SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número29Experiência da implementação do Pair Mercosul no Rio Grande do Sul. Experiências e práticas psicológicasO espaço urbano brasileiro: discurso e sentido na produção de exclusão social pela mídia índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia para América Latina

versão On-line ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  no.29 México dez. 2017

 

Narrativas sobre si mesmo e o futuro na adultez emergente: critérios subjetivos e marcadores sociais

 

Narratives about self and the future in emerging adulthood: subjective criteria and social markers

 

Narrativas sobre sí mismo y el futuro en la adultez emergente: criterios subjetivos y marcadores sociales

 

 

Edna Lúcia Tinoco PoncianoI; Maria Lucia Seidl-de-MouraII

IProfessora Adjunta Instituto de Psicologia - UERJ. Agradece a Bolsa de Pós-doutorado Júnior - CNPq. Rio de Janeiro, Brasil. ednaponciano@uol.com.br
IIProfessora Titular do Instituto de Psicologia – UERJ. Rio de Janeiro, Brasil. mlseidl@gmail.com

 

 


RESUMO

A investigação sobre o desenvolvimento do self tem sido, predominantemente, orientada para o self independente/autônomo. Autonomia e relação constituem as narrativas do self autônomo-relacionado. A exploração identitária, os investimentos na educação, o adiamento do casamento e da parentalidade demarcam a experiência do jovem, modificando a visão do futuro. A identidade adulta é adiada, sendo constituída pela percepção subjetiva mais do que pelos tradicionais marcadores sociais. Nosso objetivo é compreender a experiência dos jovens, a partir de suas narrativas, discutindo a definição de ser um adulto e as perspectivas de futuro. Foram realizadas 26 entrevistas com jovens (18 a 25 anos), submetidas à Análise de Conteúdo. Os critérios subjetivos de identidade foram confirmados, ao narrarem sobre si como adultos ou não, sendo a responsabilidade remetida a um processo de autonomia-relacionada. Conclui-se que a definição de uma pessoa adulta demarca uma perspectiva de futuro e não está, completamente, relacionada à experiência presente.

Palavras-chave: adultez emergente; critérios subjetivos; marcadores sociais.


ABSTRACT

Research on development of the self has been predominantly oriented toward the study of the independent / autonomous self. Autonomy and relation constitute the narratives about autonomous-related self. The exploration of identities, the investments in education, the postponement of marriage and parenting demarcate the experience of the youngsters and change their vision of the future. Adult identity is postponed, being constituted by subjective perception rather than by traditional social markers. Our purpose is to understand the experience of young people, from their narratives, discussing their definition of what it is to be an adult and their future perspectives. Twenty-six interviews were conducted with youngsters (18 to 25 years old), and submitted to Content Analysis. The subjective criteria of identity were confirmed when narrating about themselves as adults or not, being the responsibility related to a process of related autonomy. It is concluded that the definition of an adult person demarcates a perspective of the future and it is not completely related to the current experience.

Keywords: emerging Adulthood; subjective criteria; social markers.


RESUMEN

La investigación del desarrollo del self ha sido, predominantemente, orientada hacia el self independiente/autónomo. Autonomía y relación constituyen las narrativas del self autónomo-relacionado. La exploración identitaria, las inversiones en la educación, el aplazamiento del matrimonio y de la parentalidad demarcan la experiencia del joven, modificando la visión del futuro. La identidad adulta es postergada, constituida más por la percepción subjetiva que por los tradicionales marcadores sociales. Nuestro objetivo es comprender la experiencia de los jóvenes, a partir de sus narrativas, discutiendo la definición de ser un adulto y las perspectivas del futuro. Se realizaron 26 entrevistas con jóvenes (18 a 25 años), sometidas a Análisis de Contenido. Los criterios subjetivos de identidad fueron confirmados, al narrar sobre sí mismos como adultos o no, siendo la responsabilidad remitida a un proceso de autonomía-relacionada. Se concluye que la definición de una persona adulta delinea una perspectiva de futuro y no está totalmente relacionada con la experiencia presente.

Palabras clave: adultez emergente; criterios subjetivos; los marcadores sociales.


 

 

Para compreender o desenvolvimento do self na transição para a vida adulta/adultez emergente, deve ser considerado o modo como diferentes processos de socialização traçam distintas trajetórias para os jovens (Dwairy & Menshar, 2006; Greenfield, Keller, Fuligni, & Maynard, 2003). Há três tendências principais que levam a diversas trajetórias: self independente, self interdependente (Markus & Kitayama, 1991; 2010) e self autônomo relacional (Kağitçibaşi, 2007; 2012).

O desenvolvimento do self independente/ autônomo é típico das famílias urbanas de classe média da sociedade ocidental. Já na trajetória de desenvolvimento do self interdependente, a relação com os outros e a heteronomia são privilegiadas, caracterizando um modo de relacionamento típico das famílias rurais com níveis educacionais e socioeconômicos mais baixos ou de culturas tradicionais. A última tendência, self autônomo relacionado, é caracterizado por Kağitçibaşi (2007; 2012), relacionando-o às dimensões de agência e de distância interpessoal. Em termos de agência, o self é autônomo, mas a relação com os outros, especialmente a família, é valorizada.

Desse modo, privilegia-se menor distância interpessoal. Esse tipo de trajetória tem sido encontrado em grupos brasileiros (Seidl-de-Moura, Carvalho & Vieira, 2013).

O desenvolvimento do self tem sido discutido, predominantemente, a partir do contexto ocidental (europeu ou norte-americano), cujas trajetórias de construção da identidade tendem a ser orientadas para o self independente/ autônomo. No presente estudo são utilizados autores de diversas origens, ao pesquisar como o desenvolvimento ocorre em um contexto não previamente estudado na literatura da área, uma cidade específica brasileira, a do Rio de Janeiro (Arnett, 2004; 2007; Arnett & Tanner, (2006); Camarano, 2006; Gitelson & McDermott, 2006; Gower & Dowling, 2008; Guerreiro & Abrantes, 2005; Smetana, 2011).

A pesquisa de Arnett (2004; 2007), desenvolvida em uma sociedade impregnada pela ideologia individualista, os EUA, feita com jovens de classe média branca, não abarca todos os diferentes percursos de transição para a idade adulta, associados a diferenças socioeconômicas, educacionais e culturais, embora, recentemente, considere a existência das diferenças (Arnett, 2016). O adiamento do casamento e da parentalidade, em favor da exploração de identidades e os investimentos na educação, são, na maioria das vezes, observados na classe média e alta. Apesar de serem consideradas as diferenças há que se investigar se a exploração das identidades, na adultez emergente, surge pela possibilidade de experimentações diversas, dependente da escolha pessoal (autonomia/agência), ou se está sujeita à falta de recursos sociais, que promovem mais a instabilidade do que a experimentação (Mendonça, 2007), e/ou se é moldada pelo contexto relacional, diminuindo ou definindo o quanto é possível ter experiências variadas (Arnett & Taber, 1994).

