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Psicologia para América Latina

versión On-line ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  no.22 México ago. 2011

 

ARTÍCULOS DE INVESTIGACIÓN CIENTÍFICA Y TECNOLÓGICA

 

Aspectos das Condicições e Organização do Trabalho na Ocorrência de Acidentes entre Profissionais da Enfermagem.

 

 

Aline Almussa1; Maria Luiza Gava Schmidt2

Unesp – FCLA – Departamento de Psicologia Experimental e do Trabalho – FAPESP (Processo: 07/58194 -4). Assis/SP - Brasil.

 

 


RESUMO

O artigo objetivou identificar aspectos das condições e da organização do trabalho que influenciem as ocorrências de Acidentes de Trabalho (AT) entre profissionais da enfermagem, bem como: identificar as percepções dos trabalhadores sobre a ocorrência de AT no contexto estudado; contribuir com informações técnico-científicas para compreensão dos agravos à saúde dos trabalhadores. Os dados foram coletados numa instituição hospitalar no interior do estado de São Paulo. Foram entrevistados: 45 auxiliares de enfermagem, 44 técnicos e 11enfermeiros, através de entrevistas individuais semi-estruturadas. A analise qualitativa, tomou como referência a Psicodinâmica do Trabalho de Dejours. Resultados revelaram que problemas organizacionais como: bancos de hora; deficiência no quadro funcional; sobrecarga de trabalho; horas de sono insuficientes; duplas jornadas; problemas de ergonomia; falta de equipamentos de segurança, aparecem como principais indicadores relacionados às ocorrências de AT.

Palavras-chave: Organização do Trabalho; Acidentes de Trabalho; Profissionais da Enfermagem.


ABSTRACT

The article had how purpose identify aspects about the conditions and the work organization that influenced on work accidents occurrences among nurses' professionals, well as: to identify the workers' perceptions about work accidents occurrences; to collaborate for reduction of the cases of work accidents; to co-operate with technical-scientific information for comprehension of health damages of worker population. The research was realized in a Hospital Institution in the interior of the State of São Paulo. It was interviewed: 45 nurses' adjutants; 44 nurses' technician; 11 nurses, using semi-structured individuals interviews. The qualitative analyses had the Dejours's Psychodynamic of Work how reference. Partial results reveal that organizations problems as well: banks of hours; deficient functional framework, overload work; insufficient sleep hours; double day journey; ergonomics problems; lack of security equipments, appear how the principal indicators related of work accidents occurrences.

Keywords: Work Organization; Work Accidents; Nursing Professional


RESUMEN

El artículo tuvo como objetivo identificar los aspectos de las condiciones y organización del trabajo que influyen en la ocurrencia de accidentes de trabajo entre los profesionales de enfermería, así como: identificar las percepciones de los empleados sobre su incidencia; contribuir con información técnica y científica para la comprensión de los problemas de salud de los trabajadores. Los datos fueron recolectados en un hospital en el estado de São Paulo. Fueron entrevistados: 45 auxiliares de enfermería, 44 técnicos y 11 enfermeiros a través de entrevistas individuales semi-estructuradas. El análisis cualitativo, como una referencia a la psicodinámica del trabajo de Dejours. Los resultados mostraron que los problemas de organización, tales como: bancos de horas; discapacidad en el personal; sobrecarga de trabajo; insuficiencia de horas de sueño; doble días; problemas de la ergonomía; y falta de equipo de seguridad, aparecen como los principales indicadores relacionados con la ocurrencia de accidentes.

Palabras clave: Organización del trabajo, accidentes industriales, profesionales de enfermería.


 

 

INTRODUÇÃO

No presente artigo, faremos uma breve descrição de ocorrências de acidentes de trabalho entre trabalhadores da enfermagem numa instituição hospitalar do Estado de SP. Acidente de Trabalho (AT) é o que consta na Lei n. 8213, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, sendo aquele que ocorre durante o exercício do trabalho, que provoca lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, perda ou redução permanente ou temporária da capacidade para o trabalho. Consideram-se igualmente os casos ocorridos no percurso da residência e do local de refeição para trabalho ou deste para aquele (Brasil, 1988).

