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Epistemo-somática

versão impressa ISSN 1980-2005

Epistemo-somática v.3 n.2 Belo Horizonte dez. 2006

 

ARTIGOS

 

Equipe de saúde: cuidadores sob tensão

 

Health team: helpers under tension

 

 

Eugenio Paes Campos*

Fundação Educacional Serra dos Órgãos – FESO – Teresópolis/RJ

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é analisar a experiência de uma equipe de saúde cujo funcionamento propiciou que atuasse como cuidadora de si mesma. A equipe estava inserida num programa de atendimento a hipertensos, estruturado com base no conceito de suporte social, centrado na reunião de profissionais de diversos saberes e na formação de grupos de pacientes - os grupos de suporte. Descreve-se a estruturação do programa e analisa-se a dinâmica da equipe de saúde, a partir de entrevistas realizadas com nove profissionais que dela participavam, focando o modo como vivenciavam seu relacionamento. Com base nesses depoimentos, procura-se mostrar a similitude do que ali ocorria com a dinâmica descrita por Winnicott relativa ao holding e à sua continuidade na vida adulta. Conclui-se que uma equipe de saúde pode ser cuidadora de si mesma desde que experimente, no seu interior, uma dinâmica de relacionamento semelhante àquela vivenciada, através de um bom holding, nos primórdios do desenvolvimento.

Palavras-chave: Cuidadores, Equipe de saúde, Holding, Suporte social, Estresse.


ABSTRACT

This paper aims to analyze the experience of a health team whose functioning brought them to provide help for themselves. The team was inserted in a program to help people with high blood pressure. This program had been structured based on the concept of social support, centered in the gathering of professionals from several knowledge fields and in forming groups of patients - the support groups. This was achieved by means of describing the program’s structuring and analyzing the team’s dynamics from the interviews performed with nine of its professionals, focusing on how they interacted. Based on those interviews, it was sought to show similarities between what happened there and dynamics described by Winnicott regarding the holding and the continuity throughout their adult lives. The conclusion is that a health team may help themselves, as long as there is, within the team itself, an interaction dynamic similar to the one lived through a good holding since its early development.

Keywords: Helpers, Health team, Holding, Social support, Stress.


 

 

O profissional de saúde é um cuidador sob constante tensão. Seu objeto de trabalho é uma pessoa doente. Alguém atingido na integridade física, psíquica e social. Alguém que expressa sofrimento, que corre, muitas vezes, risco de vida e toda a mobilização que isso provoca no próprio doente, nos amigos e familiares que o cercam, exigindo do profissional resultados quantas vezes superiores à possibilidade humana de alcançá-los.

No que tange às condições de trabalho, dir-se-á, com razoável segurança, que não são adequadas para a maioria desses profissionais. Os recursos tecnológicos, embora maciçamente divulgados na mídia, tantas vezes inexistem nos postos de saúde ou nos hospitais. Os medicamentos e os procedimentos diagnósticos ou terapêuticos são inacessíveis à maioria da população que não tem poder aquisitivo para comprá-los. O profissional vê-se obrigado a atender bem, mas sabe que não tem os recursos adequados para fazê-lo. Os salários de grande parte dos profissionais de saúde são baixos. Por outro lado, a necessidade de se manterem atualizados é enorme e as oportunidades de capacitação e aperfeiçoamento são reduzidas, por falta de tempo e de recursos. O profissional é levado sorrateiramente (ou acintosamente) para o despreparo e a incompetência.

O intercâmbio entre profissionais é pequeno na medida em que tradicionalmente o relacionamento com os pacientes se faz diretamente - e isoladamente - através da díade profissional-paciente. Não é praxe (embora isso ocorra) atender em equipe. O ambiente clássico do atendimento ainda é o consultório ou ambulatório e, mesmo numa emergência ou enfermaria, cada profissional atende seu paciente isoladamente. Tal isolamento contribui para a visão fragmentada dos pacientes, pois como o volume de informações científicas e habilidades técnicas cresce assustadoramente, mais ”especialistas” se tornam os profissionais, o que os distancia da visão integrada que deveriam ter dos seus pacientes.

Por outro lado, mesmo quando a consciência da importância da troca entre profissionais ocorre, nem sempre existe disponibilidade de tempo. As pessoas de um modo geral, e os profissionais de saúde em particular, andam muito apressadas, têm agendas cheias de compromissos que as impedem de manter encontros tantas vezes necessários.

Embora a intensidade dos aspectos aqui analisados varie de acordo com a categoria profissional ou com a especialidade, sua existência se faz sentir sempre, mesmo naqueles que só indiretamente são responsáveis pelos pacientes, como no caso das recepcionistas e atendentes. O ambiente vivenciado, o clima, o envolvimento de grupo é o mesmo. Todos têm, como objeto de trabalho, o ser humano doente. Todos são obrigados, de algum modo, a conviver com a doença e suas conseqüências. Todos são obrigados a conviver com emoções, sentimentos e conflitos intensos presentes nos pacientes, nos familiares e nos próprios profissionais. São desafiados na sua auto-estima diante da expectativa de onipotência que não têm. São obrigados a conviver com a frustração e a impotência. São compelidos a se superarem adotando comportamentos desprazerosos como forma de obter resultados satisfatórios. Todos são obrigados a se confrontar com a realidade da doença e da morte, apontando-lhes a temida, mas inarredável finitude.

Não é à toa que a incidência de distúrbios somáticos e psíquicos, abuso de drogas e até suicídios seja muito elevada entre os profissionais de saúde. Uma série de estudos citados por Alonso e Granado (2001) e realizados em diferentes países aponta para alta prevalência da síndrome do burnout entre os profissionais de saúde, embora ela não seja exclusiva desses profissionais. Os sintomas mais comuns identificados são: cansaço, ansiedade, irritabilidade, indiferença, pessimismo, pensamentos obsessivos, perda da auto-estima, transtornos físicos (somatizações), consumo de álcool e psicofármacos, insônia, depressão e até suicídio. Ocorrem distúrbios nas relações familiares e deterioração das relações de trabalho como absenteísmo, atitudes defensivas, baixa de rendimento, sensação de estafa, incapacidade de se concentrar nas tarefas cotidianas, de se relacionar adequadamente com seus pares e com os próprios pacientes.

 

E quem cuida do cuidador?

Desde a década de 70, segundo Caplan et al. (1976), os profissionais de saúde vêm sendo estimulados a funcionarem como suportes sociais para seus pacientes, seja individualmente, seja em equipe. Observa-se que é extensa a literatura sobre grupos de suporte voltados para pessoas e situações de doença ou estresse. Seu uso vem se difundindo, seja em ambulatórios, hospitais ou ambientes comunitários através de grupos de hipertensos, diabéticos, gestantes, aidéticos, vítimas de violência sexual, conduzidos por equipes de médicos, enfermeiros, psicólogos, etc.

