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Psicologia para América Latina

On-line version ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  no.36 México July/Dec. 2021

 

Coletivo Cora Carolina: A Construção de Velhices, Subjetividades e Potencialidades

 

Collective Cora Carolina: The Construction of Oldness, Subjectivities and Potentialities

 

Colectivo Cora Carolina: La Construcción de las Vejeces, las Subjetividades y Laspotencialidades

 

 

Bruna Rafaele Rodrigues CamposI; Camila Cuencas Funari Mendes e SilvaI; Isabelle Sinato Pires PereiraI; Letícia Passi BatistaI; Luan Puntel RuiI; Marcela Marcondes LeiteI

IUniversidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras campus de Assis, São Paulo

Contato com os autores

 

 


RESUMO

Este trabalho se constitui como um relato de experiência acerca de construções de diferentes saberes. Tal intersecção se apresenta com o Coletivo Cora Carolina, estudos e práticas sobre a velhice, políticas públicas e a psicologia. A composição de seus membros e das atividades são aqui descritas desde sua formação, descrição de ideias, do território e atuações com a população idosa de uma cidade do interior paulista brasileiro. Inicialmente nossa prática se volta a idosos inseridos em Instituições de Longa Permanência e se estende a ampla complexidade de diferentes velhices. Atravessados, no contemporâneo, pela pandemia de COVID-19, implementamos e estendemos nossas atividades ao meio virtual, que permitiu uma maior abrangência tanto ao público participante como também na participação de convidados que enriqueceram nosso discurso de busca constante por uma velhice digna, detentora de direitos e deveres, assim como prevê a Constituição Federal Brasileira.

Palavras-chave: Coletivo; Psicologia; Velhice; Direitos.


ABSTRACT

This work is an experience report on the construction of different knowledge. Such intersection is presented with the Cora Carolina Collective, studies and practices on brazilian oldness, public policies and different areas of knowledge, especially psychology. The composition of its members and activities are described here from its formation, description of ideas, territory and practices with the elderly population of a city in the brazilian countryside. Initially our practice is focused on elderly people inserted in Long- term care institutions and itam extends to the complexity of different oldness. Crossed, in the contemporary, by the pandemic of COVID-19, we implemented and extended our activities to the virtual environment, which allowed a greater coverage both to the participating public as well as the participation of guests who enriched our discourse of constant search for a dignified old age, holder of rights and duties, as well as provides the Brazilian Federal Constitution.

Keywords: Collective; Psychology; Oldness; Rights.


RESUMEN

Este trabajo es un informe de la experiencia en la construcción de diferentes conocimientos. Esa intersección se presenta con el Colectivo Cora Carolina, los estudios y prácticas sobre la vejez brasileña, las políticas públicas y las diferentes áreas del conocimiento, especialmente la psicología. La composición de sus miembros y las actividades se describen aquí a partir de su formación, descripción de ideas, territorio y actuaciones con la población anciana de una ciudad del campo brasileño. Inicialmente nuestra práctica se centra en los ancianos insertos en Instituciones asilares y amplía la amplia complejidad de las diferentes vejeces. Atravesados, en la contemporaneidad, por la pandemia COVID-19, implementamos y ampliamos nuestras actividades al entorno virtual, lo que permitió una mayor cobertura al público participante y la participación de invitados que enriquecieron nuestro discurso de búsqueda constante de una vejez digna, titular de derechos y deberes, así como prevé la Constitución Federal Brasileña.

Palabras clave: Colectivo; Psicología; Vejez; Derechos.


 

 

Introdução e Justificativa

O envelhecimento da população brasileira vem crescendo de maneira extremamente acentuada com o decorrer das últimas décadas, cuja representatividade atual refere-se à 9,83% da totalidade de cidadãos brasileiros). De acordo com as informações proferidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a duplicação da população acima de 65 anos até 2050, ano no qual estima-se que o referido segmento etário representará cerca de 20,83% da população total (IBGE, 2020). De acordo com Miranda (2015), a referida transição demográfica brasileira, se encontra intimamente relacionada com o impacto da consolidação das atuais políticas de Estado implementadas com o objetivo de garantir a manutenção do bem-estar da população, sobre os determinantes sociais de saúde, sendo estes conceitualizados como um conjunto de elementos sociais, políticos e econômicos capazes de determinar a posição do sujeito frente às situações de vulnerabilidade.

