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Psicologia para América Latina

versión On-line ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  no.33 México jul. 2020

 

Brasileiro é assim: fatalismo associado à identidade sobre ser brasileiro

 

Brazilian is so: Fatalism associated with identity about being brazilian

 

El brasileño es así: El fatalismo asociado con la identidad sobre ser brasileño

 

 

Mateus Rodrigues de OliveiraI; Adriano SchlösserI

IUniversidade do Oeste de Santa Catarina, Videira, Brasil

Contato com os autores

 

 


RESUMO

O interesse da escolha desse tema no contexto brasileiro diz a respeito às generalizações e às implicações que os comportamentos e atitudes fatalistas podem causar. Esta pesquisa busca identificar os conteúdos fatalistas no discurso sobre a identidade do ser brasileiro. De abordagem qualitativa, participaram 16 indivíduos, com idades entre 18 a 30 anos, divididos igualmente por sexo. Foram realizadas entrevistas individuais semidirigidas, em local e horário pré-agendado. As entrevistas foram transcritas, sendo posteriormente realizada análise temático-categorial, por meio da técnica de análise de conteúdo de Bardin, dando origem a 3 categorias: identidade, comportamento do brasileiro e ideologias regionais. Os resultados encontrados manifestam múltiplas facetas de comportamentos fatalistas, os quais estão expressos nos discurso do ser brasileiro, e de tal forma internalizados que não são refletivos sobre sua construção social. Dada à importância do assunto, torna-se necessário o desenvolvimento de outras formas de identificar manifestações do fatalismo, bem como em outros contextos e grupos específicos.

Palavras-chave: Psicologia da libertação, Psicologia social, Práxis psicossocial


ABSTRACT

The interest of choosing this theme in the Brazilian context concerns the generalizations and the implications that fatalistic behaviors and attitudes can cause. This research seeks to identify the fatalistic contents in the discourse about the identity of the Brazilian being. From a qualitative approach, 16 individuals participated, aged 18 to 30 years, divided equally by gender. Semidirective individual interviews were conducted at a pre-scheduled time and place. The interviews were transcribed and then categorical thematic analysis was performed using the Bardin content analysis technique, creating 3 categories: identity, brazilian behavior and regional ideologies. The results found manifest multiple facets of fatalistic behaviors, which are expressed in the discourse of the Brazilian being, and so internalized that they are not reflective about their social construction. Given the importance of the subject, it is necessary to develop other ways of identifying manifestations of fatalism, as well as in other specific contexts and groups.

Keywords: Liberation of psychology, Social pychology, Psychosocial praxis


RESUMEN

El interés de elegir este tema en el contexto brasileño se refiere a las generalizaciones e implicaciones que pueden causar los comportamientos y actitudes fatalistas. Esta investigación busca identificar los contenidos fatalistas en el discurso sobre la identidade del ser brasileño. Desde un enfoque cualitativo, participaron 16 individuos, de 18 a 30 años, divididos en partes iguales por género. Como instrumento de recopilación de datos, se realizaron entrevistas semidireccionales individuales a una hora y lugar preprogramados. Las entrevistas se transcribieron y lafrecuencia de las unidades de registro se analizó utilizando la técnica de análisis de contenido de Bardin, creando 3 categorías: identidad, comportamiento brasileño y ideologías regionales. Los resultados encontrados manifiestan múltiples facetas de los comportamientos fatalistas, que se expresan en el discurso del ser brasileño, y se internalizan de manera tal que no reflejan su construcción social. Dada la importância del tema, es necessario desarrollar otras formas de identificar manifestaciones de fatalismo, así como en otros contextos y grupos específicos.