Por outro lado, se considerarmos o estresse cotidiano em que vivem tais profissionais no contato direto com o sofrimento e a morte, fácil é imaginar que, também eles, estejam vulneráveis à doença. Os profissionais de saúde, tanto quanto os pacientes, demandam a necessidade de apoio e suporte, mas poucos são os trabalhos que os enfocam, não enquanto ”cuidadores”, mas enquanto pessoas demandando ”cuidados”. Alguns autores têm mencionado a importância de se oferecer suporte aos provedores de cuidados (Caplan et al. 1976; Gottlieb, 1983; Di Matteo e Hays, 1983). A tendência é propor a existência de cuidadores de cuidadores. Aliás, isto já é freqüente, por exemplo, em relação a familiares de pessoas idosas, como demonstra a excelente revisão de Vrabec (1997). Tais propostas, todavia, procuram dar suporte aos profissionais já enfermos. A questão que se coloca é: como evitar que eles adoeçam?! Ou, pelo menos, como minimizar a possibilidade de que eles adoeçam?! Talvez pelo fato de se depositar no profissional de saúde (e sobretudo no médico) expectativa de superação ou domínio sobre a doença e a morte, há uma crença generalizada de que esses profissionais não adoecem nem morrem. O médico, principalmente, tem muita dificuldade em revelar seus padecimentos. Esconde sua fragilidade, alimentado pela crença de ser onipotente.

A conseqüência se mostra nas poucas iniciativas de apoio e cuidado aos profissionais de saúde no exercício do seu trabalho. A literatura é escassa a respeito. Soubemos da iniciativa de criação, em 1998, do ”Programa de Atenção à Saúde do Médico Enfermo - PAIME”, através de convênio entre o Departamento de Sanidade da Generalidade da Catalunha e o Colégio Oficial de Médicos de Barcelona e, no Brasil, a partir de 2003, quando o Conselho Federal de Medicina instalou comissão com a finalidade de elaborar um programa semelhante ao espanhol, voltado aos médicos brasileiros.

Parece-nos, todavia, que as propostas formuladas estão dentro do modelo atual que privilegia a doença, na medida em que se propõem a cuidar do profissional já enfermo. Outras propõem estruturas de cuidadores para cuidadores, numa seqüência interminável, quando, na verdade, o desejável seria que houvesse formas de sustentação, apoio ou suporte ao profissional no decorrer do seu exercício, de modo a evitar ou minimizar a eclosão de desequilíbrios somáticos, psicológicos ou sociais.

Uma tendência é oferecer grupos de reflexão sobre a tarefa profissional como meio de suporte aos cuidadores, o que nos parece interessante. Não há, todavia, na literatura pesquisada, trabalhos que apresentem a proposta de ser, a própria equipe, cuidadora de si mesma. Nossa tese (Campos, 2004; Campos, 2005) lança mão da teoria de Winnicott e, particularmente, do conceito de holding, para sustentá-la, e se apóia na experiência vivida num Programa de Atendimento a Hipertensos, pelo SUS, do qual participamos desde 1987 até 1996. Partimos do princípio de que o cuidador também precisa ser cuidado. Precisa de alguém que lhe dê suporte, que lhe ofereça proteção e apoio, facilitando seu desempenho, compartilhando, de algum modo, sua tarefa. Necessita de alguém alcançável e capaz de funcionar como suporte. Se considerarmos que a tarefa da equipe é oferecer cuidado e suporte aos seus pacientes, tal desejo propiciará a possibilidade de que os profissionais também cuidem uns dos outros. Esmiucemos essas idéias.

 

Suporte social e efeitos sobre o estresse

O conceito de suporte social foi sendo construído nos campos da psicologia social e da saúde comunitária, em torno de duas idéias básicas: de um lado, o estabelecimento de vínculos interpessoais, grupais ou comunitários próximos, proporcionando sentimento de proteção e apoio às pessoas envolvidas e, de outro, a repercussão desses vínculos na integridade física e psicológica dos indivíduos.

Em 1974, Cassel, citado por Gottlieb (1983), relacionou fatores ambientais com saúde e doença, ao identificar pessoas que pareciam não ser afetadas pelo ambiente externo por terem acesso a processos psicossociais protetores da saúde. Ele (Cassel) se referiu a esses processos como suportes sociais providos por grupos primários de maior importância para o indivíduo. Bloom, também citado por Gottlieb, corroborou a idéia de que os suportes sociais constituem importante recurso neutralizador dos efeitos do estresse. Inúmeros estudos foram mostrando que o suporte ajuda as pessoas a enfrentarem o estresse ambiental, ou seja, diminui seus efeitos deletérios (Wolf, 1971; Groen, 1971; Groen, 1975; Cobb, 1976; Eckenrode e Gore, 1983; Gottlieb, 1983; Kaplan e Toshima,1990; Sarason, Sarason e Pierce,1990; Eskin, 1993; Strogatz, 1997). Em 1976, Gerald Caplan e Marie Killilea publicaram livro com o título “Support Systems and Mutual Help”, em que buscam sistematizar o constructo “suporte social” ao analisarem e descreverem os vários sistemas de suporte que permeiam a coletividade humana. Para Caplan e Killilea, os sistemas de suporte implicam padrões duradouros de vínculos que contribuem de maneira significativa para a manutenção da integridade física e psicológica do indivíduo.

No mesmo ano, Sidney Cobb publicou artigo acerca dos efeitos moderadores do suporte social sobre o estresse. Ali, Cobb discute o conceito do que sejam suportes sociais. E diz tratar-se de uma determinada forma de relacionamento grupal em que prevalecem as trocas afetivas, os cuidados mútuos e a comunicação franca e precisa entre as pessoas. A rede grupal constituída é solidária, tem papéis definidos e ocorre de maneira constante, continuada. A resultante é um sentimento de coesão e de apoio que empresta ao grupo subsídios para o enfrentamento da realidade, agindo como fator moderador do estresse. Cobb descreve vários trabalhos que mostram os efeitos moderadores do suporte social sobre o estresse e a ação dos profissionais de saúde na promoção do suporte.

Caplan, em 1974, conforme Gottlieb (1983), já estimulava os profissionais a criarem grupos de suporte com seus pacientes. Pesquisas posteriores mostraram que o suporte emocional oferecido pelo pessoal de cuidados de saúde é benéfico, como a de Auerbach e Kilmann (1977) e a de Whitcher e Fisher (1979), citados por Sarason, Sarason e Pierce (1990). O conceito de suporte social passa, então, a ser efetivamente operacionalizado no campo da saúde, através, sobretudo, dos grupos de suporte oferecidos a portadores de inúmeras doenças, além do ”efeito suportivo” obtido da relação do profissional de saúde com seus pacientes.

Para Sarason, Sarason e Pierce (1990), outra fonte de trabalhos sobre suportes sociais vem da psicologia comunitária ao estudar estruturas de apoio comunitário e serviços liderados por profissionais e para-profissionais, que promovem suporte a pessoas vulneráveis, em crise ou fora das redes suportivas naturais, vítimas de violência, portadores de doenças transmissíveis, pessoas separadas ou enlutadas, etc. Segundo Sarason, Pierce e Sarason (1990), os trabalhos de Bowlby (1969; 1973; 1980, 1988), por sua vez, propiciaram a base para pensar no suporte social como variável de personalidade que tem sua origem nas relações primárias. O conceito vai, desse modo, sendo estendido também no campo da psicologia.