Desta forma, ainda de acordo com Miranda (2015), políticas relacionadas à Saúde, à Assistência Social e à Previdência Social, são componentes do tripé da Seguridade Social, e cuja consolidação tal como a conhecemos hoje ocorreu ao longo do processo de redemocratização do país, em conjunto com o movimento da Reforma Sanitária Brasileira e à consequente construção do Sistema Único de Saúde, ao adotarem como princípio base de atuação a busca pela eliminação universal das iniquidades de acesso ao atendimento das necessidades específicas de grupos não contemplados por legislações prévias, tais medidas, geraram um impacto ecoante sobre a acessibilidade da população à serviços básicos, de forma que a referida consolidação "Constituiu a maior política de inclusão social da história do país, rompeu uma divisão iníqua e fez da saúde um direito de todos e um dever do Estado" (Mendes, 2013 como citado em Miranda, 2015, p. 41).

Assim, é possível afirmar que há uma importante lacuna na implementação de políticas públicas, envolvendo o sistema orçamentário na economia brasileira. Dentre tais lacunas, ressaltam-se a ausência de elaboração de políticas públicas direcionadas à crescente população idosa em nosso país, bem como a preocupante erradicação de direitos conquistados durante as últimas décadas, e que vem sendo promovida por nossos governos mais recentes, constituindo graves ataques à seus direitos humanos.

Neste sentido, a garantia da dignidade das velhices brasileiras, se encontra duplamente ameaçada, devido tanto à crescente exposição à vulnerabilidade social, representada pelo referido desmonte de políticas sociais que vêm buscando a garantia de uma mínima qualidade de vida para os idosos contemplados pelas mesmas, como também pela omissão da responsabilidade do Estado perante as demandas dos idosos inseridos em grupos sociais vulnerabilizados, e cujas políticas atuais já não eram capazes de assegurar seus direitos - observamos uma conjuntura em que a velhice passa cada vez mais a ser responsável por si própria, de forma inversamente proporcional à presença do Estado frente à suas responsabilidades. Tal situação é dialógica com o conceito de "reprivatização do envelhecimento" cunhado pela antropóloga Guita Debert (1999), sendo este, referente à tese de que o processo de reconstrução de identidades das pessoas idosas, derivado das conquistas dos direitos desta população, ao relacionarem-se com os valores da atual sociedade de consumo, resultaram na construção da concepção cultural representada pela ideia de causalidade entre o esforço pessoal e a qualidade de vida do sujeito idoso.

Atualmente o país vêm observando os cruéis desdobramentos da referida individualização de responsabilidade, no debate público, explicitado tanto no já relacionado processo de responsabilização do suposto "rombo" previdenciário às pessoas que conquistaram o direito de envelhecer, quanto em afirmações proferidas por pessoas politicamente influentes, durante o atual contexto. Pereira, ao discorrer a respeito do conceito de "Necropolítica" cunhado pelo filósofo Achille Mbembe, relaciona ao referido conceito, o fato de que a distinção realizada pelo Estado, entre os sujeitos que devem viver e os que devem morrer podem ocorrer mediante critérios biológicos, nos quais "a vida do outro passa a encarnar o inimigo ficcional, gerando violência e morte como mecanismo de segurança, eliminando de forma impessoal esse que seria um atentado à existência dos demais" (Mbembe como citado em Pereira, 2019, p.369). Neste sentido, Solange Vieira, assessora do ministro da economia Paulo Guedes, chegou a afirmar em reunião com técnicos do Ministério da Saúde, que a concentração de mortes na população idosa, é benéfica ao desempenho da economia (FENAE, 2020).

