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Psicologia para América Latina

On-line version ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  no.36 México July/Dec. 2021

 

Cognição Social e Heurísticas: A Influência dos Estereótipos na Tomada de Decisão

 

Social Cognition and Heuristics: The Influence of Stereotypes on Decision Making

 

Cognicion Social y Heurítica: Las Influencia de Los Estereos em la Toma de Decisiones

 

 

Adriana Leopoldina NunesI; Fábio Pinheiro SantosI

IUniversidade Brasil, São Paulo

Contato com os autores

 

 


RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a influência dos estereótipos na tomada de decisão. Para isso foi aplicado um questionário com descrições de situações/perfis a um grupo de 30 pessoas, de sexo masculino e feminino e com idade média de 31,26 anos, desvio padrão 8,9. A análise de dados foi feita de forma descritiva. Os resultados mostraram que o uso da heurística de representatividade, pela maioria dos participantes, ocorreu tanto em situações de decisão em que envolve incerteza quanto uma que não envolve incerteza; esses achados podem contribuir para entender fenômenos sociais em que mesmo com informações suficientes, indivíduos se deixam levar por estereótipos para realizar julgamentos. Apesar de suas limitações, essa pesquisa contribui para a compreensão de diversos problemas sociais podem gerar algumas reflexões acerca dos temas de julgamento, decisão, estereótipos e cognição social. Além disso, pode trazer contribuições sobre suas implicações práticas e teóricas para a área clínica, acadêmica e social.

Palavras-chave: heurísticas; tomada de decisão; cognição social.


ABSTRACT

The present work aims to analyze the influence of stereotypes in decision making. For this, a questionnaire with descriptions of situations / profiles was applied to a group of 30 people, male and female, with an average age of 31.26 years. Data analysis was performed descriptively. The results showed that the use of the heuristic of representativeness, by the majority of the participants, occurred both in decision situations in which it involves uncertainty and one that does not involve uncertainty; these findings can contribute to understanding social phenomena in which even with sufficient information, individuals are led by stereotypes to judge social categories. Despite its limitations, this research contributes to the understanding of several social problems and can generate some reflections on the themes of judgment, decision, stereotypes and social cognition. In addition, it can bring contributions about its practical and theoretical implications for the clinical, academic and social areas.

Keywords: heuristics; decision making; social cognition.


RESUMEN

El presente trabajo tiene como objetivo analizar la influencia de los estereotipos en la toma de decisiones. Para esto, se aplicó un cuestionario con descripciones de situaciones / perfiles a un grupo de 30 personas, hombres y mujeres, con una edad promedio de 31.26 años. El análisis de los datos se realizó de forma descriptiva. Los resultados mostraron que el uso de la heurística de la representatividad, por la mayoría de los participantes, se produjo tanto en situaciones de decisión en las que implica incertidumbre como en una que no implica incertidumbre; Estos hallazgos pueden contribuir a comprender los fenómenos sociales en los que, incluso con suficiente información, los individuos son guiados por estereotipos para juzgar las categorías sociales. A pesar de sus limitaciones, esta investigación contribuye a la comprensión de varios problemas sociales y puede generar algunas reflexiones sobre los temas de juicio, decisión, estereotipos y cognición social. Además, puede aportar contribuciones sobre sus implicaciones prácticas y teóricas para las áreas clínica, académica y social.

Palabras clave: heurística; toma de decisiones; cognición social.


 

 

Introdução

A cognição social é um campo de pesquisa da Psicologia que surgiu em meados da década de 70. Representa uma abordagem conceptual e empírica genérica que procura compreender e explicar como as pessoas percebem a si próprias e aos outros, e como essas percepções permitem explicar, prever e orientar o comportamento social (Garrido, Azevedo & Palma, 2011).

