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Psicologia para América Latina

On-line version ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  no.34 México Dec. 2020

 

Relações entre satisfação sexual e qualidade do relacionamento conjugal em universitárias

 

Relations between sexual satisfaction and quality of conjugal relationship in undergraduates' women

 

Relaciones entre la satisfacción sexual y la calidad de las relaciones matrimoniales en estudiantes universitarios

 

 

Grazielle Cássia Alves de SouzaI; Jhonmelle Vale da SilvaI; Priscila JunqueiraII; Francine Náthalie Ferraresi Rodrigues QueluzI

IUniversidade São Francisco, Campinas
IIInstituto de Psicologia e Sexologia Essência Rara, Campinas

Contato com os autores

 

 


RESUMO

O presente estudo teve como objetivo: (1) avaliar a satisfação sexual de mulheres e sua percepção da qualidade do relacionamento conjugal; (2) verificar se havia correlação entre estas duas variáveis e também com a idade e a duração do relacionamento conjugal. Participaram do estudo 51 estudantes universitárias com idade média de 24 anos (DP = 5,3), variando entre 20 e 40. Foram utilizados o Quociente Sexual – Versão Feminina, a Escala de Relacionamento Conjugal e um Questionário de caracterização da amostra. A maioria das participantes avaliou seu relacionamento conjugal como satisfatório. No que diz respeito às correlações entre os instrumentos, observou-se que todos os resultados se correlacionaram entre si, exceto satisfação diádica com quociente sexual total. As magnitudes foram altas ou moderadas. Pode-se concluir que há uma probabilidade maior da satisfação sexual estar relacionada a fatores como: expressão de afeto, coesão e ajustamento no relacionamento afetivo.

Palavras-chave: Sexualidade; Saúde Sexual; Matrimônio; Avaliação Psicológica; Relacionamento Interpessoal.


ABSTRACT

The present study aimed to: (1) evaluate the sexual satisfaction of women and their perception of the quality of the marital relationship; (2) verify if there was a correlation between these two variables and also with the age and duration of the marital relationship. Fifty-one undergraduate female participated in this study, with an average age of 24 years (SD = 5.3), varying between 20 and 40. The Sexual Quotient - Female Version, the Marital Relationship Scale and the Questionnaire to characterize the sample were used. Most participants assessed their marital relationship as satisfactory. Regarding the correlations between the instruments, it was observed that all results correlated with each other, except dyadic satisfaction with total sexual quotient. The magnitudes were high or moderate. It can be concluded that there is a greater probability of sexual satisfaction being related to factors such as: expression of affection, cohesion and adjustment in the affective relationship.

Keywords: Sexuality; Sexual Health; Marriage; Psychological Assessment; Interpersonal relationship.


RESUMEN

El presente estudio tuvo como objetivo: (1) evaluar la satisfacción sexual de mujeres y su percepción de la calidad de la relación conyugal; (2) comprobar si hubo una correlación entre estas dos variables y también con la edad y la duración de la relación conyugal. Cincuenta y un estudiantes universitarios participaron en el estudio, con una edad promedio de 24 años (DE = 5.3), variando entre 20 y 40. Se utilizaron el Cociente sexual - versión femenina, la Escala de relación matrimonial y un Cuestionario para caracterizar la muestra. La mayoría de los participantes evaluaron su relación matrimonial como satisfactoria. Con respecto a las correlaciones entre los instrumentos, se observó que todos los resultados se correlacionaban entre sí, excepto la satisfacción diádica con el cociente sexual total. Las magnitudes fueron altas o moderadas. Se puede concluir que existe una mayor probabilidad de que la satisfacción sexual esté relacionada con factores tales como: expresión de afecto, cohesión y ajuste en la relación afectiva.

Palabras clave: Sexualidad; Salud sexual; Matrimonio Evaluación psicológica; Relacionamiento interpersonal.


