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Psicologia para América Latina

versão On-line ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  no.36 México jul./dez. 2021

 

Politizar a deficiência, produzir aleijamentos desde o Sul Global

 

Politicizing disability, producing crip thought in the Global South

 

Politizar la discapacidad, produciendo lisiamientos desde el Sur Global

 

 

Marivete GesserI; Anahí Guedes de MelloI

IUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis

Contato com as autoras

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo é relatar o trabalho realizado pelo Núcleo de Estudos sobre Deficiência da UFSC, um dos vencedores, com menção honrosa, da primeira edição do Prêmio Marcus Matraga da ULAPSI, para a politização da deficiência e o fomento das lutas anticapacitistas. A partir do embasamento teórico dos estudos da deficiência de matriz feminista e da teoria aleijada, foram desenvolvidas atividades formativas (grupo de estudos, eventos científicos e palestras); produção de materiais orientadores; e articulação com redes de pesquisa nacionais e internacionais. O trabalho realizado contribuiu para difundir a compreensão interseccional da deficiência e do capacitismo; capilarizar os estudos da deficiência para diversas áreas do conhecimento; situar as lutas anticapacitistas como sendo de todas as pessoas; e promover a ressignificação da experiência da deficiência. Por fim, mostramos a potência da difusão dos estudos da deficiência para as pessoas com deficiência como subversiva às narrativas capacitistas e eminentemente emancipatória.

Palavras-chave: estudos da deficiência; capacitismo; direitos humanos; emancipação social.


ABSTRACT

This paper aims to report the work carried out at the Center for Disability Studies at UFSC, awarded with the first edition of the Marcus Matraga Award from ULAPSI, for the politicization of disability and the promotion of anti-ableist struggles. To this end, based on the theoretical foundation of the disability studies in a feminist perspective and on the crip theory, training activities were developed (study groups, scientific events, and lectures); production of guidance materials; and articulation with national and international research networks. The work carried out has contributed to spreading the intersectional understanding of disability and ableism; to spread Disability Studies to different areas of knowledge; to situate the anti-ableist struggles as belonging to all people and promoting the redefinition of the experience of disability. Finally, the work showed the power of diffusing disability studies for people with disabilities as subversive to ableist narratives and eminently emancipatory.

Keywords: disability studies; ableism; human rights; social emancipation.


RESUMEN

El propósito de este artículo es informar sobre la labor desarrollada por el Centro de Estudios de la Discapacidad de la UFSC, uno de los ganadores, con mención honorífica, de la primera edición del Premio Marcus Matraga de la ULAPSI, por la politización de la discapacidad y la promoción de las luchas anticapacitistas. A partir del fundamento teórico de los estudios de la matriz feminista de la discapacidad y la teoría tullida, se desarrollaron actividades formativas (grupos de estudio, eventos científicos y conferencias); producción de material guía; y articulación con redes de investigación nacionales e internacionales. El trabajo realizado ha contribuido a difundir la comprensión interseccional de la discapacidad y el capacitismo; difundir los estudios de la discapacidad a diferentes campos del conocimiento; situar las luchas anticapacitistas como pertenecientes a todas las personas; y promover la resignificación de la experiencia de la discapacidad. Finalmente, mostramos la potencia de la difusión de los estudios de la discapacidad para personas con discapacidad como subversivos a las narrativas capacitistas y eminentemente emancipadores.

Palabras clave: estudios de la discapacidad; capacitismo; derechos humanos; emancipación social.


 

 

Introdução

Este trabalho tem como objetivo visibilizar as ações que vêm sendo desenvolvidas por um grupo de pesquisa vinculado a um núcleo de estudos sobre a deficiência de uma universidade federal do sul do Brasil. Esse grupo é constituído por pessoas com e sem deficiência, sendo elas pesquisadoras/es de diversas áreas do conhecimento, estudantes de graduação e de pós-graduação de diversas instituições federais e estaduais de ensino do Brasil, profissionais que atuam nas políticas públicas de educação, saúde e assistência social e ativistas da deficiência vinculadas a coletivos ou movimentos de pessoas com deficiência e/ou participantes de conselhos de direitos e redes de pesquisas. O que nos une enquanto grupo é a identificação com as lutas anticapacitistas, fundamentais para que a deficiência deixe de ser compreendida como uma "tragédia pessoal" que demanda ações de caridade, e passe a ser vista como uma questão de direitos humanos. Com base na perspectiva emancipatória da deficiência (Martins et al., 2012), partimos do pressuposto de que as lutas anticapacitistas são fortalecidas com a difusão do campo dos estudos da deficiência entre as pessoas com deficiência, promovendo a emancipação dessa população que historicamente foi segregada, encarcerada e medicalizada, quando não eliminada (Gesser, Block & Mello, 2020).