Em 1993, Winemiller e cols. fizeram extensa revisão do conceito e das estratégias de medida em suporte social, em que enumeram uma série de instrumentos utilizados para medi-lo, analisando a especificidade de cada um.

Verifica-se, portanto, que embora o conceito ”suporte social” seja amplo, abrangente e pouco preciso, mais parecendo um meta-conceito, na visão de Vaux, citado por Hutchison (1999), identificam-se nele alguns aspectos comuns e básicos, como a existência de interações sociais e o objetivo de promover bem-estar como resultado delas. As interações sociais são descritas desde uma relação bipessoal (com um familiar ou confidente) até uma rede social (grupos ou comunidades). E o bem-estar promovido parece repercutir no sentimento de proteção e apoio e na resistência aumentada aos efeitos do estresse.

Inúmeras são as definições de suporte social recolhidas da literatura consultada, tais como as de Barrera (1983); Tolsdorf, citado por Di Matteo e Hays (1983); Kahn, citado por Hutchison (1999); Weiss, citado por Gottlieb (1983); Caplan e Killilea (1976); Antonucci e Jackson (1990); Perrin e Mc Dermott (1997); Hupcey (1997); Cobb (1976). Em síntese, podemos conceituar suporte social como uma forma de relacionamento interpessoal, grupal ou comunitário que dá ao indivíduo um sentimento de proteção e apoio capaz de propiciar redução do estresse e bem-estar psicológico.

 

Holding: um conceito de Winnicott

Donald Winnicott, psicanalista inglês, que também era pediatra, propôs uma teoria do desenvolvimento na qual o conceito de holding ocupa lugar central. Para Winnicott, holding é o conjunto de cuidados que o ambiente, sobretudo representado pela mãe, dispensa ao bebê. Compreendemos sua importância se considerarmos a expressão de Winnicott (1982, p. 40): ”o lactente e o ambiente juntos formam uma unidade”. É que dada a fragilidade e imaturidade do bebê, ele necessita fundamentalmente de alguém que cuide dele, para sobreviver e ”nascer psicologicamente”, como diriam Margareth Mahler (1977). Embora exista em cada criança, ao nascer, um potencial herdado que a predisponha a ”ser”, que a impulsione numa ”linha de continuidade de ser”, obrigatória se faz a presença de alguém, humano, capaz de captar e suprir suas necessidades.

Entendemos que há, aqui, uma ênfase na relação indissociável entre ”cuidador-cuidado”. E destacamos que isso implica num desejo/necessidade que se completam: o bebê precisa ser cuidado e a mãe deseja cuidar. Talvez pelo fato de ter sido pediatra, habituado a lidar com a díade mãe-criança, Winnicott foi cunhando a idéia, cada vez mais pregnante, de uma ”unidade” entre um bebê absolutamente dependente e um ambiente (representado pela mãe) provedor de cuidados. A ”boa” provisão ambiental é que permitirá o satisfatório desenvolvimento psicológico da criança. Ou seja, os cuidados oferecidos devem ser de uma ordem tal que atendam às necessidades do bebê. Há que haver uma determinada ”qualidade” nessa provisão.

Mas em que consistirá a ”boa provisão ambiental”? Segundo Winnicott, tudo começa antes mesmo do nascimento da criança. Arriscamo-nos a dizer que tudo talvez comece no desejo de ter um filho, de estabelecer um vínculo com alguém que seja fruto da nossa ”criação” e de quem possamos cuidar. De qualquer modo, é a gravidez que se ”incumbe” de propiciar à mãe um estado especial, uma ”quase doença”, que aguça sua sensibilidade e que propicia uma intensa identificação com seu filho. Não basta desejar ter um filho, mas é crucial disponibilizar-se integralmente para ele. Pois não há de ser um mero relacionamento, uma provisão ”mecânica” de cuidados que atenderá às necessidades do bebê. Esta poderá, no máximo, permitir a continuidade física do bebê, mas não favorecerá o seu ”nascimento psicológico”. Estamos falando de um ser frágil, vulnerável, incapaz de lançar mão de recursos próprios para lidar com o ambiente. Talvez por isso o ”segredo” seja o fato de a mãe ser ”tomada” desse tal estado de sensibilidade que Winnicott chamou de ”preocupação materna primária” e cujo objetivo é, em última análise, cuidar satisfatoriamente do bebê.

”Já escrevi muito sobre esse assunto, sob o título ’preocupação materna primária’. Neste sentido, as mães se tornam capazes de se colocar no lugar do bebê, por assim dizer. Isto significa que elas desenvolvem uma capacidade surpreendente de identificação com o bebê, o que lhes possibilita ir ao encontro das necessidades básicas do recém-nascido, de uma forma que nenhuma máquina pode imitar, e que não pode se ensinada”. (WINNICOTT, 1999a, p. 30)

Destacamos, pois, em primeiro lugar, o desejo amoroso que, para ele, expressa ”uma vontade e uma capacidade de desviar o interesse do seu self para o bebê”.(WINNICOTT, 1997, p. 21) É um ato de despojamento, de entrega total, típico de quem ama. A mãe se coloca no lugar do bebê, desenvolve, como diz Winnicott, ”uma capacidade surpreendente de identificação com o bebê”. É essa identificação que lhe propicia compreender, captar as necessidades do bebê, do contrário, como atendê-las satisfatoriamente? Estamos tratando de crianças muito pequenas, incapazes ainda de se comunicar verbalmente. A motivação para cuidar provavelmente mobiliza no cuidador a necessária agudeza de sensibilidade que lhe permite captar as necessidades de quem é cuidado. Ir ao encontro das necessidades básicas do bebê significa a possibilidade de a mãe captar suas mensagens de forma pronta e eficaz. A ”boa captação” é fundamental para o ”bom cuidado”. Se cuidar representa um conjunto de ”providências” que contribuem para a sobrevivência e bem-estar do bebê, como cuidar bem sem ”entender”, sem ”captar” adequadamente e prontamente suas necessidades?

Assim, pela identificação com o bebê, a mãe consegue ”chegar” até ele, sentir ”na própria carne” suas necessidades. Ao sentir-se como o bebê, a mãe adquire a capacidade de captar, de entender suas ”mensagens” e, desse modo, prontamente, empaticamente atendê-las. Diz Winnicott, quando se refere à criança bem pequena, ao infante – sem fala:

”Neste estudo a palavra infante (lactente) será usada para se referir à criança muito nova. É preciso dizer isto porque nos escritos de Freud a palavra algumas vezes parece incluir a criança até a passagem do complexo de Édipo. Na verdade a palavra infante significa ’sem fala’ (infans), e não é inútil pensar na infância como a fase anterior à apresentação das palavras e uso das palavras como símbolos. O corolário é que ela se refere à fase em que o infante (lactente) depende do cuidado materno que se baseia na empatia materna mais do que na compreensão do que é ou poderia ser verbalmente expresso” (WINNICOTT, 1982, p.41).