Palabras clave: Psicología de la liberación, Psicología social, Praxis psicosocial


 

 

Introdução

"Isso é coisa de brasileiro mesmo"; "brasileiro é assim, não tem o que fazer". A identidade social pode ser vista como o sentimento de um indivíduo enquadrar-se a um determinado grupo social. Sendo assim, não reflete apenas o sujeito isolado, mas uma definição social que o situa no conjunto social. Mais do que características próprias, a identidade é um recurso para a compreensão da interação do homem consigo mesmo e com o mundo. Pelo processo da identidade, o ser humano, dialeticamente, aproxima-se e distancia-se do outro, assemelha-se e se diferencia, mostrando nesses movimentos os desafios implicados na compreensão de sua existência e sua condição de ser social (Berlatto, 2009; Malvezzi, 2017).

No contexto brasileiro, a identidade nacionalista por muitas vezes é associada a características que denotam conteúdos de natureza inata, ou o que se pode considerar por natureza psicologizante, sugerindo que uma dimensão filogenética perpassasse os comportamentos individuais de cada sujeito. Nestes modelos,  o famoso "jeitinho brasileiro" poderia ser uma das expressões mais contemporâneas do que Martin-Baró (1942-1986) associaria ao fatalismo. Este "jeitinho" trata-se de uma prática que estabelece implicitamente uma interpretação do comportamento desta população que contribui para preservar e exacerbar hierarquias sociais, bem como promover disposições psicológicas e psicossociais (Prado & Walchelke, 2017). Neste contexto, seria uma prática associada que implica a utilização de estratégias pautadas em relacionamentos, simpatia, redes de conhecidos e criatividade para obter vantagens pessoais.

Segundo Martín-Baró (1998) o comportamento fatalista é uma característica do povo latino-americano, sem relação com o funcionamento das estruturas políticas, econômicas e sociais. Essas teses atribuem às camadas marginalizadas a responsabilidade por sua própria exclusão, isso quando adotam condutas passivas e submissas (Ansara & Dantas, 2010). A doutrina fatalista ganha existência nas configurações dos esquemas ideológicos, quando os oprimidos se responsabilizam pelo seu destino, faz o seu futuro ser fixado com antecedência.

Para Martín-Baró (1996; 2009) a realidade latino-americana se apresenta como extremamente desigual, na qual a maioria da população está privada de meios dignos de sobrevivência e apresenta-se aparentemente pouco motivada a modificar o quadro em que se encontra. O fatalismo, por sua vez, seria decorrente das relações de dominação e violência sustentadas por minorias mais favorecidas, seja economicamente ou politicamente, por regimes políticos autoritários (Meneses, Holanda, Ximenes, & Santos, 2016).

Conceitualmente, o fatalismo é um esquema ideológico que tem origem nas estruturas sociopolíticas e tem a reprodução da dominação social e a manutenção da ordem estabelecida sendo um valioso instrumento ideológico que favorece as classes dominantes, visto que induz à aceitação da realidade social, gera comportamentos dóceis e estimula a resignação diante das exigências da vida (Ansara & Dantas, 2010). De modo elucidativo, um indivíduo que nasce em uma condição de pobreza aprende diariamente qual é o seu lugar na sociedade, e que seus esforços jamais vão trazer resultados positivos. Essa opressão estrutural pode ser construída por meio da educação proveniente de contextos como: casa, escola, igreja ou trabalho, por exemplo.

Para Martín-Baró (1977) o fatalismo é caracterizado por três traços psicológicos: a estrutura do pensamento mágico-infantil (profundamente centrada na individualidade dos fenômenos); a consciência estética, não histórica (pensamento centrado na realidade do presente); e comportamento conformista (atitudes conformistas, como insegurança, receptividade, passividade reativa e dependência existencial), considerando, neste primeiro momento, o comportamento conformista como um elemento que integra o fenômeno do fatalismo. Em 1987, Martín-Baró afasta a característica do termo fatalismo de uma leitura psicológica, afirmando a partir de então que os traços fatalistas estão ligados as circunstâncias políticas, econômicas e culturais de cada sistema social (Pereira, 2013). A partir daqui o enfoque psicológico é posto de lado, e o fatalismo torna-se analisado enquanto construção social.