Estima-se que mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo tenham alguma deficiência (OMS, 2012). No Brasil, de acordo com informações coletadas no último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2011), em 2010 cerca de 45 milhões de brasileiros viviam com alguma deficiência, o que representava 23,9% do total da população brasileira.

O Relatório Mundial sobre a Deficiência (OMS, 2012) aponta que a deficiência é uma experiência produtora de desigualdades sociais, uma vez que nega-se às pessoas com deficiência o acesso igualitário a serviços de saúde, inclusive saúde sexual e reprodutiva, educação, emprego, transporte, lazer, participação política e vida comunitária. Além disso, a deficiência aumenta a vulnerabilidade a violências, abusos, preconceitos e discriminação. O relatório também apresenta estudos que apontam para a perda da autonomia das pessoas com deficiência, estando estas sujeitas a violações de direitos como a esterilização involuntária e a institucionalização de seus corpos e subjetividades. Por fim, a vulnerabilidade das pessoas com deficiência se complexifica com o incremento de gênero, raça, etnia, sexualidade, classe social, idade e região.

Embora o Brasil não tenha dados recentes consistentes sobre a relação da deficiência com a desigualdade social, a análise dos dados do Benefício de Prestação Continuada (BPC) indica uma forte relação entre deficiência e pobreza. Santos (2016) apontou que mais de dois milhões de pessoas com deficiência são beneficiárias dessa política, que tem como um dos critérios de acesso possuir renda per capita igual ou inferior a ¼ do salário mínimo1.

É importante destacar que os movimentos sociais brasileiros de pessoas com deficiência desempenharam um importante papel político na construção e na luta pela ratificação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto Presidencial nº 6.949/2009), documento construído com a ampla participação de organizações de pessoas com deficiência ao redor do mundo. Além disso, também atuaram fortemente na elaboração da Lei nº 13.146/2015 - Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) (Lanna Junior, 2010; Maior, 2017). Ainda, Izabel Maior (2017) destaca que o conjunto de legislações brasileiras que abarcam as pessoas com deficiência é reconhecido como um dos mais abrangentes e avançados do mundo.

No entanto, apesar dos avanços obtidos na legislação brasileira sobre a deficiência, as perspectivas pautadas nos modelos caritativo e biomédico persistem até hoje, e a legislação atual nem sempre tem sido suficiente para garantir a participação e a agência das pessoas com deficiência (Maior, 2017). Por que, então, pessoas com deficiência ainda sofrem tantas violações de direitos mesmo em um país que tem uma legislação ampla e avançada sobre deficiência? Os nossos estudos e análises indicam que o capacitismo, a falta de conscientização para a "cultura do acesso" (Mello et al., 2020) e as políticas de austeridade são elementos que estruturam esse processo.

O capacitismo é um processo discriminatório baseado no modelo biomédico, que atua como um sistema que hierarquiza e oprime pessoas com deficiência com base na capacidade corporal (Mello, 2016, 2019). O capacitismo, ao situar a deficiência no corpo do sujeito, tende a produzir como efeito a busca objetificada por tratamentos voltados à correção e cura do corpo, ao invés de fomentar as lutas das pessoas com deficiência pela remoção das barreiras sociais que obstaculizam a sua participação em igualdade de condições com as demais pessoas (Campbell, 2009; Taylor, 2017; Ivanovich & Gesser, 2020). Campbell (2009) também destaca que o capacitismo está presente nas diversas instituições sociais – justiça, ciência, política etc. – e tem como efeito a despolitização das lutas das pessoas com deficiência. Outrossim, o capacitismo também tem relação com o aperfeiçoamento do sistema capitalista, à medida que há o estabelecimento de um ideal de capacidade corporal que corrobora com a manutenção e aperfeiçoamento desse sistema econômico, indicando seu caráter estrutural. Por fim, Taylor (2017), Mello (2019, 2020) e Gesser (2020) apontam que o capacitismo tem um caráter interseccional, porquanto com base nas capacidades e tendo como referência um tipo ideal de ser humano, discriminam-se também pessoas negras, indígenas, mulheres, LGBTI+ e outras populações minoritárias.