Tal discurso político-estatal que consolidou a responsabilização (quase que exclusiva) da família pelos cuidados da pessoa idosa mostra-se contraditório, uma vez que, um levantamento realizado em 2019 através de dados de denúncias do Disque 100, 83% dos casos de violência contra o idoso que foram denunciadas partem de um membro de sua própria família. Denúncias estas que, em contexto pandêmico de isolamento em 2020, quintuplicaram entre os meses de março e maio (O GLOBO, 2020).

Esse posicionamento escancara, mais uma vez, a omissão do Estado que direciona precário apoio e orientação às famílias que exercem o cuidado. E, ainda, temos o cenário de que quando o idoso apresenta dificuldades de viver sozinho por depender de cuidados e estas famílias não estão presentes ou não possuem condições financeiras de oferecê-los, a alternativa torna-se a institucionalização em Instituições de Longa Permanência (ILPI), que não são a única, porém a mais antiga alternativa ao cuidado não-familiar, sendo associadas ao que chamava-se antes de asilos. No Brasil, essas instituições fazem parte da rede de assistência social e surgem de uma maneira orgânica (pela demanda social) de modo que não há um consenso do que seja a ILPI, uma vez que muitas instituições não se autodenominam dessa forma, havendo diferentes referências na literatura a abrigos, casas de repouso, asilos e ILPIS sendo que 65,2% são de caráter filantrópico, 28,2% de caráter privado e 6,6% público (Christophe & Camarano, 2010).

É comum a associação feita entre as Instituições de Longa Permanência e um modelo de instituição asilar que, historicamente, tem sua origem atrelada ao funcionamento de uma instituição total, tal como definida por "como um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, leva uma vida fechada e formalmente administrada" (Goffman, 2007 como citado em Christophe & Camarano, 2010, p. 150). Dessa forma, o principal aspecto presente nessas instituições consiste em um controle sobre o sujeito e em determinada homogeneização da vida, o que pode geraruma série de consequências ao sujeito institucionalizado, dentre elas o que chamou de "mortificação do eu" (Goffman, 2007 como citado em Christophe & Camarano, 2010, p. 150).

Desse modo, observa-se resquícios dessa trajetória uma vez que há instituições asilares que ainda mantém na atualidade características de instituições totais, mesmo quenão plenamente, uma vez que (Christophe & Camarano, 2010) apontam a existência de certo "grau de totalidade", relacionado com o nível de dependência dos idosos institucionalizados e as características de cada instituição, dado que não há uma articulação presente entre as mesmas, culminando para um cuidado direcionado a pessoa idosa sobre uma ótica estereotipada e limitante que segrega essa população e desconsidera sua singularidade.

Em suma, o imaginário social que se tem da velhice está pautado em um cenário permeado por inúmeras violências concretas (seja na instituição da família ou asilar) e simbólicas presentes no discurso de exclusão do Estado, no ataque aos direitos da pessoaidosa; o que acaba outorgando ao velho um lugar de não pertencimento social. A ausênciade políticas públicas efetivas se materializa no surgimento das Instituições de Longa Permanência para Idosos, que para além de seus problemas de estruturação, estão envoltasem uma esfera de mitos e preconceitos e acabam por não ser um local que as pessoas considerem acolhedor em que há um projeto de continuidade da vida, mas sim há a ideia de um "depósito de idosos à espera do tempo de morrer" (Christophe & Camarano, 2010). Em contrapartida, os autores ressaltam a importância da existência destas instituições como alternativas viáveis aos idosos que precisem de assistência e integrá-las dessa forma ao sistema de saúde para que se possa criar elos entre as instituições e pensar em um modelo com recursos do Estado que seja digno e atento aos cuidados dessa população.