A cognição social foi rapidamente incorporada, tanto teórica, quanto metodologicamente, em vários domínios da Psicologia. Barone, Maddux e Snyder (1997) sugerem que a cognição socia atual evoluiu a partir de quatro grandes tradições em psicologia: a tradição gestaltista, a teoria social da aprendizagem, o construtivismo e a teoria do processamento de informação, sendo a esta última, a mais marcante no que se refere a constructos teóricos e metodológicos. Um aspecto intrínseco desta abordagem é que os estudos dos fenômenos sociais, como a formação de impressões, estereótipos e questões de personalidade, são realizados através da investigação das estruturas e processos cognitivos pelos quais operam (e.g., Hamilton, Stroesser, & Driscoll, 1994; Sherman, Judd, & Park, 1989).

Os primeiros desenvolvimentos da cognição social foram marcados pela investigação dos fundamentos cognitivos dos fenômenos sociais, por meio do modelo do processamento da informação, assumindo que o indivíduo no contexto social é alguém que se encontra virtualmente embrenhado de alguma forma de informação. Partindo do princípio de que em qualquer circunstância cotidiana, a pessoa precisa dar atenção e codificar informações do contexto social, interpretar e elaborar essas informações através de processos avaliativos, inferenciais e atribucionais, representando esse conhecimento na memória para ser posteriormente recuperado e utilizado, em processos de pensamento e julgamento e para guiar o comportamento (Hamilton et al., 1994).

A teoria do processamento de informação usa como metáfora o computador para comparar a mente humana e também como ferramenta metodológica para simulações de processos cognitivos. A simulação é feita através de programas de computador para reproduzirem as diferentes fases de processamento da informação, explorando o modo como a informação é processada não só por meio da aplicação das regras formais da lógica e da matemática, mas também pela aplicação de estratégias heurísticas, que consistem numa forma automática e irracional de tomar decisões (Newell & Simon, 1961).

A constante preocupação em identificar os mecanismos internos inerentes à cognição e ao comportamento conduziu ao interesse na utilização de medidas complementares como identificação de aspectos estado emocional, contexto, crenças, às medidas tradicionais da cognição social. Assim, novos paradigmas foram sendo formulados, como a Cognição Social Situada que questiona as concepções individualistas (Smith & Semin, 2004; 2007), sustentando que os processos sociocognitivos são permeáveis aos objetivos do percipiente social, de acordo com Sinclair e Kunda (1999), ao seu estado emocional na situação conforme DeSteno, Dasgupta, Bartlett e Cajdric, (2004), ao contexto comunicativo segundo Norenzayan e Schwarz (1999) e aos constrangimentos do próprio corpo (e.g., Barsalou, 1999).

Por outro lado, as críticas de que Cognição Social Situada considera a atividade cognitiva restringida apenas aos outros agentes sociais e as situações, não considerando o próprio indivíduoez nascer um conjunto de metodologias que permitiam localizar e empreender uma avaliação compreensiva dos processos cerebrais subjacentes à cognição e comportamento social, e fundamentam hoje o que é chamado de Neurociências Sociocognitivas, que buscam estudar os mecanismos neuronais que estão subjacentes aos processos socioscognitivos (e.g., Blakemore, Winston, & Frith, 2004). Assim, o que se conhece por Cognição Social, atualmente, dentro da Psicologia busca compreender os aspectos tanto sociais, como neurocognitivos dos indivíduos, dando a importância das suas particularidades, mas também ao contexto social no qual é inserido.

Tomada de Decisão e Estereótipos

A teoria da racionalidade limitada, desenvolvida por Simon (1997), chamou atenção para as limitações dos processadores humanos de informação e dos constrangimentos, que a quantidade e diversidade da informação e as capacidades de computação, limitadas impõem à tomada de decisão. Esta proposta veio a estabelecer determinados limites às concepções sociocognitivas sobre os processadores humanos de informação, supostamente dotados de racionalidade e de infinitas capacidades de processamento.

As pesquisas sobre tomada de decisão na década de 70 partiam do princípio de que o ser humano não é capaz de dominar a racionalidade, contrariando as concepções oriundas das pesquisas clássicas sobre tomada de decisão cuja origem foi nas Ciências Econômicas. Neste novo contexto a tomada de decisão é permeada pelo julgamento, que é considerado como a avaliação de duas ou mais opções, sendo tomada de decisão, a escolha realizada entre as alternativas dadas, sendo essas funções independentes e complexas, mas inter-relacionadas (Plous, 1993; Tversky & Kahneman, 1981).