 

 

Introdução

A sexualidade é algo que faz parte da vida todos, pois é algo inerente à evolução da humanidade. No senso comum costuma-se encontrar o termo sexualidade sempre relacionada ao sexo, sendo que este é tido como algo associado simplesmente à relação sexual e ao ato em si (Pontes, 2011). Todavia, a sexualidade vai além dessa visão, pois é um aspecto central da natureza humana, que envolve questões de gênero, orientação, prazer, intimidade e reprodução. Ela pode ser experimentada e expressada de diversas maneiras, seja pelo ato ou por pensamentos, desejos, crenças, valores e relações sociais. Pode-se dizer então que a sexualidade humana envolve a interação dos aspectos biológicos, sociais, psicológicos, culturais, históricos e religiosos (Organização Mundial da Saúde, 2015).

Já a satisfação sexual abrange dois principais aspectos: prazer físico e satisfação emocional (Birman, 2018; Pascoal, Narciso, & Pereira, 2013). Além dessas variáveis, Catão, Rodrigues Jr., Viviani, Finotelli Jr. e Silva (2010) destacaram, por meio de um estudo preliminar e aplicação da Escala de Satisfação Sexual para Mulheres em uma amostra clínica de 20 mulheres, que a satisfação sexual também estava relacionada à satisfação conjugal, à receptividade do parceiro na busca por atividade sexual, à frequência das relações sexuais, aos papéis sociais delimitados ao casal e às carícias e preliminares presentes na relação sexual.

Especificamente para as mulheres, a manutenção de um relacionamento amoroso com um parceiro(a) está relacionada com a satisfação na vida sexual (Kobayashi & Reis, 2015; Pascoal et al., 2013). Em um resgate sobre o tema, Hernandez et al. (2017) verificaram que os indivíduos satisfeitos com sua relação conjugal tendem a ser mais saudáveis física e mentalmente, além de possuírem um maior aproveitamento das relações parentais e sociais. Todavia, avaliar a qualidade dos relacionamentos conjugais envolve uma diversidade de fatores individuais, sociais e até mesmo aspectos financeiros e da vida doméstica do casal (Liu, 2018; Rosado, Barbosa, & Wagner, 2016). Um instrumento construído com tal finalidade é a Escala de Relacionamento Conjugal (Tavares, 1990). Esta considera diferentes aspectos ao avaliar o relacionamento, como por exemplo a expressão de sentimentos positivos, a satisfação com o relacionamento de maneira geral e o consenso entre eles.

Mais recentemente, Cenci, Bona, Crestani e Habigzang (2017), em uma revisão da literatura encontraram que um fator importante para a satisfação conjugal é a questão financeira, sendo esta uma possível fonte de conflito quando em falta. No entanto, de acordo com os autores, pode-se dizer que um casal pode até ter problemas financeiros e ainda assim estar bem na vida afetiva, porém se um dos dois não concorda em como o cônjuge lida com dinheiro, as brigas surgirão, afetando a vida de casal e, conforme a correlação encontrada no presente estudo, as relações sexuais também.

No que diz respeito ao estado civil, Scorsolini-Comin, Fontaine, Barroso e Santos (2016) apontam que namorados que passam muito tempo juntos tendem a ser mais insatisfeitos, enquanto os casados que moram juntos não têm este problema. Já Vilarinho (2010) traz alguns dados que apontam que mulheres casadas tendem a apresentar maior desejo e satisfação sexual ao comparar com mulheres solteiras e em relacionamento afetivo estável.

No entanto, apesar do crescente interesse nessa área do conhecimento, ainda existe uma lacuna no âmbito da integração de pesquisas brasileiras na área da sexualidade feminina e satisfação conjugal (Cenci et al., 2017). Segundo a Resolução Conselho Federal de Psicologia 01/1999, "A psicologia pode e deve contribuir com seu conhecimento para o esclarecimento sobre as questões da sexualidade, permitindo a superação de preconceitos e discriminações". Neste sentido, é importante criar maior visibilidade para investigações acerca do tema, com o intuito de contribuir para a ampliação de informações disponíveis acerca da saúde e satisfação sexual feminina.