É nesse sentido, com intuito de estabelecer uma posição crítica diante das questões expostas e atuar de forma a promover discussões e debates estabelecendo um elo comunicativo com as pessoas idosas, estudantes, profissionais da saúde, cuidadores de idosos e psicólogos que se inicia a organização do Coletivo Cora Carolina. Nós concentramos neste trabalho as vicissitudes que compõem essa velhice através de vieses que a atravessam como questões, econômicas, políticas, sociais, culturais e com enlace entre elas, buscamos um uníssono de vozes com a formação de um coletivo de práticas e estudos sobre o envelhecimento.

O Coletivo surge, então, no ano de 2017 a partir de um processo de construção e desconstrução, no qual seu surgimento se deu através de movimentos e ações voluntárias autônomas em uma instituição asilar, que se denomina enquanto ILPI (Instituição de Longa Permanência), seguindo enquanto ações voluntárias que visavam o acolhimento e escuta afetiva dos idosos até o final de 2018. A partir de 2019, com a entrada de novos voluntários, passamos a problematizar o papel do voluntariado que estávamos exercendo e nutrir o desejo que as ações se tornassem mais plurais e abrangentes no debate político- social e menos pontuais em uma única instituição.

 

Problema/Objetivos

Durante a trajetória da constituição enquanto Coletivo, vivenciamos diversas problemáticas no cenário do que é o envelhecimento no país, percebendo que as instituições que deveriam ser responsáveis por prover qualidade no cuidado com a pluralidade no envelhecimento são majoritariamente do Terceiro Setor, a partir de ONGs filantrópicas e advindas de organizações religiosas. Isso mostra que ainda existe um olhar de caridade e permeado por questões religiosas sobre o corpo velho, desresponsabilizando o Estado e o dever de ofertar políticas públicas que respeitem a diversidade religiosa, sexual, de gênero e de raça/cor, independente do poder aquisitivo de cada indivíduo. Desde o início, os integrantes do Coletivo buscavam ofertar uma atividade voluntária que visava a independência e o reconhecimento da singularidade de cada idoso que habitava uma ILPI (instituição que reconhecemos como asilar e limitadora de potencialidades), porém as regras e olhares presentes dentro da instituição muitas vezes barravam determinadas intervenções. Este foi o incômodo principal que levou a discussões internas sobre a importância de pensar uma estruturação que não fosse apenas pontual assistencialista e deslocada do lugar social que essas ações devem ter, articulando em como trazer as problemáticas da violência concreta e simbólica com idosos com as leis e recursos públicos para se pensar na garantia dos direitos destes, tendo por finalidade a estruturação de um Coletivo que articula aos direitos humanos um olhar para os Envelhecimentos enquanto processos plurais e diversos e políticas públicas acessíveis.

Com a estruturação do Coletivo em andamento no ano de 2019 foi possível realizar atividades extra-acadêmicas em parceria com a universidade, com importante órgão brasileiro regulador da atuação de psicólogos na região e também com órgão municipal deliberativo acerca da representação política e dos direitos dos idosos, para discutir questões direcionadas a criação de políticas públicas para a população idosa, a articulaçãode ações voltadas à população idosa que também dialogam com os Direitos Humanos, e também questionar a existência de ILPIs com funcionamento asilar e suas respectivas problemáticas. Tais atividades foram frutíferas para divulgar o trabalho e visão do grupo, o que foi dando forma a uma atuação crítica, horizontal e de caráter amplo que não maisvisava um trabalho de voluntariado e sim de trabalho compartilhado para a organização de eventos, encontros para grupos de estudos presenciais sobre temáticas que perpassamo envelhecimento, ações em conjunto com cuidadores de ILPIs para refletir sobre a atuação e desmistificar temas que permeiam a prática profissional dentro de instituições de caráter asilar, e promover uma página através da rede social Facebook de forma a atingir mais pessoas com textos e publicações que dialogam com as discussões propostaspelo Coletivo.