Para Guzzo e Lacerda (2007), o fatalismo paralisa o homem frente à sua história e rejeita a capacidade de pensar, como de escolher, de decidir e sonhar. Diante da impossibilidade de se fazer qualquer coisa pelo poder determinante sobre suas vidas, o sujeito perde o significado de luta e efetivação de seus sonhos, sentindo-se que seu destino já foi traçado e impossibilitado de agir sobre ele.

Ademais, o fatalismo pode se manifestar como ideias, sentimentos e comportamentos. Ideias envolvendo destino e predefinição da vida, determinação da realidade por conteúdos religiosos são exemplos do comportamento fatalista, gerando assim sentimentos de resignação ao próprio destino e aceitação do sofrimento. Por fim, uma das modalidades de comportamentos que pode se manifestar é a conformação e submissão; tendência a não fazer nada, passividade; e sem memórias do passado e nem planejamento para o futuro (Guzzo & Lacerda, 2007).

Contemporaneamente, uma leitura alternativa do fatalismo na sociedade contemporânea pode ser caracterizada por incertezas e indefinições diante dos acontecimentos marcados por novos riscos. Como por exemplo a violência, os desastres naturais, o desemprego, a exclusão social entre outros, que acabam perpetuando aspectos cada vez mais individualistas (Cidade & Ximenes, 2012). Desta forma, refere-se do que se pode designar de fatalismo individualista, que é um método de adaptação às contingências aleatórias, às ameaças que não tem controle; e de fatalismo coletivista, caracterizado pela aceitação passiva de um destino inevitável emanado de uma força natural ou sobrenatural (Cidade & Ximenes, 2012).

Segundo pesquisa realizada por Cidade e Ximenes (2012), sobre as manifestações do fatalismo de jovens em condições de pobreza no Brasil, os atores identificaram o potencial adaptativo inerente às manifestações do fatalismo. Essas ameaças consistem no fato que são consideradas incontroláveis, tais como desemprego, fanatismo, exclusão social, destruição do meio ambiente, violência entre outras, responsáveis pela manifestação de um fenômeno psicossocial que sustenta a insegurança psicológica como estratégia de dominação. Para além do contexto de guerra civil de que Martín-Baró (1998) falava, as ocorrências atuais dispõem sobre as consequências provenientes da guerra psicológica gerada pela desigualdade social, pobreza, violência e exclusão social (Cidade & Ximenes, 2012).

No contexto brasileiro, a relevância da escolha desse tema diz a respeito às generalizações e às implicações que esses comportamentos e atitudes fatalistas podem causar. Tais crenças impactam diretamente tanto na percepção de comportamentos caracterizados como "de brasileiro", quanto na própria manifestação de comportamentos estereotipados como "coisa de brasileiro". Tais manifestações verbais dentro do contexto cultural permitem a identificação da existência ou não de um comportamento fatalista. Para tanto, o objetivo desta pesquisa foi identificar o processo de fatalismo no discurso do brasileiro frente sua identidade.

 

Método

Delineamento

Esta pesquisa caracteriza-se como um estudo de abordagem qualitativa, de natureza exploratória e descritiva e corte transversal. Tais procedimentos visam trazer maior profundidade e riqueza nas informações obtidas (Sampieri, Collado, & Lucio, 2006).

Participantes

Participaram 16 indivíduos, divididos igualmente por sexo, com média de idade de 24,06 [DP= 3,41]. As entrevistas foram realizadas individualmente, em local e horário pré-agendado. O critério estabelecido para definir o número de participantes foi de saturação dos dados. Os participantes foram acessados por meio de indicação de pessoas do convívio social do pesquisador, por meio da técnica bola de neve (snowball), em que alguns participantes indicam novos participantes para contribuir na pesquisa.

Acerca da religião, o maior número foi de católicos, com 3 participantes do sexo masculino e 4 do sexo feminino. Na sequência, 6 participantes apontaram não terem religião específica, com 3 mulheres e 3 homens respectivamente. Do grupo masculino, 1 relatou ser espírita e 1 agnóstico, enquanto apenas 1 mulher relatou ser evangélica.