Em uma perspectiva de comparação teórica com a adolescência, a exploração de identidades, o desenvolvimento do self, o processo desenvolvimental de aquisição de autonomia e de agência, a interdependência, característicos da adolescência, são pontos em comum com a transição para a vida adulta e/ou adultez emergente a serem analisados (Arnett, 2004; 2007; Bandura, 2000; 2001; 2002; 2005; Coleman, 2011; Erikson, 1987; 1998; Kağitçibaşi, 2007; 2012). Um aspecto importante a se considerar no período da adolescência é o da crescente aquisição de autonomia que culmina com a entrada na vida adulta. Essa é uma tarefa desenvolvimental que transforma o adolescente e todos os membros da família (Ponciano & Féres-Carneiro, 2014; 2017; Reichert & Wagner, 2007). A condição para ser independente ou autogovernar-se é uma definição generalista da autonomia. Há, porém, especificações, qualificando a autonomia como atitudinal, comportamental, emocional, etc. Dessa forma, a autonomia inclui várias dimensões e pode ser definida como a habilidade para pensar, sentir, tomar decisões e agir por conta própria (Spear & Kulbok, 2004; Steinberg & Silverberg, 1986), sendo o desenvolvimento da independência um componente fundamental para sua aquisição. No entanto, autonomia não equivale à independência, considerando que ser autônomo não é somente uma questão de agir de forma independente, mas abarca pensamentos, sentimentos e tomadas de decisão que envolvem o indivíduo e outros significativos, afetando as relações familiares. No contexto em que prevalecem as trajetórias de desenvolvimento do self autônomo-relacionado, durante o processo de tornar-se autônomo, o adolescente enfrenta o desafio de manter-se ligado à família e ao seu grupo social (Reichert & Wagner, 2007; Spear & Kulbok, 2004).

Esse processo fica mais claro quando se relaciona o conceito de autonomia à noção de agência. Considerando agência como um eixo que vai do polo de autonomia ao de heteronomia, Kağitçibaşi (2007) define autonomia como uma agência intencional, marcando o aspecto do autogoverno, ou seja, ser um agente é agir sem um sentido de coerção. Afirma, por consequência, que a verdadeira agência requer autonomia, utilizando os dois termos de modo intercambiável, afirmando também a necessidade da relação. Por conseguinte, elabora uma crítica ao entendimento tradicional de autonomia e de agência, considerando que é possível compreendê-las como necessidades básicas assim como a relação.

Autonomia e relação podem coexistir, não sendo noções antagônicas. Para Kağitçibaşi (2007), a compreensão tradicional da necessidade de separação, defendida principalmente pela Psicanálise, impede o reconhecimento da compatibilidade entre autonomia e relação. Ao contrário, em sua perspectiva teórica, estende-se desde a Teoria do Apego até a discussão sobre modelos de família, situando o self no interior das relações familiares e essas em um contexto socioeconômico e cultural, que define os padrões de interação familiar e as trajetórias de desenvolvimento do self, como independente, interdependente ou autônomo relacionado.

Ao equiparar autonomia e agência, Kağitçibaşi (2007) simplifica a discussão, devido à crítica que faz à naturalização da necessidade de separação, que identifica na Psicanálise. No entanto, recorrer à discussão feita por Bandura (2000; 2001; 2002; 2005), permite observar a complexidade do conceito de agência e como pode ser compreendido também em um contexto de interdependência. A perspectiva da agência, adotada pela Teoria Social Cognitiva, para compreender o autodesenvolvimento, a adaptação e a mudança (Bandura, 2001), entende o agente como aquele que influencia, de modo intencional, o próprio funcionamento e as circunstâncias de vida. Bandura (2005) compreende que os sistemas sociais permeiam o funcionamento humano e, portanto, a agência pessoal opera no interior de uma rede de influências socioestruturais. As pessoas, em suas transações agênticas, criam sistemas sociais para organizar, guiar e regular as atividades humanas. Esses sistemas proporcionam recursos e impõem limitações, oferecendo estruturas para o desenvolvimento e o funcionamento pessoais. Há, por consequência, entre o agente e o sistema social uma bidirecionalidade dinâmica e de mútua influência, o que leva Bandura (2005) a rejeitar o dualismo que os opõe. Bandura (2002) afirma que as pessoas não vivem de forma autônoma/separada, alcançando seus objetivos, na maior parte das vezes, por meio de esforços socialmente interdependentes. A concepção da agência humana é ampliada à agência coletiva, baseando-se na crença compartilhada que as pessoas têm em suas capacidades conjuntas de mudarem suas vidas pela ação coletiva (Bandura, 2000, 2001). Isto torna a teoria generalizável para culturas e atividades de orientação coletiva e leva a concluir que há semelhanças nas capacidades de agência e nos seus mecanismos básicos de operação, havendo também diversidade cultural na socialização dessas capacidades inerentes (Bandura, 2002). Nessa perspectiva, é possível discutir o conceito de agência à parte do e relacionado ao conceito de autonomia, considerando ambos em um contexto de interdependência.

Desse modo, ainda que a partir da adolescência seja esperado um aumento crescente da autonomia e de agência até a chegada à idade adulta, compreende-se que a construção da identidade adulta, requer a participação e o apoio de outros significativos, especialmente dos pais, mesmo em sociedades predominantemente individualistas. Conforme Bandura (2002), e em consonância com Kağitçibaşi, a autonomia não implica completa separação. Cada conquista individual terá, de algum modo, a soma de esforços social e emocionalmente interdependentes (autonomia relacionada e agência coletiva).

Socialmente, a partir dos tradicionais marcadores sociais, há uma expectativa de que se tornar adulto é conquistado com casamento e filhos. No sentido psicológico, outros critérios, para a entrada na vida adulta, devem ser considerados (Arnett & Taber, 1994; Arnett & Padilla-Walker, 2015), sendo distinguidos, ao menos, três dimensões, que remetem ao ser adulto: a dimensão cognitiva refere-se à capacidade de analisar as consequências dos próprios atos, implicando maior conexão com os outros; a dimensão emocional, geralmente, compreende a autonomia e a intimidade emocional; a dimensão comportamental refere-se ao controle do impulso (autocontrole e concordância com as convenções sociais). Essas características são alcançadas ou não, ao longo do desenvolvimento, dependendo do grupo cultural e da socialização. Isto pode ocorrer mais cedo ou mais tarde, de acordo com a extensão de liberdade e de possibilidades de experimentação, que os jovens possuem e são socialmente autorizados a vivenciar.

