SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número34Ideación y Intento Suicida en Adolescentes índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Psicologia para América Latina

versión On-line ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  no.34 México dic. 2020

 

Significados e motivos para suicídio em pessoas com tentativa prévia

 

Meanings and motives for suicide in people with previous attempts

 

Significados y motivos de suicidio en personas con intento prévio

 

 

José Vitor da SilvaI; Makilim Nunes BaptistaII; Elaine Aparecida Rocha DominguesIII; Letícia de Cassia Lopes SilvaIV; Elaine Costa PereiraIV; Ana Celi PalliniII

IUniversidade Vale do Paraíba, Pouso Alegre, Minas Gerais, Brasil
IIUniversidade São Francisco, Campinas, São Paulo, Brasil
IIIUniversidade Vale do Rio Verde, Três Corações, Minas Gerais, Brasil
IVUniversidade Vale do Sapucaí, Pouso Alegre, Minas Gerais, Brasil

Contato com os autores

 

 


RESUMO

O suicídio é uma temática que vem sendo explorada nas últimas décadas, no entanto, algumas lacunas podem ser ressaltadas. Uma delas é que pouco se sabe sobre os motivos e significados dele para as pessoas, aspecto que dificulta a elaboração de intervenções. O objetivo do presente estudo foi conhecer esses significados e motivos em pessoas com tentativa prévia. Para a coleta de dados, foi utilizado um questionário de caracterização sociodemográfico e de saúde e um roteiro de entrevista semiestruturada. Participaram 15 pessoas com idade média de 30,2 anos, maioria homens Os resultados mostraram que os significados de suicídio foram relacionados ao "Ápice do limite "; "Fim de tudo "; "Dar um basta "; "Acabar com sofrimento "; "Fuga "; "Ato de desespero "; "Tentação "; "Desestrutura familiar "; "Chamar atenção" e "Covardia". Enquanto isso, os principais motivos, foram: "Perdas"; "Não suportar mais"; "Desespero"; "Fuga"; "Problemas de saúde"; "Gravidez"; "Alcoolismo". Tais resultados demonstraram a complexidade e multicausalidade desse fenômeno.

Palavras-chave: ideação; prevenção; experiência.


ABSTRACT

Suicide is a theme that has been explored in recent decades, however, some gaps can be highlighted. One of them is that little is known about his motives and meanings for people, an aspect that makes the elaboration of interventions difficult. The aim of the present study was to know these meanings and motives in people with previous attempt. For data collection, a sociodemographic and health characterization questionnaire and a semi-structured interview script were used. Fifteen people with an average age of 30.2 years participated, mostly men. The results showed that the meanings of suicide were related to the "peak of the limit"; "End of everything"; "Stop it"; "End suffering"; "Escape"; "Act of despair"; "Temptation"; "Family breakdown"; "Get attention" and "Cowardice". Meanwhile, the main reasons were: "Losses"; "Can't stand it anymore"; "Despair"; "Escape"; "Health problems"; "Pregnancy"; "Alcoholism". These results demonstrated the complexity and multicausality of this phenomenon.

Keywords: ideation; prevention; experience.


RESUMEN

El suicidio es una temática que viene siendo explotada en las últimas décadas, sin embargo, algunas lagunas pueden ser resaltadas. Una de ellas es que poco se sabe sobre los motivos y significados de él para las personas, aspecto que dificulta la elaboración de intervenciones. El objetivo del presente estudio fue conocer estos significados y motivos en personas con intento previo. Para la recolección de datos, se utilizó un cuestionario de caracterización sociodemográfico y de salud y un guión de entrevista semiestructurada. Participaron 15 personas con edad media de 30,2 años, mayoría hombres Los resultados mostraron que los significados de suicidio se relacionaron con el «Ápice del límite"; "Fin de todo"; "Dar un basta"; "Acabar con sufrimiento"; "Escape"; "Acto de desesperación"; "Tentación"; "Desestructura familiar"; "Llamar atención" y "cobardía". Mientras tanto, los principales motivos, fueron: "Pérdidas"; "No soportar más »; «Despair"; "Escape"; "Problemas de salud"; "Embarazo"; "El alcoholismo". Estos resultados demostraron la complejidad y la multicaidad de este fenómeno.

Palabras clave: ideacíon; prevención; experiencia


 

 

Introdução

O suicídio tem sido considerado um grande problema de saúde pública no mundo. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio ao ano, o equivalente a uma morte a cada 40 segundos. Ele é a segunda principal causa de morte de jovens entre 15 a 29 anos, sendo que para cada suicídio, estima-se que ocorram aproximadamente 10 a 20 tentativas (World Health Organization [WHO], 2017).