Diante do exposto é possível pensar que a satisfação sexual feminina, bem como a noção de um relacionamento conjugal prazeroso, esteja relacionada a diversos fatores psicossociais e não somente com o ato em si, dessa maneira o presente estudo teve como objetivo: (1) avaliar a satisfação sexual de mulheres e sua percepção da qualidade do relacionamento conjugal; (2) verificar se havia correlação entre estas duas variáveis e também com a idade e a duração do relacionamento conjugal.

 

Método

Participantes

Participaram do estudo 51 estudantes universitárias, de uma cidade do interior de São Paulo, que possuíam parceria fixa, com idade média de 24 anos (DP= 5,2741), variando entre 20 e 40 anos. Os critérios de inclusão foram que a participante tivesse 18 ou mais e que se considerassem em uma relação afetiva e sexual fixa há pelo menos seis meses. Foram excluídas da amostra as participantes que não estavam em um relacionamento que consideraram como fixo ou que tivessem menos de 18 anos.

Instrumentos

Questionário de Caracterização da Amostra

Este questionário visou a descrição da amostra para obtenção de dados pertinentes de caracterização e que qualificassem às participantes no enquadre acima mencionado. Foram elaboradas questões relacionadas à idade, escolaridade, tempo de duração da relação e existência de atividade sexual.

Escala de Relacionamento Conjugal (ERC)

A ERC foi adaptada por Tavares (1990) da Escala de Ajustamento Diádico, criada por Spanier em 1976 e destina-se a avaliar a qualidade do relacionamento conjugal em adultos. É constituída por 32 itens, alguns sendo pontuados por escalas de 0-1; 0-4; 0-5 ou 0-6, sendo que o total da pontuação varia entre 0 e 151 pontos. Esta escala divide-se em quatro fatores que podem ser analisadas separadamente e com confiabilidade aferida pelo coeficiente de alpha de Cronbach: (α) Consenso diádico (α= 0,85), Expressão de afetos (α= 0,655), Satisfação diádica (α= 0,83) e Coesão diádica (α= 0,72) . A confiabilidade daescala total possui um índice alfa de Cronbach de 0,89 (Gomez & Leal, 2008).

Consenso diádico aborda assuntos como finanças, religiosidade do par, amigos,comportamento social, relacionamento com a família do parceiro, tarefas domésticas edecisões profissionais; já expressão de afetos diz respeito a demonstrações de carinho eàs relações sexuais; a satisfação diádica possui a temática voltada para as discussõesentre o casal, bem estar do relacionamento e confiança no parceiro; já a subescala decoesão diádica abrange as questões como os interesses em comum e se trabalham algunsideais em conjunto (Souza, 2008). O valor final obtido em todas as subescalas (transformado em percentagem) indicará a satisfação/insatisfação em relação ao relacionamento conjugal sendo que,quanto mais elevado for o valor obtido, melhor será a percepção sobre a qualidade do relacionamento conjugal. Esta poderá ser classificada como ajustada ou desajustada (Souza,2008).

Quociente Sexual - Versão Feminina (QS-F)

Foi desenvolvido no Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. O instrumento é composto por 10 questões, cada qual devendo ser respondida em uma escala de 0 a 5 a fim de averiguar o desempenho/satisfação sexual dos respondentes (Abdo, 2009). As respostas devem considerar os seis últimos meses da vida sexual da participante e os resultados podem ser interpretados pelo escore total que avalia a satisfação sexual no geral. O resultado da soma das 10 respostas deve ser multiplicado por dois, o que resulta em um índice total que varia de 0 a 100. Os valores maiores indicam melhor desempenho/satisfação sexual, a saber: 82-100 pontos: bom a excelente 62-80 pontos: regular a bom 42-60 pontos: desfavorável a regular 22-40 pontos: ruim a desfavorável 0-20 pontos: nulo a ruim. O instrumento possui bom índice de consistência interna, uma vez que a escala total possui alfa de Cronbach de 0,98 (Abdo, 2009).