Diante de cenários de opressão e violências que vem sendo experienciados pelas pessoas com deficiência, o Núcleo de Estudos sobre Deficiência da UFSC (NED/UFSC) vem desenvolvendo inúmeras atividades de ensino, pesquisa, extensão e militância voltadas às lutas contra a opressão capacitista, promovendo também a emancipação social das pessoas com deficiência. Considerando a proposta do prêmio Marcus Matraga, deu-se ênfase às atividades de extensão e ativismo, embora estas estejam fortemente implicadas nas atividades de ensino e pesquisa que já foram objeto de análise em outras produções científicas.

O referencial teórico-metodológico é baseado nos campos dos estudos da deficiência e suas relações com o feminismo negro, os estudos aleijados, a psicologia social crítica e na perspectiva da pesquisa e atuação profissional emancipatória, a qual é produzida com as pessoas com deficiência. O lema dos movimentos sociais de pessoas com deficiência, "Nada sobre nós, sem nós", é um pressuposto basilar de todas as ações do NED. Ademais, com base na perspectiva emancipatória da deficiência, temos como premissa que a difusão do campo dos estudos da deficiência é fundamental para a politização da deficiência e suas lutas anticapacitistas. Por fim, entendemos que as lutas anticapacitistas têm que ser também antissexistas, antirracistas , anti-LGBTfóbicas e anticapitalistas.

A perspectiva emancipatória da deficiência tem como característica a realização de pesquisas e práticas profissionais com as pessoas com deficiência. Oliver (1992), precursor dessa perspectiva, destaca que o paradigma emancipatório situa a deficiência como uma questão política, de direitos humanos e de luta, contrapondo-se ao processo histórico que entende a deficiência como um problema individual, restrito a um corpo com lesão. Com base nessas premissas, o autor contesta as pesquisas que estudam a deficiência a partir das supostas limitações corporais do sujeito, ressaltando a relevância de que essas sejam analisadas a partir das barreiras que impedem a sua participação social, de modo que os resultados obtidos sejam socialmente relevantes para a vida dos membros desse grupo social. Baseado na perspectiva emancipatória, autores como Morais (2010), Gesser, Block e Nuernberg (2019) apontam a importância de que as pesquisas e práticas profissionais devam ser realizadas com as pessoas com deficiência, visando fomentar a sua participação e agência.

A perspectiva interseccional também vem sendo estudada e utilizada como pressuposto fundamental para as ações do NED, haja vista que inúmeros estudos têm demonstrado que a experiência da deficiência não pode ser dissociada das questões de gênero e sexualidade (McRuer, 2006; Gesser, 2010; Mello & Nuernberg, 2012; Mello, 2018, 2019; Gomes et al., 2019), bem como gênero, raça e classe social (Moodley & Grahan, 2015). Para fundamentar a perspectiva interseccional, temos estudado autores do feminismo negro, como Kimberlé Crenshaw (2002) e Carla Akotirene (2019); e dos estudos aleijados, como Robert McRuer (2006), Alison Kafer (2013) e Anahí Mello e Marco Gavério (2019).

A teoria aleijada é a tradução em português de crip theory, onde crip é abreviação de cripple, traduzido como aleijado. Tomando como ponto de partida a análise do filme Avatar e bebendo da fonte de McRuer (2006), Mello (2018, 2019) e Mello & Gavério (2019) afirmam que enquanto a teoria queer postula que a sociedade contemporânea é regida pela cisheteronormatividade, a teoria crip parte do postulado da capacidade corporal compulsória, em que "os significados atribuídos à deficiência estão organizados em um sistema de aparente oposição binária de presença e ausência (capacidade versus deficiência) que, na verdade, se revelam interdependentes" (Mello, 2019, p. 131). Essa teoria foi pensada para questionar a exclusão do capacitismo como matriz de discriminação interseccional nas teorias feministas, queer e decoloniais, por exemplo. Nesse sentido, produzir aleijamentos na pesquisa e na atuação profissional da Psicologia implica o imperativo de 'mutilar', 'deformar' ou 'contundir' o pensamento hegemônico sobre a deficiência, provocando-lhe uma virada discursiva e epistemológica sobre as pessoas com deficiência. É, portanto, primariamente a partir da crítica à hegemonia do modelo biomédico da deficiência, da opressão capacitista e das políticas de austeridade que cerceiam direitos previamente conquistados, que o NED vem desenvolvendo inúmeras ações voltadas às lutas anticapacitistas.