Apesar dos crescentes avanços de pesquisas sobre a temática, o suicídio continua sendo um fenômeno complexo e multicausal (Botega, 2014). A Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBNp) divulgou uma cartilha denominada "Suicídio: compreender, identificar e intervir", em 2018. Nesse documento podem ser encontradas diversas abordagens sobre o suicídio, além importantes correlatos disposicionais (fatores de risco) e fatores protetivos, que envolvem características individuais, biológicas, sociais, demográficas e comunitárias. Segundo o grupo de autores dessa cartilha, esses fatores de risco podem ser tratados como estressores e potencializadores de vulnerabilidade, aumentando o risco do comportamento suicida (SBNp, 2018), portanto, são sinais de alerta.

O estudo de Daolio e Silva (2009), demonstrou que as maiores representações sociais sobre o suicídio estão ligadas a ideias de sofrimento, desespero, fuga da dor, falta de apoio e empatia das pessoas próximas, dentre outras. Esses aspectos também foram enfatizados no estudo de Morais e Sousa (2011), que relataram os problemas pessoais, financeiros, depressão, vontade de acabar com o sofrimento, falta de suprimento das necessidades básicas e outros associados, como principais motivos para tentar suicídio. Aspectos semelhantes também foram relatados no estudo de Reisdorfer et al. (2015) que teve o sofrimento, tentativa de alívio da dor, angústias e falta de apoio familiar como as causas mais presentes para as tentativas.

Algumas pesquisas que objetivaram investigar o fenômeno, demonstraram certo consenso a respeito de algumas informações, fatores de risco e proteção. Os estudos de Borges, Werlang e Copatti (2008), Calixto-Filho e Zerbini (2016) e Chan et al. (2016), por exemplo, indicaram que mulheres tentam mais suicídio, porém, os homens morrem mais por suicídio por usarem métodos mais violentos e fatais. Owens, Horrocks e House (2002), Hoertel et al. (2015) e Chan et al. (2016) afirmaram que tentativas prévias de suicídio e possuir algum transtorno mental, também aumentam consideravelmente as chances de uma pessoa tentar suicídio e chegar a óbito.

Já o estudo de Moody, Fuks, Peláez e Smith (2015) sobre fatores protetivos demonstrou que suporte social e razões para viver podem ser importantes na diminuição dos riscos. Esses dados também foram destacados nos estudos de Luo, Wang, Wang e Cai (2016) no qual as razões para viver e a esperança foram importantes redutores da tentativa de suicídio e de Sedivy, Podlogar, Kerr e Leo (2017) que deram ênfase para o suporte social como um fator de proteção. A religiosidade e espiritualidade e o significado de vida são outros aspectos que tem recebido atenção especial nos estudos devido às importantes contribuições para a proteção e diminuição dos riscos (Bamonti, Lombardi, Duberstein, King, & Orden, 2015; Heisel & Flett, 2016). Porém, os aspetos protetivos ainda são pouco estudados, havendo a necessidade de melhores investigações.

Uma revisão sobre o comportamento suicida nas diferentes faixas etárias demonstrou que na infância e adolescência, o suicídio está atrelado a fatores socioambientais, tais como o relacionamento conturbado com a família e outras pessoas próximas, dificuldades de lidar com frustrações, abusos, violência e maus tratos, uso de drogas, acesso a meios letais, perda de pessoas próximas por suicídio, entre outros. Na vida adulta, os problemas familiares e sociais são destaques, sendo que perdas afetivas, rompimentos amorosos e problemas financeiros são aspectos de maior atenção. Além disso, ainda na vida adulta, quando há abuso de álcool e drogas, transtornos mentais e enfermidades terminais, os riscos aumentam. Já na velhice, questões ligadas a aposentaria, morte de pessoas próximas, enfermidades crônicas, abandono, solidão e perda da função social se constituem como os principais fatores de risco (Schlösser, Rosa, & More, 2014).