Procedimento de coleta de dados

Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética da própria Universidade (parecer nº 1964011), foi realizado o contato com docentes da Instituição para verificar a possibilidade de utilizar um período de suas aulas para que pudesse ser realizada a aplicação. Após autorização, as mulheres da sala que estivessem em um relacionamento há mais de 6 meses foram convidadas a permanecer na sala para participar do estudo. Após lerem o termo de consentimento livre e esclarecido, foram esclarecidas possíveis dúvidas relacionadas à pesquisa. Em seguida e após o consentimento, as participantes responderam aos questionários, que foram aplicados de maneira grupal, com respostas individuais e sigilosas. A ordem de aplicação foi sempre a mesma, sendo que primeiro elas responderam ao Questionário para caracterização da amostra, em seguida à Escala de Relacionamento Conjugal e por último, ao Quociente Sexual. A coleta durou em média 40 minutos.

Procedimento de análise de dados

Para verificar a distribuição dos escores para cada instrumento, foram calculados a média, o desvio padrão, os valores mínimos e máximos, além de indicadores de curtose e simetria para cada variável. Todas as variáveis apresentaram uma distribuição normal, segundo a inspeção do número de modas, valores de curtose e assimetria e do teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov (Pasquali, 2015). Para verificar possíveis correlações entre as medidas, utilizou-se o coeficiente de correlação de Pearson. As magnitudes consideras foram: fraca (<0,30); moderada (0,30 a 0,59), forte (0,60 a 0,99) ou perfeita (1,0) (Levin & Fox, 2004). Os dados foram analisados com o software SPSS Statistics 20.

 

Resultados

Com relação à Escala de Relacionamento Conjugal, das 51 participantes, 78,4% (n = 40) apresentaram a classificação "Ajustadas", enquanto 21,6% (n = 11) foram classificadas como "desajustadas", com uma média total de 115,9 pontos e pontuação máxima de 143 e mínima de 72 pontos. Dado o exposto, percebe-se que a maior parte das avaliadas estava satisfeita com a relação. Já com relação às classificações do Quociente Sexual, 60,78% (n = 31) das participantes apresentaram a classificação "Bom a Excelente", 35,29% (n = 18) apresentaram classificação "Regular a Bom", 1,96% (n = 1) "Desfavorável a Regular" e 1,96% (n = 1) Ruim a Desfavorável, com 82,3 pontos de média total e pontuação máxima de 100 e mínima de 36 pontos. O escore 82,3 de média indica que, no geral, as mulheres consideram sua satisfação sexual como boa a excelente.

No que diz respeito às correlações entre os resultados da Escala de Relacionamento Conjugal com Quociente Sexual, foi possível observar que todos os resultados se correlacionaram entre si, exceto o fator satisfação diádica da ERC com quociente sexual total. Os dados são apresentados na Tabela 1.

 

 

Especificamente ao considerar o foco deste estudo, percebe-se que o Quociente Sexual apresentou correlação positiva com três dos quatro fatores da Escala de Relacionamento Conjugal: Consenso diádico (r = 0,43), Expressão de afeto (r = 0,34), Coesão diádica (r = 0,42) e também com o Ajustamento diádico total (r = 0,430), porém não apresentou correlação significativa com satisfação diádica. A maioria das correlações entre o QS-F com a ERC foi de magnitude moderada.

No que diz respeito a todas as correlações estatisticamente significativas encontradas, percebe-se que as de maior magnitude foram entre ajustamento diádico total e consenso diádico (r = 0,94), ajustamento diádico total e satisfação diádica (r = 0,89) e ajustamento diádico total e expressão de afeto (r = 0,78), sendo todas de magnitude forte. As correlações entre as dimensões da ERC eram esperadas, pois todas são do mesmo instrumento.