Dessa forma, deve-se estabelecer uma diferenciação entre a transição para a vida adulta, estudada pela Sociologia (que considera os marcadores sociais: a saída da casa dos pais, o número de casamentos e a fertilidade), e o emergir para a vida adulta ou adultez emergente, que ressalta os aspectos psicológicos, mais intangíveis que os fenômenos demográficos e sociais, para a transformação do adolescente em um adulto. Delimitando a faixa etária da transição entre 18 e 29 anos, Arnett (2004; 2007; Jensen & Arnett, 2012) afirma não serem os aspectos sociológicos suficientes para se compreender o que ocorre nesse momento, enfatizando a necessidade de especificar essa fase por suas características psicológicas intrínsecas, que, a partir da análise das entrevistas realizadas com jovens, concluiu serem, pelo menos, três: aceitar a responsabilidade de seus próprios atos; tomar decisões independentes; e ser financeiramente independente.

Arnett (2004; 2007), ao pesquisar sobre a adultez emergente, considera, prioritariamente, os aspectos identitários e os subjetivos (percepção de si como adulto ou não), fundamentando a distinção dessa fase como um período desenvolvimental específico, e não somente uma questão de mudanças sociodemográficas. Ressalta-se, porém, que a adultez emergente é produto de um momento social em que o adiamento da conjugalidade e da parentalidade e o aumento do tempo dedicado à escolarização e à formação profissional criam as condições para a extensão do período de exploração e aumentam a instabilidade até a chegada à vida adulta, não sendo desconsiderados os aspectos sociodemográficos (Greenfield, 2009; Shanahan; Porfeli; Mortimer & Erickson, 2005), modificando a concepção que o jovem tem de si. Consequentemente, possibilita-se a expressão de uma maior variabilidade individual, estando os jovens, nessa fase, relativamente liberados das expectativas sociais, constituindo-se como o período mais volátil do ciclo vital.

A percepção subjetiva, quanto a ser ou não um adulto, é o argumento mais característico para definir essa fase como um período desenvolvimental distinto. Em pesquisa realizada nos EUA, Arnett (2004) explica o sentimento de ambivalência (não se considerar um adolescente e, ao mesmo tempo, não se sentir um adulto) a partir das características psicológicas intrínsecas, acima mencionadas. Ser adulto, então, é em última instância uma definição subjetiva, não sendo mais necessários os tradicionais marcadores sociais. Daí a importância para Arnett (2004), em nomear essa fase de modo diferenciado do campo da Sociologia, considerando que nomear como transição para a vida adulta é reduzir esse momento a uma passagem (foco na vida adulta propriamente) e não o ver como um período desenvolvimental que revela quem são esses jovens e quais são as suas experiências. O termo emergente, afirma Arnett (2004), capta melhor o caráter progressivo, dinâmico e mutável deste período de vida, conduzindo à vida adulta, de formas variadas e com ritmos distintos.

O que torna o emergir para a vida adulta diferente da adolescência e da vida adulta propriamente dita? Arnett (2004) responde descrevendo cinco características, que, apesar de considerar as diferenças culturais, demarcam uma situação típica de sociedades que permitem um leque maior de escolhas e de autoexpressão:

(1) a idade das explorações de identidades – tanto no amor quanto no trabalho, o processo de explorações de identidade se inicia na adolescência e se intensifica durante o emergir do adulto, já que nesse período o jovem se sente mais livre do que jamais foi.
(2) a idade da instabilidade – ao final da adolescência, o jovem tem um plano para seguir até alcançar a idade adulta. Esse plano, porém, está sujeito a inúmeras revisões, como consequência das diversas explorações. A cada revisão, o jovem aprende um pouco mais sobre si mesmo e pode clarificar o tipo de futuro que deseja. A instabilidade vivida gera algumas rupturas.
(3) a idade do autocentramento – antes de assumir as responsabilidades de um adulto, o jovem, porque têm poucas obrigações, aproveita para centrar-se em si mesmo, aprendendo a estar sozinho como uma pessoa autossuficiente.
Esse é um momento necessário antes do compromisso com outros, no amor e no trabalho.
(4) a idade do sentir-se em transição - a exploração e a instabilidade dão a esse período a qualidade de transição: entre a adolescência e a vida adulta, nem adolescente, nem adulto. Nesse momento, o mais importante para o jovem é estar em processo gradual a caminho da vida adulta, confiante de que um dia aceitará a responsabilidade por si mesmo, tomará suas próprias decisões e será financeiramente independente.
(5) a idade das possibilidades – é uma fase de muita esperança e de grandes expectativas, e, ainda que o jovem tenha vivido muitas dificuldades em sua história anterior na família de origem, tem a oportunidade de se autoconstruir, transformando o seu futuro.

Durante as explorações identitárias, iniciadas na adolescência e agora mais sérias e menos transitórias, são experimentadas várias opções, afetivas e profissionais, que, gradualmente, serão transformadas em escolhas e compromissos para a idade adulta. Há mais liberdade e autonomia, menos controle parental e ausência de compromissos típicos da idade adulta, aumentando as chances da autoexploração, assistindo-se a diversos ensaios afetivos e profissionais, antes de assumir as responsabilidades inerentes aos papéis de adulto. As questões que se apresentam ao adulto emergente, relativas às suas opções e ensaios diversos (casar ou não?, juntar?, trabalhar ou estudar?, viajar?, mudar de área profissional?), geram uma maior preocupação consigo mesmo (autocentramento - Tanner, 2006), trazendo inseguranças e incertezas quanto ao futuro. A partir destas experiências, surgem reflexões necessárias para o estabelecimento de compromissos, permitindo o processo de consolidação do desenvolvimento identitário, que não é mais marcado, necessariamente, pelos papéis tradicionais, mas pode ter como horizonte longínquo casar e ter filhos (Andrade, 2010). Enquanto a assunção de papéis adultos não se consolida, no futuro próximo, encontra-se a diversidade de experimentações.

Considerando a lacuna na literatura de estudos brasileiros sobre o tema e a compreensão ampliada do processo pela articulação de diversos autores, o objetivo deste artigo é compreender e discutir a experiência dos jovens, identificando a definição que possuem sobre o que é ser um adulto e as suas perspectivas de futuro. Nesse sentido, a partir de suas narrativas, é discutida a experiência atual dos jovens, tanto em seus aspectos subjetivos quanto na relação que têm com os marcadores tradicionais da vida adulta.

 

Metodologia

Participantes

Baseado na delimitação feita por Arnett (2004; 2007), foram entrevistados 26 jovens, entre 18 e 25 anos. Para a escolha dos participantes, foram divulgados os critérios para diversos contatos, a fim de serem selecionados jovens que têm projeto de formação escolar/ profissional, incluindo planos para a universidade e/ou que já estejam em um curso de graduação, o que caracterizou uma amostra de conveniência. Os 26 entrevistados dividem-se entre treze rapazes e treze moças, de classes sociais variadas. Foram incluídos moradores de diversas partes da cidade do Rio de Janeiro. Os 26 jovens entrevistados, com idade entre 18 e 25 anos, em sua maioria estão cursando o nível superior e os que ainda não estão cursando tem projetos de ingressar em uma universidade. Desse modo, representam um grupo de jovens que têm projeto de formação escolar/profissional vinculado especificamente ao curso universitário, caracterizando um percurso de profissionalização mais extenso. Os participantes são apresentados pelas letras M e F, conforme o gênero, seguido pelo número da entrevista e idade.