O objetivo deste trabalho é apresentar a contribuição do NED para a politização da deficiência e o fomento das lutas anticapitalistas. Em consonância com a perspectiva emancipatória da deficiência, o NED considera relevante fazer os estudos da deficiência chegarem até as pessoas com deficiência. Outrossim, novamente como propõe Moraes (2010), entendemos que devemos construir nossas pesquisas e práticas COM as pessoas com deficiência – e não sobre e para elas.

Procedimentos Metodológicos2

O NED tem como objetivo promover atividades de ensino, pesquisa e extensão no campo da deficiência, com base em uma perspectiva interdisciplinar, visando produzir, junto com as pessoas com deficiência, conhecimentos voltados à qualificação das políticas públicas e à ampliação da participação delas na sociedade. Assim, com base na perspectiva emancipatória da deficiência, o NED busca trazer as pessoas com deficiência para dentro da universidade em todas as ações desenvolvidas, a fim de que possam se apropriar das discussões dos estudos da deficiência e levá-las para os contextos comunitários e de militância política onde estão inseridas.

Neste artigo, iremos relatar as atividades de extensão que foram ou estão sendo realizadas. Temos adotado uma perspectiva que coaduna com o anticapacitismo desde a sua fundação, mas que vem sendo intensificada a partir de 2017, quando implementamos um grupo de estudos aberto a toda a comunidade interessada nas temáticas da deficiência. Há a participação de pessoas com deficiência em todas as ações abaixo elencadas – embora as ações estejam bastante articuladas, elas serão apresentadas por blocos, visando uma divisão didática.

Ações formativas de extensão (eventos, grupos de estudos, cursos e participação das ativistas da deficiência em lives). O NED vem organizando e/ou participando em diferentes ações formativas em estudos da deficiência. Destacamos aqui as mais proeminentes:

a) Grupo de Estudos da Deficiência: vem ocorrendo desde 2017 e tem como objetivo promover a formação continuada sobre a temática da deficiência. Com base em um levantamento de necessidades, tem sido enfatizado o estudo dos seguintes temas: 1) questões teórico-conceituais referentes ao campo dos estudos da deficiência e dos estudos feministas; 2) legislação brasileira relacionada à deficiência e as contribuições dos movimentos políticos de pessoas com deficiência na sua elaboração; 3) subsídios teórico-metodológicos voltados à construção de práticas profissionais nas áreas da educação, saúde e assistência social, em consonância com o que prevêem a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência; e 4) contribuições da teoria aleijada e sua articulação com o queer para a politização da deficiência.

b) Eventos sobre a temática da deficiência, com destaque para o I e II Seminário Catarinense de Psicologia e Estudos sobre Deficiência, que foram realizados, respectivamente nos anos 2017 e 2019, por meio de uma parceria entre o NED e o Conselho Regional de Psicologia de Santa Catarina. Esse evento teve como objetivos: 1) qualificar profissionais da Psicologia para a atuação profissional junto às pessoas com deficiência, com base no campo dos estudos da deficiência e na legislação vigente; 2) caracterizar os pressupostos teóricos dos estudos da deficiência e as contribuições dos estudos feministas para esse campo; 3) avaliar as implicações dos diferentes modelos de compreensão da deficiência para as práticas profissionais nos diferentes campos em que a Psicologia atua; e 4) caracterizar as contribuições dos estudos da deficiência para a promoção de práticas psicossociais voltadas à garantia dos direitos humanos em diferentes contextos de atuação profissional em Psicologia. Mais de 400 participantes na modalidade presencial e mais de 600 na modalidade on-line participaram dessas duas edições, entre psicólogas/os, estudantes de psicologia, professoras da educação básica, assistentes sociais, advogadas/os, terapeutas ocupacionais, pessoas com deficiência, vinculadas ou não a movimentos sociais e conselhos de direitos, e demais integrantes da sociedade. As duas edições tiveram a colaboração de pessoas com deficiência em mesas redondas e conferências.

c) Participação em inúmeros espaços de interlocução que, em função das barreiras arquitetônicas e de transporte, antes da pandemia da Covid-19 eram quase impossíveis de serem ocupados por pessoas com deficiência, principalmente aquelas com deficiência física com maior dependência para se deslocar. Integrantes do NED, muitas dos quais são membros do Coletivo Feminista Helen Keller de Mulheres com Deficiência, deram palestras no Conselho Federal de Psicologia, em semanas da Psicologia de diferentes universidades do país, em eventos sobre a temática de gênero e feminismo, bem como em eventos promovidos por diferentes órgãos de defesa de direitos difusos e coletivos, como o Ministério Público.