Com relação à formação escolar do sexo masculino, 4 possuem ensino superior incompleto e 4 ensino médio completo. Para o sexo feminino, as 8 entrevistadas possuem graduação em andamento.

Como critérios de inclusão, foi levado em consideração: 1) ter idade mínima de 18 anos e idade máxima de 30 anos; 2) possuir a nacionalidade brasileira. Como critérios de exclusão, não puderam participar indivíduos menores de 18 anos ou maiores a 30 anos. cidadãos de outras nacionalidades, bem como participantes com algum agravamento de saúde que comprometesse a compreensão da entrevista. Tais critérios foram estipulados considerando a possibilidade da existência de costruções identitárias distintas, de acordo com idades diferenciadas de cidadãos originalmente brasileiros. A categoria sexo foi levada em consideração, formando 2 grupos, uma vez que as respostas poderiam conter diferenciações não negligenciáveis.

Procedimentos de coleta de dados

Foi utilizada a entrevista individual semi-diretiva, permitindo o acesso a conhecimentos por meio de experiências e circunstâncias específicas de vida. Como forma de alcançar o conteúdo necessário, foram utilizadas as seguintes questões norteadoras: O que você pensa sobre ser brasileiro?; Qual o significado de ser brasileiro?; Quais os comportamentos que você caracteriza ao brasileiro?; Qual a percepção que você tem sobre o Brasil? e; Você acha que os brasileiros mudam seus comportamentos de acordo com o local onde residem? Ao final da entrevista, os participantes responderam as questões de caracterização da amostra (idade, local em que reside, profissão e escolaridade).

Inicialmente, foram realizadas 3 entrevistas piloto, seguidas da análise da narrativa e das intervenções do pesquisador, visando aprimorar o domínio das técnicas de entrevista. O contato com os participantes aconteceram por meio de ligações telefônicas, contato via e-mail e/ou contato pessoal. Após o aceite, as entrevistas foram agendadas, de acordo com disponibilidade de acesso. As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra.

Análise de Dados

Os dados voltados à caracterização dos participantes foram analisados por meio de estatística descritiva (média, desvio padrão, distribuição de freqüências). As entrevistas foram transcritas, sendo realizada análise da frequência das unidades de registro, considerando que uma unidade de registro aumenta sua importância de acordo com a frequência de sua aparição indicando assim seu nível de significância (Bardin, 2011). A técnica de análise de conteúdo, proposta por Bardin (2011) possibilita a leitura e interpretação de conteúdos, deixando apreender diversificados fenômenos da vida social apresentados pela linguagem cultural e suas significações dos indivíduos envolvidos na pesquisa.

Considerações Éticas

Conforme a resolução n. 210/2016 do Conselho Nacional de Saúde, a pesquisa foi aprovada sob protocolo n. 11277819.5.0000.5367, pelo Comitê de Ética da Universidade da Universidade do Oeste de Santa Catarina, Brasil. Antes da realização das entrevistas, foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que contém os dados gerais das entrevistas e garantias gerais do participante. Após a análise dos resultados, eles foram apresentados aos participantes, objetivando oferecer informações sobre os resultados da pesquisa.

 

Resultados

Foram desenvolvidas três grandes categorias temáticas do conteúdo das entrevistas, a saber: Identidade, Comportamentos do brasileiro e Ideologias regionais. A Tabela 1 apresenta a frequência de citações entre os grupos, sendo o Grupo 1 composto pelo sexo feminino e o grupo 2 composto pelo sexo masculino.

 

 

A primeira categoria, intitulada "Identidade", apresenta as principais características de identificação com o ser brasileiro. Verificou-se que, para alguns entrevistados, quando o assunto é o ser brasileiro percebe-se identificação com inúmeras "misturas": "O Brasil é uma mistura de raças, cores, coisas e eu acho que é interessante viver nesse meio, uma mistura de coisas resultar em outra (...)" (E2, Grupo 2); "Acho que ser brasileiro mesmo é entender que a gente é uma mistura de várias etnias e é a partir disso que a gente se faz dessa miscigenação, e tem lugar que tem uma exaltação muito grande de determinadas culturas (...)" (E9, Grupo2).

