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Psicologia para América Latina

On-line version ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  no.31 México July 2019

 

Estágio supervisionado em psicologia na educação superior: contribuições da teoria da subjetividade

 

Pasantía supervisada en psicología en educación superior: Contribuciones de la teoría de la Subjetividad

 

Supervised Internship in Psychology in Higher Education: Subjectivity Theory Contributions

 

 

Alexandra Ayach AnacheI; Lara Nassar ScaliseII; Sylvianara Aparecida da Costa EscobarIII

IUniversidade Federal de Mato Grosso do Sul
IIUniversidade Federal de Mato Grosso do Sul
IIIUniversidade Federal de Mato Grosso do Sul

Correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho apresenta as reflexões construídas sobre experiências que depreenderam das atividades de estágios supervisionados em um curso de psicologia de uma universidade pública no período de 2010 a 2016, que tinha como intuito proporcionar aos estudantes do quarto e quinto ano de psicologia intervenções possíveis de serem realizadas pelo psicólogo escolar/educacional na implantação de políticas de acessibilidade neste nível de ensino. A metodologia empregada para este estudo foi análise de documentos escritos e foram selecionados ao todo 17 relatórios para análise. Podemos concluir que os estagiários ao se confrontarem com a concepção de deficiência provocada pelo professor e pelo contexto inserido, se permitiram pensar e refletir a respeito das suas próprias concepções adquiridas ao longo da sua história de vida e a partir dos estudos e discussões no grupo de estágio supervisionado foram instigados a aprender novos modelos de pensamento.

Palavras-chave: Estágio supervisionado no ensino superior; Psicologia; Teoria da Subjetividade.


RESUMEN

Este trabajo presenta las reflexiones basadas en las experiencias que surgieron de las actividades de pasantías supervisadas en un curso de psicología de una universidad pública en el período de 2010 a 2016, cuyo objetivo era proporcionar a los estudiantes en el cuarto y quinto año de psicología las posibles intervenciones que realizaría el psicólogo escolar / educativo en la implementación de políticas de accesibilidad en este nivel de educación. La metodología utilizada para este estudio fue el análisis de documentos escritos y se seleccionaron un total de 17 informes. Podemos concluir que los pasantes, cuando se enfrentan con el concepto de deficiencia provocado por el profesor y el contexto insertado, se permitieron pensar y reflexionar sobre sus propias concepciones adquiridas durante su historia de vida y de los estudios y discusiones en el grupo de las pasantías supervisadas se instigaron para aprender nuevos modelos de pensamiento.

Palabras clave: Prácticas supervisadas en educación superior; Psicologia; Teoría de la subjetividad.


ABSTRACT

This work presents the reflections of experiences that emerged from supervised traineeship activities in a psychology course at a public university in the period from 2010 to 2016, which aimed to provide students of the fourth and fifth year of psychology with possible interventions to be performed by the educational psychologist /school psychologist in the implementation of accessibility policies at this level of education. The methodology used for this study was analysis of written documents and a total of 17 reports were selected for analysis. We can conclude that trainees, when confronted with the concept of deficiency provoked by the teacher and the inserted context, allowed themselves to think and reflect about their own conceptions acquired during their life history and from the studies and discussions in the group of supervised internships were instigated to learn new models of thought.

Keywords: Internship Supervised in higher education; Psychology; Theory of Subjectivity.


 

 

Introdução

Este trabalho apresenta as reflexões construídas sobre experiências que depreenderam das atividades de estágios supervisionados em um curso de psicologia de uma universidade pública. Neste percurso adotamos como referência a teoria da subjetividade na perspectiva histórico-cultural para orientar a organização do trabalho didático da referida atividade, a qual se constituiu como uma proposta de intervenção para os acadêmicos com deficiência matriculados nesta Instituição1.

Nossas reflexões resultaram de dois espaços formativos na educação superior, de um lado o estagiário do curso de psicologia que está em processo de formação e que experimenta intervenções construídas junto com o supervisor e por outro, o acadêmico com deficiência que luta por garantir sua permanência diante das dificuldades que lhe são impostas. Esse encontro foi guiado pela teoria da subjetividade desenvolvida por González Rey (1997, 1999, 2005), a qual nos permitiu sustentação teórica e metodológica na condução deste trabalho.

A subjetividade é um sistema complexo e dialógico, em constante movimento, síntese de múltiplas determinações "[...] e se manifesta na dialética entre o mundo social e o individual. Portanto, o sujeito é ativo, artífice de sua prática, de seus pensamentos e da produção dos sentidos subjetivos" (González Rey, 2003, 2014). Nessa perspectiva "[...] o sujeito representa um momento de contradição e confrontação não somente com o social, mas também com a sua própria constituição subjetiva que representa um momento gerador de suas práticas" (González Rey, 2003, p. 240).

A subjetividade individual é constituída na subjetividade social, sendo que os dois se articulam e se movimentam na teia da vida. A primeira se refere à forma de organização psíquica do sujeito.

A subjetividade individual representa os processos e formas de organização subjetiva dos indivíduos concretos. Nela aparece constituída a história única de cada um dos indivíduos, a qual, dentro de uma cultura, se constitui em suas relações pessoais. Um dos momentos essenciais de subjetividade individual, que constitui o momento vivo da organização histórica da sua subjetividade, e que está implicado de forma constante nos diversos espaços sociais dentro dos quais organiza suas diferentes práticas. (González Rey, 2003, p. 241)

A subjetividade social refere-se aos valores culturais de um determinado povo, a qual se constitui no movimento da subjetividade individual, favorecendo a produção de sentidos subjetivos. Nessa complexa teia os indivíduos desenvolvem a sua consciência (González Rey, 2003, 2005, 2017).