Tversky e Kahneman (1974) trouxeram a ideia de que quando a pessoa tem que decidir, faz uso de dois sistemas cognitivos: um de funcionamento automático e rápido e outro de ação lenta e sistemática. Segundo os autores, esses dois sistemas se apoiam em um número limitado de atalhos cognitivos, heurísticas e vieses, que reduzem as tarefas complexas de avaliar probabilidades de valores a operações mais simples de juízo; esses atalhos são úteis, mas podem levar a erros graves e sistemáticos.

Plous (1993) conceitua as heurísticas como regras gerais de influência utilizadas pelos sujeitos para chegar aos seus julgamentos em tarefas decisórias de incerteza e os vieses como uma tendência a usar mais frequentemente determinadas heurísticas para decidir. O autor mostra como vantagens do uso de heurística e vieses a redução do tempo e dos esforços empreendidos para que sejam feitos julgamentos razoavelmente bons. Assim, as heurísticas são geralmente úteis, mas por serem um recurso automático podem levar a erros severos e sistemáticos de julgamento (Tversky & Kahneman, 1974).

Uma das heurísticas mais estudadas no processo das decisões é a heurística da representatividade, que segundo Kahneman (2012) funciona como uma comparação para avaliar se um alvo específico pertence à determinada categoria, por parecer típico ou representativo dela. Bazerman (1994) afirma que esse tipo de heurística é uma forma de decisão enviesada por estereótipo, onde as bases do julgamento são modelos mentais de referência. Neste caso o representante é considerado um protótipo usado para representar categorias na tarefa de previsão sendo que a probabilidade, por exemplo, de um indivíduo pertencer a uma categoria especifica é julgado pelo grau em que este indivíduo se assemelha, é representativo, ao estereótipo desta categoria (Frederik & Kahneman, 2005).

Embora estereotipar seja um processo cognitivo natural e crucial para o ser humano entender o mundo, esse processo também tem suas desvantagens. Os estereótipos funcionam como uma generalização de informações pré-concebidas que facilitam o processo de tomada de decisão que podem causar erros no processamento de informação, julgamento e decisão em relação às diversas categorias sociais.

Diversos autores têm mostrado a importância de se levar em conta os efeitos dos estereótipos nas mais diversas áreas em que é necessário tomar decisões como, em ambientes judiciais, organizacionais, de saúde, entre outros. (e.g., Alves, 2019; Gomide et al., 2010; Ramos & Felix, 2019). Assim, tornam-se cada vez mais necessário entender os processos cognitivos envolvidos no processo de tomada decisão e as influências que os estereótipos podem ter sobre eles.

O ensaio realizado por Alves (2019) discorre sobre a importância de se avaliar a imparcialidade no julgamento de juízes, considerando que, um juiz como julgador e humano dotado de sistemas cognitivos automáticos e irracionais, pode não avaliar os casos apenas com base nos princípios do direito, mas ser influenciado por uma percepção estereotipada dos casos fazendo comparações com casos semelhantes. Além disso, ele aponta a influência de fatores internos e externos como influência da mídia, da opinião pública, preferências político-ideológicas e crenças pessoais, que podem funcionar como um viés cognitivo.

Já o estudo realizado por Gomide et al. (2010) mostrou resultados preliminares a respeito dos estereótipos dos profissionais de saúde, em relação a usuários de álcool. Mostrando a importância de se avaliar os estereótipos e outros componentes, como crenças e atitudes desses profissionais, para a melhoria dos serviços de saúde e do atendimento para essa população, com o propósito de garantir um atendimento igualitário e aponta uma possível revisão na formação desses profissionais.