A identidade, enquanto forma de diversidade cultural apresentou maior número de ocorrências, principalmente referentes as idades entre 18 e 24 anos. Esta característica de identificação se manifesta quando os indivíduos relatam a existência de diferentes culturas, diferentes civilizações ou diversas riquezas naturais: “Tem algumas culturas que marcam nossa identidade de uma frieza com outras pessoas. Mas acredito que o Brasil tem um potencial muito grande justamente por essa diversidade de culturas que a gente tem” (E4, Grupo 2); “Para mim o Brasil é diversidade, cada Estado tem sua cultura, (...)” (E5, Grupo 1).

A identidade do ser brasileiro com a ideia de orgulho teve ligeira predominância, no entanto se manifesta nas idades entre 25 à 30 anos. Essa associação se manifesta quando a identificação é comparada ao patriotismo: "Ser brasileiro é bom, tenho orgulho da minha pátria. Eu penso que é um povo muito rico em vários aspectos, desde cultura, desde conhecimento (...)" (E13, Grupo 2); "Eu acho muito triste quando as pessoas dizem: eu moraria em outro país, lá não sei aonde, eu também iria, mas não que eu não queira ser brasileira, eu acho que a gente tem que ter patriotismo, ter orgulho daquilo que a gente é, eu admiro e respeito (...)" (E3, Grupo 2). As outras 3 unidades temáticas, foram apresentadas em um número muito reduzidos, sendo manifestado uma vez de cada em uma única entrevista, as quais são identidade associadas as características de espontâneo, caloroso e conformado.

A categoria "Comportamento do brasileiro" foi formulada diante dos temas que envolvem questões de como o brasileiro se comporta em determinadas situações, ou qual é o comportamento do brasileiro diante a história de vida. Desses temas, o elemento mais citado para o ser brasileiro foi como um lutador, batalhador ou guerreiro, e os demais aparecem com menor expressão, sendo que ocorrem apenas uma vez em cada única entrevista.

O perfil do brasileiro como um lutador é identificado da seguinte forma: "Eu acho que o brasileiro é muito lutador, de correr atrás dos objetivos, eu não vejo esse Brasil, de não trabalha por que não quer, talvez ele não tenha condição" (E12, Grupo1); "Eu acho que uma característica do brasileiro, é a garra, a vontade, pelo fato das dificuldades que acercam o Brasil desde a nossa criação, desde os fatos dos escravos e isso  se tornaram na maioria querendo ou não(...)"(E1, Grupo 2).

A característica "extrovertido" aparece no grupo 1 representando um perfil do brasileiro mais festivo, animado: "o brasileiro em si é extrovertido, pessoa animada questão de festa, eu vejo Brasil assim muita coisa boa aqui" (...) (E5, Grupo 1). O elemento "vitimização" encontra-se também no grupo 1 e está ligado ao reclamar de alguma situação, mas não correr atrás de informações, ou culpar o governo pelas condições: "Vitimização, assistencialismo. Mas esses não são comportamentos de todos, mas se eu fosse generalizar eu acho que seria vitimização (...)" (E3, grupo 1).

A unidade temática "acomodado" aparece no grupo 2 fazendo referência ao comportamento do brasileiro que não tem como prática terminar algo que inicia: "O brasileiro gosta de tentar fazer as coisas, ele não gosta de concluir mas gosta de tentar, por exemplo, o cara que ajeitar alguma coisa em casa, quer fazer um muro, mas nunca fez um muro, mas se taca fazer, as vezes fica tudo torto (...)" (E2, Grupo 2). Ainda sobre a categoria o perfil do brasileiro aparece a característica da pessoa empática: "No Brasil o pessoal é muito mais de se preocupar com o próximo muito mais empático que as outras culturas, todo mundo tenta ajudar (...)" (E9, Grupo 2).