Também foi foram calculadas as correlações entre os dados obtidos nos instrumentos com a idade e o tempo de relacionamento das participantes. Os dados são apresentados na Tabela 2.

 

 

Na tabela 2 é possível verificar que a idade se correlacionou negativamente de maneira significativa com o quociente sexual total (r = -0,42), expressão de afeto (r = -0,33), coesão diádica (r = -0,39) e ajustamento diádico total (r = -0,289). Ou seja, quanto maior a idade, menores os índices em quociente sexual total, expressão de afeto, coesão diádica e ajustamento diádico total. Já o tempo de relacionamento se relacionou negativamente de maneira significativa com o QS-F total (r = -0,47) e com coesão diádica (r = -0,31), indicando que quanto maior o tempo de relacionamento menor o QS-F total e a coesão diádica.

 

Discussão

A sexualidade não pode ser vista apenas como a atividade e o prazer ligados ao aparelho reprodutor, mas relacionado a uma série de excitações e atividades presentes na vida do indivíduo (Laplanche, 1995). Dessa maneira, é possível relacionar a satisfação sexual feminina não somente com os aspectos físicos, mas também psíquicos e sociais. Diante disso, o presente estudo teve como objetivo: (1) avaliar a satisfação sexual de mulheres e sua percepção da qualidade do relacionamento conjugal; (2) verificar se havia correlação entre estas duas variáveis e também com a idade e a duração do relacionamento conjugal.

Com relação ao primeiro objetivo da presente pesquisa, percebe-se que a maioria das mulheres avaliou como satisfatória sua vida sexual. No entanto, ainda que não haja nos resultados uma quantidade expressiva de mulheres que se considerem insatisfeitas, somente 1,96% em detrimento de 60,78% que se consideraram como "bom à excelente", é possível verificar a correlação negativa significativa que houve entre o resultado do Quociente Sexual e a idade, mostrando que com o avanço da idade a satisfação sexual vai diminuindo. Pode se dizer que eles corroboram Vilarinho (2010) no que tange à satisfação sexual, pois, ainda que não se tenha separado solteiras de casadas, os dados indicam que quanto maior a idade e o tempo de relacionamento, menor é a satisfação. Uma hipótese para esses dados pode ser a rotina e compromissos que o casal vai estabelecendo com a idade, como por exemplo, cuidar de filhos e maiores responsabilidades no trabalho, que podem contribuir para que a díade tenha tempo para investir no relacionamento sexual, para além do ato em si.

Além disso, ainda hoje e apesar dos avanços nos direitos das mulheres, a população feminina, em grande parte, exerce predominantemente as práticas domésticas, tendo então uma dupla jornada laboral (Birman, 2018). Talvez por este motivo a satisfação sexual feminina tenha apresentado no estudo uma correlação significativa com diversos aspectos da vida "doméstica" de um casal, como concordância financeira e compartilhamento das responsabilidades com atividades domésticas. Na literatura, é possível encontrar resultados que corroboram esta reflexão, uma vez que é comum verificar a relação da manutenção de um relacionamento com a satisfação sexual em diferentes faixas etárias (Abdo & Fleury, 2015; Cenci et al., 2017; Kobayashi & Reis, 2015; Liu, 2018), inclusive relacionando à manutenção do relacionamento e priorizando à satisfação do parceiro em detrimento da própria satisfação sexual (Kobayashi & Reis, 2015).

Diante disso, é importante ressaltar que a expressão da sexualidade é um direito das mulheres e deve ser vivida de forma plena e saudável. As pesquisas e discussões acerca do tema são essenciais, uma vez que as mulheres são educadas em uma sociedade em que a dita virilidade masculina está em uma posição privilegiada, cabendo muitas vezes ao papel da educação feminina se focar nos papéis de filha e mães, sem passar pelo estágio de "mulher" acarretando desta maneira dificuldades de vivenciar a própria sexualidade (Cenci et al., 2017; Gozzo et al., 2000).