Estudos apontam que os acidentes de trabalho podem ser condicionados por: cansaço provocado pelas horas extras; estafa crônica; horas não dormidas; alimentação e transporte deficientes; precárias condições ambientais; manuseio de máquinas e equipamentos que requeiram atenção redobrada; intensificação do ritmo de trabalho; exigências de um trabalhador polivalente; e pelas más condições de vida e de trabalho, entre outras causas (Mendes, 2002).

Em muitas empresas há a ocultação da realidade dos acidentes de trabalho, pois, visando o lucro e a maior produtividade, busca-se reduzir o número de acidentes a qualquer custo. Logo, a prática adotada é a não declaração dos acidentes menos graves, a subnotificação, mantendo o trabalhador em outra atividade, enquanto se recupera.

A organização do trabalho (OT) é como o trabalho é estruturado para ser realizado. Todo trabalho tem e revela uma organização, que caracteriza-se por modalidades de repartições das funções entre os operadores e destes com demais componentes do sistema de trabalho (meios e materiais de trabalho); define também quem faz o que, como fazer e em que tempo fazer. Para poder modificar a OT é preciso saber como ela está organizada, conhecer suas culturas, regras normas de produção e condições reais da execução das atividades (Dejours, 1992).

A adaptação do trabalho em turnos também é um fator importante a ser considerado. Principalmente, pois o trabalho em turnos pode levar a dificuldades familiares e sociais, levando à má adaptação ao turno de trabalho, afetando ainda no desenvolvimento de transtornos psicossomáticos (Costa, 2004).

Devido às más condições de trabalho, os trabalhadores podem vir a apresentar problemas físicos e de saúde. Dejours (1992) afirma que condições de trabalho em situações de risco podem produzir uma ansiedade e elevar os níveis de acidentes. Como por exemplo, o medo de contaminação dos enfermeiros, por conta de estarem sempre em contato com riscos, principalmente biológico, como secreções e sangue de seus pacientes.

Um estudo realizado por Alexandre et al. (2002), teve por objetivo investigar determinadas características da ocorrência de acidentes de trabalho relacionados com a coluna vertebral em trabalhadores de enfermagem de um Hospital Universitário. O agente causador de maior ocorrência, segundo os entrevistados, foi o piso escorregadio (32,1%); os pacientes também foram considerados como agentes causadores de acidente (25%), os quais eram obesos e/ou totalmente dependentes, o que ocorreu principalmente, durante a realização dos banhos de leito, amparando pacientes em queda e realizando transferências de pacientes; e a maca apareceu como responsável por 14,3%. Quanto ao turno da ocorrência, os acidentes ficaram assim distribuídos: manhã 44%, tarde 30%, noite 22% e não informado 4%.

Outra pesquisa realizada por Ferreira et al. (2004) teve por objetivo identificar dentre os trabalhadores de enfermagem, de quatro hospitais da região de Ribeirão Preto-SP, aqueles que foram acidentados em seu trabalho por material pérfuro-cortante e encaminhados para avaliação a um serviço especializado no tratamento de doenças infecciosas. Nessa pesquisa, as agulhas foram os objetos que causaram a maioria das inoculações acidentais, e as lâminas de bisturi e os respingos de sangue em mucosas e ferimentos foram responsáveis por pequeno número de acidentes. Mereceu destaque, ainda, que o descarte de material, principalmente de agulhas, em locais inapropriados, é considerado prática de alto risco. Os acidentes ocasionados por picada de agulhas foram responsáveis por 80 a 90% das transmissões de doenças infecciosas entre trabalhadores de saúde.

Diante do exposto, o presente artigo tem por finalidade divulgar o trabalho de pesquisa (ocorrido em 2008) que teve como objetivo geral identificar aspectos das condições e da organização do trabalho que influenciem as ocorrências de acidentes de trabalho entre profissionais da enfermagem, bem como: conhecer o cotidiano desses profissionais da enfermagem; identificar as percepções dos trabalhadores sobre a ocorrência de acidentes de trabalho; colaborar para redução dos casos de AT no contexto estudado; e contribuir com informações técnico-científicas para compreensão dos agravos à saúde da população trabalhadora.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Local de coleta de dados

Os dados foram colhidos em uma Instituição Hospitalar no interior do estado de São Paulo. Os nomes da instituição e da cidade mantiveramse em sigilo a pedido da instituição.