Instrumento e Procedimento de Coleta de dados

Foi utilizado um roteiro de entrevista, que foi avaliado ao serem realizadas duas entrevistas-piloto com um rapaz e uma moça, validando-o. As entrevistas com os jovens foram gravadas em áudio, com a aprovação firmada em termo de consentimento, e transcritas, para serem analisadas, sendo realizadas em locais variados, de acordo com a disponibilidade dos entrevistados. A seguir, apresenta-se o roteiro: O que você acha que define uma pessoa adulta?; Você se considera uma pessoa adulta? Por quê?; Na sua percepção, como seu pai e sua mãe te veem? (o que eles falam, pensam e sentem a respeito de você); Como você vê o seu pai e a sua mãe? (o que você fala, pensa e sente a respeito de seu pai e de sua mãe); Como é a sua relação com seu pai e com sua mãe? (descrever, qualificar e exemplificar); O que você costuma conversar com seu pai e com sua mãe? (exemplos); O que você não conversa com seu pai e com sua mãe? (exemplos); Quais são os seus projetos atuais e futuros?

Análise dos dados

Com uma metodologia qualitativa, as entrevistas foram submetidas à Análise de Conteúdo (Bardin, 2008). Inicialmente, a partir de uma atitude clínica de empatia, que visa à compreensão da fala e à tradução do universo subjetivo da experiência, busca-se investigar a temática de base e a lógica interna de cada entrevista. Para a eleição desses temas, de acordo com o objetivo da pesquisa, foi realizada uma "leitura flutuante", demarcando núcleos de sentido de cada entrevista (decifração estrutural) e, posteriormente, estabelecendo relações entre elas, a partir da repetição de alguns temas significativos. A partir dessa leitura, foram estabelecidos os temas cuja predominância no discurso dos entrevistados é afetivamente significativa, sendo relacionados à descrição de suas experiências. Essa eleição, portanto, não ocorreu por um critério estatístico e sim clínico (compreensão a partir da narrativa), estando de acordo com uma das possibilidades técnicas de Análise de Conteúdo, proposta por Bardin (2008). Com essas leituras iniciais, foi feita a escolha das categorias de análise, elaborando um Livro de Categorias.

Os seguintes eixos temáticos foram estabelecidos: (1) ser adulto(a): descreve as características de se perceber como adulto; (2) relação com a mãe e com o pai: processo interativo diferenciado por gênero que abarca situações cotidianas; (3) conversa com a mãe e com o pai: temas abordados ou não nos diálogos cotidianos, diferenciados por gênero; (4) planos para o futuro: projeções no tempo de curto e de longo prazo. As falas foram separadas em tabelas, de acordo com os eixos temáticos acima descritos. Posteriormente, foi feita uma leitura intensa (Gibbs, 2009), linha por linha, de cada entrevista, listando as categorias surgidas, que foram analisadas uma a uma e separadas, segundo os eixos temáticos. Definidas as categorias, utilizando a literatura e os autores que constituem a base teórica, foram separadas as conceituais das descritivas, sendo essas surgidas nas falas dos entrevistados e sem definição pela literatura utilizada. Em seguida, foi realizada uma análise comparativa entre dimensões consideradas relevantes, identificando possibilidades de análise e de discussão. Nesse artigo, são apresentados, discutidos e relacionados os Eixos 1 e 4, com suas respectivas categorias, que foram divididas por grupos, numerados e nomeados conforme a predominância de uma categoria específica. Desse modo, busca-se compreender e discutir a experiência dos jovens, ao narrarem suas experiências, suas percepções de serem ou não adultos e suas perspectivas de futuro.

 

Resultados

Ser adulto(a): descreve as características de se perceber como adulto

Esse eixo foi dividido em 4 grupos, compostos por categorias agrupadas pelo mesmo campo de significados: (1) Autonomia, (2) Critério de ser adulto, (3) Independência e (4) Responsabilidade. No grupo (1), Autonomia, formado pelas categorias agência, autonomia, autonomia emocional, liberdade de tomar decisões, a categoria autonomia está presente em todas as outras, especificando a característica do jovem agir por conta própria, sendo influenciado por suas relações. Autonomia: é um processo desenvolvimental que consiste em sentir, pensar e agir voluntariamente, sem coerção, sendo negociado e adquirido, principalmente, a partir da adolescência com o objetivo de independência e de autorrealização (realização dos potencias individuais), enquanto mantém relações positivas com a família ou com a autoridade do grupo de pertença.

Então é o que eu planejo, porque eu quero correr atrás, eu quero trilhar o meu caminho. O meu pai trilhou o dele, eu quero trilhar o meu. F12 (22a)

Ela sempre me deu liberdade pra fazer o que eu queria, o que eu quisesse... e da mesma forma como meu pai, me disciplinou como tinha que disciplinar, e me deu liberdade pra fazer ... quando era pra ter liberdade, ela deixou eu livre, coisas assim... M13 (22a)

O grupo (2), Critérios de ser adulto, é composto por 12 categorias: ausência de critério, consequência das decisões, critério subjetivo e objetivo, experiência, imaturidade, maioridade, marcadores sociais, maturidade, morar com, personalidade e visão de mundo própria. O grupo (2) pode ser relacionado ao grupo (1) da Autonomia e ao (3) da Independência, que apresentam juntos, o critério objetivo da idade, a autonomia e a independência como definidores de ser um adulto. Critérios de ser adulto: subjetivo - ser adulto é definido a partir da experiência do sujeito; subjetivos/objetivos - oposição entre os critérios subjetivos e objetivos (marcadores sociais).

Ter 21 anos, 21 ou 18, depende. E... ter uma certa autonomia, independência dos pais, não necessariamente independência, mas alguma autonomia. Acho que só isso. M21 (25a)

Embora esse extrato apresente um critério objetivo, que é a idade, logo depois, afirma que "depende".

Ai... O que eu acho? É... experiência, né? Dignidade da pessoa... é... pra mim, é experiência mesmo que faz com que ela seja assim é...(pausa) é a experiência... o tempo que ela vai vivenciando cada situação do dia a dia e ela vai vendo é... fatos que ela vai errando, vai acertando e com o tempo ela vai seguindo uma trajetória que vai tornando ela uma adulta. M4 (23a)

Outros critérios são identificados nos trechos acima com os seguintes termos: tomar decisões e experiência, unindo as categorias de dois grupos, (1) Autonomia e (2) Critérios de ser adulto.