Esta reflexão é corroborada nos resultados do segundo objetivo, pois as mulheres que relataram ter um melhor relacionamento conjugal também apresentaram uma melhor satisfação sexual, indicando que a última está relacionada com outros aspectos da vida a dois, como por exemplo, consonância em aspectos financeiros, expressão de afeto, coesão e ajustamento na díade, entre outros. Resultado este que está de acordo com estudos anteriores (Abdo, 2009; Catão et al., 2010; Gozzo et al., 2000). Além disto, fica claro que a relação entre esses construtos envolve questões mais complexas da vida do indivíduo e do casal, já que os itens da Escala de Relacionamento Conjugal envolvem questões como religiosidade, comportamento social, divisão de tarefas e decisões profissionais que se relacionaram com a satisfação sexual (Cenci et al., 2017).

No entanto, ao se observar que a satisfação sexual total não se relacionou com a satisfação diádica, pode-se pensar que um casal satisfeito com a confiança e na gestão de conflitos não está, necessariamente, satisfeito sexualmente. Por outro lado, infere-se também que uma mulher pode estar satisfeita sexualmente mesmo que perceba em seu relacionamento aspectos como dificuldades de relacionamento pessoal e confiança (Villa & Del Prette, 2013). Todavia, ainda há uma escassez de estudos que abordem o tema de maneira mais aprofundada, levando em consideração os diferentes fatores que envolvem a satisfação nos dois aspectos.

Adiante, ao verificar os fatores associados ao bem-estar subjetivo de casais, Scorsolini-Comin et al. (2016) trazem outros pontos que podem afunilar um pouco mais esta questão. Os autores identificaram que fatores como a presença ou não de filhos e o modelo de relacionamento que se tem dos pais, são importantes influenciadores do comportamento de casal. Neste sentido, talvez avaliar esses quesitos nos casais do presente estudo ajudaria a entender o motivo da queda da satisfação sexual com o tempo. Vale ressaltar que o fato de os resultados indicarem que a satisfação sexual diminui com o aumento da idade e com o tempo de relacionamento, não significa que pessoas mais velhas e há mais tempo em um relacionamento estão necessariamente insatisfeitas, apenas não demonstraram uma satisfação tão grande igual as mais jovens e em relacionamentos mais recentes.

A satisfação nos relacionamentos conjugais está relacionada a intimidade física e o contato sexual, todavia a forma como será expressada a sexualidade dentro da relação é uma variável a depender da cultura, idade e normas sociais na qual a mulher está inserida (Cenci et al., 2017; Liu, 2018; Ministério da Saúde, 2013). Sendo assim, é preciso destacar a limitação ainda existente para a avaliação dos dois construtos, destacando a importância de não analisar os dois fatores somente de maneira generalizada, uma vez que a sexualidade e satisfação conjugal são fenômenos multifacetados que como visto, estão intimamente interligados.

Dessa maneira, verifica-se a importância de uma abordagem mais humanizada em relação à satisfação sexual da mulher, uma vez que, conforme os resultados obtidos, ela não está relacionada somente ao ato sexual em si, mas com diversos outros fatores da sua relação conjugal. Pode-se concluir então que a garantia dos direitos humanos, em especial aos direitos conquistados pelas mulheres têm grande relação com sua satisfação sexual, uma vez que a obtenção de voz, dignidade e espaço social são fatores relacionados ao bem-estar social e psíquico da mulher (OMS, 2015). Nesse sentido são necessárias pesquisas como esta que contribuem para um maior empoderamento feminino, colocando-o em evidência, com um olhar diferenciado para a sua satisfação sexual que fora ignorada por muito tempo, ajudando as mulheres a buscarem, cada vez mais, uma posição de igualdade social e de direitos em todos os sentidos.

