demonstra existirem, nesse procedimento, subestruturas de concepções qualitativas não aparentes, às quais não foi permitido que se tornassem visíveis, tendo em vista o momento de sua construção.

Nesse sentido, no que se refere ao Teste Sociométrico, os dados de natureza quantitativa e qualitativa se complementam, pois, se por um lado a avaliação sociométrica trabalha com a estatística para apreender os fenômenos concretos, a natureza qualitativa desse instrumento aprofunda o mundo dos significados das relações, um lado inapreciável e imperceptível nas médias graficamente apresentadas. Assim sendo, podemos conceber que os pressupostos gerais do desenvolvimento da abordagem psicodramática estão alicerçados numa epistemologia qualitativa.

A inserção de uma epistemologia qualitativa encontrou seu momento explícito, na sua obra, a partir da concepção de que o "laboratório para o estudo da realidade é a própria realidade" (Martín, 1984, p. 78-79). Nessa citação, certamente Moreno estava refere-se a sua concepção de que, nesse cenário empírico, a produção do conhecimento acontece por meio dos indicadores expressos pelos atores sociais pertencentes a essa realidade.

A partir dessas considerações, colocou como tarefa central de sua metodologia a compreensão da realidade humana vivida socialmente, preocupou-se em explicar a dinâmica dessas estruturas relacionais e mostrar que "toda situação social objetiva se expressa com sentido subjetivo nas emoções e processos significativos que se produzem nos protagonistas dessas situações" (Rey, 2002, p. 43).

Mediante esse princípio, fica evidente que na práxis profissional moreniana, comprometida com o coletivo construído e com o movimento das condições sociais que o determinam, a construção do conhecimento para a compreensão dos indivíduos inclui a realidade na qual eles estão inseridos. Por esses motivos, é necessário pontuar que essa vertente, é essencialmente qualitativa. Sobretudo porque, "a realidade social é o próprio dinamismo da vida individual e coletiva com toda riqueza de significados dela transbordante" (Minayo, 2002, p. 15).

A metodologia psicodramática possui instrumentos capazes desvendar mais acuradamente a complexidade que é a vida dos seres humanos em sociedades. Para isso, os procedimentos abordam um conjunto de técnicas de expressão verbal e não - verbal por meio das quais é possível reconhecer "a questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e, às estruturas sociais, sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação, como construções humanas significativas" (Minayo, 1999, p. 10).

Conseqüentemente, o processo social - sob essa a ótica - é entendido através das determinações e transformações dadas pelos sujeitos, sendo a própria metodologia instrumento de transformação da realidade, pois, concebe que "a mudança social ocorre por intermédio do indivíduo com implicações éticas no que diz respeito à responsabilidade de cada um, uma vez que os indivíduos relacionam-se via papéis desempenhados com seus pares ou complementares, definindo o lugar de cada um na relação. É dessa interação via papéis que o sujeito constrói conhecimento, conhece a realidade a partir de uma certa concepção do que ela seja, organiza-se ao mesmo tempo em que organiza e articula com sua realidade, na perspectiva de abranger, ao mesmo tempo, uma dimensão do sujeito em sua subjetividade e seus papéis sociais vividos no contexto"(Marra & Costa, 2002, p.114).

 

4. Considerações Gerais

Moreno foi criativo não só por ter deixado sua marca pessoal e específica ao articular seus achados, mas também por ter cativado leitores e críticos para uma nova maneira de apreensão dos fenômenos humanos.

A trajetória intelectual por ele desenvolvida, ou seja, o conjunto de suas reflexões teórico - metodológicas, inovaram as concepções sobre o ser humano em diferentes áreas do conhecimento, sobretudo no âmbito das Ciências Sociais e da Psiquiatria

Moreno (1983), descreveu a gênese da criatividade, sendo ele mesmo criativo. Minayo & Deslandes (2002), ao abordarem sobre a "criatividade do pesquisador", consideraram esse um processo de construção do conhecimento dialético por se constituir em campos de natureza subjetiva e objetiva.

Estamos vivendo num período denominado de pós modernismo, que impõe aos seres humanos uma serei de constantes desafios nas várias dimensões (política, cultural, tecnológica, intelectual, moral, espiritual e sobretudo social) afetando a vida dos indivíduos nos diferentes contextos(econômicos, políticos, saúde, educação, relações sociais, trabalho, meio ambiente...) gerando tensões, conflitos e ameaças a sua sobrevivência. a compreensão desses fatos, portanto, não se pode reduzir apenas a dimensões externas, observáveis e mensuráveis.

E, ao refletirmos sobre as múltiplas possibilidades de aplicação da abordagem teórico - metodológicas Moreniana na contemporaneidade. Concordamos com (Gomes, 2005), que para Moreno suas idéias tenham sido prematuras para o século XX; no século vigente é que seriam adequadas.

Domingues (1999, p. 8) aponta que, "a teoria clássica e o pensamento social brasileiro não são em si suficientes para conceituar, para teorizar essas modificações e multiplicidade da modernidade e o novo quadro geral que inegavelmente se apresenta hoje, embora a sociedade brasileira tente aferrar-se a uma identidade basicamente moderna. Uma teoria social contemporânea, com grande nível de generalidade e complexidade, faz-se imprescindível. A chamada "crise dos paradigmas" - que no sentido usual da frase não me parece existir, pois a instabilidade e a pluralidade caracterizam perenemente as ciências sociais - só faz sentido se pensada nesses termos, ou seja, no que se refere à necessidade de novas perspectivas gerais para pensar o mundo contemporâneo".

Os problemas da sociedade moderna demandam de enfoques metodológicos capazes de compreender a complexidade do real. Nesse sentido, a metodologia psicodramática otimiza a compreensão dos fenômenos relacionados aos problemas da humanidade, sejam eles sociais psíquicos, éticos, morais, entre outros, devido, principalmente, a sua visão socionômica, pelo seu caráter totalizador em detrimento de metodologias fragmentadas com conceitos obsoletos e variáveis irrelevantes.

A continuidade do ato inaugural referente ao marco do 1º de abril em Viena, lançado por Moreno que teve o intuito de criar espaço para o exercício da democratização, da cidadania e liberdade de expressão das subjetividades coletivas, capazes de implodir os processos de mudanças sociais, necessita ser resgatado, por profissionais de diferentes áreas atuantes nos diversos contextos da sociedade, de modo a construir uma mobilização social positiva.

Endossamos a concepção de (Moreno, 1983), de que cada ser humano traz imerso em seu íntimo o desejo de transformação. Difícil porém, é saber como realizá-la. Neste caso, vale lembrar que o caminho se constrói dando o primeiro passo, passando da inércia para a ação.

 

7. Referências

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Artigo submetido à publicação durante o período de Pós - doutorado no Departamento de Saúde Ambiental, Faculdade de Saúde Pública - USP, 2006 - sob orientação da Drª Frida Marina Fischer.
Agradecimentos: Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, pela concessão da Bolsa de Pós-Doutorado - Processo Nº: 150098/ 2006-5.

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