É, não sei... uma independência, uma certa independência profissional... ter um trabalho próprio, ter um direcionamento que você queira dar a sua vida profissional assim, e ... um pouco dessa liberdade profissional e também uma certa possibilidade de tomar decisões sem ter que ter aquela coisa de, com os pais, aquela coisa de ter permissão, ... F2 (22a)

Eu acho que a pessoa se torna adulta assim no momento em que ela (...) age como uma pessoa adulta (...). Então, por exemplo, com os outros ela é uma pessoa responsável, ela é uma pessoa que se impõe, que não é levada pelos outros, é... ela não depende de ninguém, ela depende somente dela. F3 (22a)

O grupo (3), Independência, também está representado nas falas acima, sendo composto pelas seguintes categorias: alternância entre dependência e independência, companhia dos pais, dependência emocional, independência, independência dos pais, independência emocional, independência financeira e independência profissional. Independência: não depender de autoridade ou controle de outra pessoa para emitir sua opinião e em relação a apoio, ajuda ou suprimentos, não estando mais disposto a ser uma obrigação aos outros.

Essas categorias aparecem nas falas acima como uma afirmação pessoal, na qual o jovem busca não depender de autoridade ou do controle ou de outra pessoa para emitir sua opinião, não estando mais disposto a ser uma obrigação para os pais, não dependendo mais de autoridade ou do controle ou de outra pessoa para experimentar e expressar emoções em relação a si mesmo, a situações variadas e a outras pessoas, sendo uma conquista individual que enfatiza a autossuficiência e a competência de estar por "conta própria", ter a sua própria moradia, carro e dinheiro, a partir da realização profissional, que garante a própria subsistência. Portanto, o critério para determinar se é ou não um adulto alia autonomia e aspectos subjetivos em sua definição, sendo o grupo (3) de categorias Independência o que define critérios mais objetivos para a vida adulta, baseado na profissão e na capacidade de se sustentar.

Então, acho difícil definir uma pessoa adulta porque você não tem um referencial, assim como maturidade, tem que existir um diferencial para uma pessoa adulta. M23 (21a)

Acho que em parte (...) É que eu não sou tão autônomo, mas eu sou bastante responsável. M1 (18a)

Assim, em certas coisas sim, em certas coisas não. Eu sei que de vez em quando eu penso 'ah, minha mãe vai fazer', eu sei que minha mãe vai fazer aí eu deixo de lado. Embora em outras coisas não, eu vou fazer... F5 (22a)

A categoria Ausência de critério, do grupo (2) Critério de ser adulto, Independência (3) e Responsabilidade (4), relacionados ao grupo Autonomia (1), são unidos na fala dos jovens, caracaterizando o que é ser adulto. Ausência de critério/referencial coletivo: a definição de adulto não tem um critério único e/ou um parâmetro social.

Eu acho que, pelo que aprendi, é ela (pessoa) ter mais de 18 anos, antes de tudo. E eu acho que em segundo é começar a acumular responsabilidade, por exemplo, começar a pagar as próprias coisas, assumir um compromisso numa faculdade, é começar a ter mais responsabilidade com as próprias coisas e com o próprio futuro, não dependendo mais necessariamente dos pais, obrigatoriamente só dos pais. É... e é isso. M22 (23a)

Ah, porque eu já tenho minhas obrigações, né? Eu já trabalho, já pago as minhas contas assim, já faço as minhas coisas sozinha. F19 (19a)

As falas acima representam, mais especificamente, o grupo Responsabilidade (4), que é composto pelas seguintes categorias: irresponsabilidade, noção de futuro com responsabilidade, peso da responsabilidade, responsabilidade, responsabilidade como cuidado, responsabilidade dentro de casa. Responsabilidade: um dever ou obrigação de realizar ou completar satisfatoriamente uma tarefa (designada por alguém ou estabelecida a partir de um compromisso próprio ou circunstancial) que deve ser cumprida e, caso não seja, há uma penalidade.

Acho meio difícil assim você criar um ponto (em que se torne adulto), e que a partir desse ponto é ou não é (adulto). Seria, por exemplo... a parte de trabalhar seria um indicativo, você começar a ter responsabilidade assim, você tem responsabilidade, no emprego é você que está lá. Acho que você tá falando de adulto é isso, você ter responsabilidades, não é mais responsabilidade dos seus pais, quando você faz alguma coisa, você é chamado pra responder por ela. M18 (21a)

Esse grupo de categorias apresenta mais fortemente a ligação da formação da identidade com as relações, de modo positivo e negativo. Em seu aspecto positivo, a responsabilidade aparece ligada à ideia de cuidado (ser responsável por ações que envolvem não só a si mesmo, mas também outras pessoas) à ideia de atividades domésticas, no interior da família (responsabilidade dentro de casa: realizar tarefas domésticas/familiares que lhe foram designadas, comportando-se da maneira esperada). Dessa maneira, o jovem tem noção de que suas ações têm consequências futuras e essa consciência o transforma em um adulto. O lado negativo encontra-se na categoria peso da responsabilidade, já que a vida adulta apresenta responsabilidades novas para as quais se pode não estar preparado(a).

Planos para o futuro: projeções no tempo de curto e de longo prazo Esse eixo é composto por três grupos, totalizando 12 categorias: (1) Independência concreta (Casa própria, Ganhar dinheiro e Sair de casa); (2) Formação Pessoal e Profissional (Concurso, Conquista profissional/sucesso profissional, Cursar e concluir faculdade, Emprego/trabalho, Pós-graduação e Viagem); (3) Família (Casamento, Formação de família/filhos, Medo/insegurança de formar família). Com a exemplificação da narrativa dos entrevistados sobre o futuro, pode-se perceber que essas categorias estão imbricadas e, por vezes, é necessário conquistar uma para se ter a outra. Por essa razão, em um exemplo de fala encontram-se várias categorias dos grupos acima descritos. Casa própria: ter um imóvel próprio; Casamento: unir-se maritalmente de forma oficial; Concurso: estudar para concurso público, visando a um emprego estável; Ganhar dinheiro: preocupação em conseguir se sustentar financeiramente. Sair de casa: desejo de ter um espaço seu.

Eu me formei no final de 2010 e pretendo fazer concurso para a Polícia Federal, para perito criminal, para a polícia civil, também. Nesta área de perito que é esta especialização que eu estou fazendo. Mas, se pintar outras coisas, como concurso para professora, alguma outra coisa, eu posso tentar também. No momento, é isso. (você passando num concurso, conseguindo ter um salário, você continuaria morando na casa dos seus pais?) Continuaria, porque deixar o conforto de casa para morar sozinha, não. Só sairia pra, pra morar com alguém, tipo casar, né? Mas pra morar sozinha, pra morar onde eu moro é muito difícil, né? Aí eu acho que não, só se eu ganhasse muuuuito bem. Se eu passar na Polícia Federal é ganhar bem, ganhar R$ 13.000. Aí daria fácil pra morar sozinha. F07 (25a)

Bom, eu espero mesmo aos 25 anos conquistar minha independência, pode ser muito cedo, uma utopia, mas eu quero morar num apartamento alugado, e financeiramente. acho que só. M10 (20a)

Isso aí (casamento), então, é um tipo de responsabilidade que você assume com a outra pessoa. É um tipo de formação adulta. M08 (18a)

E é isso, quero sair de casa, ter independência, não dar mais satisfação a ninguém e me tornar de fato um adulto consumadamente, além dos 18 anos, né? M22 (23a)