As pesquisas relatadas mostraram não apenas a complexidade e multicausalidade do suicídio, mas que ainda há muito a ser explorado e investigado. Os estudos ressaltaram a necessidade de mais pesquisas com foco na temática do suicídio, visto que apesar de não ser um fenômeno recente, tanto os motivos, quanto os fatores de risco e proteção não estão totalmente esclarecidos. Além disso, essa temática ainda é um tabu em muitas sociedades e religiões (Marquetti, Vilarubia, & Milek, 2014) e pouco se sabe sobre a estabilidade e replicabilidade dos fatores de risco e proteção, bem como, dos motivos que levam as pessoas a tentarem suicídio, em grupos específicos e diferenciados. Diante disso, o presente estudo teve como objetivo compreender os significados e motivos de suicídio em pessoas que tiveram pelo menos uma tentativa prévia, buscando assim, compreender a visão que elas têm sobre o fenômeno e quais os principais aspectos associados.

 

Método

Participantes

Foram 15 pessoas residentes na cidade de Wenceslau Braz, Minas Gerais, com idade média de 30,2 anos (DP = 3,22), sendo 66,6% do sexo masculino. Todos os participantes tinham tentado o suicídio anteriormente. Em relação à religião, a católica teve maior prevalência, com 66,66% e 33,33% dos entrevistados possuíam ensino fundamental incompleto. Quanto ao estado civil, 66,66% eram solteiros, 86,66% trabalhavam na zona rural e 80% não possuía doença alguma no período do autocídio.

A amostragem foi do tipo "bola de neve" e os critérios de inclusão consistiram em: pessoas com idade superior ou igual a 18 anos, ambos os sexos e residentes na cidade supracitada (devido a alta incidência de suicídio, embora não seja devidamente oficializado). Os critérios de exclusão compreenderiam: pessoas que não respondessem adequadamente as perguntas da entrevista e apresentassem constrangimento verbalizado durante a entrevista. Nenhum participante foi excluído do estudo. As entrevistas ocorreram no mês de julho de 2016.

Instrumentos

Questionário sociodemográfico – (Silva & Kimura, 2003).

Continha questões sobre caracterização pessoal, familiar, como sexo, idade, estado conjugal e religião, social, econômica, de saúde. Formado por questões abertas e fechadas.

Roteiro de entrevista semiestruturada

Elaborado pelos autores do estudo. Continha duas perguntas, sendo a primeira sobre os significados de suicídio e a segunda referente aos motivos da sua tentativa anterior.

Procedimentos

O presente estudo obedeceu aos preceitos estabelecidos pela Resolução nº 466/12, de 12/12/2012, do Conselho Nacional de Saúde, que trata da ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Portanto, a coleta de dados teve início após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências da Saúde "Dr. José Antonio Garcia Coutinho", Pouso Alegre, MG.

Os participantes do estudo foram localizados em suas residências, trabalhos, igrejas e outros lugares que se fizeram necessários. As entrevistas foram realizadas nos domicílios, assim como em outros locais que foram determinados pelos integrantes do estudo, em dias e horários agendados previamente com cada um dos participantes.

Devido à natureza deste trabalho, tomou-se o cuidado de que o lugar da entrevista fosse privado, sem ruídos, tranquilo e confortável. Também foi estabelecido que nesse momento de coleta de dados, o entrevistado estivesse disponível, sem envolvimento com outras preocupações ou atividades pessoais, familiares e profissionais.

A reação dos entrevistados em relação ao gravador foi observada para detectar possíveis constrangimentos e dificuldades relacionadas com as respostas às perguntas da entrevista. Antes do início da entrevista, o respondente tomou ciência dos objetivos do estudo, do seu desenvolvimento, dos instrumentos que foram aplicados, da entrevista gravada e da garantia do anonimato.

Um estudo piloto foi levado a cabo, com a finalidade de efetuar possíveis ajustes nas perguntas do roteiro da entrevista, assim como estimar o tempo de sua aplicação e preparar os pesquisadores para a entrevista definitiva. O pré-teste foi realizado com três participantes que foram incluídos na amostra definitiva e estavam de acordo com os critérios de elegibilidade, já mencionados anteriormente.

Após a realização do pré-teste identificou-se que não houve dúvidas em relação às perguntas da entrevista. O tempo de entrevista foi, em média, de 30 minutos e serviu de preparo para a coleta definitiva.

Análise de dados

Para a análise de dados, a abordagem foi qualitativa e do tipo exploratório. Foi utilizado o método do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), que tem como suporte teórico a Teoria das Representações Sociais (Lefréve & Lefréve, 2005). De acordo com as diretrizes do DSC, foram adotadas neste estudo três figuras metodológicas: Expressões-chave (EC), Ideia Central e Discurso do Sujeito Coletivo.