 

Procedimentos/Processo de Intervenção

As práticas do Coletivo iniciaram-se antes mesmo da denominação do grupo como tal. Em 2017, nossas ações enquanto grupo eram voltadas para a inserção em uma ILPI localizada na periferia de um município no interior do estado de São Paulo/Brasil. As ações do Coletivo se concentravam em realizar visitas aos domingos, com o objetivo de oferecer uma escuta e acolhimento sensível para com os idosos, e convidá-los a participar de atividades fora do ambiente asilar, nas quais eles puderam ir até a universidade e participar também de algumas oficinas oferecidas por projetos de extensão da instituição à população idosa da cidade.

Durante as interações com residentes também nos aproximamos das demandas e do trabalho dos cuidadores de idosos institucionalizados. A partir de uma questão apresentada pelos próprios cuidadores, referente às dificuldades enfrentadas no cotidiano experienciado dentro da instituição, foi proposto a realização de oficinas sobre os processos de elaboração de lutos com os cuidadores. As oficinas foram compostas pelos cuidadores e funcionários da instituição de longa permanência frequentada pelo Coletivo. Os encontros ocorreram na universidade, a fim de proporcionar um deslocamento do ambiente de trabalho para que os cuidadores se sentissem confortáveis em narrar suas impressões e duraram cerca de duas horas, sendo realizados em dois dias consecutivos devido aos turnos de trabalho da instituição.

A partir dessa experiência, foi possível observar a carência de aspectos relacionados ao suporte psicológico na formação profissional de cuidadores. São os profissionais que dão vida ao cotidiano das instituições e que, frequentemente, não percebem que estão impedindo ou limitando o acesso aos direitos, de forma direta ou indireta, através da prática de violências institucionais de caráter simbólico. Uma vez que o cuidador assiste a saúde de um idoso asilado, ele automaticamente também se torna foco de cuidado da instituição, pois admite-se que o suporte e bem estar do cuidador reflete no acesso dos idosos a serviços e atendimentos de qualidade, pois esse desempenha um papel fundamental para que direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais sejam garantidos aos residentes (Terra & Barroco, 2012).

A realização das visitas e nossos encontros continuaram por um tempo até que nos vimos inclinados a tentar responder outras perguntas. Nossas discussões sobre o tema do envelhecimento cresciam e nos debruçamos sobre problemáticas institucionalizantes, a partir disso, pensamos na possibilidade de um evento que respondesse algumas de nossas inquietações.

Com base em nossas experiências de carácter voluntário no ambiente asilar atravessadas a todo momento pelas incoerências das ações ditas de cuidado referidas a esses idosos asilados foi proposto a realização de um evento para discutir a inserção da pauta do envelhecimento populacional na agenda das políticas públicas do Brasil, e também a pluralidade e perspectiva de atenção ao idoso, direcionado a estudantes e profissionais da área da saúde e da assistência social da cidade onde atuamos. O evento teve como objetivo questionar e refletir sobre os atravessamentos do lugar posto para a velhice na contemporaneidade, assim como os marcadores envolvidos neste processo, buscando compreender de que forma estes influenciam as diretrizes de atuação institucional direcionadas idealmente a promoção de cuidado desta população.

A organização do evento foi desenvolvida pretendendo ampliar a discussão da temática proposta aos profissionais da rede pública de saúde da cidade, desejando criar espaços de troca e reflexão entre a rede de saúde pública e a universidade. Diante dessa pretensão, o Coletivo efetuou parcerias com as Secretarias Municipais para divulgação da programação do evento aos profissionais, além de divulgar nos maiores meios de mídia da região. A estruturação da programação também contou com a parceria do órgão regulador e orientador da psicologia, anteriormente mencionado, através da colaboração com indicações de convidados palestrantes e na sistematização das localidades de realização das mesas para vários espaços da cidade, em que os profissionais de saúde teriam mais acesso, sendo um desses a própria subsede regional do órgão na qual foi realizada uma mesa redonda do evento.

O evento teve duração de quatro dias, a programação foi composta por mesas e rodas de conversa ministradas por idosos, profissionais de saúde e pesquisadores especializados na área de políticas públicas e envelhecimento em que foram discutidos perspectivas e estratégias na política pública para o idoso, violências simbólicas e perspectivas de cuidado, pluralidades de envelhecimento e sexualidade, além de diálogos no geral sobre a compreensão do que se entende por velhice. Todos os encontros ocorreram no horário noturno, visando a presença dos referidos profissionais de saúde, de forma a viabilizar a participação dos mesmos para além do horário de trabalho.