Sujeitos

No período de coleta dos dados a Instituição Hospitalar onde a pesquisa foi realizada possuía um quadro funcional 390 trabalhadores.

A Instituição tinha nas profissões de enfermagem 191 trabalhadores que executam essas funções (SIC). Participaram do estudo os trabalhadores do hospital contratados nas funções de auxiliar de enfermagem, técnico de enfermagem e enfermeiros, totalizando um número de 100 trabalhadores entrevistados, sendo 45 auxiliares de enfermagem, 44 técnicos e 11 enfermeiros.

Procedimento de coleta de dados

Definiu-se uma amostra de 100 (cem) entrevistados, sendo que 50 (cinqüenta) seriam trabalhadores que sofreram algum tipo de Acidente de Trabalho (AT) e que possuíam Comunicado de Acidente de Trabalho (CAT) – entre janeiro de 2003 e dezembro de 2007 [período de 5 (cinco) anos]; e 50 (cinqüenta) seriam trabalhadores que nunca sofreram AT, ou que não possuíam CAT – no mesmo período. Para a classificação do perfil dos sujeitos os dados foram buscados junto ao setor de recursos humanos da instituição. As entrevistas semi-estruturadas ocorreram individualmente na própria instituição, com o tempo estimado de 1 hora.

Buscou-se combinar perguntas fechadas e abertas, em que o entrevistado tivesse a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto, sem respostas ou condições prefixadas pelo pesquisador, podendo, assim, obter dados que se referem diretamente ao individuo entrevistado, suas atitudes valores e opiniões, não sendo simplesmente um trabalho de coleta de dados, mas sempre uma relação de interação, na qual as informações dadas pelos sujeitos podem ser profundamente afetadas pela natureza de suas relações com o entrevistador (MINAYO, 2004).

Análise de dados

Os dados foram analisados qualitativamente tomando como referência a Psicodinâmica do Trabalho na proposta de Dejours, que se fundamenta na vertente psicanalítica, de forma, não reducionista, valorizando a subjetividade e concebendo a fala do trabalhador como privilegiada para o entendimento do contexto de trabalho, sobretudo, acerca dos aspectos desfavoráveis à sua saúde (Dejours, 1992).

Aspectos éticos

O presente trabalho, antes de iniciado, foi encaminhado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências e Letras de Assis, processo: 053/2007, registro: 027/2007. Todos os convidados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Sobre a situação dos trabalhadores

De acordo com os comunicados de Acidente de Trabalho (CAT) da referida instituição, de janeiro de 2003 a dezembro de 2007, ocorreram 117 acidentes com trabalhadores da enfermagem. Desses acidentes apenas 3 (três) foram de trajeto e todos os acidentes registrados por pérfuros-cortantes acompanhavam exames sorológicos, como HIV e Hepatite. Esses 117 acidentes atingiram 86 trabalhadores. Desses, 50 trabalhadores foram convidados a participar da pesquisa. Além de outros 50 trabalhadores que não possuíam CAT no período estudado. Desse modo, foram entrevistados 100 trabalhadores, sendo 45 auxiliares de enfermagem, 44 técnicos e 11enfermeiros (dentre eles 14 homens e 86 mulheres). A idade dos participantes variou de 18 a 56 anos de idade.

 

 

A Tabela demonstra a quantidade de trabalhadores acidentados entre 2003/2007 na população pesquisada. Ocorreram 5 (cinco) acidentes subnotificados, que atingiram quatro trabalhadores que não possuíam nenhuma CAT e um trabalhador que já havia notificado um acidente no período estudado.

Cerca de 30% dos trabalhadores possuíam outro vinculo empregatício na época. Além disso, somavam-se às atividades os trabalhos domésticos, sobretudo entre os trabalhadores do sexo feminino. "Para muitas mulheres que trabalham em período integral, e que são as principais responsáveis pelos cuidados dos filhos e pelo trabalho doméstico, é muito difícil conciliar as necessidades particulares com as exigências ocupacionais" (Knauth, 2004, p.22).

Ante a situação econômica a dupla jornada faz-se necessária aos profissionais de enfermagem, pois a remuneração de um só emprego é insuficiente para garantir a sobrevivência com dignidade (...) Submetem-se a vários empregos, na busca de melhores salários e por melhores condições e qualidade de vida. Essa situação conduz ao desgaste físico e profissional, em virtude da sobrecarga de horas despendidas nas instituições (Caetano, et al., 2006, p.6).