Para o tratamento e análise dos dados, foi obedecida rigorosamente as cinco etapas propostas pelo método. A primeira consistiu em fazer a leitura das questões diversas vezes antes do início da transcrição dos dados, para que se tivesse uma ideia panorâmica e melhor compreensão dos textos. Com os discursos lidos, foi realizada a transcrição literal deles. Na segunda foi realizada uma leitura exaustiva de todo o material transcrito, em dois momentos distintos. No primeiro, a leitura das respostas de cada um dos usuários foi feita na totalidade, ou seja, cada entrevista foi lida por completo. Já no segundo momento, a resposta de cada questão foi lida isoladamente, de forma que, foi lida a questão 1 de todos os respondentes e posteriormente a questão 2.

Na terceira etapa, o conteúdo de todas as respostas inerentes à questão 1, foi copiado integralmente no IAD1, representando as EC em itálico. De posse das EC, e após leitura de cada uma, foi identificada sua ideia central. Teve-se o cuidado para que a ideia central representasse a descrição das EC e não a sua interpretação. Este mesmo procedimento foi realizado também com a segunda questão. Em seguida, se agrupou as ideias centrais de mesmo sentido, sentido equivalente e sentido complementar.

Diante disso, na quarta etapa, os agrupamentos foram identificados pelas letras A, B, C e outras. Isso possibilitou criar uma ideia central – síntese, que expressasse, da melhor maneira possível, todas as ideias centrais de mesmo sentido, assim como as ideias semelhantes e complementares. Algumas vezes, todas ou várias ideias centrais, obtiveram o mesmo nome. Para a última etapa, foi extraído de cada uma das perguntas o tema e agrupou-se as suas respectivas ideias centrais, assim como os voluntários, representados pelo número de entrevistados e as frequências de tais ideias. Tudo isso foi apresentado por meio de tabelas na sessão de resultados. Finalmente, foram construídos os DSC, separadamente, de cada ideia central, com as suas respectivas EC.

Os dados quantitativos foram analisados por meio do programa SPSS, versão 21. Foi utilizada a estatística descritiva representada pela frequência para as variáveis categóricas e para as variáveis contínuas foram usadas a média e desvio padrão.

 

Resultados

A pergunta realizada para compreender os significados que os participantes davam ao fenômeno do suicídio, foi: "Se um amigo lhe perguntasse: Para você, o que significa suicídio? O que você lhe responderia?". Os resultados foram sintetizados na Tabela 1, sendo identificado nos discursos com maior frequência significados como: "Ápice do limite"; "Fim de tudo"; "Dar um basta"; "Acabar com o sofrimento"; "Fuga"; "Ato de desespero"; "Tentação"; "Desestrutura familiar"; "Chamar a atenção?", "Covardia". As ideias de maior frequência foram: "fuga" e "acabar com o sofrimento" e "fim de tudo".

 

 

A ideia de "Fuga" apresenta como discurso: Na verdade é o seguinte, na época que eu tentei o Suicídio, eu imaginava que era uma forma mais fácil de fugir dos meus problemas, e tudo isso aconteceu muito rápido. Uma coisa que aconteceu num impulso. Suicídio pra mim eu acredito assim num pensamento anormal que seria uma coisa, digamos, o fim de uma história, de um problema que a pessoa tá passando. Eu pensava que podia fugir da realidade, eu não tinha força pra enfrentar a realidade, que talvez sobrevinha. No dia que tomei todos os comprimidos pra mim seria uma fuga da realidade, da minha responsabilidade que eu ia ter amanhã. Porque eu era tudo, totalmente irresponsável, eu não tinha a menor responsabilidade, então para mim aquilo era uma fuga da responsabilidade. A intenção minha era tão egoísta que a intenção minha era tomar aquilo, meu pai me socorrer e não deixar eu morrer olha pra você ver. Aí eu contaria que eu estava grávida e eles me aceitavam. Hoje, eu vejo o Suicídio como uma falta de cultura da pessoa, uma falta de estrutura. Se a pessoa estudasse, tivesse meios assim de se comunicar com as pessoas, sabe, era muito mais fácil. O psicólogo me falou que existem pessoas com tendências suicidas, e eu quando enfrento um problema muito sério de frente a primeira coisa que eu vejo é se eu morrer não passaria por isso não, sabe. Hoje, o psicólogo me deu um livro, depois que eu li esse livro várias vezes eu vi que eu posso enfrentar muita coisa de frente, eu tenho condição, sabe, eu sozinha eu tenho, eu posso, eu tenho condição de enfrentar os problemas meus e nunca mais fazer isso.