Eu sei que eu quero, assim que eu começar a ganhar o meu dinheiro, eu quero sair de casa e tal, ser independente, adulta de fato! F24 (19a)

As respostas sobre o futuro indicam que a vida adulta, tradicionalmente demarcada por casar e ter filhos, está incluída nos planos, mas de forma secundária à formação profissional e à independência financeira. Antes disso, é preciso experimentar outras opções e buscar manter o conforto encontrado na casa dos pais. A casa própria desejada, não se liga necessariamente ao projeto de casamento. Sair de casa é um objetivo fortemente atrelado ao de ganhar dinheiro. Enquanto o dinheiro não é suficiente, investem na formação e estudam para concurso. A categoria ganhar dinheiro, como um plano para o futuro ligado à independência financeira, é um aspecto importante e deve ser relacionado ao Eixo anterior, ser independente financeiramente é um dos critérios para se sentir um adulto e que permite a saída da casa dos pais, remetendo a uma perspectiva de futuro. Viagem: planos de ter experiências variadas em outras culturas, envolvendo o aprimoramento de idiomas e profissional.

(...) eu tenho 18, quase 19 anos agora, é... eu tô num período de transição, entre o ensino médio e o ensino superior. Foi uma escolha minha, eu preferi começar a faculdade no segundo semestre, pra eu aproveitar o primeiro semestre deste ano, pra eu é... ter experiência de vida, que eu não tive oportunidade de ter antes. Eu tô indo ao trabalho com o meu pai, foi uma coisa que eu tinha combinado com ele, é... e eu tô aguardando, eu vou viajar daqui a um tempo, eu vou viajar para o exterior pra passar um tempo fora, pra aprender a viver sozinho, que eu acho que é uma coisa importante, pra esta nova fase da minha vida. M8 (18a)

Eu penso em terminar minha graduação, virar professor do colégio que eu tô de monitor. Depois, mais à frente, fazer um mestrado e dar aula no CP2. O objetivo é mais ou menos esse. Vou ver um pouco a área da pesquisa acadêmica também, que eu acho bem legal, movimento social. É. Conseguir viajar bastante, ter uma condição financeira razoável para poder ter esses momentos de distração, ter meu cantinho próprio para morar. Casar e ter filhos. Essas coisas... Mais à frente. Não penso muito assim agora não. Mas penso em casar, ter um casal de filhos. Amor, essas coisas assim, eu ainda acho que estou muito novo para essas coisas assim. M26 (22a)

Não sendo ainda independente financeiramente, pode-se ganhar dinheiro trabalhando com o pai e planejar experimentações variadas, como morar sozinho, por um tempo, no exterior. Cursar e concluir faculdade: tópicos relacionados à formação universitária; Pós-graduação: planos de capacitação profissional, após a graduação; Conquista profissional/sucesso profissional: ser bem-sucedido e alcançar estabilidade na escolha profissional feita; Emprego/trabalho: preocupação em conseguir uma fonte de renda que permita alcançar estabilidade; Formação de família/filhos: casar e ter filhos.

Eu devo demorar aí mais uns dois anos pra me formar, devo me formar com uns 24 anos. Iniciar minha carreira como engenheiro, e aí seguir minha vida. Se tudo tiver certo ... com a minha namorada me casar, e ter minha casa, e viver a minha família, e construir a minha família. M13 (22a)

Meus planos pro futuro... eu estou pensando em me formar, começar a trabalhar como médica mesmo, né? Formada. É... fazer a prova, passar na residência, depois começar a pensar em casar e ter minha casa, minha família. F11 (24a)

Os meus projetos atuais é....agora, é de fazer um curso de comissária de voo. Este é um dos tópicos, assim, e o meu sonho futuro é me casar. É claro, me formar e ser bem sucedida. Não aquilo de ah... ter muito dinheiro, de poder dar para o meu filho. F16 (23a)

Ainda que não seja única, parece haver uma nova sequência de planejamento de eventos como forma de passagem paulatina para a vida adulta: conquista e sucesso profissional (ser bem-sucedido e alcançar estabilidade na escolha profissional feita); ganhar dinheiro (preocupação em conseguir se sustentar financeiramente); sair de casa (desejo de ter um espaço seu); e formar uma família (casar e ter filhos). Medo/insegurança de formar família: dúvidas a respeito de conseguir assumir as responsabilidades de se formar uma família.

Filhos... eu nunca fiz muita questão de filhos. Filho é uma coisa planejada pelos dois, pelo casal. Se os dois estão preparados pra ter filho, porque é uma responsabilidade muito grande. Ainda mais no meu caso que sou gay, vai ser muito difícil... vai ser muito estresse... mas o que mais, deixa eu pensar... Casamento... é, eu penso em casar, ter uma relação estável, ter todos os direitos civis... hum... sei lá... M10 (20a)

O adiamento do casamento foi verificado nas falas acima e presente também nas falas exemplificadas inicialmente, relacionando o casamento a ser adulto. Pode-se inferir que o casamento é o marcador principal da vida adulta? Não, necessariamente.

Eu sou militante socialista no (...) em um estudo de formação e orientação popular e sou orientadora de história lá. Tenho como projeto o pré-ensino médio popular de lá e outras coisas (...) é um projeto meu agora e futuro, pretendo estar lá por muito tempo. Tenho um projeto fotográfico que é o projeto (...) que retrata as mulheres que estão fora do padrão. Tem a faculdade (...) E tem o trabalho que é o salão. (Sobre casar e ter filhos) Não, não tenho vontade. Eu trabalho, me sustento, sou responsável por todas as coisas da minha vida, então me considero uma pessoa adulta. F26 (24a)

Sobre o casamento ser ainda um marcador importante, parece que como planejamento futuro a resposta é sim, mas para confirmar essa percepção seria necessário conhecer a experiência dos jovens casados, o que não se encontra no grupo de participantes desta pesquisa. Além disso, deve-se relativizar essa importância, já que o casamento pode não estar nos planos e o que define ser adulto pode ser a independência financeira. Se há ou não uma sequência dos tradicionais marcadores sociais, a formação de uma família (casar e ter filhos) continua na ordem de acontecimentos futuros da maioria dos entrevistados, indicando a entrada definitiva na vida adulta, devido à responsabilidade a ser assumida, com medo e insegurança, tanto para jovens heterossexuais quanto para os homossexuais.

 

Discussão

De modo geral, as respostas sobre o que define um adulto são conformes ao que se encontra na discussão da literatura e de outras pesquisas (Arnett, 2011; 2016; Ponciano & Féres-Carneiro, 2014; 2017), não indicando os tradicionais e objetivos marcadores sociais (ter a própria casa, casar e ter filhos). Os critérios são subjetivos, como os encontrados por Arnett (2004). Ao responderem sobre si mesmos como adultos ou não, as respostas indicam que não estão certos quanto ao seu status, explicitando uma vivência de transição: nem adolescente nem adulto (Arnett, 2004).