Há também um fator importante a ser considerado que é a conciliação do trabalho com a vida familiar do trabalhador, pois a existência de um trabalho em que não há um turno fixo pode influenciar diretamente na vida doméstica do trabalhador e ser revertida consequentemente para o trabalho através de cansaço, irritação e desânimo (ROTENBERG, 2004).

Estrutura temporal

Na época da entrevista, aproximadamente 70% dos trabalhadores executavam uma jornada de 36 horas semanais (6 a 7 dias na semana); um pouco mais de 5% dos entrevistados cumpria 40 horas semanais (5 dias na semana), período denominado comercial, exercido geralmente por enfermeiros; o restante cumpria o regime 12h x 36h, pois a cada 12 horas trabalhadas, 36 eram de descanso. Essa jornada é utilizada no trabalho noturno, sendo assim, esses trabalhadores trabalhavam de 3 a 4 noites na instituição por semana. Cerca de 80% dos trabalhadores já cobriram todos os períodos (manhã, tarde e noite). Aproximadamente 15% já trabalharam em 2 períodos distintos, e quase 5% trabalharam em apenas um período na instituição.

Quanto às preferências por turnos: 16% não mostraram ter preferência por nenhum período; aproximadamente 35% tinham preferência pelo período noturno; o restante preferia algum período diurno (manhã, tarde, e/ou comercial). Os trabalhadores que preferiam manhã, tarde ou diurno disseram que não conseguem se adaptar ao turno da noite, pois adquirem disfunções orgânicas como insônia, e distúrbios gastrintestinais. Verificou-se que, muitos trabalhadores preferiam o turno da noite, dentre os motivos elencados pelos entrevistados encontramos: maior salário (pois há o adicional noturno); trabalhar menos dias da semana; adaptação ao turno; possibilidade de outro emprego durante o dia; além da necessidade de exercer funções domésticas e familiares.

Os turnos da instituição são alternantes (ou em rodízio), os trabalhadores modificavam seus horários de trabalho segundo uma escala predeterminada. Assim, segundo a nomenclatura de horários na escala da instituição, encontramos algumas modalidades de horários diferentes: Comercial (das 8horas às 16 horas); Matutino (das 07 horas às 13 horas); Tarde (13 horas às 19 horas); Vespertino (16 horas às 22 horas) e; Noturno (das 19 horas às 07 horas do dia seguinte).

Durante a noite 27 trabalhadores se acidentaram; 11 durante o período da tarde; 9 durante a manhã. O restante sofreu mais de um acidente em períodos distintos. Esses resultados diferem dos da pesquisa de Alexandre et al. (2002), em que a maioria dos acidentes ocorreu durante o dia, e a minoria durante a noite.

Em se tratando de um trabalho que exige atenção, e por um período prolongado (12 horas), podese considerar que quanto maior for o número de dias de trabalho noturno maior vai ser a exigência para o trabalhador em termos de carga de trabalho (Fischer, 2004). É importante levar em consideração que muitos trabalhadores do noturno queixaram-se por não haver um local específico para seu descanso.

Um estudo realizado com intuito de avaliar os episódios de sono nos dias de trabalho e de descanso, bem como os níveis de alerta durante os turnos de 12horas de trabalho, evidenciou que os níveis de alerta percebidos à noite tornamse piores à medida que aumenta o número de horas de trabalho. Desse modo, a sonolência no trabalho pode prejudicar seriamente tanto trabalhadores quanto os pacientes que estão aos seus cuidados (Fischer et al., 2002).

Isso levanta a necessidade de que seja revista a tradição dos turnos de 12h de trabalho por 36h de descanso no setor de enfermagem, particularmente em postos de trabalho onde há importantes demandas físicas e cognitivas, além de exposição e estressores ocupacionais (Fischer et al., 2002, p.1268).

Os acidentes e a organização.

Cerca de 60% dos acidentes ocorreram por perfuro cortante; 10% sofreram agressão de pacientes, ou lesão por queda ou escorregão; aproximadamente 10% entraram em contato com sangue ou algum outro tipo de secreção; 2% dos entrevistados sofreram acidente de trajeto na ida ao trabalho. Quase 15% sofreram mais de um acidente por motivos variados.