A ideia "acabar com o sofrimento" tem como discurso: Tá muito claro pra mim na época era acabar com o sofrimento. Eu tava num momento que eu não aguentava mais, não dava mais e a única solução que eu via era acabar e por isso que eu tentei. Eu acho que é acabar com o sofrimento, dar um ponto final. Chega! Pra mim o Suicídio, é um momento que você tem que dar fim a algum tipo de dor. Eu queria acabar com uma dor que eu não suportava mais. Eu queria chamar a atenção do meu companheiro prô meu sofrimento. Como se ele tivesse o poder de tirar esse sofrimento. Eu acho que ninguém tem o poder de tirar o sofrimento de ninguém.

A ideia "Fim de tudo" é descrita no seguinte discurso: É o fim de tudo. No meu ponto de vista seria o fim de todos os meus problemas que aconteciam no meu dia a dia. É quando na vida, nada mais faz sentido. Seria o fim da minha agonia e da minha depressão. Seria o fim de tudo.

Em relação aos dados que mostram os motivos da tentativa de suicídio os discursos emergentes dos participantes, foram: "Diversos motivos, perda, "não me suportava mais", desespero, fuga, problemas de saúde, gravidez, alcoolismo e doença". As ideias de maior frequência foram: "diversos motivos" e "perda".

A Tabela 2 mostra a síntese dos resultados por categoria de motivos. A pergunta realizada para identificar esses motivos, foi: "Se esse mesmo amigo, ainda lhe perguntasse: Para você, quais são os motivos que levam uma pessoa a tentar a prática do suicídio? O que você lhe responderia"?

 

 

A ideia de "diversos motivos" é apresentada no seguinte discurso: Uma depressão muito grande, uma sobrecarga de trabalho enorme. Não tinha tempo para a família ou para fazer qualquer outra coisa. Não ter uma vida correta, digna de um ser humano. Quando a pessoa não está contente com sí mesmo, quando ela acumula muitas coisas para sí mesmo, quando se vê menos sentido na vida, ela chega ao extremo e tem muitas desilusões, em relação ao trabalho excessivo, família, vida amorosa, depressão. Não ter nada de importante na vida, ter um emprego e não conseguir trabalhar, afastar de Deus e deixar o inimigo tomar conta. Ai na hora que dá na cabeça a gente não pensa duas vezes e faz.

A ideia de "perda" apresenta como discurso: No meu caso foi namorada, perca, eu deixei de cuidar da minha mãe que faleceu para ir morar com ela e ela aprontou comigo. Eu já tinha tentado em 2012, quando meu pai morreu, por namorada também, sempre é por perda. A perda de um grande amor e o jogo, o negócio de jogo de loteria. Esses foram os motivos que me levaram a tentar o Suicídio. Na verdade quando você perde alguma coisa que faz bem a você, alguma coisa que você quer muito, você fica muito constrangido e age sem pensar. Eu perdi meu pai e foi juntando as coisas, sentia muita falta dele.

 

Discussão

Entender os motivos que levam uma pessoa a cometer suicídio é um grande desafio, visto que muitas variáveis podem estar envolvidas (Botega, 2014). Os resultados encontrados mostraram que o suicídio pode ser entendido e significado de forma diferente pelas pessoas. Foster (2003) mediante analises de notas de suicídio relatou que os principais aspectos descritos em cartas suicidas envolveram pedidos de desculpas, sentimento de vergonha, falta de motivos para viver e conselhos as pessoas queridas que ficaram. Esses aspectos já davam indícios de que a variabilidade de motivos e formas de enxergar e encarar o suicídio, por vezes, é muito particular.

Mesmo considerando a complexidade do fenômeno e as individualidades de cada pessoa, alguns motivos e significados podem ser partilhados por grupos de pessoas. No presente estudo a maioria dos participantes viram o suicídio como uma forma de resolver os problemas, amenizar o sofrimento e fugir de algo. Esses aspectos vão ao encontro dos estudos de Daolio e Silva (2009), Morais e Sousa (2011) e de Reisdorfer et al. (2015), nos quais as pessoas relataram encontrar no suicídio a saída para lidar com o desespero e situações dolorosas e angustiantes.