O sentido subjetivo sintetiza a integração de vários elementos, denominado configurações subjetivas – organizações individuais dos sentidos subjetivos. Na versão do autor "[...] estes podem aparecer como momento processual de uma atividade, sem que se organizem nesse momento como configuração subjetiva. [...] o sentido caracteriza o processo da atividade humana em seus diversos campos de ação". Assim, por exemplo, quando um professor chama atenção de um estudante em sala de aula, a reação deste, sempre que implique uma emoção, representará uma expressão de sentido, a qual não se evidencia somente pela ação do professor, mas também pelo que o aluno gera nesse contexto de relação a partir de outros sentidos atuantes, tanto em configurações de sua subjetividade individual, como em diferentes contextos atuais de sua vida social (González Rey, 2005, p.21).

A opção por este referencial justifica-se por ele fornecer flexibilidade na construção da informação, o qual foi realizada por meio do trabalho colaborativo, ou seja, foram ações que suscitaram reflexões durante a elaboração e a execução do projeto. Trata-se de uma prática que propõe atividade conjunta entre os docentes e os estagiários "colaboradores" das atividades que se pretendeu implantar. Desse modo esta participação viabilizou a implantação do serviço de acessibilidade.

A proposta do estágio supervisionado, somada à experiência do professor-pesquisador foi fundamental na produção do conhecimento. Toda atividade intelectual fecunda é uma produção subjetiva que não se restringe à cognição (González Rey, 2014). Uma disciplina teórica ou prática é uma atividade docente que precisa romper com aulas que se reduzem as reproduções de conceitos prontos, portanto, a atividade de estágio supervisionado é um dos principais momentos da vida acadêmica, que as tramas culturais são tessituras subjetivas, fonte de produções de sentidos subjetivos, os quais resultam em produção de conhecimento. Gonzalez Rey (2004) asseverou que:

A produção de conhecimento, por sua vez, é um processo permanente de nossa subjetividade que, de forma contínua, provoca-nos, evocando reflexões e dúvidas constantes, posto que é expressão da configuração subjetiva de nosso cotidiano, cujos desdobramentos caracterizam as permanentes construções intelectuais que geramos sobre esse saber. (González Rey, 2014, p. 15)

Na versão do referido autor a atividade docente, assim como a pesquisa tem como propósito construir informações, sendo essas consideradas "[...] 'sistemas vivos' que precisam ser usados para além das definições das categorias que nos apresentam; elas crescem pelos aportes convergentes com elas e que estendem seu valor heurístico para novas áreas e problemas do saber" (González Rey, 2014, p. 16).

Os estudos sobre os processos de aprendizagem na formação de psicólogos têm sido pesquisados pelos estudiosos desta perspectiva teórica, com destaque para Bisinoto e Marinho-Araújo (2011), Martinez (2009), Barreto (2007), Moura e Facci (2016) e ainda assim, as pesquisas têm sido incipientes, requerendo novos investimentos nesse campo. Já com relação à atuação do psicólogo na educação superior, os estudos ainda são embrionários (Moura & Facci, 2016; Sampaio, 2009).

Este estágio dentro do curso de psicologia é relevante porque apresenta ao acadêmico, novas possibilidades de atuação do psicólogo no contexto geral da psicologia escolar, a qual é desvalorizado durante a formação, como demonstraram Cruces (2005), Cruces e Maluf (2007) e Martins, Matos e Maciel (2009). Outras pesquisas também realizadas com egressos mostraram que os campos da psicologia clínica e organizacional são os que absorveram o maior número de psicólogos formados, sendo, portanto, o campo escolar que teve menor índice de atuação. Estas pesquisas informaram também que há uma tendência em valorizar no currículo disciplinas relacionada à área de saúde, em detrimento da área educacional.

Além disso, nos últimos dez anos, os cursos de psicologia deixaram de oferecer a licenciatura em decorrência da ausência dessa disciplina no ensino médio brasileiro, colocando as possibilidades de atuação do Psicólogo na educação no ostracismo. Desde 2008 há esforços do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e de outras Associações científicas, como Associação Brasileira de Psicologia Escolar/Educacional (ABRAPEE), Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP) para inserção de disciplinas de Psicologia no Ensino Médio.2 O documento base que orienta essa temática faz alerta para a contribuição da Psicologia nesse nível de ensino:

A volta da Psicologia ao Ensino Médio, junto as demais ciências humanas, pode representar uma importante mudança de paradigma de formação dos adolescentes e jovens brasileiros, na perspectiva de superação do ensino tecnicista que marca essa etapa da escolaridade, e de formação humana que mire à autonomia, à criatividade, à diferença compreendida e vivida para além do preconceito, das rotulações, da hostilidade. Marca assim, um espaço significativo e relevante da Psicologia no cenário educativo. (Conselho Federal de Psicologia [CRP], 2008, p.69)

As políticas públicas atuais exigem investimentos na formação de professores que possam atuar na perspectiva da valorização dos métodos ativos de ensino, proporcionando o desenvolvimento de aprendizagens voltadas para a compreensão e criatividade em detrimento da aprendizagem que valoriza a memorização de conteúdo.