De acordo com Arnett e Taber (1994), há critérios encontrados em dimensões psicológicas que indicam o que é ser adulto. São elas: cognitiva, emocional e comportamental. A dimensão cognitiva envolve, principalmente, os seguintes grupos do Eixo I: Autonomia, Independência e Responsabilidade. A capacidade de analisar as consequências dos próprios atos (Autonomia e Independência) implica maior conexão com os outros (Responsabilidade). Cognitivamente, a análise dos próprios atos e de suas consequências é uma forma de conscientização e de elaboração, que promove a interdependência como um dos aspectos da formação de si. É importante ressaltar, porém, que a interdependência possui graus diferenciados, conforme o grupo de pertença esteja inserido em uma sociedade mais ou menos individualista (Kağitçibaşi, 2007; 2012). De qualquer modo, pensar nas consequências dos atos implica algum grau de interdependência. A dimensão emocional, geralmente, enfatiza a autonomia aliada à vivência de intimidade (Arnett & Taber, 1994). Pressupõe-se uma independência emocional dos pais, não como uma completa separação, mas um movimento para a mutualidade e a reciprocidade como adultos iguais, no relacionamento pais-filhos. Na escolha de uma parceria, a intimidade emocional e a física são estabelecidas.

Na dimensão emocional há, conciliadas, autonomia, independência e, em algum grau, sempre há também interdependência, conforme as sociedades sejam mais ou menos coletivistas. No relato dos entrevistados, não há menção de relacionamentos íntimos como um fator para se considerar em suas trajetórias de adultos emergentes, surgindo somente como uma perspectiva futura. Seriam as experimentações amorosas uma forma de preparo para o futuro? Essa é uma questão que precisa ser mais investigada. O controle do impulso caracteriza a dimensão comportamental nos aspectos de autocontrole e de concordância com as convenções sociais (Arnett & Padilla-Walker, 2015). Esse controle alia-se à dimensão cognitiva de avaliação das consequências dos próprios atos. Por um lado, quanto mais individualista, menor a preocupação com o outro. Por outro, quanto maior o autocontrole, menor o individualismo e maior o grau de interdependência. Nesse sentido, percebe-se o lado negativo do individualismo, se não for associado à noção de responsabilidade e, por consequência, ter um grau baixo de interdependência. Os entrevistados ressaltam a responsabilidade como uma característica de um adulto, que não, necessariamente, possuem e, sobretudo remetem à formação de uma família no futuro.

Segundo Arnett (2004), a percepção subjetiva, quanto a ser ou não um adulto, é o argumento mais incisivo para definir essa fase como um período desenvolvimental distinto, conforme a especificidade do sentimento de ambivalência (não se considerar um adolescente e, ao mesmo tempo, não se sentir um adulto). Os critérios de se identificar como um adulto, estabelecidos pelo autor a partir de sua pesquisa, também foram encontrados nessa pesquisa: a responsabilidade pelos próprios atos, a capacidade de tomar decisões (autonomia) e ser financeiramente independente. Apesar de confirmar que esses critérios configuram uma percepção subjetiva, em contraponto aos marcadores sociais objetivos, identifica-se, nas falas dos entrevistados, que essa percepção subjetiva não implica, necessariamente, ausência de interdependência. Além disso, há nesse processo de transição, em que predomina o sentimento de ambivalência, experimentações objetivas da vivência de um adulto, assumindo-se paulatinamente alguns dos papéis considerados de um adulto (pagar uma conta, morar por um tempo sozinho, viajar sozinho, etc. - (Shanahan et al., 2005).

A experimentação objetiva desses papéis é parcial e depende da sociedade em questão, conforme maior ou menor grau de liberdade. Nesse sentido, o termo emergente, utilizado por Arnett (2004), capta o caráter progressivo, dinâmico e mutável deste período de vida, conduzindo à vida adulta de formas variadas e ritmos distintos, mas, deve-se acrescentar, pode ser vivenciado também pela experimentação de responsabilidades que indicam uma autonomia-relacionada (Kağitçibaşi, 2007; 2012). A independência, portanto, não significa propriamente separação, indicando um processo de diferenciação que ocorre com a participação do outro e em relação ao outro, conforme as falas exemplificam. A responsabilidade e a tomada de decisões (autonomia), por sua vez, reforçam a participação do outro, à medida que o jovem tem mais consciência da influência de suas ações sobre os outros e vice-versa. Conforme Bandura (2002; 2005), reafirma-se que a agência pessoal opera no interior de uma rede de influências socioestruturais. Em suas transações agênticas, os jovens criam sistemas relacionais, organizando, guiando e regulando suas atividades. Esses sistemas oferecem estruturas para o desenvolvimento do self e da identidade adulta, em um contexto de interdependência emocional e de agência coletiva.

O desenvolvimento do self deve ser articulado à noção de menor distância interpessoal, definindo-se como autônomo-relacionado, sendo mais característico de sociedades tradicionalmente coletivistas, que implantaram um processo de industrialização e de urbanização, tal como o ocorrido no Brasil. A relação, nesse caso, tem um papel tão importante quanto o da autonomia para o surgimento do adulto. Os jovens entrevistados permanecem na casa dos pais, confirmando o que se encontra na literatura quanto a uma indefinição do que é ser adulto e à fraca presença de marcadores sociais para a entrada na vida adulta. Enquanto estão em processo, o que se caracteriza pelo investimento na formação e na construção da identidade (exploração de possibilidades), estabelecem relações, conquistando a autonomia em um contexto de interdependência. Aos critérios, encontrados nas dimensões psicológicas (cognitiva, emocional e comportamental), que indicam o que é ser adulto, deve ser acrescentada a dimensão da interdependência emocional, que revela a dinâmica interacional, presente no relacionamento. A análise desses critérios, aliada à ideia de interdependência emocional, indica uma nova possibilidade de pesquisa, a ser projetada para um futuro próximo. Essas dimensões remetem ao processo de autorregulação ao mesmo tempo em que implicam uma regulação intersubjetiva. A identidade adulta, construída com o apoio dos pais, envolve a dimensão interna (intrapsíquica) e a externa (relacional), que precisam ser mais discutidas e melhores compreendidas, a partir da experiência do jovem e de uma concepção de saúde mental correspondente.

Desse modo, a pergunta sobre o que define uma pessoa adulta demarca uma relação com o futuro e não está, completamente, relacionada à experiência atual. Nesse sentido, cumpriu-se com o objetivo de compreender e discutir a experiência dos jovens, identificando a definição que possuem sobre o que é ser um adulto e as suas perspectivas de futuro. A partir de suas narrativas, é apresentada a experiência atual dos jovens, marcada por experimentações e um forte investimento na formação pessoal/profissional. Em seus aspectos psicológicos, a adultez emergente têm uma relação com os marcadores tradicionais da vida adulta, apontando-os para o futuro, sendo adiados ao priorizarem conquistas pessoais que poderão fundamentar as responsabilidades da vida adulta, futuramente.