Desse modo, os acidentes mais freqüentes na população que possuía registro de AT foram por perfuro cortante (31 no total). No entanto, acidentes, como contato de algum tipo de secreção do paciente em mucosas dos trabalhadores, também merecem destaque, pois dentre os cinco acidentes subnotificados pelo menos 03 (três) foram por contato com secreção, além de perfuro cortante e mau jeito.

Entre os profissionais de enfermagem participantes de um estudo, as agulhas em suas diferentes formas apareceram como a principal causa de acidentes perfurantes (53,3%). Portanto para evitar tais acidentes, medidas como não reencapar agulhas e descartá-las em local apropriado podem reduzir os acidentes e até erradicá-los (Caetano, et al., 2006).

Em um outro estudo, realizado em uma UTI, as agulhas também foram a principal causa dos acidentes entre os trabalhadores da enfermagem, gerando um total de 40% dos acidentes (Nishide et al., 2002).

No presente estudo a UTI foi responsável por 30% dos trabalhadores acidentados, mostrando-se assim um local de riscos de acidentes; as alas de clinica e internação do SUS e convenio particular foram responsáveis por 25%; pediatria e unidade de emergência foram responsáveis por 10% cada. Já a UTI neonatal; centro cirúrgico e obstétrico; maternidade; e escada/trajeto: foram responsáveis por cerca de 5% cada. O restante foram trabalhadores que sofreram acidentes distintos em setores variados.

Os enfermeiros de UTI experimentam uma variedade de estresses. Todos os pacientes estão em estado crítico, muitos deles inconscientes, confusos ou incapazes de se comunicarem. A alta rotatividade dos pacientes e o constante contato com a morte causam frequentemente, sentimentos de aproximação e separação que não são facilmente suportados pela equipe (...) Basicamente o enfermeiro de UTI precisa estar capacitado a exercer atividades de maior envergadura, para o que é imprescindível a fundamentação teórica, aliada à capacidade de liderança, discernimento, trabalho, iniciativa e responsabilidade. A autoconfiança e um trabalho metódico, apoiados em amplo conhecimento técnico - cientifico, são essenciais para liderar um grupo que deve estar bem treinado, apto a atender o paciente e manejar o equipamento com segurança. É necessária uma atualização constante da equipe (Maia et al., 1998, p.4).

Os riscos biológico, químico e o ergonômico são constantes, e a ansiedade gerada na organização por conta desses riscos pode levar a negação dos mesmos, e assim, negando o risco, torna-se mais fácil conviver no ambiente de trabalho. No entanto, essa negação pode fazer com que ocorra um descuidado com a saúde, deixando de usar os EPI (equipamentos de proteção individual), por exemplo, mesmo cientes da sua necessidade. Um estudo realizado por Silva et al. (1998) afirma que fatores biológicos, físicos, químicos, mecânicos, fisiológicos e psíquicos geram um processo de desgaste que podem não ser facilmente evidenciados, e podem se manifestar através dos acidentes registrados.

Segundo Dejours (1992), as más condições de trabalho colocam o corpo em perigo de modo a aumentar os riscos de acidentes e de doença profissional (podem acarretar também uma diminuição do período de vida, além de doenças psicossomáticas). "A ansiedade é a seqüela psíquica do risco que a nocividade das condições de trabalho impõe sobre o corpo" (Dejours, 1992, p.78).

Os trabalhadores foram questionados sobre os motivos que levam a ocorrência de acidentes, muitos responderam que os AT ocorriam por falta do uso de EPI, descuido, negligência, imprudência, falta de cuidados, falta de atenção, insegurança ao realizar procedimentos.

Motivos organizacionais também apareceram na fala dos trabalhadores como justificativa da ocorrência de acidentes, como: excesso de trabalho, correria dos setores, correria na hora de urgências, pressa ao realizar procedimentos por haver mais trabalhos urgentes a serem feitos; estresse da profissão; pressão por parte dos superiores ao realizar o trabalho, além da falta de alguns EPI, como óculos para todos e apenas uma numeração de luvas.

Lemos, et al. (2002) revelou que todo trabalho tem uma determinada carga psíquica nos processos de trabalho descritos, assim, fatores inerentes à organização do trabalho, como: falta de condições materiais para prestação de assistência com qualidade e de recursos humanos podem ser causadores de desconforto e sofrimento.