De outro modo, para formar psicólogos precisa-se formar seus professores, pois nem todos os docentes consideram-se preparados para atuar com os métodos ativos de ensino, conforme destacou Barreto e Mitjáns Martínez (2007), quando desenvolveram um trabalho de pesquisa na Pós-graduação, baseado na epistemologia qualitativa. Concordamos com as autoras e destacamos a afirmação de Barreto (2009) sobre este assunto:

Um dos caminhos para a efetivação de aprendizagens criativas por parte dos professores perpassa pela consolidação de aprendizagens criativas por parte dos professores, perpassa pela consolidação de estratégias pedagógicas que implicam relações (professor-professor e professor-aluno) que possibilitem captar a motivação, as emoções e os pensamentos, com base na relação dialógica com esses pares. (p. 194)

A aprendizagem é um processo de produção de sentidos (Gonzalez Rey, 2003, 2005) e, portanto, envolvem as emoções, sentimentos, afetos do sujeito que aprende, estando diretamente relacionado com a história individual de cada um. Amaral e Mitjáns Martínez (2009) asseveraram que [...] "O sentido subjetivo do aprender é o resultado complexo das emoções, dos processos simbólicos e dos significados que emergem no próprio curso da aprendizagem." Só assim, o estudante pode implicar-se nas atividades acadêmicas.

Considerando a complexidade das ações pedagógicas Mitjáns Martínez e González Rey (2017) defenderam a necessidade de adotarmos o Sistema Didático Integral, a qual requer a articulação tanto de aspectos subjetivos quanto o aspecto operacional do processo de aprender, pois os estágios supervisionados constituem-se espaços que desafiam os acadêmicos com as situações problema vivenciadas ou não no curso da vida universitária.

 

Método

A epistemologia qualitativa proposta por González Rey (2002, 2005) foi a abordagem escolhida para atingir os objetivos dessa pesquisa, a qual tem como referência o estudo das subjetividades, expressadas nas versões dos relatórios. Esta perspectiva possui como princípios: o caráter construtivo-interpretativo das informações,  a valorização do processo de comunicação e diálogo e a legitimação do singular como fonte de produção do conhecimento científico.

A metodologia empregada para este estudo foi análise de documentos escritos, ou seja, por meio de relatórios que registraram as atividades desenvolvidas durante os estágios supervisionados em psicologia e processos psicossociais I, II, III e IV, os quais tiveram como objetivo geral proporcionar experiências no âmbito das instituições escolares e não escolares.

Selecionamos os relatórios que documentaram as atividades desenvolvidas no âmbito da educação superior, com o intuito de proporcionar aos estudantes do quarto e quinto ano de psicologia experiências possíveis de serem realizadas pelo psicólogo escolar/educacional na implantação de políticas de acessibilidade neste nível de ensino. Para esse fim, vale ressaltar que foi necessário atuar na transformação da subjetividade social da referida instituição.

O Cenário do Estudo

Apresentamos a seguir o lócus do cenário do nosso estudo, identificando-o, inicialmente da forma como ele se apresenta nos documentos oficiais, cuja identidade será mantida em sigilo. Para isso utilizaremos o termo "a Instituição".

A Instituição teve sua origem em 1962, com a criação da Faculdade de Farmácia e Odontologia na capital do Estado. Em 1966 ela reformulou a sua estrutura e criou o curso de Medicina. A seguir, cursos na área de ciências humanas foram sendo criados pelo interior do Estado. Atualmente, ela possui mais de dez campi   e a cidade universitária, contando com cursos de graduação e pós-graduação, sendo alguns na modalidade à distância. Os cursos de pós-graduação englobam os cursos de especialização e os programas de mestrado e doutorado. O seu principal objetivo é contribuir com a formação de profissionais comprometidos com o progresso do Estado, por meio do Ensino, da Pesquisa e da Extensão nas diversas áreas do conhecimento.

O curso de psicologia, a qual estamos vinculados, localiza-se na cidade  universitária, funciona em período integral e contava no período em que os estágios foram realizados, com 230 acadêmicos regularmente matriculados e com um corpo docente efetivo de 11 professores da área e cinco de outras áreas do conhecimento, lotados em outros cursos.3 Os objetivos de cada estágio variaram de acordo com o ano, exigindo do acadêmico, níveis diferenciados de envolvimento: observação, participação e proposições de atividades individuais ou em grupo. A carga horária mínima dos estágios I e II era de 68h e dos estágios III e IV era de 85h.

As propostas desses estágios consistiam na criação de um ambiente propício para aliar estudos, pesquisas e ensaios de práticas profissionais que favoreciam espaços criativos visando mudanças da cultura institucional no que se refere à inclusão e permanência de acadêmicos de deficiência na educação superior. Dentre as ações, destaca-se a colaboração dos estagiários na implantação do Laboratório de Educação Especial que ocorreu no período de 2010 a 2013.

Vale registrar que o Ministério da Educação criou programas de inclusão na educação superior com destaque para a implantação dos Núcleos de Acessibilidade. Para isso destinou verbas considerando o quantitativo total de matrículas por IES. Na instituição a qual essa pesquisa foi executada, em 2013 foram institucionalizadas as ações de acessibilidade por meio da criação de um setor específico, em uma Pró-reitora destinada a tratar de assuntos estudantis.

Durante o estágio cada acadêmico deveria produzir seu relatório, apresentando os registros de sua experiência nos estágios. Realizamos um levantamento dos relatórios produzidos no período de 2010 a 2016, e, constatamos que no ano de 2013 possuíamos relatórios dos quatros estágios que orientamos. Observamos também a presença de maior número de estagiários supervisionados por nós (sujeito participante). Assim foram selecionados 17 relatórios, sendo três (03) do estágio I, três (03) relatórios do estágio II, cinco (05) relatórios do estágio III e seis (06) relatórios do estágio IV. Os relatórios serão referenciados no texto com as siglas R1- R2 – R3 – R4 e assim sucessivamente até o R17.