Na Categoria 3, buscou-se identificar se o comportamento do ser brasileiro muda de um local para outro. Todos os participantes relataram que os comportamentos dos brasileiros mudam, segundo questões culturais, adaptação, vivência de alguma situação de mudança ou por perceberem que existe essa mudança.

A unidade temática "percepção" foi manifestada tanto no grupo 1 quanto no grupo 2. Desta forma, este tipo de característica representa este elemento expressando a opinião sem citar vivências, e sim percepções: "Um gaúcho e um nordestino são totalmente diferentes (...) (E6, Grupo 1); da mesma forma no grupo 2: "Não se liga muito do que o outro faz na cidade grande por que tem muita gente, aqui se você sair com uma roupa diferente já é algo estranho (...)" (E10, Grupo 2).

A unidade temática "vivências" aparece nos dois grupos, porém o maior número de registro é para o grupo 1. Os excertos se manifestam falando sobre as vivências: "essa mudança de local afeta sim no comportamento muda a cultura vários fatores que mudam, as crenças até mesmo de festas, de religiões afeta bastante no comportamento" (E15, Grupo 1).

A unidade temática "adaptação" surgiu dos discursos quando os sujeitos referem-se à mudanças em comportamentos devido as condições e exigências do espaço em que vivem: "As pessoas podem mudar de estilo de vida mas ela nunca vai mudar quem ela é de fato, ela pode  se adaptar conforme a cultura, literatura, as doenças, questão econômica. Mas o ser em si, eu acho que ele não muda tem  ali uma personalidade (...)" (E11, Grupo 2). Já a unidade temática "cultura" foi elaborada quando o entrevistado reflete sobre a mudança do comportamento que ocorre pela dimensão cultural, que podem ser por diferentes formas: "Tanto por questões culturais tanto por questões regionais, territoriais, familiares e ai a gente vai afunilando(...)" (E4, Grupo 2).

 

Discussão

Considerando que o termo fatalismo busca viabilizar a compreensão de que o destino humano está previamente determinado, de modo que os eventos ocorrem de maneira inevitável (Meneses et al., 2016) é possível analisar o processo de produção de fatalismo no discurso do ser brasileiro, com base nas entrevistas realizadas. A doutrina do fatalismo é usada neste estudo visando explicar os processos requeridos para a construção dos conhecimentos acerca do discurso do ser brasileiro, enquanto processo e produto, ou seja, o que as constroem e quais seus elementos constituintes. Ressalta-se que os grupos de brasileiros neste estudo são entendidos enquanto categorial social, uma vez que não possuem organização interna estabelecida, funções determinadas e grupo explicitamente presente (Carvalho, 2002). Contudo, possuem dimensão concreta através de seu reconhecimento social, sendo que, por meio desse reconhecimento por outros grupos, passaram a ganhar uma identidade: a de ser brasileiro.

Partindo da perspectiva do fatalismo com base nas categorias desenvolvidas, verifica-se inicialmente o processo de construção do fatalismo, manifestando-se em situações simples dos discursos sociais, como na identificação do seu modo de viver com os demais, presentes nos comportamentos do dia a dia, bem como na percepção e significados atribuídos ao país. Na primeira categoria, o fatalismo manifestou-se através de esquemas ideológicos, em que os sujeitos aprendem cotidianamente qual seu lugar social, e que seus esforços não são capazes de potencializar mudanças. Esta manifestação fatalista corrobora a perspectiva do fatalismo enquanto esquema ideológico que tem origem nas estruturas sociopolíticas, e tem a reprodução da dominação social e a manutenção da ordem estabelecida (Ansara & Dantas, 2010). Conforme verificado, o fatalismo manifesta-se como um valioso instrumento ideológico que favorece as classes dominantes, visto que induz à aceitação da realidade social.

Outra manifestação fatalista identificada nesta categoria foi a exclusão social, derivada da exaltação de uma dada cultura em detrimento de outras. Esta exaltação cultural tende a levar à exclusão social das demais, normalmente identificados como grupos minoritários que, embora dividam o mesmo território geográfico, ainda são vistos como inferiores, devido à natureza social, econômica, cultural, étnica, sexual, dentre outros elementos que perpetuam aspectos cada vez mais individualistas do fatalismo (Cidade & Ximenes, 2012).