A partir das discussões proporcionadas no evento e da grande participação da comunidade acadêmica e profissional surgiu o espaço coletivo do grupo de estudos. Os encontros eram realizados quinzenalmente, com duração de duas horas e meia e em localidades alternadas entre diferentes faculdades da cidade no intuito de atingir e aproximar estudantes de diversas áreas atravessadas pelas ações de promoção de saúde ao cidadão idoso.

A estruturação do cronograma desses encontros foram elaboradas em conjunto com todos os participantes. Foram realizados quatro encontros presenciais, na disposição de rodas de conversa. O primeiro apresentou a nova configuração do Coletivo, nossos objetivos e organizações, frisando a relevância de discussões multidisciplinares na área da saúde sobre o envelhecimento. No segundo, tratamos sobre a intergeracionalidade através da discussão de um texto sobre o tema e com a presença de uma psicóloga convidada. A intergeracionalidade consiste nas relações que se estabelecem entre pessoas com idades diferentes, possibilitando o atravessamento de experiências trocas, pelos novos aprendizados propiciando reflexões sobre os estereótipos que compõem o envelhecer (Silva et al., 2015).

Dando continuidade aos nossos encontros, o tema seguinte escolhido foi sobre Asilamento. O encontro discutiu sobre as vivências de perdas e lutos dos idosos institucionalizados, entendendo como os efeitos da institucionalização compromete o exercício pleno de direitos e a qualidade de vida do idoso, o priva de liberdade e sociabilidade desenvolvendo um grande sentimento de solidão.

O quarto e último encontro do ano, se deu no fim do segundo semestre de 2019, a partir da troca de produções literárias. Convidamos uma escritora idosa, que se dedica na produção de crônicas e contos, também abordando o envelhecimento, para uma partilha de suas histórias e experiências. Todos os participantes contribuíram para a composição do encontro com escritos - músicas, poemas, livros, diários. Esse grupo evidenciou a importância de um espaço de compartilhamento das vivências, histórias e afetos do sujeito idoso, uma vez que a escrita e narrativa das próprias percepções de vida beneficia a compreensão de questões acerca do próprio processo de envelhecer.

A partir de Março de 2020, a crise gerada pela pandemia de Covid-19 instituiu no Brasil o isolamento social como estratégia de controle e diminuição do contágio pelo novo vírus. Devido a essa impossibilidade de agrupamentos presenciais, as atuações e possibilidades de estudos e intervenções acerca das Velhices foram repensadas de acordo com as ferramentas virtuais disponíveis, como por exemplo, as plataformas, oferecendo gratuitamente espaços de troca, de grupos, de acolhimento, as angústias e inquietações da população que está em isolamento social.

Desde de Abril de 2020 foram realizados seis grupos de estudos online, amplamente divulgados na rede social do Coletivo. Assim como os encontros presenciais, cada encontro contava com convidados especialistas e um texto base divulgado previamente. Os primeiros dois encontros virtuais abordaram a temática do "Envelhecimento Feminino", e em seguida, mais detalhadamente a relação deste com a negritude. Nestes encontros a perspectiva do envelhecer foi analisada a partir da interseccionalidade de gênero, idade e raça, escancarando o abismo do exercício pleno de direitos e as realidades em que os sujeitos idosos estão inseridos.

Expandindo as reflexões sobre essas questões foi organizado um encontro sobre "Necropolítica e Envelhecimentos", utilizando-se do conceito já referido na introdução do presente texto. A temática foi discutida em virtude do avolumamento de atitudes geronticídicas observadas durante o período de pandemia sendo veiculadas pelas mídias, desvalorizando a importância da vida e da autonomia do idoso.