Análise dos dados

Após a leitura dos relatórios identificamos os seguintes aspectos: a carga horária efetivada, as ações desenvolvidas, nos aspectos teórico-metodológicos e as contribuições do estágio para a formação do acadêmico. A construção da informação foi realizada num contínuo processo de interpretação a qual nos permitiu a elaboração de indicadores, que resultaram na formulação de hipóteses, organizadas em dois eixos temáticos. No primeiro eixo, caracterizamos os relatórios dos estágios e no segundo eixo referenciamos as contribuições do estágio na mudança de representação sobre a deficiência para os acadêmicos.

A análise do conteúdo dos relatórios permitiu resgatar os sujeitos/acadêmicos, pois eles sintetizam as diferentes formas de expressão dos sentidos subjetivos produzidos por eles mediante as diferentes experiências que os estágios proporcionaram. Portanto, na perspectiva adotada, ser sujeito é uma condição a qual o indivíduo expressa ou não diante de uma determinada situação, conforme afirmaram González Rey e Mitjáns Martínez (2017, p. 58) "[...] O sujeito é aquele indivíduo ou grupo que é capaz de gerar um caminho alternativo de subjetivação dentro do espaço alternativo institucional em que atua".

 

Resultados

Caracterização da produção: O campo de estágio como espaço de formação

O campo de estágio foi terreno fértil para criação de propostas de atuação do psicólogo escolar/educacional para construção de atendimentos educacionais especiais ao acadêmico que apresenta deficiência na educação superior. Ressaltamos que até 2013 o trabalho destinado a esse público era executado por programas de extensões específicos, elaborados por iniciativa da docente responsável por estes estágios (Anache, Rovetto, & Alves, 2014).

O estágio I era basicamente dedicado a estudos sobre os conceitos básicos que envolvem a educação especial, legislações, diretrizes e literatura específica da área da psicologia escolar/educacional. Já nos estágios II, III e IV os acadêmicos aprofundaram os temas relacionados à atuação do psicólogo no âmbito da educação superior. Em ambos os estágios, foram utilizadas diferentes metodologias nas supervisões, possibilitando os estudos por meio de seminário, discussões teóricas de textos, estudo de casos e de situações problemas.

As referências principais estudadas foram os trabalhos de González Rey (1997, 1999, 2002, 2003, 2005) e Martínez (2009) que enfocaram a teoria subjetividade na educação superior e pesquisas de autores que abordaram o tema educação especial nesse nível de ensino, com destaque para Maciel (2009).

As supervisões ocorreram uma vez por semana com carga horária de 2 horas/aula por grupo. Havia momentos individuais e reuniões gerais. O espaço de atuação era o Laboratório de Educação Especial, localizado no centro da cidade universitária, para permitir o acesso aos acadêmicos com mobilidade reduzida ou cadeirantes.

A docente era adepta dos métodos ativos de ensino, portanto o seu principal objetivo era estabelecer com seus estagiários vínculos e esses com os seus pares, por meio do diálogo, e das provocações suscitadas pelas situações problemas. A técnica de conversação foi o principal recurso utilizado pela supervisora de estágio durante o período.

[...] representa uma aproximação do outro em sua condição de sujeito, e persegue sua expressão livre e aberta. Nas conversações devemos partir do mais geral ao mais íntimo, aproveitando os momentos em que a própria conversação vai entrando nessas experiências. A conversação é um sistema que nos informa as características e o estado do que nele estão envolvidos, e esta informação nos indica os limites dos quais nos moveremos. (González Rey, 2005, p.49)

As atividades eram desenvolvidas em grupos envolvendo alunos mais experientes com iniciantes. Desta forma, as ações descritas nos relatórios foram desenvolvidas no cenário colaborativo, onde foi possível estabelecer relações afetivas no transcurso de cada projeto, permitindo para cada acadêmico identificação com o plano de estágio. Sendo assim, no Estágio Supervisionado em Psicologia e Processos Psicossociais I foram realizadas ações tais como: Levantamento das necessidades educacionais do acadêmico com deficiência; Elaboração de Panfletos e; Atividades relacionadas a melhoria do conteúdo de informação para divulgação das atividades desenvolvidas no programa de acessibilidade conforme ilustrado na tabela 1

 

 

No Estágio Supervisionado em Psicologia e Processos Psicossociais II, passado a fase de início do acadêmico em campo, podemos verificar através dos relatórios a continuidade das seguintes ações descritas no estágio I. Por isso, as atividades como elaboração de panfletos e atividades relacionadas a melhoria do conteúdo de informação para divulgação das atividades desenvolvidas no programa de acessibilidade: Criação de Blog e página no facebook continuaram presentes para que as ações iniciadas no estágio anterior tivessem maior alcance.