E a empatia é a possibilidade de nos colocarmos no lugar do outro. De sentir como ele. De ser ”igual” a ele. A empatia tem por base a identificação, que predispõe à comunicação direta, transparente, entre mãe-bebê. Aliás, Winnicott dá ênfase ao que ele chama de comunicação silenciosa ou direta, que se verifica na relação mãe-bebê e que constitui um dos ”pilares” do holding. Ao bebê falta ainda a capacidade de se comunicar verbalmente. Falta-lhe a capacidade de perceber a realidade de forma objetiva, discriminada. Falta, até, a capacidade de se perceber como ser diferenciado. Ao desenvolver a idéia de comunicação silenciosa ou direta, Winnicott enfatiza que esta não se faz por palavras. O bebê comunica suas necessidades corporalmente, através do sorriso ou choro, enrubescimento ou empalidecimento, olhares, agitação psicomotora ou prostração, transpiração, odores. Se a mãe estiver ”imersa” naquele estado de total dedicação e identificação com o bebê, ”saberᔠcaptar sua linguagem e a ”resposta” se fará através do pronto atendimento das necessidades ”manifestadas”.

O bebê precisa se comunicar e o faz corporalmente. A mãe também se comunica corporalmente. ”Diz-se” o que é sentido. Capta-se o que é expressado. Aqui não há cuidador e cuidado, mas dois seres que se comunicam e o fazem através da experiência, da vivência. Não há elaboração (ou subterfúgio). Não há hierarquia. O que existe é a reciprocidade ou mutualidade, no dizer de Winnicott: ”Esta mutualidade pertence à capacidade que a mãe tem de adaptar-se às necessidades do bebê” (WINNICOTT, 1994, p. 199). Por isso, a comunicação é direta, porque transparente, sem subterfúgios, e silenciosa, porque sem palavras. A comunicação silenciosa ou direta reduz as diferenças e os discursos e institui a reciprocidade e a vivência.

Entendemos que é assim por se tratar de um fenômeno primário ou constitutivo, que visa habilitar um indivíduo adulto a cuidar (e socializar) um bebê imaturo e dependente. A sensibilidade do adulto deve se aguçar para alcançar um nível de compreensão que antecede as palavras e a intelectualização e possibilita captar as demandas do ”infante”. Os ”instrumentos” de comunicação devem ser aqueles capazes de tornar viável o ”diálogo” (e, em conseqüência, os cuidados). O ato de cuidar deixa de ser um ato de superioridade, de desnível, de unilateralidade para ser um ato recíproco, de experiência compartilhada. Logo se vê que não é um ato de palavras, mas de vivência. Não é um ato de dar. Mas de trocar.

Se a comunicação constitui um dos ”pilares” do holding, o outro é constituído pelo cuidado dispensado pela mãe ao bebê. Cuidado que é intimamente ligado à comunicação, pois que, para que aconteça, forçoso é haver pronta e empática captação das necessidades manifestadas pelo bebê. Ao mesmo tempo, o ato de cuidar parece transmitir algo de significativo ao bebê: transmite amor, interesse e preocupação. Winnicott enfatiza a qualidade amorosa desse cuidado ao associar o manejo adequado do bebê ao envolvimento afetivo da mãe. Para ele, há que haver um desejo afetivo em relação ao bebê, ou seja, uma relação amorosa que a mãe nutre e que a leva a buscar proximidade com seu bebê. Por isso o ato de segurar não é físico, mas amoroso. Dito em outros termos, cuidar, no sentido do holding, implica amar como condição prévia. O ato de cuidar é a materialização de um sentimento de amor. E aqui se entende por que atos físicos, concretos, materiais podem adquirir significado se realizados com amor. Muitas vezes o registro que o indivíduo faz não é aquele do ato concreto (nem sempre compreendido), mas o conteúdo afetivo que ele carrega. Até o ato concreto de a mãe falar com o bebê não tem significado a não ser pela ”melodia” afetiva que ele encerra. Pelo encontro que ele propicia. O verbo to hold quer dizer conter, segurar, sustentar e se refere basicamente ao ato de a mãe segurar fisicamente o seu bebê. Mas quer dizer muito mais à medida que, através dele, a mãe comunica amor, comunica seu envolvimento afetivo com ele. Não é um ato mecânico. É um ato expressivo, significativo, pleno de conteúdo e de desejo. O desejo de cuidar. O vínculo que se cria, o laço que se faz é movido pelo desejo, sustentado pelo amor. Amor enquanto preocupação com o ser do outro. Amor que motiva, que dá força para compreender e para cuidar.

Podemos destacar como síntese da ”boa provisão ambiental” a que nos referimos, ou como ”ingredientes” (como gostamos de chamar) essenciais ao ”bom” holding, de um lado, a captação das necessidades do bebê e, de outro, o modo como a mãe atende a essas necessidades. O atendimento envolve o ato físico de segurar o bebê, mas também a forma, amorosa, de fazê-lo e todo o conjunto de cuidados oferecidos pela mãe. O entendimento pressupõe a disposição empática da mãe, que lhe permite captar as necessidades do bebê. Em síntese, na comunicação primitiva mãe-bebê, o ”campo de linguagem” utilizado é a experiência vivida de cuidar-ser-cuidado. O bebê se expressa com o corpo e a mãe responde com cuidados (que envolvem seu corpo, seu rosto, seu olhar, seus sentimentos e atitudes).

 

Semelhanças entre estudiosos do suporte social e Winnicott

O termo suporte social, oriundo da psicologia social e da saúde comunitária, refere-se a relações interpessoais, grupais ou comunitárias que emprestam ao indivíduo um sentimento de proteção e apoio capaz de propiciar bem-estar psicológico e redução do estresse. A análise detalhada da estrutura e dinâmica do suporte permite identificá-lo como um ato de cuidar. E, nesse sentido, os profissionais de saúde são apontados como ”fonte” de suporte social para seus pacientes, seja através de ação direta (atendimentos individuais), seja através da formação de grupos: de diabéticos, hipertensos, etc. (grupos de suporte).

Mas, afinal, como se processa esse ”ato de cuidar”? Os modos de se estruturarem e funcionarem os suportes sociais vêm sendo exaustivamente pesquisados, impulsionados pelos resultados registrados no enfrentamento de doenças e situações de crise vivenciadas por pessoas, às quais se propicia um relacionamento suportivo. Descrições são oferecidas e classificações as mais diversas são propostas. Não obstante, como dizem Swann e Brown (1990), após duas décadas de estudo sobre suporte social, fica claro seu efeito benéfico sobre a saúde, mas ainda não estão claros os mecanismos pelos quais ele funciona. E afirmam textualmente: “Sem compreender como o suporte social funciona, os profissionais não podem explorar seu efeito benéfico na programação dos tratamentos que efetuam”. (SWANN e BROWN, 1990, p.150). Arriscamo-nos a dizer que tal compreensão não deverá vir da leitura ”fenomenológica” do que ocorre nos relacionamentos suportivos, mas, antes, na psicodinâmica desses relacionamentos.