Apesar de não abordados e descritos profundamente nos resultados, o suicídio visto como um "Ato de desespero"; para "Chamar a atenção?" e "Covardia" foi algo presente no relato de alguns participantes. Tais relatos e significações fazem parte de conotações negativas frequentemente associadas ao suicídio, repercutindo em tratativas de julgamento e críticas. O estudo de Gomes-Valério, Leite, Oliveira, Andreza e Freitas (2018) de forma semelhante, tiveram como representações do suicídio aspectos como "querer chamar atenção", ser "frescura" ou "coisa de gente mimada". Esses discursos e considerações a respeito do fenômeno vem sendo constantemente destacados pela OMS (2006), Organização Pan-Americana de Saúde (2018) e pelo Ministério da Saúde (MS – www.saude.gov.br/saude-de-a-z/suicidio), como mitos e preconceitos a respeito do suicídio, sendo inclusive um dos motivos pelos quais muitas pessoas se sentem desencorajadas a buscar ajuda.

Esses órgãos (OMS, OPAS e MS) têm ressaltado a importância da desmistificação do suicídio, bem como, orientado as pessoas a falarem sobre o tema, diminuindo os tabus e tratando o fenômeno como o problema grave de saúde pública que ele é. Visando facilitar a conscientização, essas e outras entidades de saúde, tem disponibilizado cartilhas e materiais de informação para atenuar o julgamento e o temor de falar e agir na prevenção e acolhimento dessas demandas. Exemplos desses tipos de documento, tais como a cartilha "Suicídio: compreender, identificar e intervir" da SBNp, Prevenção do suicídio: Um manual para profissionais da saúde em atenção primária (OMS, 2000), Plano nacional de prevenção do suicídio 2013/2017 (Carvalho, et al. 2013), dentre outros, podem ser encontrados na própria página das organizações e em outros portais de saúde. Essas iniciativas podem ser configuradas como passos importantes na prevenção e proteção contra o suicídio, possibilitando diálogos e estratégias de intervenções.

No que diz respeito as causas e motivos para tentar suicídio, mais uma vez os resultados estiveram em consonância com outros estudos, uma vez que na maior parte dos relatos se alegou que o suicídio decorre de um conjunto de fatores e de perdas significativas. Esses fatores envolveram transtornos, sobrecargas de trabalho, relacionamentos familiares, falta de sentido, entre outros. O estudo de Hoertel et al. (2015) de forma semelhante, mostrou que os transtornos mentais tem grande relação com o risco de ideações e tentativas de suicídio, apesar de não ser possível dizer que o suicídio é causado por eles.

Em relação as questões de trabalho, a revisão sistemática feita por Milner, Witt, LaMontagne e Niedhammer (2017), cujo o objetivo foi identificar a relação entre psicoestressores do trabalho e suicídio, demonstrou a existência de um risco elevado entre essas variáveis. Os principais aspectos caraterizados como estressores foram baixo controle (limitações na tomada de decisão, desenvolvimento das habilidades e de aprendizagem), altas demandas de trabalho, desequilíbrio percebido entre esforço-recompensa e inseguranças.

No que diz respeito aos relacionamentos familiares e a falta de sentido, estudos indicam que eles podem ser importantes focos de atenção e intervenção. Boa qualidade das relações familiares (Sedivy et al. 2017) e a presença de sentido (Kleiman & Beaver, 2013) representam resultados benéficos na prevenção e redução do comportamento suicida, portanto podem ser caminhos possíveis nas ações interventivas.

Os motivos para tentar o suicídio relatados no presente estudo, demonstram a importância de se investir em pesquisas com foco nos fatores de risco e proteção. Esses aparecem como pontos chaves quando se fala de suicídio, conforme destacado nos estudos de Schlösser, Rosa e More (2014) sobre os fatores de risco de suicídio nas faixas etárias e os de Bamonti et al. (2015) e Heisel e Flett (2016) sobre fatores protetivos.

 

Considerações finais

De forma geral, os resultados apresentados nesse estudo estiveram em consonância com outros estudos realizados sobre a temática e confirmaram a importância de se conhecer não somente as motivações e significados, mas também os fatores de risco e proteção. Esse conhecimento maior sobre o suicídio pode favorecer práticas interventivas de cuidado e prevenção melhor estruturadas, além de contribuir para que esses aspectos sejam melhor discutidos e pensados.

Porém, apesar das importantes contribuições e de confirmar aspectos teóricos encontrados na literatura, o presente estudo apresenta algumas limitações. Uma delas que é a amostra foi relativamente pequena e, portanto, não pode ser generalizada, ainda mais se tratando de um fenômeno tão complexo. Outro ponto que merece destaque é que não foram consideradas as diferenças sociodemográficas e clínicas para a discussão e contextualização. Sendo assim, não foi verificado se diferentes crenças e doutrinas religiosas poderiam influenciar na percepção e motivos para o suicídio, bem como interferências de aspectos relacionados a condição socioeconômica, estado civil, presença de transtornos e outros.