No Estágio Supervisionado em Psicologia e Processos Psicossociais III, nota-se uma carga horária mínima e exigência maior perante os acadêmicos. Tal observação demonstra que os acadêmicos tiveram a oportunidade de realizar variadas ações e executaram projetos que contribuíram fortemente para a expansão e maior desenvolvimento das ações realizadas pelo Programa de Acessibilidade da Universidade conforme podemos verificar na tabela 3 a seguir:

 

 

 

 

Por fim, no estágio IV também com carga horária mínima de 85 horas, as ações realizadas pelos acadêmicos continuaram variadas a fim de garantir a continuidade das mesmas e possibilitar a efetividade e adesão da comunidade acadêmica as ações realizadas pelo Programa de Acessibilidade, dando consequentemente maior visibilidade ao mesmo conforme podemos verificar na tabela 4. Nesse momento, vale ressaltar que foi percebido a partir de alguns relatórios, uma postura diferente por parte dos acadêmicos demonstrando a maturidade adquirida com os estágios, a partir de análises críticas construtivas perante o contexto inseridos e ideias inovadoras voltadas principalmente para a mudança da subjetividade social.

 

 

A análise de conteúdo dos relatórios possibilitou ainda identificar dois grupos de trabalhos distintos: aqueles que descreveram as atividades desenvolvidas  e aqueles que além da descrição aprofundaram suas reflexões apresentando as contribuições do estágio para a sua formação. Sobre isso, ressaltamos que os relatórios representaram a síntese das reflexões construídas pelos acadêmicos sobre a sua experiência. Dentre as ações destacadas foi a participação na elaboração do programa de extensão, denominado "UFMS Acessível: Apoio Educacional aos alunos com necessidades educacionais especiais" que propunha divulgar e sensibilizar os diversos setores da Instituição para a necessidade de se criar um espaço na cidade universitária que pudesse oferecer o atendimento educacional especializado.

A construção de um serviço requer investimentos, para a sua instalação. Os estagiários puderam participar da construção do espaço para os atendimentos, da elaboração de documentos, como normas para os atendimentos; instrumentos de triagem e avaliação de necessidades educacionais especiais e; Plano educacional para cada acadêmico que viesse procurar o serviço. Outras ações foram realizadas para promover condições de permanência de acadêmicos com deficiências nos cursos de graduação da Educação Superior, como técnicas de acolhimento, sessões de cinema sobre temas relacionados, visitas técnicas às unidades setoriais da Instituição.

Esta experiência nos ofereceu condições de apreender os interesses, os sentimentos e os pensamentos dos estagiários sobre o tema em referência, criando condições para transformar os conceitos espontâneos e científicos (Vygotsky, 1989). Dentre as discussões propostas, podemos ressaltar a dos significados do conceito de deficiência ao longo da história.

Contribuições do Estágio: Mudança de Representação sobre a Deficiência

A representação refere-se ao conjunto de referências, significados atribuídos às pessoas com deficiência, ou seja, são ideias cristalizadas que constituem a cultura de uma sociedade. Assim, todos esses aspectos integram a subjetividade social da instituição as quais depreenderam dos diferentes elementos de sentido que derivam de outros campos da subjetividade social (gênero, familiares, socioeconômico, etc.), [...] "que se inscrevem na configuração única da produção subjetiva atual da instituição, articulada às interações desenvolvidas por seus integrantes." (Santos & Martínez, 2016).

O estágio proposto desestabilizou os acadêmicos, fazendo-os refletir sobre os conceitos a respeito da deficiência. Embora eles já tivessem tido aulas teóricas sobre o tema, foi necessário investimento por parte da Supervisora para que eles aprofundassem os conteúdos a respeito desse assunto. O sentimento de indignação ficou patente mediante a comparação com história de vida de cada um. Nesse sentido, esta proposta de estágio representou o esforço coletivo para mudança dessa concepção de ensino.

O que ficou claro também foi notar as diferenças entre teoria e prática, como no curso de psicologia trabalhamos com seres humanos a prática tem alguns padrões da teoria, mas cada experiência é única, peculiar, assim como são os indivíduos, cada um com seu histórico particular. Assim, ficou a certeza de compreender as diferenças e particularidades que aparecerão no decorrer da vida profissional do psicólogo. (R8 - estágio III).

Os estagiários perceberam que para mudar a realidade da instituição era necessário começar pelas suas próprias convicções a respeito da condição da pessoa com deficiência. Destaca-se a situação de incapacidade que eles atribuíam à elas, e, consequentemente era necessário romper com a visão paternalista e assistencialista que configuram a realidade social, assumindo a postura de "guardião dos direitos humanos".

[...] os 'guardiões' dos direitos humanos não estão mais e tão somente nos aparatos públicos e sim em cada um de nós: pessoas, cidadãos, SUJEITOS SOCIAIS. E para que cada um de nós possa ter experiência de "guardião" dos direitos humanos faz-se imprescindível que tenhamos uma disposição psíquica permanente de abertura aos nossos próprios preconceitos. Assim, poderemos parar de repetir e repetir acriticamente, que "a sociedade é preconceituosa com relação aos diferentes / deficientes e trocar esse discurso por uma constante indagação: como posso trabalhar com os meus preconceitos, e eventualmente me libertar deles? (Amaral,1995, p.191)

Observamos no relatório 9 do estágio III a afirmação que ilustra essa citação: "[...] falar de preconceito é algo delicado mexe com questões que as pessoas buscam esconder de si mesmas e dos outros, por isso, muitas vezes ao falar sobre isso, podemos ser vítimas de grosserias e de portas fechadas". Imbuídos dessa compreensão, foi possível construir ações propositivas junto à gestão da Instituição, sobretudo quando se propunha realizar os atendimentos educacionais especializados para além da visão patologizante, ou seja, esses atendimentos romperam os muros do gabinete, conforme registra o R13 do estágio IV:

[...] ainda não tinha tido contato direto com as práticas sobre deficiência, e percebi a riqueza de conhecimento que esse campo da psicologia possui. Aprendi também com a postura da orientadora que se preocupa com os alunos e possui um cuidado e olhar ao outro que sensibiliza. Na área acadêmica e até mesmo em outras áreas da psicologia, se percebe como os profissionais estão mecanizados e às vezes se esquecem do próximo. [...] aprendi também a importância de agir e não esperar que as coisas aconteçam.