Segundo Seligmann-Silva (2003, p. 1144), dentre os aspectos do trabalho que se tornam categorias de análise podem ser destacados: a estrutura hierárquica, o controle, a divisão das atividades, a estrutura temporal do trabalho e as relações interpessoais e intergrupais.

Treinamento técnico e de segurança

Dos 100 entrevistados 82 usavam EPI em sua prática, 04 disseram não usar, e 14 disseram usar apenas algumas vezes. As justificativas para o não uso dos EPI eram: de que a luva ficava grande demais na mão, ou porque não diziam que eles atrapalham a prática da profissão, pois eram incômodos. Outro motivo alegado por alguns foi, por exemplo, o número insuficiente de óculos, e o fato de que em alguns setores eles ficavam em armários e sendo assim, na hora da correria não haveria tempo de pegá-los. Apenas um dos 100 entrevistados disse não ter tido orientação a respeito do uso dos EPI, em sua prática profissional na Instituição, embora dissesse ter aprendido durante o curso técnico de formação. No entanto, quase 20% dos trabalhadores disseram não ter recebido uma orientação específica (treinamento) para executar suas funções. Sobre o treinamento de segurança, 37% dos trabalhadores entrevistados disseram não tê-lo recebido.

Quando questionados sobre a importância do uso dos EPI muitos disseram que seu uso era importante, necessário para prevenir e evitar acidentes, bem como evitar contaminações. Sendo importantes para a própria segurança, como também a segurança dos pacientes.

Todos os pacientes estão colonizados, ou, até mesmo infectados por microorganismos, incluindo-se aqueles que não apresentam sinais ou sintomas. (...) Todo doente desconhecido do ponto de vista sorológico deve ser atendido por profissional protegido por óculos, máscara de proteção biológica, luvas e avental de mangas longas (...) Cabe às unidades hospitalares disponibilizarem para pronto uso tais equipamentos de proteção individuais (Caetano, et al., 2006, p. 4).

Sentimento dos trabalhadores acidentados

O risco confirmado pelo acidente é fonte de uma ansiedade específica, inteiramente a cargo do trabalhador. Assim, contra esse medo os trabalhadores elaboram defesas. Quando são muito eficazes praticamente não se encontra nenhum traço de medo no discurso do trabalhador (Dejours, 1992).

Quando os trabalhadores acidentados foram questionados sobre como se sentiram após o acidente, ou ainda, durante a espera do resultado dos exames, houve os que disseram não se preocuparem, pois ou o paciente não apresentava riscos, ou disseram estarem acostumados com essas situações, sendo a espera "tranqüila", "normal", "não havendo motivos para se abalar", esses trabalhadores não mostraram sinal aparente de medo. No entanto houve trabalhadores que mostraram apresentar alto nível de ansiedade e/ou nervosismo durante a espera dos exames. O medo do resultado do exame foi a situação que mais apareceu, os trabalhadores diziam que era assustador, angustiante pensar qual poderia ser o resultado do exame.

A partir do advento da AIDS, maior ênfase passou a ser dada à exposição desses trabalhadores quanto à contaminação com sangue. As infecções causadas pelo HIV constituem hoje uma das maiores preocupações em matéria de risco infeccioso em ambiência hospitalar (Caetano, et al., 2006, p. 8).

Os trabalhadores mencionaram possíveis seqüelas quando do acidente, tais como: hematomas; dores nos membros atingidos, especialmente em dias de mudança climática; depressão; e, síndrome do pânico. Quanto às mudanças ocorridas em suas vidas, tanto pessoais como profissionais, foram mencionados o medo de acidentes futuros, fazendo com que muitos dissessem que começaram a prestar mais atenção e usar constantemente os EPI. Um trabalhador disse que depois do acidente precisou reprogramar sua vida, pois estava pronto para ter filhos na época do AT, e o medo de uma possível contaminação o fez mudar de idéia e esperar um pouco mais.