O suporte social parece, na verdade, fazer coexistir um fato ao mesmo tempo social e psicológico. Castro, Campero e Hernandez (1997) enfatizam a necessidade de estudos qualitativos como observação participante e análise de discurso como necessários para abordar o suporte social enquanto fenômeno micro que repercute no macrossocial. Para Caplan (1976), os sistemas de suporte implicam padrões duradouros de vínculos que contribuem para a manutenção da integridade física e psicológica do indivíduo. Dito de outra forma, o suporte social, embora inserido em redes mais amplas como famílias, grupos ou comunidades, é vivido no âmbito de relações interpessoais, próximas, geradoras de vínculos capazes de afetar a integridade do indivíduo.

De fato, ao vasculhar o emaranhado de tentativas de compreensão, identificam-se, todavia, alguns pontos consensuais como a existência de um ”provedor” que disponibiliza apoio e ajuda a um ”receptor” e o ”resultado” desse apoio que se verifica na moderação dos efeitos do estresse sobre o ”receptor” e na promoção de bem-estar psicológico. Do mesmo modo, na relação mãe-bebê, verifica-se a existência de um ”cuidador” ou ”provedor” - a mãe, e um receptor - o bebê, entre os quais se estabelece um vínculo, uma troca que resulta, quando adequada, num estado de ”bem-estar” desse bebê.

Sarason, Pierce e Sarason destacam os trabalhos de Bowlby (1969, 1973, 1980, 1988) que, segundo eles, propiciaram a base para pensar no suporte social como variável de personalidade que tem sua origem nas relações primárias. A experiência do vínculo, segundo Bowlby, é a fonte de estruturas cognitivas e modelos de funcionamento relacionados ao self e às relações com pares. Se a criança confiar na relação mãe-bebê, se sentirá encorajada a se afastar dela (buscando novidades) e a se reaproximar (buscando proteção-dependência) em caso de ameaça. Se a criança teve vínculo seguro, será um adulto com mais disposição a explorar o mundo, adquirindo habilidades comportamentais de enfrentamento e uma visão mais positiva acerca dos outros. Para Bowlby (1977), os modelos de vínculo vivenciados pela criança com seus pais vão sendo internalizados como modelo de mundo. Os autores comentam:

”Se podemos equiparar o conceito de vínculo na criança com suporte social percebido no adulto, esta visão da função e efeitos do vínculo seguro terá importantes implicações para o conceito de suporte social percebido. Isto sugere que pessoas com alto suporte social percebido tenderão a acreditar que encontrarão pessoas disponíveis a apoiá-las” (SARASON; PIERCE; SARASON, 1990, p.101).

Outros estudiosos do suporte social, como Perrin e Dermott (1997); Di Matteo e Hays (1983); Gottlieb (1983); Cobb (1976), dão ênfase às relações íntimas, afetuosas e próximas como aquelas capazes de gerar a percepção, no receptor, dos cuidados oferecidos pelo ”provedor” (seja ele uma pessoa ou um grupo). Weiss, citado por Gottlieb (1983), denomina a existência de relações interpessoais íntimas e suportivas de: ”relações provedoras de vínculos”.

Segundo Winnicott, a relação mãe-bebê é aquela que, originariamente, provê vínculos através do holding, enquanto conjunto de cuidados oferecidos pela mãe-ambiente ao seu bebê, e que constitui a base para a estruturação da personalidade do indivíduo e sua capacidade de enfrentar as ”intempéries” provindas do mundo à sua volta.

Quem melhor descreve a dinâmica do suporte social, enquanto relacionamento próximo e acolhedor, é Cobb (1976) ao destacar seus três componentes essenciais: emocional (sentimento de ser amado, cuidado e protegido), valorativo (sentimento de ser reconhecido e aceito) e comunicacional (sentimento de ser compreendido e de compartilhar informações). Se considerarmos os ”ingredientes” do holding descritos por Winnicott, identificamos como fundamentais para o seu ”bom resultado” os cuidados amorosos e a forma empática de a mãe se relacionar com seu bebê. Observa-se, pois, uma enorme similitude entre os fatores essenciais do suporte social descritos por Cobb e aqueles do holding descritos por Winnicott.

Segundo Cobb, ”suporte social começa no útero, é melhor percebido no amamentar materno, e comunicado de várias formas mas, especialmente, pelo modo como o bebê é cuidado (suportado)” (COBB, 1976, p.301). E mais adiante: ”No progredir da vida o suporte é derivado de outros membros da família, dos amigos, companheiros de trabalho, de comunidade ou, em algumas circunstâncias, de um profissional de saúde”. Também para Winnicott, tanto quanto para Cobb, o holding é uma determinada forma de relacionamento mãe-bebê em que prevalecem as trocas afetivas, os cuidados mútuos e a comunicação empática. O holding começa no útero, é melhor percebido no amamentar materno, e comunicado de várias formas mas, especialmente, pelo modo como o bebê é cuidado (suportado). No progredir da vida o holding é derivado de outros membros da família, dos amigos, companheiros de trabalho, da comunidade ou, em algumas circunstâncias, de um profissional de saúde.

Outro conceito importante para os estudiosos do suporte social é o da reciprocidade que, a nosso ver, também mostra similitude com os conceitos de Winnicott. Coyne, Ellard e Smith (1990) consideram que a principal fonte de suporte social são as relações íntimas ou fechadas e que elas envolvem reciprocidade, ou seja, comprometimento e preocupação mútua. Há sempre uma interdependência entre receptor e provedor do suporte. Por isso, o suporte será tão mais efetivo quanto mais ele puder considerar as necessidades do provedor e do receptor ao mesmo tempo. Os autores consideram a “interdependência disposicional”, ou seja, a disposição de cada um em apoiar o outro. Isto pode justificar a absorção da sobrecarga gerada pela necessidade de cuidar, que é compensada pela expectativa das conseqüências que esta relação de ajuda trará para o amor, respeito e comprometimento mútuo do par, ao ampliar a “interdependência disposicional”. É como se fosse um depósito a longo prazo para garantir retiradas futuras ?!

A visão de Winnicott a respeito da reciprocidade é mais profunda. Embora se possa admitir um ”banco de suporte” na medida em que o apoio oferecido ”hoje” carrega a expectativa de um apoio recebido ”amanhã”, para Winnicott, a reciprocidade está mais ligada à identificação e à empatia. Ou seja, dada a imaturidade e fragilidade do bebê e à impossibilidade de comunicar explicitamente, verbalmente, suas necessidades, a mãe precisa adquirir uma sensibilidade aguçada para perceber e atender o bebê. É primordial que entre eles se estabeleça um tipo especial de comunicação – a comunicação silenciosa – favorecida pela identificação da mãe com seu bebê. Para o exercício dessa comunicação, move a mãe uma preocupação com o bebê, o fato de amá-lo, preocupação materna primária, como diz Winnicott, e que a torna sensível às necessidades do seu bebê.