Neste sentido o estudo dos estereótipos torna-se importante para entender fenômenos cognitivos e sociais. Assim nesta pesquisa busca-se entender a relação entre estereótipos sociais e a tomada de decisão, buscando identificar através da aplicação de um questionário a um grupo de trinta pessoas, as justificativas de escolhas durante as situações de julgamento e decisão e sua relação com os estereótipos sociais. Estudos como esse se tornam importantes ferramentas para a compreensão de diversos problemas sociais como o preconceito e a discriminação em diversas esferas e contextos sociais e podem contribuir com algumas reflexões acerca dos temas de julgamento, decisão, estereótipos e cognição social.

 

Método

Participantes

A pesquisa foi composta por 30 participantes adultos de uma universidade particular e em uma escola estadual, na cidade de São Paulo, no estado de São Paulo, Brasil. A média das idades foi de 31,26 anos (desvio padrão 8,9). Sendo 66,66 % declarantes do sexo feminino e 33,33 % do masculino. Em relação à escolaridade 10% tinham ensino fundamental incompleto, 40% ensino médio incompleto, 30% superior incompleto e 20 % superior completo.

Instrumentos

Para a realização da pesquisa utilizou-se de um questionário estruturado em duas questões, confeccionado pelos próprios pesquisadores exclusivamente para esta pesquisa. questão um foi dividida em duas etapas, a primeira continha quatro perfis de profissionais: professor, médico, artista e vendedor; seguidos de alternativas com 40 possíveis características contemplando habilidades e competências (e.g. escreve bem, comunica-se bem, planejador, competente, etc.); personalidade (e.g. confiante, perfeccionista, empático, curioso, etc.) e aparência (e.g. baixo, jovem, indígena, asiático, gordo, magro, etc.) em que os participantes deveriam escolher quais delas achavam necessárias à cada perfil. As alternativas não eram excludentes, os participantes poderiam marcar mais de uma alternativa.

Na etapa dois da primeira questão pediu-se que fosse marcado quais dos 4 perfis apresentados na primeira etapa merecia ser contratado para trabalhar formalmente em uma empresa e em seguida que justificassem sua decisão. O objetivo da primeira questão foi avaliar se as características escolhidas como necessárias aos perfis seriam usadas como um caminho cognitivo para a escolha do perfil merecedor de ser contratado ou como justificativa dessa escolha.

A questão dois também foi dividia em duas etapas, na primeira foram apresentados três perfis de alunos de Graduação em Mecatrônica de nomes Neji Harurki, Felipe Vila Verde e Maíra Muller eram participantes de um concurso de robótica. As características de formação universitária dos alunos eram idênticas, sendo que variaram apenas o sexo e a origem do sobrenome; pediu-se aos participantes que escolhesse qual deles era mais provável de ser o vencedor da competição. Em seguida, na segunda etapa da questão dois, pediu-se que justificassem o porquê da escolha na da etapa anterior. O objetivo foi de analisar quais critérios seriam usados para justificar a decisão em que um aluno que com a maior chance de ganhar a competição de robótica e ser contratado por uma empresa muito bem conceituada na área de Tecnologia e Inovação. Os três alunos tinham 24 anos e sempre tiveram boas notas durante toda a graduação, assim o único parâmetro que os participantes tinham para decidir quem seria o ganhador foram os nomes dos candidatos ou o sexo.

Procedimentos

A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética e aprovado com número de registro: 89291618.2000.5494. O contato com os participantes foi realizado pessoalmente durante intervalos de aulas em uma universidade particular e em uma escola estadual na cidade de São Paulo, Brasil. Os locais foram escolhidos por conveniência, facilidade de acesso e custo. Os maiores de dezoito anos, entre alunos e funcionários que aceitavam participar da pesquisa eram direcionados a uma sala afastada e tranquila para que pudessem se acomodar para responder o questionário. Antes de entregar o questionário aos participantes, era explicado sobre o tema e os objetivos gerais da pesquisa e recolhidas às assinaturas do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), após a assinatura do termo era entregue o questionário. A duração média de aplicação do questionário foi estipulada para dez minutos.

Análise de dados

Para a análise dos dados utilizou-se da estatística descritiva, fazendo-se uma análise quantitativa por meio da verificação de frequências das opções marcadas e das justificavas apresentadas pelos respondentes.