 

Referências

Andrade, C. (2010). Transição para a idade adulta: das condições sociais às implicações psicológicas. Análise psicológica, 28(2), 255-267.         [ Links ]

Arnett, J. J. (2004). Emerging adulthood: the winding Road from the late teens through the twenties. New York: Oxford University Press.         [ Links ]

Arnett, J. J. (2007). Emerging Adulthood: What Is It, and What Is It Good For? Child Development Perspectives, 1(2), 68-73.         [ Links ]

Arnett, J. J. (2011). Emerging Adulthood(s): the cultural psychology of a new life stage. In L. A. Jensen, (Org.). Bridging cultural and developmental approaches to Psychology: new syntheses in theory, research, and policy. (pp. 255-275). New York: Oxford University Press.         [ Links ]

Arnett, J. J. (2016). Does emerging adulthood theory apply across social classes? National data on a persistent question. Emerging adulthood, 4(4), 227-235.         [ Links ]

Arnett, J. J., & Taber, S. (1994). Adolescence terminable and interminable: when does adolescence end? Journal of Youth and Adolescence, 23(5), 517-537.         [ Links ]

Arnett, J., & Tanner, L. (Orgs.). (2006). Emerging adulthood in America: Coming of age in the 21st Century. Washington, DC: American Psychological Association.         [ Links ]

Arnett, J. J., & Padilla-Walker, L. M. (2015). Brief report: Danish emerging adults' conceptions of adulthood. Journal of adolescence, 38, 39-44.         [ Links ]

Bandura, A. (2000). Exercise of Human Agency through Collective Efficacy. Current Directions in Psychological Science, 9(3), 75-78.         [ Links ]

Bandura, A. (2001). Social cognitive theory: an agentic perspective. Annual Review of Psychology, 52(1), 1-26.         [ Links ]

Bandura, A. (2002). Social Cognitive Theory in Cultural Context. Applied psychology: an international review, 51(2), 269–290.         [ Links ]

Bandura, A. (2005). The evolution of social cognitive theory. In K. G. Smith & M. A. Hitt (Orgs.). Great minds in management (pp. 9–35). Oxford, United Kingdom: Oxford University Press.         [ Links ]

Bardin, L. (2008). Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições Setenta.         [ Links ]

Camarano, A. A. (Org.) (2006). Transição para a vida adulta ou vida adulta em transição? Rio de Janeiro: Ipea.         [ Links ]

Coleman, J. (2011). The nature of adolescence. London: Routledge.         [ Links ]

Dwairy, M., & Menshar, K. E. (2006). Parenting style, individuation, and mental health of Egyptian adolescents. Journal of Adolescent, 29(01), 103-107.         [ Links ]

Erikson, E. (1987). Identidade: juventude e crise. Rio de janeiro: Guanabara.         [ Links ]

Erikson, E. (1998). O ciclo de vida completo. Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

Gitelson, I. B.,, & McDermott, D. (2006). Parents and their young adult children: transitions to adulthood, Child Welfare, 85(5), 853-866.         [ Links ]

Gower, M., & Dowling, E. (2008). Parenting adult children: invisible ties that bind? Journal of Family Therapy, 30(2), 425–437.         [ Links ]

Greenfield, P. M.; Keller, H.; Fuligni, A., & Maynard, A. (2003). Cultural pathways through universal development. Annual Review of Psychology, 54(2), 461-490.         [ Links ]

Greenfield, P. (2009). Linking social change and developmental change: Shifting pathways of human development. Developmental Psychology, 45(2), 401-418.         [ Links ]

Guerreiro, M. D., & Abrantes, P. (2005). Como tornar-se adulto: processos de transição na modernidade avançada. Revista Brasiliera de Ciências Sociais, 20(58),165-212.         [ Links ]

Jensen, L. A., & Arnett, J. J. (2012). Going global: New pathways for adolescents and emerging adults in a changing world. Journal of Social Issues, 68(3), 473-492.         [ Links ]

Kağitçibaşi, Ç. (2007). Family, self, and human development across cultures: Theory And applications. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates.         [ Links ]

Kağitçibaşi, C. (2012). Sociocultural change and Integrative Syntheses in Human Development: Autonomous-Related Self and Social-Cognitive Competence. Child Development Perspectives, 6(1), 5-11.         [ Links ]

Markus, H. R., & Kitayama, S. (1991). Culture and the self: implications for cognitions, emotion and motivation. Psychological Review, 98(2), 224-253.         [ Links ]

Markus, H. R., & Kitayama, S. (2010). Cultures and selves: a cycle of mutual constitution. Perspectives on Psychological Science, 5(4), 420-430.

Mendonça, M. P. G. de. (2007). Processo de transição e percepção de Adultez: análise diferencial dos marcadores identitários em jovens estudantes e trabalhadores. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, Universidade do Porto.         [ Links ]

Ponciano, E. L. T., & Féres-Carneiro, T. (2014). Relação Pais-Filhos na Transição para a Vida Adulta, Autonomia e Relativização da Hierarquia. Psicologia: Reflexão e Crítica, 27(2), 388-397.         [ Links ]

Ponciano, E. L. T., & Féres-Carneiro, T. (2017). Conjugalidade, parentalidade e separação: repercussões no relacionamento pais e filhos (as). Psicologia em Estudo, 22(2), 277-287.         [ Links ]

Reichert, C. B., & Wagner, A. (2007). Considerações sobre a autonomia na contemporaneidade. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 7(3), 46-59.         [ Links ]

Seidl-de-Moura, M. L.; Carvalho, R. V. C. C. & Vieira, M. L. (2013). Brazilian mothers parenting models. Em M. L. Seidl-de-Moura (Org.), Parenting in South American and African contexts. Rijeka, Croácia: InTech.         [ Links ]

Shanahan, M.J.; Porfeli, E.J.; Mortimer, J.T.; Erickson, L. (2005). Subjective age identity and the transition to adulthood: When adolescents become adults? In F.F. Furstenberg; R. Rumbaut; R.A. Settersten (Orgs.). (pp. 225–255). On the frontier of adulthood: Theory, research, and public policy. Chicago: University of Chicago Press.         [ Links ]

Smetana, J. (2011). Adolescents, families and social development: how teens construct their Worlds. USA/UK: Blackwell Publishing.         [ Links ]

Spear, H. J., & Kulbok, P. (2004). Autonomy and adolescence: a concept analysis. Public Health Nursing, 60(2), 144-152.         [ Links ]

Steinberg, L., & Silverberg, S.G. (1986). The vicissitudes of autonomy in early adolescence. Development, 57(4), 841-851.         [ Links ]

Tanner, J. L. (2006). Recentering during Emerging Adulthood: a critical turning point in the life span human development. In J. Arnett & L. Tanner (Orgs.). Emerging adulthood in America: Coming of age in the 21st Century. (pp.21-55). Washington, DC: American Psychological Association.         [ Links ]

Creative Commons License