Aqui podemos falar de reciprocidade, de mutualidade na experiência, pois que, nitidamente, a ação de um repercute na ação do outro. O bebê emite suas “mensagens” e a mãe, identificada com ele, capta-as adequadamente e as atende. O bebê dá sua contribuição na medida em que incorpora os cuidados da mãe e ”mostra” os resultados na forma determinada e ”tranqüila” de se desenvolver. A mãe se sente fortalecida quando percebe o desenvolvimento do bebê. Num certo sentido, talvez possamos dizer que se sente cuidada. Tudo se passa, então, num espaço de trocas, de experiências compartilhadas que antecedem o discurso, a conversa, a verbalização.

A total disponibilidade da mãe propicia ao bebê internalizar os cuidados que ela oferece como se fossem por ele produzidos. Assim, vai adquirindo confiança em lidar com o mundo, que imaginava sob seu controle, mas que paulatinamente descobre exterior a ele e eivado de obstáculos a serem superados.

Para que o bebê adquirisse confiança em cuidar de si mesmo, necessário se fez que ele vivenciasse uma experiência de tal forma compartilhada no início, que, embora aparentemente desigual no sentido de quem cuida de quem, permitiu ao bebê percebê-la como fruto da sua própria iniciativa. Por mais que a mãe tenha - e teve - momentos de pensar nela mesma, certamente o bebê só adquiriu confiança em si mesmo, se esses momentos de interesse pessoal da mãe não foram prevalentes. Queremos dizer que a dinâmica do grupo original, para ser suportiva, implica em reciprocidade, em experiência compartilhada, onde prevaleçam a comunicação direta, transparente, a preocupação com o outro e os cuidados mútuos. Dessa dinâmica emerge um self coeso, flexível e integrado. Surge alguém suficientemente autônomo, criativo e capaz de estabelecer relações construtivas com o mundo. Em ambas as situações, seja a primordial, do holding, seja aquela que ocorre na vida adulta, do suporte social, observa-se uma relação compartilhada entre um ”cuidador” e um ”objeto a ser cuidado”.

Winnicott nos diz que na relação mãe-bebê, a mãe também precisa de cuidado, também precisa de um ambiente de sustentação que lhe permita dedicar-se integralmente às tarefas de cuidar do bebê. Vê-se, claramente, a necessidade de um outro cuidador (representado pelo pai) que funciona na “retaguarda”, dando o necessário suporte à mãe cuidadora. Neste sentido, quem é cuidada é a mãe e o pai é o cuidador. Não obstante, os papéis freqüentemente se invertem e aqui se evidencia, novamente, a reciprocidade entre cuidador-cuidado. Na verdade o bebê é cuidado por uma “equipe” que, por sua vez, se cuida entre si.

 

Suporte social: reedição de uma experiência básica

O holding é, portanto, uma etapa básica para a constituição da personalidade e, segundo a teoria psicanalítica, todas as etapas do desenvolvimento permanecem em nós de alguma maneira. Falar de holding na vida adulta pressupõe então falar de ”funções” que se atualizam. Como o conceito de transferência que nos remete à possibilidade de atualizar sentimentos e atitudes que, embora originadas na infância, são vividas como atuais e referidas a pessoas com quem nos defrontamos naquele momento. É um processo inconsciente. A experiência de termos sido cuidados enquanto bebês permanece registrada no nosso inconsciente. E tende a ser atualizada em momentos de vulnerabilidade, como nos diz Winnicott.

Ora, o suporte social descreve um relacionamento cuidador-cuidado, cujo resultado consiste em oferecer ao receptor a capacidade de enfrentar o estresse ambiental. O momento de vulnerabilidade revive a experiência (e a necessidade) de encontrar alguém capaz de oferecer cuidado e proteção. O provedor deverá estar sensível e apto a disponibilizar recursos tais que permitam ao receptor sentir-se acolhido. Precisa estar imbuído de uma ”preocupação suportiva primária” em relação a quem se propõe dar suporte. Ou seja, precisa haver uma relação empática, à semelhança da comunicação silenciosa, no dizer de Winnicott, entre provedor e receptor. A necessidade de cuidar-ser-cuidado há que ser expressada e captada de forma direta, sem subterfúgio, para ser atendida. E é exatamente isto que nos diz Cobb (1976) ao afirmar que, no suporte social, prevalecem as trocas afetivas, os cuidados mútuos e a comunicação franca e precisa entre as pessoas, que propiciam ao indivíduo acreditar ser cuidado e amado; estimado e valorizado e pertencente a uma rede de comunicação e mútua obrigação.

A dinâmica do suporte social parece, à luz da teoria de Winnicott, ser uma revivência do holding. Um relacionamento próximo, que envolve afeto, cuidado e comunicação compartilhados. Um relacionamento que gera, no receptor, um sentimento de proteção, apoio e confiança no enfrentamento de situações estressantes vivenciadas. Assim como o holding contribui para a estruturação do self, o suporte social contribui para sua reestruturação ou reforço em momentos de crise ou vulnerabilidade. O suporte social se apresenta em momentos que o indivíduo, na vida adulta, se mostra fragilizado, em crise, ameaçado na sua integridade. Ele busca alguém que o acolha, que o apóie. Busca alguém que ”cuide” dele. Assim como no holding, para que o suporte social funcione, torna-se necessário um adequado relacionamento cuidador-cuidado ou, em termos winnicottianos, um provedor ”suficientemente bom”, capaz de captar e atender às necessidades do receptor, oferecendo-lhe carinho, cuidado, acolhimento, reconhecimento, compreensão e informação. O suporte social é uma função atenuada e síntese do que em época remota foi função primordial e progressiva. Defendemos, pois, a idéia de que o suporte social funciona como atualização ou revivência do holding em situações que o indivíduo se sinta vulnerável ou ameaçado em sua integridade física ou psicológica. Nessas circunstâncias o receptor (bebê) necessitará de um provedor (mãe) ”suficientemente bom”, capaz de captar e atender às suas necessidades oferecendo-lhe amor, cuidado e reconhecimento.

O suporte social, ou melhor, sua dinâmica, tanto pode ser oferecido por uma pessoa (um familiar; um profissional de saúde) como por uma ”rede” (grupo familiar; grupo de portadores de uma mesma doença; equipe de saúde; grupo religioso; associação de moradores; etc.).

Winnicott realça, em vários momentos do desenvolvimento de sua teoria, a permanência da necessidade de holding no decorrer da vida adulta.

”Quando examinamos esse fenômeno evolutivo que se inicia com o cuidado materno e prolonga-se até o interesse da família pelos filhos adolescentes, não podemos deixar de notar a necessidade humana de ter um círculo cada vez mais largo proporcionando cuidado ao indivíduo, bem como a necessidade que o indivíduo tem de inserir-se num contexto que possa, de tempo em tempo, aceitar uma contribuição sua nascida de um impulso de criatividade ou generosidade. Todos esses círculos, por largos e vastos que sejam, identificam-se ao colo, aos braços e aos cuidados da mãe” (WINNICOTT, 1997, p.130-131).