Produção de materiais formativos e orientadores: Temos produzido inúmeros materiais formativos ao longo da história do NED. Três materiais recentes se destacam, a saber: o Caderno Temático "Psicologia e Pessoas com Deficiência" (CRP-12, 2019), com o objetivo de orientar as/os psicólogas/os e demais profissionais que atuam no campo das políticas sociais. Esse material foi produzido por integrantes do NED e contou com a parceria do Conselho Regional de Psicologia de Santa Catarina (CRP-12) que, por sua vez, contribuiu com a divulgação do material no Brasil. A versão impressa desse caderno foi distribuída gratuitamente aos participantes e está disponível no site do CRP-12. Outro material publicado se refere ao livro "Estudos da Deficiência: anticapacitismo e emancipação social" (Gesser, Böck & Lopes, 2020). O livro em questão foi idealizado pelas pessoas com e sem deficiência vinculadas ao NED, a fim de integrar os conhecimentos aprendidos e as experiências pessoais em um livro voltado à potencialização das lutas anticapacitistas. Conta, ainda, com a participação de nove autoras de capítulos que são pessoas com deficiência (1/3 do total de autoras), buscando valorizar tanto as sínteses e aprendizagens coletivas como também as experiências singulares das pessoas com deficiência. Além dos materiais acima descritos, o NED também tem produzido vídeos, boletins informativos, entre outros materiais que vêm sendo divulgados em diferentes redes sociais, como a produção de uma contracartilha sobre acessibilidade no ambiente virtual (Mello et al., 2020), com uma proposta ousada de pensar as ideias e práticas sobre acessibilidade não por tipo de deficiência, mas com foco nas barreiras e a partir de uma perspectiva que considere também a dimensão estética da acessibilidade e as múltiplas corporalidades e sensorialidades de pessoas com e sem deficiência nos ambientes virtuais.

Articulação em redes nacionais e internacionais. Outra estratégia que temos utilizado para fortalecer e capilarizar as lutas anticapacitistas é a articulação em redes. Temos parcerias com o Coletivo Feminista Helen Keller, onde várias integrantes desse coletivo vêm participando do grupo de estudos. Também temos parcerias com pesquisadoras identificadas com as lutas anticapacitistas, vinculadas a diversas universidades brasileiras (USP, UnB, UFF, UDESC, IFSCs). Além disso, temos investido em redes internacionais. Destaca-se a participação da segunda autora deste artigo na Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero e no GT Estudios Críticos en Discapacidad do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO). Também ambas as autoras fazem parte de uma rede de pesquisadoras brasileiras com vínculos à Western University, em London, Canadá, por meio de projetos aprovados nas universidades brasileiras supracitadas, com as quais têm discutido deficiência e acesso coletivo a partir de uma perspectiva decolonial. Tal articulação se materializou na organização de eventos e na produção de materiais de divulgação, como os já anteriormente citados.

Para finalizar esse tópico, gostaríamos de destacar a nossa preocupação com a garantia do acesso coletivo para que todas as pessoas, de diferentes corporalidades e sensorialidades, possam participar. Temos como próximo desafio aumentar o número de participantes negras e LGBTI+ nas nossas ações. Essa questão vem sendo pensada a partir de nossas discussões recentes, com a nossa imersão nos estudos do feminismo negro e da teoria queer. Por enquanto temos buscado trabalhar com a sensibilização de psicólogas e outros profissionais atuantes nas políticas públicas, compreendendo que o potencial político seria muito maior se tivéssemos mais pessoas negras, indígenas, LGBTI+ e outros grupos sociais engajados nas lutas anticapacitistas.

 

Resultados e Discussão

A análise dos resultados mostrou que o trabalho que vem sendo desenvolvido tem importantes efeitos no Brasil e no resto da América Latina, esta última a partir da ampliação das redes da segunda autora. Considerando que o capacitismo opera como um produtor de desigualdades sociais, entendemos que nossas ações no NED têm potencial de transformação social. A seguir expomos os principais resultados observados nos eixos abaixo apresentados.