A universidade foi reconhecida como vanguarda na construção do atendimento educacional especializado na perspectiva de impulsionar a criação de ações junto às coordenações de curso e gestores para a disponibilizarem ambientes acessíveis ao acadêmico com deficiência garantindo com isso a sua permanência na instituição. Essa forma de organização do Laboratório de Educação Especial era motivo de orgulho e satisfação para os estagiários, motivando-os a repensar o papel do psicólogo na educação superior. Assim, as possibilidades de mudança da concepção da deficiência foram propulsoras das ações construídas no processo de implantação do setor de acessibilidade conforme explicita a autora do R10 do estágio III:

[...] após as leituras, as supervisões e a prática  foi possível perceber como a discriminação está presente na vida das pessoas com deficiência. Começar esse trabalho de conscientização na instituição é essencial para início da melhoria da acessibilidade e do rompimento das barreiras atitudinais na universidade.

Por barreiras atitudinais entende-se que são expressões de comportamento conscientes ou não que se manifestam de várias maneiras, dentre elas o uso  de rótulos, adjetivos, negação, substantivação, dentre outros sentimentos como medo, repulsa, enaltecimento, piedade etc. (Lima & Silva, 2008). O trabalho do psicólogo escolar/educacional dentro das universidades é um tema pouco explorado no âmbito acadêmico. O lócus de atuação desse profissional fica restrito nas pró-reitorias de assuntos estudantis, nas pró-reitorias de gestão de pessoas desenvolvendo trabalhos de mais próximos do que Martínez (2010) afirmou como sendo práticas tradicionais da psicologia escolar/educacional, ou seja, avaliação e diagnóstico, orientação ao acadêmico, psicoterapias breves, orientação sexual, orientação aos pais entre outras. Essas atividades, nem sempre são aquelas que os psicólogos gostariam de trabalhar, mas são aquelas mais esperadas por parte da Instituição. Somam-se a isso, a grandiosidade da cidade universitária e o pequeno número de psicólogos contratados. Na época a Cidade Universitária contava com apenas quatro profissionais. Dentre as ações desenvolvidas pelos estagiários observou-se que havia esforços, tanto por parte do supervisor quanto deles para encaminhar as práticas consideradas Emergentes da psicologia escolar/educacional, conforme apresenta (Martínez, 2010, p.47): "Diagnóstico, análise e intervenção em nível institucional, especialmente no que diz respeito à subjetividade social da escola, visando delinear estratégias de trabalho favorecedoras das mudanças necessárias para a otimização do processo educativo[...]". Isso exigirá a ampliação das ações dos psicólogos nos projetos coletivos da instituição, na perspectiva de diminuir a burocracia e os entraves da gestão para receber acadêmicos com deficiências, conforme R3 do estágio I e o R11 do estágio III descreveram.

"[...] a psicologia pode e deve contribuir com as discussões e intervenções a cerca dessa temática, haja vista que esta possui instrumentos para compreender fenômenos que envolvem estigmas, preconceitos, discriminações, além de buscar compreender o sofrimento do outro e procurar auxiliá-lo nisso (Amaral, 1995)." (R3 - estágio I)

O projeto desenvolvido também foi de grande proveito, pois nos mostrou as dificuldades da nossa instituição e de como podemos mudar a realidade que estamos inseridos de uma forma aliada às teorias aprendidas ao longo das disciplinas [...] (R11 - estágio III).

Destacamos a participação dos acadêmicos no diagnóstico institucional sobre as condições de acessibilidade da cidade universitária para iniciar a construção da rota acessível, atividade desenvolvida junto com os acadêmicos do curso de Arquitetura. Eles aprenderam que acessibilidade não só requer o rompimento de barreiras arquitetônicas dos espaços internos e externos da Instituição, exige mudança de postura dos profissionais, dentre eles o Psicólogo. Aprendemos com Tuan (2012, p. 79) que o desenho arquitetônico expressa a cultura do ambiente, e ainda "[...] a topofilia assume muitas formas e varia muito em amplitude emocional e intensidade". Diga-se de passagem que, esse autor tem sido estudado nos cursos de formação de Arquitetos, tornando-se uma das referências para os estagiários, permitindo o estreitamento do diálogo entre os estudantes e professores de ambos os cursos, exigindo dos nossos estagiários posicionamentos sobre estudos a respeito da percepção ambiental, e, com isso ampliando a possibilidade de atuação do psicólogo para além das áreas tradicionais da psicologia. Concluiu-se que os conhecimentos psicológicos estão disseminados em lugares em que a presença do psicólogo é ainda tímida e, além disso, que os conhecimentos psicológicos estão disseminados onde não há presença física dos psicólogos.

Os estagiários dos dois cursos realizaram entrevistas com estudantes com deficiências e sem deficiências, observando as suas dificuldades ao acesso e movimentação na cidade universitária, causando-lhes desconforto e constrangimentos e outros entrevistados declararam apresentar sentimento de medo da instituição, por ela ser inacessível, tanto pelo desenho arquitetônico, como pelo seu desenho curricular. A percepção da paisagem do lugar nos remete às nossas memórias afetivas, tanto para experiências positivas, quanto para as negativas. Sobre isso, Alves e Deus (2014, p.78) com base em Tuan (1983), afirmaram:

Conceber, assim, a importância da paisagem é remeter-se ao significado do lugar, sendo que as paisagens proporcionam ao homem a sensação de sentir-se parte integrante de um ambiente que vivenciou de diversas formas e maneiras, e aonde aprendeu com todos os sentidos, densidades e experiências de vida.