A dinâmica instituída pelo holding, ou o conjunto de cuidados oferecidos à criança pelo ambiente provedor, além de contribuir para a estruturação de um self coeso, confiante e criativo, fica ”registrada” como experiência a ser resgatada, ou revivida, em momentos de crise ou vulnerabilidade. A necessidade original de o bebê encontrar um grupo, um ambiente protetor, acolhedor e cuidador capaz de contribuir para sua integração e personalização, reapresenta-se quando o self se vê aluído em face das intempéries que o momento propicia.

Na verdade, segundo Winnicott, o agrupamento básico mãe-bebê-pai vai sendo gradativamente ampliado através de círculos cada vez mais largos, a partir dos familiares próximos, dos vizinhos, da escola, etc. E sempre, a cada momento, há um movimento de ”retorno” ao ambiente familiar, como que na busca de um ”reabastecimento”. Diríamos que se o holding de algum modo nos estruturou, o retorno a ele nos reabastece. A idéia que pretendemos destacar é a de que, mesmo adulto, continuamos precisando de holding. Evidentemente não se trata do holding em si, mas da sua dinâmica, dos seus ”ingredientes”. Todo adulto carrega dentro de si a experiência primordial de ter sido sustentado, manejado e ”apresentado ao mundo” na sua trajetória da dependência de cuidados oferecidos pelo ambiente e rumo à sua independência e possibilidade de lidar, de modo autônomo, com o ambiente à sua volta. Mas permanece com a possibilidade de transitar de um estado de ”independência” para o de ”dependência”, conforme as circunstâncias que enfrente. Como diz Winnicott: ”No decorrer do desenvolvimento o indivíduo transita da dependência para a independência; e o indivíduo sadio conserva a capacidade de transitar livremente de um estado a outro” (WINNICOTT, (1997, p.132).

Também Davis e Wallbridge (1982) se referem a essa necessidade do adulto:

”Embora a fase de suporte na teoria de Winnicott seja equivalente à fase de estar fundido ou de dependência absoluta, o apoio egóico continua sendo uma necessidade da criança em crescimento, do adolescente e, por vezes, mesmo do adulto, sempre que há uma pressão que ameaça confusão e desintegração” (DAVIS; WALLBRIDGE, 1982, p.115).

Destacamos que o trânsito do indivíduo da dependência para a independência, ou no sentido inverso, é, para Winnicott, um movimento sadio. Ou seja, é natural que, dadas determinadas circunstâncias, o indivíduo transite de um estado a outro. Fazemos uma analogia com a ”quase doença” que ”incide” sobre a mãe no decorrer da gestação e primeiros meses de vida do bebê. É esse estado que a predispõe a cuidar bem dele e é natural que assim seja. Após os primeiros meses do bebê, tudo vai retornando ao ”normal”. É natural que o indivíduo transite para o estado de dependência, como uma ”quase doença”, em face de determinadas circunstâncias que o fragilizem, pois só assim ele se predisporá a receber os cuidados que necessita naquele momento. Ultrapassada a ”crise”, tudo retornará ao ”normal” e o estado de independência se fará novamente.

Dito em outros termos, todos nós continuamos a precisar de holding caso alguma ameaça, vulnerabilidade ou fraqueza nos atinja. É clara a afirmação de Winnicott de que situações de vulnerabilidade ou crise vividas pelo adulto reativam a necessidade desse adulto experimentar um determinado tipo de relacionamento interpessoal ou grupal que envolva os mesmos ”ingredientes” que constituem o holding. Poderíamos dizer que a vulnerabilidade leva o indivíduo a uma regressão psicológica, tornando-o ”um bebê”. E, assim sendo, a ”linguagem” percebida por esse indivíduo há de ser aquela dos primórdios. Se vivermos situações de crise, estressantes ou que, de algum modo, nos torne psicologicamente frágeis e vulneráveis, reativa-se em nós, e regressivamente, o desejo de reviver a mesma experiência de acolhimento e proteção do início do desenvolvimento. Ou seja, aguça-se a necessidade de sermos amados, compreendidos e cuidados. Em última análise, de encontrarmos um ambiente facilitador, capaz de nos oferecer a necessária proteção e apoio que nos propicie retomar a linha da continuidade de ser, ameaçada pelo acontecimento e, assim, preservando nossa individualidade, nossa identidade, nosso eu. É a constante dialética da busca do outro para assegurar o si-mesmo, da dependência de alguém para atingir a própria independência.

Fica pleno de sentido a afirmação de Winnicott de que caminhamos ”rumo à independência”, na medida em que o desejo de ser único, singular, pessoal, se faz no interjogo da relação com o outro, do qual dependemos. O alcance da independência se faz na vivência de experiências de troca, de compartilhamento, de reciprocidade, em que o outro atua como facilitador (e não inibidor, invasor ou determinador) da nossa singularidade. E ao reconhecer a importância do outro, preocupamo-nos com ele, selando definitivamente a ”estratégia” de compartilhamento. Na verdade jamais o ser humano encontra a ”absoluta independência”, ou um estado de desenvolvimento que lhe propicie prescindir do apoio e da proteção de outros. Como diz Coutinho, ”o ambiente facilitador e a mãe suficientemente boa acompanham o ser humano (em seu interior, em volta de si mesmo e entre ele e o outro) durante toda a vida” (COUTINHO, 1997, p.102).

 

A experiência de uma equipe cuidadora

Nossa prática de médico cardiologista colocava-nos freqüentemente diante de pessoas que, nitidamente, demandavam algo mais além da consulta tradicional. Na verdade, desejavam ser ouvidas. As queixas de dor no peito, palpitação, tonteira, falta de ar, cansaço, e outras, eram, muitas vezes, manifestações da necessidade de serem compreendidas em relação a outra dimensão, que não a somática. Referiam-se a angústias, conflitos, tensões provindas das suas relações pessoais, sociais ou profissionais que não encontravam suficiente acolhimento para serem elaboradas e enfrentadas.