Compreensão interseccional da deficiência e do capacitismo: Um importante resultado que temos observado se refere à ampliação da compreensão da deficiência como uma experiência interseccional que produz diferentes efeitos na vida dos sujeitos, a depender da intersecção com marcadores sociais como classe, raça, etnia, gênero, sexualidade, região, idade, dentre outros. Isso pode ser percebido tanto por meio das discussões que temos realizado nos eventos e no grupo de estudos, como também no livro Estudos da Deficiência: anticapacitismo e emancipação social (Gesser, Böck & Lopes, 2020). Neste, todos os artigos produzidos pelas autoras dialogam com a perspectiva interseccional da desigualdade social. Ademais, há várias participantes do grupo de estudos, em sua maioria mulheres com deficiência, que têm ministrado palestras sobre o tema da interseccionalidade, o que mostra não somente uma apropriação da discussão, mas também a emancipação dessas participantes, que não só estão se apropriando do campo, mas também transformando-o em objeto de luta contra todas as formas de opressão.

Capilarização dos Estudos da Deficiência para diversas áreas do conhecimento: Nossas análises dos efeitos também têm mostrado o potencial das ações para outras áreas do conhecimento. Nos eventos que temos realizado em parceria com o CRP-12, tivemos profissionais de diversas áreas participando ativamente. As palestras que vêm sendo ministradas pelas integrantes também se estendem para diversas áreas, tais como Psicologia, Educação, Antropologia, Direito, Sociologia e Geografia. Ademais, uma das integrantes com deficiência participou de uma live sobre a temática da interseccionalidade no Conselho Federal de Psicologia do Brasil (CFP). Essa expansão também tem sido articulada em nossas redes de pesquisa e militância, uma vez que em outras universidades brasileiras, assim como em alguns órgãos de classe, também há pesquisadoras comprometidas com as lutas anticapacitistas, tais como Marcia Morais (UFF), Lívia Barbosa (UnB), Carla Biancha Angelucci (USP) e Geisa Böck (UDESC), assim como alguns integrantes da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia, Ministério Público de Santa Catarina, entre outras.

Compreensão das lutas anticapacitistas como sendo de todas as pessoas: Conforme já destacado, partimos do pressuposto de que o capacitismo é estrutural e estruturante da sociedade. Fazendo uma analogia com a famosa frase de Angela Davis, "não basta ser contra o racismo, é preciso ser antirracista", defendemos que não basta apenas sermos contra o capacitismo, precisamos ser também anticapacitistas. Nesse sentido, temos realizado campanhas que têm como premissa o compromisso de que as lutas anticapacitistas devem ser de todos e não apenas das pessoas com deficiência.

A premissa de que as lutas anticapacitistas é de todos se justifica pelo fato de que todas as pessoas, em alguma medida, sofrem com a opressão capacitista, tanto porque o ideal normativo de sujeito é uma ficção inatingível (Campbell, 2009) quanto o fato de que vamos envelhecer e desenvolver lesões e impedimentos corporais. Ademais, lutar para que os espaços sejam construídos para acomodar uma maior variação corporal e politizar a deficiência para que as pessoas que vivem essa experiência possam estar em todos os espaços sem necessitarem aderir à lógica da superação das barreiras, é um desafio político que coaduna com a perspectiva dos direitos humanos e da justiça social.

Ressignificação da experiência da deficiência e compreensão do corpo como político: Esse resultado tem relação maior com a dimensão subjetiva da experiência da deficiência, embora não seja possível, como já destacou Sawaia (2002), separar a subjetividade das condições concretas de existência. Pode-se identificar que, por meio das análises de relatos realizados por pessoas com deficiência durante as reuniões e de um vídeo3 em que cinco integrantes com deficiência apresentaram contribuições relacionadas à sua participação no NED, o encontro delas com o campo dos estudos da deficiência teve implicações subjetivas muito importantes. Isso contribuiu para a ressignificação da experiência da deficiência e também para a compreensão do corpo com deficiência como político. O principal elemento identificado é o da ruptura com a compreensão da deficiência como uma tragédia médica que, como muitos autores outrora corroboraram (Campbell, 2009; Taylor, 2017; Gesser, 2020), tende a dispersar a luta coletiva pelo rompimento das barreiras, uma vez que a dificuldade em participar é entendida como decorrente de um corpo com impedimentos, e não como o efeito das múltiplas barreiras impostas pela estrutura social às pessoas com deficiência.