Ademais, foi possível identificar condutas conformistas e de dominação e violência sustentada pelas maiorias favorecidas, caracterizadas como fatalismo. Atitudes conformistas, como insegurança, receptividade e passividade reativa são manifestações de fatalismo, sua ligação com circunstâncias políticas, econômicas e culturais de cada sistema social (Pereira, 2013).

Dando ênfase ainda na categoria identidade, um dos entrevistados apresenta que "o povo brasileiro procura um modelo para seguir, principalmente em outros países". Segundo Martín-Baró (2009) este fenômeno não é um problema puramente intraindividual, mas envolve um confronto direto com forças estruturais que os mantêm oprimidos, privados de controle sobre sua existência e forçados a ativar a submissão e não esperar nada da vida. Logo, a necessidade do brasileiro procurar um modelo a ser seguido não é uma vontade intraindividual, mas envolve toda uma estrutura ideológica e política, que se manifestam em modelos normativos de condutas legitimadas nas relações socialmente estabelecidas.

A segunda categoria, nomeada como "comportamento do brasileiro", expressa o comportamento fatalista diante de práticas de aceitação da realidade, de perpetuação de esquemas ideológicos e de pouca motivação para mudança, considerando a ineficácia dela. Isso pode ser identificado em trecho apresentado nos resultados, em que uma participante salienta que não vê o Brasil como aquele país que não trabalha porque não quer e sim pela realidade que o indivíduo tem. O fenômeno que se apresenta na sua superficialidade é de um fatalismo, uma impossibilidade de luta contra as formas de opressão, ignorando a formação histórica do povo como também às condições de circulação da opinião pública a que estão submetidos (Martín-Baró, 1986, apud Pizzi & Gonçalves, 2015).

Ademais, a construção do fatalismo no discurso do ser brasileiro relaciona-se diretamente com as vivências do sujeito com suas percepções de mundo, ou seja, em ideias, sentimentos e comportamentos envolvendo predestinação, resignação e aceitação (Guzzo & Lacerda, 2007), desencadeando em conformação e passividade frente a realidade.Tal tendência se manifesta em fala, em que o participante analisa que as pessoas podem mudar de estilo de vida, mas nunca mudarão "quem realmente são", identificando dessa forma um comportamento de conformação e submissão fatalista.

Por fim, na última categoria intitulada "ideologias regionais", o fatalismo aparece nas formas mais clássicas do conceito: como um processo de antecipação do futuro, ainda pelas formas contemporâneas do fatalismo e pelo potencial adaptativo do fatalismo (Ansara & Dantas, 2010). Diante das entrevistas, o fatalismo fica claro quando são verbalizados alguns comportamentos que reforçam esquemas ideológicos, definindo que "el lugar de nacimiento se convierte en lugar de destino" (Martín-Baró, 1998, p. 96). A ideia de enraizamento ao local de origem passa a ser um polo construtor de fatalismo, pois fomenta crenças de que o sujeito é do jeito que é devido ao seu local de origem, ou ao seu "sangue".

Durante as entrevistas, quando os participantes citam que os brasileiros mudam seus comportamentos devido ao local de origem ou de espaço de convívio, caracterizando especificamente como estes se comportam, é identificado como forma de fatalismo. Esta forma de caracterização pode ser vista como uma forma de hipotecar a própria identidade e autonomia dos sujeitos, eliminando a possibilidade de um futuro (Martín-Baró, 1996).