 

Considerações finais

Conforme verificado nos resultados, a satisfação feminina no âmbito sexual não é um fator isolado, uma vez que está diretamente ligado a diversos aspectos da vida de mulheres. Cabe ressaltar a reflexão de que apesar do crescente interesse no tema, ainda se carece de publicações na área da sexualidade feminina relacionada aos direitos sexuais e humanos. Em parte, pode-se pensar que uma razão para isto é o tabu ainda existente ao se falar da expressão sexual feminina, ou à educação patriarcal que esteve presente em grande parte da história da sociedade, conforme mencionado por Carelli (2013). Isto posto, é importante ressaltar a relevância de investigações na área da satisfação sexual feminina para que se possa repensar a construção social do papel da mulher na cultura contemporânea, uma vez que a sexualidade feminina também é um processo social e dinâmico.

O presente estudo teve como limitação o tamanho da amostra e a sua abrangência (somente universitárias). Seria interessante que, a partir dos resultados aqui obtidos, novas investigações fossem realizadas com um maior número de mulheres de localidades e escolaridades diferentes para averiguar, com maior aprofundamento, se os resultados se manteriam, se há influência da escolaridade nos construtos estudados e como seriam outras relações entre satisfação sexual e conjugal, que poderiam influenciar diretamente a qualidade de vida percebida das mulheres. Sendo a prática da sexualidade um direito de todos, que deve ser garantida, é importante que estudos sobre o tema sejam realizados abrangendo toda a diversidade cultural e social existente na realidade brasileira, em especial na interpretação dos fenômenos sociais que estão ligados à satisfação sexual, para assim possibilitar a criação de novas ações e estratégias que promovam a educação sexual e garantam a liberdade de expressão de modo responsável e mediante condições saudáveis e libertas de riscos. Além disso, no campo dos direitos sexuais, fica visível a importância de novos estudos que possibilitem a maior compreensão dos fenômenos que estão relacionados a satisfação sexual, bem como auxiliar na desmistificação desse assunto que ainda é tão pouco abordado de maneira aprofundada: a sexualidade feminina e seus aspectos psicossociais.

 

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Contato com os autores:
Rua Waldemar César da Silveira, 105, Jardim Cura D'ars
Campinas-SP, Brasil
CEP: 13045-510

Recebido em: 02/04/2020
Revisado em: 06/05/2020
Aprovado em: 30/06/2020

 

 

Sobre os autores:
Grazielle Cássia Alves de Souza
Psicóloga pela Universidade São Francisco de Campinas, Mestranda pelo Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas na Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade de Campinas/UNICAMP.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2564-7199
E-mail:grazielle_cassia@yahoo.com.br
Jhonmelle Vale da Silva
Graduado em Psicologia pela Universidade São Francisco, Campus Campinas/SP (2015 – 2019). Já atuou como estagiário de psicologia na coordenadoria de reintegração social e cidadania de São Paulo (2017 - 2019). Atualmente tem se organizado para iniciar atuação em psicologia clínica. Interessa-se pela análise do comportamento, avaliação psicológica e estudos da personalidade.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3112-9483
E-mail:valejhonmelle@gmail.com
Priscila Junqueira
Psicóloga, Co-fundadora do IPSER - Instituto de Psicologia e Sexologia Essência Rara. Mestrado pela USP, Especialista em Sexualidade Humana pela USP e em Coordenação Grupo analítica pela Sociedade de Psicoterapia Analítica de Grupo.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1339-3806
E-mail:prij@uol.com.br
Francine Náthalie Ferraresi Rodrigues Queluz
Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos. Atualmente trabalha com avaliação psicológica, psicogerontologia e desenvolve seu projeto de Pós doutorado na Universidade São Francisco.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8869-6879
E-mail:francine.queluz@gmail.com

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