Consideramos a história de sofrimento de estudantes com deficiências diante das dificuldades de acesso e permanência em qualquer nível de ensino, e, sobretudo na Educação Superior, é de se esperar que a organização da Universidade possa despertar medo e insegurança diante de sua imensidão e complexidade. A política de acesso aos cursos da educação superior  é recente, pois foram poucos os estudantes que conseguiam se graduar nesse nível de ensino graças aos investimentos de seus familiares. Essas discussões foram debatidas nas supervisões.

As informações construídas nesta etapa de trabalho permitiram alocar os recursos financeiros para os lugares mais críticos. Destacaram-se o acesso à cidade universitária às unidades e dessas à biblioteca central. Essa atividade exigiu articulação entre os diversos setores da universidade, e, sobretudo a mediação dos conflitos para planejamento de ações que pudessem atender às necessidades mais urgentes para se iniciar obras, como rampas, adaptação de banheiros, salas de aulas, entre outros. Estes aspectos foram os mais destacados nos relatórios analisados, demonstrando a necessidade de criarmos a cultura da inserção do psicólogo escolar nas diversas equipes que compõe a gestão da universidade.

[...] o psicólogo pode mediar o processo de acesso e permanência de alunos com necessidades educacionais especiais na instituição de ensino superior. Sendo esta tão contraditória que por um lado acata as leis que regula os processos de inclusão no ensino superior e por outro não fornece estrutura física materiais e humanas capacitadas para tender este aluno (R7 - estágio III).

Nesse percurso os acadêmicos vivenciaram momentos em que as situações de preconceitos velado ou explícito com relação às pessoas com deficiência só pode ser enfrentado no trabalho colaborativo, envolvendo vários setores da Universidade. Sendo assim, foi identificada a necessidade da realização de projetos integrados a outras áreas.

O diagnóstico realizado em conjunto com o curso de arquitetura proporcionou a visão ampla de como o campus [...] está fora das normas de acessibilidade e como é possível adaptar e garantir o acesso, mesmo que ainda seja de uma forma a remediar, e não prever como é o correto. Além de despertar profundo interesse por parte da estagiária nesse campo de discussão interdisciplinar: a acessibilidade (R17 - estágio IV).

É necessário o trabalho conjunto para que o preconceito seja trabalhado tornando possível a experiência que transforma o desconhecido em conhecido e consequentemente aceito e respeitado, não por se adaptar ao padrão social, mas pela premissa de que todos somos diferentes e estamos sujeitos a qualquer momento de nossas vidas necessitar de um atendimento educacional diferenciado (R1 - estágio I).

O psicólogo tem muito a colaborar para que o processo educacional de todos os estudantes e inclusive daqueles com deficiência - pessoas que apresentam impedimentos físicos, sensoriais e intelectuais que os colocam em situações de incapacidade, seja exitoso em todos os níveis de ensino, incluindo a Educação Superior. Em tempo, a incapacidade é um termo genérico relacionado às limitações que o sujeito experimenta na sua interação com o ambiente. Sendo assim um ambiente restritivo e inacessível agrava a situação de dependência das pessoas com deficiência. Nesse sentido a acessibilidade é entendida como a:

Condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida. (Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004, Art. 8º, Inciso I).

Um dos estagiários explicita em seu relatório sobre a necessidade de planejamento na perspectiva do desenho universal, para que a universidade se torne mais acolhedora para todos. Nesse sentido, o psicólogo poderia investir na propositura do Planejamento institucional. O Registro de R7 do estágio III ilustrou essa afirmação:

Garantir a acessibilidade a todos não é uma tarefa fácil e abrange muito mais do que apenas discussões sobre modificações arquitetônicas e de mobiliário embora em um senso comum a discussão gira em torno dessa temática específica. Acessibilidade diz respeito também à facilitação ao acesso e uso de serviços e informações, que incluem a dimensão pedagógica e atendimento ao público.

Quais práticas seriam as mais indicadas para a Educação Superior, considerando a valorização dos ideais mercadológicos e massificadores? Conforme afirma Chauí (2003) e Moura e Facci (2016) há necessidade de avançar na construção da cultura do sucesso acadêmico, considerando a ampliação da oferta de vagas neste nível de ensino. Há que se considerar também a aprovação da Lei nº 12.711/2012, sancionada em agosto deste ano, garantindo a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 universidades federais.

Os estagiários puderam vivenciar o processo de implantação desta Lei na Universidade e quanto foi necessário promover os debates sobre a reserva de vagas e como ela se consolidou no Brasil. Nesse processo ficou evidenciada a necessidade do psicólogo escolar na mudança da subjetividade social da Instituição de Educação Superior.

 

Considerações Finais

Ao final deste artigo, podemos concluir que o estágio supervisionado de psicologia no ensino superior representa um momento privilegiado para estimular a reflexão do aluno, desenvolvendo seus interesses e envolvendo sua subjetividade com o que estuda. Se não há implicação do acadêmico e do professor não há o processo de ensino-aprendizagem, resultando por parte dos acadêmicos na reprodução de práticas e conceitos sem sentido e fragmentados.