 

Resultados

Na primeira etapa da questão um onde foi pedido para escolher as características que mais eram necessários a cada perfil (professor, médico, artista e vendedor) as opções mais frequentemente marcadas para cada perfil podem ser observadas na Tabela 1.

 

 

As características com maior média ponderada nos 30 questionários foram selecionadas respeitando as áreas de personalidade, habilidades e competências e aparência para cada perfil. As alternativas mais frequentemente marcadas foram às relacionadas a habilidades, competências e personalidade enquanto as alternativas menos marcadas foram às relacionadas à aparência.

Na segunda questão, dos quatro perfis apresentados o mais escolhido foi o professor. O cálculo foi realizado de maneira percentual e as justificativas das escolas foram compiladas. A escolha do Professor foi feita por 56,66% e foi utilizada como justificativa com a visão de que o professor é um profissional dinâmico, humanista e que lida com vários tipos de situações em seu dia a dia e que é um profissional importante por formar outras profissões, e necessário para a melhoria da qualidade na educação. A escolha da figura do Médico foi justificada por 30,00%, por ser um profissional que cuida das pessoas e que é necessário para a qualidade da saúde, juntamente com a visão de que a saúde é uma riqueza. O perfil de Artista foi escolhido por 6,66% com a justificativa de que ele é um profissional versátil, que possui várias habilidades. Já o Vendedor foi escolhido por 6,66% com a justificativa de que é um profissional com habilidades na comunicação, com persuasão e criatividade.

Já na terceira questão foram apresentados três perfis de alunos de graduação em Mecatrônica, participantes de um concurso de robótica. As opções com maior frequência de marcação foram os nomes Neji Haruyuki e Felipe Vila Verde, como mostrado na Figura 1.

 

 

Na quarta e última questão onde o participante deveria justificar o porquê da escolha na questão anterior, observa-se na Tabela 2 que as justificativas mais apontadas foram referentes aos nomes de origem asiáticos: (Neji Haruyiki) e europeu (Maira Muller). Para o primeiro nome as escolhas foram justificadas, segundo os participantes, por ser um nome de origem oriental, por asiáticos serem mais inteligentes e melhores em tecnologia. Já no segundo nome as justificativas não foram relacionadas à origem do nome, mas sim pelo sexo, foi escolhida por ser mulher, por que mulheres são mais perfeccionistas, ou porque as mulheres estão mais independes e ocupando novos espaços.

 

 

Discussão

Na primeira situação em que foram apresentadas 40 características que englobam tanto habilidades, competências, características de personalidade e de aparência e pedir para escolher quais delas seriam mais necessárias aos quatro perfis, notou-se que características de personalidade, habilidades e competência (e.g. atencioso 80% e comunica-se bem 80%) foram mais frequentemente marcadas do em comparação com as características físicas e de aparência (e.g. Oriental, Asiático aproximadamente 5%).

Ainda nessa questão perfil escolhido como mais merecedor de ser contratado foi o do Professor. Os participantes que decidiram baseados nas características que eles mesmos elencaram como mais importantes para o perfil escolhido foi à minoria, a maior parte justificou suas decisões com ideias subjetivas sobre como o profissional deveria atuar, com base na afinidade pela profissão, com base na importância da profissão, assim, mesmo tendo como decidir as características ideais para cada perfil , ao fazê-lo, não as utilizaram como parâmetros de decisão.

Segundo Tversky e Kahneman (1974) as pessoas se utilizam de dois sistemas cognitivos: um de funcionamento automático e rápido (Sistema I) e outro de ação lenta e sistemática (Sistema II). Essa questão foi elaborada de forma que a decisão, a princípio não envolvesse incerteza, pois os próprios participantes poderiam eleger os parâmetros de seus julgamentos, utilizando-se do Sistema II, de avaliação sistemática e lenta. Mas ao decidir, percebeu-se que a maioria não levou em conta esses parâmetros que elencaram como sendo necessários a cada perfil, se utilizando de estereótipos como uma forma de decidir e justificar. Para Bazerman (1994) os estereótipos são comparados com as heurísticas, funcionando como um viés de julgamento sendo que a utilização desse tipo de caminho cognitivo automático e rápido é esperada em situações que envolvem condições de incerteza.