Para Cidade e Ximenes (2012) a leitura alternativa do fatalismo na sociedade contemporânea pode ser caracterizada por incertezas e indefinições diante dos acontecimentos marcados por novos riscos. O que os autores identificam pode ser associado ao discurso do participante relatando que teve a experiência de fazer uma viagem e conhecer pessoas de outros países, e essas pessoas acreditavam que o Brasil era uma anarquia que envolvia festa, carnaval, ou que as pessoas não estão preocupadas com o bem social, havendo uma imagem pouco positiva frente ao país. Estas imagens que o brasileiro tem do seu próprio país podem gerar incertezas e indefinições diante dos novos acontecimentos, e as pessoas de outras nacionalidades incorporam tais processos estereotipados. Esta forma de delimitar a realidade por aquilo que se conhece e confundir o presente como o único fato possível parte uma concepção fatalista que fundamenta como unicamente possível a submissão e adaptação ao sistema social e político hegemônico (Nepomuceno, Ximenes, Cidade, Mendonça, & Soares, 2008). Neste aspecto, a realidade é aquilo que nos é dado, como exemplo o brasileiro é percebido como aquele que tem comportamentos de violência, polêmicas ou ligados a periferia, o que se identifica como uma ideologização da realidade que acaba consagrando a ordem existente como natural.

Diante da construção do fatalismo associado à identidade do ser brasileiro, além de identificar o caráter ideológico da identidade e do comportamento suas manifestações são associadas as representações sociais devido ao conteúdo ser apresentado por meio do discurso. Segundo Oliveira e Werba (1998) as representações sociais são teorias populares como também do senso comum, as quais são elaboradas e partilhadas coletivamente assim tendo como finalidade construir e interpretar o real. Desta forma, tudo o que foi observado e analisado no discurso dos brasileiros que participaram desta pesquisa é que devido suas teorias sobre seu saberes populares é possível identificar a existência do termo fatalismo associado ao seu discurso.

 

Considerações finais

O objetivo central da pesquisa foi identificar o processo de fatalismo no discurso do brasileiro frente sua identidade. Desta forma, o desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma análise de como o conceito de fatalismo pode estar presente em diferentes contextos. O interesse em pesquisar este fenômeno no contexto brasileiro diz respeito às generalizações e as implicações que os comportamentos e atitudes fatalistas podem causar tanto no indivíduo consigo mesmo, quanto nas relações sociais. Os resultados encontrados na pesquisa manifestam múltiplas facetas de comportamentos fatalistas, os quais estão expressos nos discursos do ser brasileiro, e de tal forma internalizados que não são refletivos sobre sua construção social.

O artigo, com participantes brasileiros, manifesta também a extensão que a obra de Martín Baró exerce na compreensão de múltiplos contextos psicossociais, que permitem observar e compreender a realidade social de modo crítico e potencialmente transformador. Dada à importância do assunto, torna-se necessário o desenvolvimento de outras formas de identificar manifestações do fatalismo, bem como em outros contextos e grupos específicos. Tendo em vista a natureza exploratória deste estudo, para futuras pesquisas poderão enfocar grupos específicos, ampliando os resultados e discussões sobre sua gênese, desenvolvimento e manifestações. Não obstante, ressalta-se que os resultados obtidos até o presente momento trazem contribuições importantes para uma compreensão, que precisa cada vez mais estar aprimorada neste campo do conhecimento, trazendo problematizações que busquem a diminuição do fatalismo com base na conscientização e transformação social.

 

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Contato com os autores:
Rua Paese, 198, Universitário
Videira-SC, Brasil
Telefone: (49) 3533-4400

Recebido em: 30/12/2019
Reformulado em: 30/01/2020
Aceito em: 05/03/2020

 

 

Sobre os autores:
Mateus Rodrigues de Oliveira
Graduado em Psicologia pela Universidade do Oeste de Santa Catarina, Videira, Brasil.
Orcid.org/0000-0002-3769-3635
E-mail: mateusrolive@gmail.com
Adriano Schlösser
Doutor em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catariana, Brasil. Pós-Doutorado em Ciências do Movimento Humano pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis-SC. Brasil. Docente e Coordenador do Curso de Psicologia da Universidade do Oeste de Santa Catarina, Videira-SC. Brasil.
Orcid.org/0000-0002-1728-1414
E-mail: adriano.psicologia@yahoo.com.br

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