A sugestão para estudos futuros é que as características supracitadas possam ser levadas em conta em uma amostra maior e mais representativa, com o intuito de verificar se tais resultados são corroborados. Além disso, pesquisas com outros grupos e pessoas de diferentes lugares podem fornecer dados mais robustos e amplos sobre o fenômeno.

 

Referências

Bamonti, P., Lombardi, S., Duberstein, P. R., King, D. A., & Van Orden, K. A. (2015). Spirituality attenuates the association between depression symptom severity and meaning in life. Aging & Mental Health, 20(5), 494–499. doi:10.1080/13607863.2015.1021752         [ Links ]

Borges, V. R., Werlang, B. S. G., & Copatti, M. (2008). Ideação suicida em adolescentes de 13 a 17 anos. Barbarói, 109-123. doi: 10.17058/barbaroi.v0i0.192        [ Links ]

Botega, N. J. (2014). Comportamento suicida: epidemiologia. Psicologia Usp, 25(3), 231-236. doi: 10.1590/0103-6564D20140004        [ Links ]

Calixto-Filho, M., & Zerbini, T. (2016). Epidemiologia do suicídio no Brasil entre os anos de 2000 e 2010. Saúde, Ética & Justiça, 21(2), 45-51. doi: 10.11606/issn.2317-2770.v21i2p45-51        [ Links ]

Carvalho, A., Peixoto, B., Saraiva, C. B., Sampaio, D., Amaro, F., Santos, J. C., ... & Santos, J. H. (2013). Plano nacional de prevenção do suicídio 2013/2017 Lisboa: Direcção Geral da Saúde.         [ Links ]

Daolio, E. R., & Silva, J. D. (2009). Os significados e os motivos do Suicídio: as representações sociais de pessoas residentes em Bragança Paulista, SP. Centro Universitário São Camilo, 3(1), 68-79. Recuperado de https://www.saocamilo-spbr/pdf/bioethikos/68/68a76.pdf        [ Links ]

Foster, T. (2003). Suicide Note Themes and Suicide Prevention. The International Journal of Psychiatry in Medicine, 33(4), 323–331. doi:10.2190/t210-e2v5-a5m0-qlju         [ Links ]

Gomes-Valério, J. O., Leite, M. C. P., Oliveira, M. B. L., Andreza, M. J. C., & Freitas, M. E. T. P. D. (2018). Análise de Comentários na Internet como Objeto de Estudo da Representação Social do Suicídio. Journal of Health Connections, 6(5). Recuperado de http://periodicosbh.estacio.br/index.php/journalhc/article/view/5360/47965305        [ Links ]

Heisel, M. J., & Flett, G. L. (2016). Does recognition of meaning in life confer resiliency to suicide ideation among community-residing older adults? A longitudinal investigation. The American Journal of Geriatric Psychiatry, 24(6), 455-466. doi: 10.1016/j.jagp.2015.08.007        [ Links ]

Hoertel, N., Franco, S., Wall, M. M., Oquendo, M. A., Kerridge, B. T., Limosin, F., & Blanco, C. (2015). Mental disorders and risk of suicide attempt: a national prospective study. Molecular psychiatry, 20(6), 718-726. doi: 10.1038/mp.2015.19        [ Links ]

Kleiman, E. M., & Beaver, J. K. (2013). A meaningful life is worth living: Meaning in life as a suicide resiliency factor. Psychiatry Research, 210(3), 934–939. doi: 10.1016/j.psychres.2013.08.002         [ Links ]

Lefèvre, F & Lefèvre, A. M. (2005). Depoimentos e Discursos: uma proposta de análise em pesquisa social. Brasília: Líber.         [ Links ]

Luo, X., Wang, Q., Wang, X., & Cai, T. (2016). Reasons for living and hope as the protective factors against suicidality in Chinese patients with depression: a cross sectional study. BMC Psychiatry, 16(1), 1-7. doi:10.1186/s12888-016-0960-0         [ Links ]

Marquetti, F. C., Vilarubia, G. V., & Milek, G. (2014). Percurso suicida: observação e análise de alterações no cotidiano do indivíduo com tentativas de suicídio. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 25(1), 18-26. doi: 10.11606/issn.2238-6149.v25i1p18-26        [ Links ]