Era esperado que o sistema lento e sistemático prevalecesse nas três etapas da questão, mas ocorreu que na segunda e terceira etapas houve a substituição da análise sistemática pelo uso da heurística de representatividade, mesmo quando o participante detinha todas as informações, estas que ele mesmo havia elencado como importantes. Simon (1997) já havia chamado atenção para as limitações dos processadores humanos de informação, afirmando sobre os constrangimentos que a quantidade e diversidade da informação podem estabelecer limites do processamento de informação humana.

Assim, o uso de um sistema cognitivo lento e sistemático na primeira parte da questão não interferiu nos resultados na segunda e terceira etapas onde era esperada essa interferência. Mesmo com um julgamento bem estabelecido previamente, no momento da decisão, a maioria fez uma decisão enviesada utilizando estereótipos como heurísticas de julgamento.

Na última questão do questionário o objetivo foi de analisar quais critérios seriam usados para justificar a decisão em que um aluno que com a maior chance de ganhar a competição de robótica e ser contratado por uma empresa muito bem conceituada na área de Tecnologia e Inovação. Os três alunos tinham 24 anos e sempre tiveram boas notas durante toda a graduação, assim o único parâmetro que os participantes tinham para decidir quem seria o ganhador foram os nomes dos candidatos ou o sexo.

Os nomes com maior frequência de marcação foram Felipe Vila Verde (36,66%) e Haruyuki (36,66%), em último lugar ficou o nome Maíra Muller com 23,33%. As categorias mencionadas para justificar as escolhas, na segunda parte desta questão, demonstram que a decisão, na maioria das vezes, foi baseada em ideias próprias dos participantes em relação aos estereótipos relacionados à origem dos nomes e aos gêneros feminino e masculino.

Já na segunda etapa dessa questão, os participantes não tinham controle sobre o nível e quantidade das informações, pois elas foram previamente dadas a eles, mas a informações fornecidas não poderiam servir como parâmetro para comparação já que as características eram exatamente iguais para os três perfis. Assim, os participantes tinham que escolher sob condições de incerteza, apenas com base nos nomes apresentados nas alternativas, pois o restante da descrição era idêntico para os participantes da competição. Era esperado que os participantes fizessem o uso do sistema II, de análise lenta e sistemática para seu julgamento e decisão, mas apenas aproximadamente 20% admitiram que não sabiam como escolher; se negaram a fazer uma escolha apenas com base no nome ou alegaram que as informações eram incompletas e superficiais.

Os aproximadamente 80% restante, fizeram a escolha pelo uso do Sistema I, de análise rápida e automática; maioria decidiu entre os dois perfis masculinos, sendo um de origem asiática e o outro latino, mas a justificativas baseadas em estereótipos foram mais frequentes para os nomes de origem asiática e europeia, sendo que neste último, eram referentes ao fato de o nome ser feminino e não especificamente pela origem do nome de fato.

Frederik e Kahneman (2005), já mostravam que a eleição de um representante geralmente é feita para representar uma categoria em situações de decisão sobre incerteza . Nesses casos, um protótipo geralmente é usado na previsão da a probabilidade de um indivíduo pertencer a uma categoria específica julgando-o pelo grau em que se assemelha ao estereótipo desta categoria. Em conformidade com os autores, por não terem parâmetros e descrições profundas dos perfis a maioria dos participantes justificou a escolha do nome através do sistema de crenças automáticas, neste caso, a heurística da representatividade que segundo Kahneman (2012) funciona como uma comparação para avaliar se um alvo específico pertence à determinada categoria, por parecer típico ou representativo dela. Assim nesta última questão o sistema de análise sistemática não chegou a ser utilizado pela maioria dos participantes, ocorrendo novamente o uso do estereótipo como um parâmetro heurístico de julgamento e decisão.