Após as discussões sobre necropolítica, que evidenciou a forma como a população idosa muitas vezes é estigmatizada, ferindo sua autonomia, seus direitos e consequentemente, sua saúde mental, propusemos um encontro sobre suicídio e envelhecimento, uma vez que, além do cenário sociopolítico atual que dificulta ainda maisa vida na velhice, as estatísticas apontam para a alta taxa de suicídio entre idosos com mais de 70 anos. Neste encontro participantes e convidados teceram juntos a importânciade uma rede de cuidados no enfrentamento aos suicídios, em especial, em idosos.

Por fim, foram elaborados três encontros com o objetivo de dar visibilidade à representatividade das vivências experienciadas por idosos nos diversos e ao mesmo tempo singulares processos de velhices. Todos esses encontros foram palestrados por pessoas idosas, partindo das narrativas de seus próprios processos de envelhecimento para transmitir conteúdos acerca das temáticas tratadas, reafirmando a importância da escuta do idoso na produção de estudos e literatura referentes a suas vivências.

No encontro "Arte e Envelhecimento" a exposição das produções de arte de duas idosas evidenciou a arte como recurso terapêutico, principalmente durante o período de isolamento social da população idosa e a importância da constante estimulação da criatividade do sujeito em oposição ao movimento de "espera da morte" presente no imaginário social sobre a velhice. O último encontro discorreu sobre a temática do envelhecimento LGBTQIA+, abordando especialmente o envelhecimento lésbico.

As práticas e encontros, sejam presenciais ou virtuais, foram deveras enriquecedoras para todos os envolvidos, visto que, recebemos devolutivas, depoimentose manifestações de diferentes ordens, que nos impulsionam a continuar trilhando os percursos na construção de uma velhice digna a todos nós, que envelhecemos a cada dia.

 

Resultados e Discussão ou Efeitos e Impactos Observados

Dentre tantas experiências, nos é possível, através da dialética entre teoria e prática, afirmarmos e ressaltamos a importância da criação de espaços de trocas de vivências para escuta e acolhimento das diversas e plurais velhices e, ainda, reafirmamos que a ampliação da escuta desses relatos contribui diretamente para a discussão da efetividade das e formulação de políticas públicas acerca do envelhecimento populacional, pois não se trata de um processo de universalização da vivência do envelhecer, mas sim de ressaltar e valorizar a singularidade de cada processo de envelhecimento que necessita ter assegurados de maneira integral seus direitos pelo Estado.

Conhecer, apresentar e compartilhar saberes técnico científicos através de diferentes áreas, e, em especial, a psicologia, nos permitiram a reflexão do quão importante se faz aconcepção de uma velhice composta por direitos como nos prevê a legislação brasileira através de suas diretrizes da Constituição Federal de 1988. Dentre suas bases, trabalhamos em prol de uma constante construção entre teoria e prática, e partir, desta conexão, pudemos viabilizar a desconstrução de discursos normativos, estigmatizantes e preconceituosos.

Os diferentes tempos verbais compartilhados por homens e mulheres de diferentes idades compuseram um cenário de inquietações e dificuldades como experienciado nas ILPIs e também pelos profissionais da saúde (tanto pública, como os vinculados a instituições privadas), da assistência social, do meio acadêmico, mas também um cenário com feixes de resistência e criação, onde pudemos viabilizar e construir formas visíveis através de nossas práticas.

Salientamos que nosso engajamento se nutre da garantia dos Direitos Humanos e ao combate ao discurso capitalista, médico-centrado e reducionista que desumaniza e desubjetiva homens e mulheres aos seus interesses econômicos. Foi também possível, a partir da análise dessas experiências virtuais, denominar as principais angústias, sofrimentos e dificuldades vividos pela população idosa, sendo estas capazes de promover processos interativos entre diferentes áreas da saúde visando a (re)construção, organização e disseminação de orientações e novas possibilidades de apropriação da autenticidade de seus próprios processos de envelhecimento(s).