Milner, A., Witt, K., LaMontagne, A. D., & Niedhammer, I. (2017). Psychosocial job stressors and suicidality: a meta-analysis and systematic review. Occupational and Environmental Medicine, 75(4), 245–253. doi:10.1136/oemed-2017-104531         [ Links ]

Moody, C., Fuks, N., Peláez, S., & Smith, N. G. (2015). "Without this, I would for sure already be dead": A qualitative inquiry regarding suicide protective factors among trans adults. Psychology of sexual orientation and gender diversity, 2(3), 266-280. doi: 10.1037/sgd0000130        [ Links ]

Morais, S. R. S. D., & Sousa, G. M. C. D. (2011). Representações sociais do suicídio pela comunidade de dormentes-PE. Psicologia: ciência e profissão, 31(1), 160 – 175. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/pcp/v31n1/v31n1a14        [ Links ]

Organização Pan-Americana da Saúde & Organização Mundial da Saúde (2018). Folha informativa - suicídio. Recuperado de https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5671:folha-informativa-suicidio&Itemid=839.

Owens, D., Horrocks, J., & House, A. (2002). Fatal and nonfatal repetition of self-harm. Systematic review. British Journal of Psychiatry, 181, 193-199. doi: 10.1192/bjp.181.3.193        [ Links ]

Reisdorfer, N., de Araujo, G. M., Hildebrandt, L. M., Gewehr, T. R., Nardino, J., & Leite, M. T. (2015). Suicídio na voz de profissionais de enfermagem e estratégias de intervenção diante do comportamento suicida. Revista de Enfermagem da UFSM, 5(2), 295-304. doi: 10.5902/2179769216790        [ Links ]

Schlosser, A., Rosa, G. F. C. & More, C. L. O. O. (2014). Review: behavior suicidal throughout the life sycle. Temas psicologia, 22(1), 133-145. doi: 10.9788/TP2014.1-11.         [ Links ]

Sedivy, N. Z., Podlogar, T., Kerr, D. C. R., & Leo, D. (2017). Community social support as a protective factor against suicide: A gender-specific ecological study of 75 regions of 23 European countries. Health & Place, 48, 40–46. doi: 10.1016/j.healthplace.2017.09.004        [ Links ]

Silva, J. V., & Kimura, M. (2003). Ser idoso e ter qualidade de vida: as representações de idosos residente em cidades do Sul de Minas Gerais Tese (doutorado em enfermagem). Escola de Enfermagem. USP. São Paulo.         [ Links ]

World Health Organization. (2000). Prevenção do suicídio: Um manual para profissionais da saúde em atenção primária. Genebra: Suíça        [ Links ]

World Health Organization (2017). Mental health: Suicide data [Internet]. Recuperado de https://www.who.int/mental_health/prevention/suicide/suicideprevent/en/        [ Links ]

 

 

Contato com os autores:
José Vitor da Silva
Rua João Faria Sobrinho, 61, apto 301. Bairro Varginha
Itajubá-MG, Brasil
CEP: 37501-080
(35) 8836-4836

Recebido em: 07/11/2019
Revisado em: 14/04/2020
Aprovado em: 15/05/2020

 

 

Sobre os autores:
José Vitor da Silva
Doutor em Enfermagem pela Universidade de São Paulo, Docente na Universidade Vale do Paraíba – Pouso ­Alegre, Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2779-7641
E-mail: enfjvitorsilva@oi.com.br
Makilim Nunes Baptista
Doutor em Psiquiatria e Psicologia Médica pela Universidade Federal de São Paulo, Docente do Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco – Campinas – São Paulo, Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6519-254X
E-mail: makilim01@gmail.com
Elaine Aparecida Rocha Domingues
Enfermeira. Doutora em ciências da saúde pela Unicamp. Professora da Universidade Vale do Rio Verde- Três Corações – Minas Gerais, Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7589-2344
E-mail: elainerocha.contato@gmail.com
Letícia de Cassia Lopes Silva
Graduanda da Universidade Vale do Sapucaí – Pouso Alegre, Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3874-2064
E-mail: llopes2012@hotmail.com
Elaine Costa Pereira
Graduanda da Universidade Vale do Sapucaí – Pouso Alegre, Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9012-7069
E-mail: ecosta@hotmail.com
Ana Celi Pallini
Psicóloga. Mestra e doutoranda em psicologia pelo programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco – Campinas – São Paulo, Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1348-2323
E-mail: anapallini@outlook.com

Creative Commons License