 

Considerações finais

O uso da heurística de representatividade, pela maioria dos participantes, mesmo em situações de decisão em que não envolveu incerteza, pode contribuir para entender melhor fenômenos sociais em que mesmo com informações suficientes. Indivíduos se deixam levar por estereótipos para julgar categorias sociais.

Além disso, levanta a hipótese de que a tomada de decisão é um processo cognitivo, no qual a quantidade e o nível de informação, podem não ser um fator determinante ou não ter forte influência no uso de estereótipos, como uma forma heurística e enviesada de julgamento e decisão.

Deve-se ressaltar a complexidade do fenômeno estudado e levar em conta aspectos sustentados pela Cognição Social Situada, lembrando que os processos cognitivos são permeáveis aos objetivos do percipiente social ao seu estado emocional na situação ao contexto comunicativo e aos constrangimentos do próprio corpo.

Dentre as limitações dessa pesquisa ressalta-se número amostral pequeno e a utilização de um instrumento de pesquisa não validado (questionário confeccionado pelos próprios pesquisadores exclusivamente para essa pesquisa). Mesmo diante dessas limitações, foi possível obter dados preliminares sobre a relação entre estereótipos sociais e sua influência no processo cognitivo da tomada de decisão. Assim, fica aqui um campo a ser explorado em pesquisas futuras.

Estudos como esse que levam em conta o uso de estereótipos na tomada de decisão, tornam-se relevantes para entender fenômenos cognitivos complexos como a formação de primeiras impressões, estereótipos e questões de personalidade e problemas sociais como o preconceito e a discriminação. Assim os resultados aqui obtidos podem gerar algumas reflexões acerca dos temas de julgamento, decisão, estereótipos e cognição social.

Ressalta-se também a importância de se submeter às hipóteses aqui testadas aos procedimentos da Neurociência Cognitiva que vem contribuindo cada vez mais para o entendimento do processo decisório humano.

 

Referências

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Contato com os autores:
Rua Carolina Fonseca, 584, Itaquera
São Paulo-SP, Brasil
CEP: 08230-030

Recebido em: 31/03/2020
Reformulado em: 16/08/2020
Aceito em: 26/09/2020

 

 

Nota dos autores:
Agradecimento: PICT – Universidade Brasil – Campus Itaquera – São Paulo – SP.
Sobre os autores:
Adriana Leopoldina Nunes
Graduada em Psicologia pela Universidade Brasil, pós-graduanda em Análise do Comportamento Aplicada ao TEA e Psicóloga Clínica. Durante a graduação foi bolsista de iniciação científica, tendo desenvolvido pesquisa sobre heurísticas de decisão e estereótipos sociais. Atualmente atua na área clínica no atendimento às crianças autistas. Interessa-se pelas abordagens cognitivas e comportamentais, com foco nos temas: autismo, julgamento, decisão, escolha, ilusão de controle, comportamento supersticioso, autocontrole e compromisso.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9015-3486
E-mail: adriana.nunes73@yahoo.com
Fábio Pinheiro Santos
Mestre em Psicologia da Saúde (2006) e bolsista Capes, pela Universidade Metodista. Especialista em Psicopedagogia (2010) pela Universidade Cruzeiro do Sul. Possui Licenciatura, Bacharelado e formação Clínica em Psicologia pela Universidade Camilo Castelo Branco (2003), durante a graduação foi bolsista na Iniciação Científica - Unicastelo. Possui experiência nas áreas: Clínica, Institucional e Social. Atua com os públicos: famílias em situação de vulnerabilidade social, mulheres vítimas de violência doméstica, adolescentes grávidas e jovens mães, adolescentes com medidas protetiva e socioeducativas em projetos sociais. Atua no Terceiro Setor como consultor. Possui experiência como Professor e Supervisor clínico. É orientador de TCC, professor e tutor em disciplinas do curso de EaD 20% e 100% na Universidade Brasil. É Membro do Núcleo Docente Estruturante – NDE e do colegiado do Curso de Psicologia, na Universidade Brasil do Campus São Paulo. Atua também como psicólogo clínico e supervisor na abordagem TCC desde 2004 em clínica particular.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4102-6840
E-mail: fabiopps@yahoo.com.br

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