 

Conclusão

Conforme fomos narrando nossas histórias e através dela podemos concluir, neste trabalho, que o Coletivo Cora Carolina, se faz e refaz, em concomitância a construção de cidadãos éticos que assumem seu lugar político de transformação de suas realidades, de seus territórios, do micropolítico ao macro, de olhares e escutas singulares.

Nossas discussões e elaborações se concentram na formação política dos seus organizadores, que contrapõe a lógica do voluntariado-assistencialista, ou ainda, de ações baseadas na caridade e benevolência, como vistas em contribuições do caráter do voluntariado nos serviços com os cuidados da pessoa idosa que servem a manutenção de práticas excludentes, onde temos a grave consequência das imensas dificuldades nos cumprimentos de medidas elaboradas pelas políticas públicas brasileiras.

Para tanto, nos fortalecemos acreditando que "somos multidão" e como nos diz Deleuze (1997), somos possíveis apenas na coletividade. E, precisamos (ainda mais na atualidade pandêmica) lutarmos para a valorização da vida, em que não podemos ser reduzidos a números e estatísticas, para tanto, nos colocamos na vanguarda de defesa dosidosos e idosaslutando pela atuação eficaz de políticas e de um governo equânime que de fato cumpra suafunção de atender as necessidades de seu povo.

Como retratou Ecléa Bosi, "o velho não tem armas. Nós é que temos de lutar por ele" (Bosi, 2004, p.81). Seguimos lutando.

 

Referências

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Contato com os autores:
Travessa Brasil, 475, Vila Fiúza
Assis, São Paulo
CEP: 19814-240
Telefone: + 55 (18) 981242727
E-mail: coletivocoracoralina@gmail.com

 

 

Sobre os autores:
Bruna Rafaele Rodrigues Campos
Discente no curso de Psicologia da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, campus de Assis. Estagiária de prática clínica de orientação psicanalítica e de envelhecimento e processos de subjetivação. Atua nas áreas de atendimento clínico e grupal de acolhimento psicológico aos enlutados pela COVID-19.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1446-0927
E-mail: bruna.rafaele@unesp.br
Camila Cuencas Funari Mendes e Silva
Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista- Faculdade de Ciências e Letras, campus de Assis, SP, Brasil. Atua como psicóloga clínica e professora universitária. Membro do Coletivo Cora Coralina e do Conselho Municipal do Idoso de Assis-SP.
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5942-6733
E-mail: camila_cfms@hotmail.com
Isabelle Sinato Pires Pereira
Graduanda em Psicologia pela instituição de ensino Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho". Atualmente estagiária na Clínica Psicanalítica e Vínculos, em ênfase de Processos Clínicos e Saúde Mental, e na Clínica Transdisciplinar: Cartografando Poderes e Resistências Territoriais, em ênfase de Políticas Públicas e Clínica Crítica.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6865-0232
E-mail: isabelle.sinato@unesp.br
Marcela Marcondes Leite
Graduada e mestranda em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", e psicanalista em formação. Atua e pesquisa nas áreas de Envelhecimentos, Luto, Diversidades e Psicanálise. Também é psicóloga voluntária da ONG Eternamente SOU.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1776-6777
E-mail: marcelamarc.leite@gmail.com
Letícia Passi Batista
Graduanda em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" – campûs de Assis. Estagiária nas áreas de Clínica Psicanalítica, Saúde Mental e Coletiva, Luto, Envelhecimentos e Processos de Subjetivação. Integrante do Coletivo Cora Coralina desde 2017. Atualmente, está inserida nas práticas de atendimento clínico e grupal de acolhimento psicológico aos enlutados pela pandemia de Covid-19.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8505-6868
E-mail: leticia.batista@unesp.br
Luan Puntel Rui
Discente no curso de Psicologia da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, campus de Assis. Estagiário de prática clínica de orientação psicanalítica e de envelhecimento e processos de subjetivação, com ênfase em psicologia social. Integrante do Coletivo Cora Coralina desde 2017.
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5839-2244
E-mail: luan.rui@unesp.br

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