Sob o ponto de vista da teoria da subjetividade, a formação pessoal do futuro profissional se constitui um elemento fundamental da formação e uma psicologia que assume teorias como verdades, sem reflexão e sem questionamento, não consegue formar profissionais críticos e criativos. A falta de discussão teórica e epistemológica na história da psicologia, perpetuada até hoje, faz do ensino uma atividade essencialmente reprodutivo-instrumental.

A proposta da realização de um estágio supervisionado de psicologia tendo como base a teoria subjetividade, numa perspectiva cultural histórica, atribui um lugar importante à pessoa como sujeito na própria produção da subjetividade social. A subjetividade individual e a social não formam uma relação de domínio ou determinação de uma sobre a outra, mas um relacionamento dialético e recursivo no qual os atos ou processos em cada um desses níveis podem levar a produções subjetivas no outro. A ação individual acontece num tecido social. As normas, valores, representações sociais dominantes num espaço social se configuram de forma singular nos indivíduos que se relacionam nesse espaço. Por outro lado, os questionamentos, ações e comportamentos de indivíduos concretos dentro desses espaços podem se transformar em novos processos de subjetivação que modificam a subjetividade social dominante.

Os estagiários estudados na referida pesquisa, ao se confrontarem com a concepção de deficiência provocada pelo professor e pelo contexto, se permitiram pensar e refletir a respeito das suas próprias concepções adquiridas ao longo da sua história de vida e a partir dos estudos no grupo de estágio supervisionado foram instigados a aprender novos modelos de pensamento e a partir disso produzir novos espaços de inteligibilidade sobre os problemas com relação a temática da inserção de pessoas com deficiência no ensino superior e da prática profissional do psicólogo escolar nesse contexto para se tornarem sujeitos de sua atividade profissional.

Tal movimento pode ser confirmado ao se verificar nos relatórios o tempo superior em relação ao requerido obrigatoriamente pela instituição, de dedicação aos estágios, nos relatos descritos quanto aos aprendizados tanto no âmbito acadêmico como no âmbito pessoal, na continuidade da maioria dos acadêmicos nos estágios posteriores com a mesma professora, no mesmo projeto, sendo que a cada período de estágio, foi verificado maior domínio de conceitos e mais aprofundadas eram as reflexões críticas realizadas pelos acadêmicos gerando novos questionamentos e buscas por respostas, concomitante ao tempo em que as atuações eram ampliadas, dando à experiência dos estágios um caráter verdadeiramente formativo.

O pensamento não aparece como processo motivado pelo seu caráter lógico-formal; o pensamento reflexivo e questionador aparece subjetivamente configurado dentro da ação atual da pessoa. A emergência desse pensamento é uma condição subjetiva da emergência do sujeito no processo de aprender. A subjetividade definida em nosso trabalho expressa uma qualidade humana inseparável da condição cultural do homem e do próprio desenvolvimento da cultura. As operações associadas a uma exigência externa podem ser cognitivamente adequadas, mas, sem emoções e sem envolvimento pessoal – condição necessária para os sentidos subjetivos nessa atividade concreta –, essas operações não geram as emoções e a energia necessárias à ação criativa.

Por fim, vale ressaltar que a partir da ótica da teoria da subjetividade o mais importante, para um professor é facilitar a reflexão e a discussão dos temas apresentados e, pela emergência das emoções dos alunos nesse processo, facilitar o aprofundamento em leituras sobre o tema e ajudar a resolver questões com base em reflexão sobre o conhecimento adquirido. O professor não pode evitar seus posicionamentos, os quais devem representar desafios à reflexão dos alunos e facilitar a compreensão dos conceitos da disciplina, mas ele deve expressá-los de forma mais conversacional e provocadora do que expositiva. A discussão com colegas é sempre um recurso de enriquecimento para qualquer profissional, por isso os momentos de supervisão de estágio em grupo são essenciais para estimular discussões, ideias, reflexões colaborando para que essa experiência se constitua de caráter formativo.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Cidade Universitária
Av. Costa e Silva - Pioneiros
Campo Grande-MS, Brasil
CEP: 79070-900

Recebido em: 05/2019
Reformulado em: 06/2019
Aceito em: 07/2019

 

 

1 O nome da Instituição e dos autores dos relatórios de estágio será mantido em sigilo.
2 Sobre isso, consultar informações disponíveis no site do Conselho Federal de Psicologia, disponível: http://site.cfp.org.br/crps-intensificam-luta-pela-incluso-da-psicologia-no-ensino-mdio/
3 Esses números são estimados, porque variam de ano para ano.
Sobre as autoras:
Alexandra Ayach Anache, Doutora em psicologia. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Faculdade de Ciências Humanas. Av. Costa e Silva, s/nº, Bairro Universitário, 79070-900, Campo Grande. MS, Brasil. Campo Grande, MS, Brasil. Correspondência: (67) 99984-1504.
E-mail: alexandra.anache@gmail.com
Lara Nassar Scalise, Doutora em Educação, Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Av. Costa e Silva, s/nº, Bairro Universitário, 79070-900, Campo Grande. MS, Brasil. Correspondência: (67) 99860-1400.
E-mail: larascalise@hotmail.com.
Sylvianara Aparecida da Costa Escobar, Mestre em Psicologia pela UFMS e Especialista em Cuidados Continuados Integrados e Gestão em Saúde pela UFMS. Correspondência: Rua Piratininga, n. 1649, Bairro Santa Fé, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, CEP 79021-210, (67) 98130-3546.
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