Uma outra pesquisa, realizada por Krug et al. (2004) mostra que alguns autores vêm estudando as situações em que os indivíduos portadores de lesões decorrentes de sua atividade laboral são identificados como indivíduos incapazes para o trabalho e para a vida social. Eles referem que esses trabalhadores são discriminados e prejudicados diretamente em suas relações profissionais, familiares e sociais, devido ao preconceito da sociedade em que convivem, em relação às seqüelas físicas do acidente e sofrem brutalmente com a existência destas e com as repercussões sociais, profissionais e afetivas advindas do acidente de trabalho. Também a família, a partir do acidente, sofre repercussões muito intensas sobre as suas estratégias de sobrevivência.

Stacciarinni e Tróccoli (2001) afirmam que embora o estresse seja um fenômeno individual, as categorias identificadas sugerem que alguns estressores são comuns, independente da ocupação do enfermeiro e as temáticas nas quais giram os núcleos de sentido dos conteúdos parecem refletir uma cultura profissional com ampla variedade de determinantes de estresse; relacionados ao indivíduo, ao cargo e à organização.

Segundo Dejours (1992) mesmo se o risco é combatido por medidas e regras de segurança, ele quase sempre conta com uma prevenção incompleta pela organização do trabalho, seja devido à limitação dos investimentos necessários, seja porque o risco ou suas manifestações são mal conhecidos. Assim, como no estudo de Araújo et al. (2003), viu-se a necessidade de se adotar medidas de intervenção na estrutura organizacional, de modo a elevar o controle sobre o trabalho e redimensionar os níveis de demanda psicológica.

 

Considerações Finais

Podemos notar a influência que a organização do trabalho pode exercer sobre a ocorrência de acidentes de trabalho, bem como, formação de panelas (formação de subgrupos fechados), falhas de desempenho, e, até mesmo, conflitos extra-trabalho (como nas relações familiares), que podem ser expressão do sofrimento dos trabalhadores no contexto de trabalho.

Quanto às condições e a organização do trabalho que influenciem as ocorrências de AT entre profissionais da enfermagem, foram identificados alguns aspectos como: horas extras (ou bancos de horas); horas de sono mal dormidas; má remuneração (o que o obriga a trabalhar em outros lugares, fazendo duplas jornadas, ou até triplas jornadas, como no caso dos trabalhadores que realizam tarefas domésticas); estafa crônica; manuseio de máquinas e equipamentos que requeiram atenção redobrada; intensificação do ritmo de trabalho; exigências de um trabalhador polivalente; problemas ergonômicos como más instalações no ambiente de trabalho; a adaptação do trabalho em turnos também é um fator importante a ser considerado, pois pode levar a dificuldades familiares e sociais, e afetar ainda no desenvolvimento de transtornos psicossomáticos.

Os trabalhadores da enfermagem estão em constante exposição aos riscos, sejam eles ergonômicos, físicos, químicos, e principalmente biológicos. Crê-se que o medo de contaminação pelo vírus HIV seja a situação mais temerosa.

Os trabalhadores foram interrogados sobre como a instituição poderia melhorar tanto a situação de trabalho, como fazer melhoras para evitar a ocorrência de acidentes. Os que manifestaram sua opinião mencionaram: "investir em educação continuada" (com mais cursos e palestras, treinamentos); espalhar cartazes preventivos sobre acidentes e medidas de segurança; aumentar o número de trabalhadores; reduzir a carga dos funcionários; divulgar as escalas com maior antecedência; haver uma escala fixa; haver um local apropriado para descanso; cobrir as áreas expostas à chuva, como o local que dá acesso ao relógio de ponto, e área que liga a pediatria a seção de atendimento do SUS. Somadas a opinião dos entrevistados, algumas medidas podem ser tomadas para reduzir os casos de AT e melhorar as condições de trabalho da população estudada, tais como: dar mais visibilidade a semana interna de prevenção de acidentes; palestras informativas com profissionais capacitados, em que se possa discutir e refletir sobre a importância do uso de EPI e da notificação de acidentes de trabalho, bem como; criação de um espaço de troca de experiências e escuta para os trabalhadores, com intuito de melhorar as condições de diálogo dos trabalhadores, gerando um espaço em que os próprios trabalhadores possam levantar questões sobre como melhorar o ambiente de trabalho, diminuindo os conflitos organizacionais. Salienta-se, ainda, a necessidade de tomar medidas, como: revisão das escalas, redução da carga de trabalho, redução do ritmo e notificação de todos os casos de acidentes.

 

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