 

Considerações Finais

A análise dos efeitos do conjunto de ações por nós implementado aponta que temos contribuído para a politização da deficiência e o fomento das lutas anticapacitistas. A participação ativa das pessoas com deficiência é um excelente indicativo que corrobora essa afirmativa. Ademais, considerando o processo histórico de objetificação da deficiência e a dominância de narrativas que a situam como uma tragédia que demanda exclusivamente cuidados médicos, ao invés de direitos humanos e justiça social, temos percebido que a estratégia de divulgar o campo dos estudos da deficiência produz importantes efeitos no Brasil e o restante da América Latina.

As ações têm apontado que as lutas anticapacitistas são um elemento central para produzir coalizões entre as pessoas com deficiência e aquelas que vivenciam outras formas de opressão. O trabalho realizado também aponta que a desconstrução das narrativas que situam a deficiência como um problema individual tem um potencial de ampliar a luta contra as barreiras sociais que dificultam a sua participação. Por fim, fazer com que os estudos da deficiência cheguem até as pessoas com deficiência, tem se mostrado, a partir da perspectiva do sul global, como uma estratégia subversiva às narrativas capacitistas e eminentemente emancipatória.

Outro desafio é o de romper com o binarismo militância/academia, por entendermos que o processo de apropriação dos conhecimentos vinculados ao campo dos estudos da deficiência qualifica as lutas anticapacitistas. Desse modo, temos como preocupação o constante diálogo entre esses dois campos, reafirmando nossa dupla posicionalidade enquanto pesquisadoras e ativistas.

 

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Contato com as autoras:
Universidade Federal de Santa Catarina. UFSC
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Núcleo de Estudos sobre Deficiência da UFSC, Bloco E, segundo andar, Bairro Trindade
Florianópolis-SC, Brasil
CEP: 88040-970
Telefone Fixo: +55 (48) 3721-2723
Celular: +55 (48) 99653-1780

 

 

Sobre as autoras:
Marivete Gesser
Psicóloga com doutorado em psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC, onde atua como professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia e coordenadora no Núcleo de Estudos sobre Deficiência (NED-UFSC). Desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão no campo dos estudos da deficiência de matriz feminista na interface com a psicologia e a educação. Recebe financiamento do CNPQ.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4091-9754
e-mail: marivete.gesser@ufsc.br
Anahí Guedes de Mello
Antropóloga, doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente é pesquisadora associada do Núcleo de Estudos sobre Deficiência da UFSC; pesquisadora da Anis - Instituto de Bioética. É também coordenadora do Comitê Deficiência e Acessibilidade da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e membro do GT Estudios Críticos en Discapacidad do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO). Recebeu Menção Honrosa do Prêmio Capes de Tese 2020 na área de Antropologia/Arqueologia, pela tese de doutorado intitulada "Olhar, (não) ouvir, escrever: uma autoenografia ciborgue", sob a orientação da Profa. Dra. Miriam Pillar Grossi.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5536-7171
e-mail: anahigm75@gmail.com
1 No entanto, cabe acrescentar que, em 2013, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional esse critério e remeteu ao Congresso Nacional a mudança dessa regra. O parlamento, então, adequou a legislação à decisão do STF no artigo 105 da Lei nº 13.146/2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), ao definir, como elementos probatórios para a concessão do BPC, a condição de miserabilidade e a situação de vulnerabilidade da pessoa com deficiência. Contudo, o governo Bolsonaro, ao regulamentar o artigo 105 da LBI via Medida Provisória nº 1.023/2020, posteriormente resultando na Lei nº 14.176/2021, complicou essa mudança, quando retoma o critério de ¼ e escamoteia a decisão do STF sugerindo a possibilidade de alterar o critério de renda para ½, desde que as pessoas com deficiência comprovadamente tenham comprometimentos de renda em função da deficiência. Em outras palavras, a Lei nº 14.176/2021 não só se tornou mais restritiva do que a decisão do STF nessa matéria, mas também é ainda mais restritiva do que preconiza a LBI. Para mais informações, ver Penalva e Santos (2021).
2 Parte das atividades aqui apresentadas já foram descritas em outra publicação com um propósito diferente deste artigo (Gesser, Moraes & Böck, 2020).
3 O vídeo está disponível no canal do NED no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=u2avQmHz16A.

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