Multiplicavam-se os exames e os remédios (às vezes, cirurgias) sem que o “nó” do problema fosse atingido. Não queremos dizer com isso que a “escuta” devesse ser especializada, psicanalítica ou coisa semelhante. Queremos dizer que a manifestação somática era uma forma de falar e, como tal, devia ser ouvida. Se usarmos a expressão clássica “não existem doenças, existem doentes”, queremos dizer que a doença abordada objetivamente é um constructo “vazio” que, para ser compreendida, precisa ser inserida num indivíduo que tem história única e pessoal, emoções, pensamentos, desejos, que vive enredado numa teia social plena de normas e significados que influenciam seu comportamento. Por mais que se estabeleçam padrões objetivos para conduta diagnóstica e terapêutica diante das doenças (e não estamos desmerecendo sua importância), urge que compreendamos sua inserção numa pessoa, naquela pessoa, naquele contexto social. Por isso, percebendo a importância de considerar outros aspectos além das queixas físicas que os pacientes nos traziam, inauguramos o que hoje chamamos “segundo tempo da consulta”, que consistia em conversar sobre as circunstâncias de vida daquelas pessoas. Percebemos que havia duas demandas: a de um “prescrevedor” e a de um “cuidador”. O médico habitualmente se coloca como “prescrevedor” ao solicitar exames e prescrever remédios, mas, na maior parte das vezes, seus clientes procuram um “cuidador”: alguém que lhes ouça, acolha, cuide. Alguém que, além de raciocinar objetivamente, com dados concretos extraídos da anamnese, do exame físico e dos exames complementares, procure também ligar o “terceiro ouvido”, sensível às angústias e conflitos vividos por aquela pessoa, naquele momento.

Mais tarde, cursamos psicologia (motivados pelo desejo de conhecer melhor os tais aspectos que transcendiam as queixas físicas) e, quando resolvemos fazer mestrado, escolhemos como tema: “Abordagens Psicológicas da Hipertensão Arterial” (Campos, 1986). Deparamo-nos, então, com uma extensa literatura sobre os chamados “grupos de suporte” que, sustentados teoricamente no conceito de suporte social, obtinham bons resultados com os hipertensos em torno de maior adesão ao tratamento, melhor controle dos níveis tensionais e diminuição do número de complicações. Havia aqui uma conexão clara com a necessidade de os hipertensos serem cuidados. É o que nos revelam as falas de membros da equipe:

“Além de buscar na literatura, realizamos um estudo de campo visitando, no Rio de Janeiro, instituições de saúde (hospitais, centros de saúde, ambulatórios) que fizessem alguma forma de abordagem psicológica da hipertensão arterial. Chamou-nos a atenção que os resultados eram melhores onde os profissionais estavam mais motivados para essa atitude ‘cuidadora’. Desse modo, quando decidimos implantar nosso Programa, procuramos convidar pessoas que estivessem efetivamente interessadas em agir como cuidadores. Uma das profissionais da equipe disse a esse respeito:
‘E aí tinha uma coisa que nos unia, que era o poder de se dar bem com os nossos pacientes. Alguma coisa que eu acho que era objetivo comum: nosso paciente estava ali, tem muita demanda e a gente tinha, acho que cada um de nós ali, se a gente for pensar, a gente tinha essa idéia que a gente queria cuidar bem do nosso paciente, na medida do nosso possível. (...) Acho que a gente em si, talvez pela própria forma como nós nos reunimos, que foi assim: vai pelo desejo, então nós tínhamos uma forma carinhosa com as pessoas, principalmente com os nossos pacientes, que eu acho que isso foi potencializado no momento que você ali, na função de coordenador, espelhava isso para a gente e isso nós tínhamos dentro da gente e isso era espelhado e ia sendo duplicado (...)’”.

O programa tinha como núcleo a formação de uma equipe multiprofissional (já que a doença é multifatorial) e o atendimento desses pacientes em grupos, chamados de suporte. Seu funcionamento girava em torno de grupos mensais com os pacientes, com o objetivo de: reduzir ansiedades; facilitar a expressão de sentimentos; elevar a auto-estima dos pacientes e motivá-los ao tratamento; aumentar o nível de conscientização sobre a doença.

A dinâmica que procurávamos imprimir era a de um relacionamento afetivo, de acolhimento e de cuidado, num ambiente de comunicação franca e compartilhada. As reuniões da equipe ocorriam semanalmente com o objetivo de discutir as estratégias de funcionamento do programa e o relacionamento com os pacientes. Quinzenalmente fazíamos caminhadas que envolviam os pacientes dos vários grupos e toda a equipe.

 

A equipe que cuida e se cuida: nossa equipe à luz dos conceitos de Winnicott

O fato de constituirmos a equipe por um desejo: cuidar bem dos hipertensos, provocou em nós sentimentos semelhantes ao par que se une para ter um filho. A experiência de cuidar-ser-cuidado encontra na relação mãe-bebê o seu protótipo e está gravada no íntimo de todos nós. E ela é precedida pelo desejo de um homem e uma mulher de conceberem seu bebê e pelo período vivido pela mulher na gestação desse bebê.

Diz Winnicott que a mãe, durante a gravidez, adquire um estado que ele chamou de “preocupação materna primária”. Isso parece acontecer pelo fato de a mãe se identificar com o seu bebê e, de algum modo, sentir, na própria carne, o que ele sente. Pelo fato de a mãe se identificar com o bebê e se sentir como ele, a comunicação se faz, entre eles, diretamente, horizontalmente, empaticamente. Há uma relação igualitária, em que o bebê ”diz” corporalmente o que precisa, a mãe capta empaticamente e ”responde” através de cuidados adequados.

Para Winnicott, o holding, que é um cuidar amoroso e empático, vem de um desejo afetivo, de interesse e preocupação da mãe em relação ao seu bebê. E é vivenciado num espaço de trocas entre o ambiente e o bebê. Na verdade, o ato de cuidar não é um ato de dar, mas de trocar, porque para que se formem os vínculos, é necessário um espaço de encontro onde as trocas se façam efetivamente. E é da troca amorosa e empática que surge o self bem constituído: da unidade simbiótica, dessa relação tão próxima é que vai surgir um ser diferenciado, autônomo, singular.

Nossa equipe tinha espaços de troca: os grupos de hipertensos, as reuniões da equipe e as caminhadas. Havia uma experiência compartilhada: os diversos saberes, tudo era discutido por todos. Uma experiência compartilhada, de trocas afetivas, cuidadoras e empáticas: Éramos cuidadores, mas éramos também cuidados. Uns pelos outros.

”Eu acho que o que rolou também na equipe era o nível de amizade. A equipe tinha um bom humor... tinha uma coisa de brincar muito um com o outro. Eu acho que tinha um prazer... um prazer de estar com o outro. As pessoas tinham o prazer de estar ali, não é? Quer dizer, tinham prazer de atender, tinham prazer de conversar um com o outro, tinham prazer de fazer grupo (...) Eu acho, assim, que profissionalmente pra mim foi uma aprendizagem, sabe? Em termos de trabalho em equipe. Eu acho que eu aprendi a trabalhar em equipe lá. Porque eu também aprendi. Aprendi a ouvir o outro, a respeitar o outro. Aprendi a trabalhar com objetivos. E tinha o prazer de estar junto, de trabalhar junto. É pro programa crescer? Então a gente faz!”
”Na reunião era o espaço que nós tínhamos para discutir os casos que estavam sendo problemáticos, então, nesse espaço que nós fazíamos a nossa reunião de equipe era o momento em que primeiro, em primeiro lugar nós podíamos conversar sobre dificuldades que alguns pacientes estavam tendo em controlar a pressão... Trocávamos idéias a respeito dos pacientes que tinham uma certa dificuldade de controlar a pressão (...) e, segundo, eu acho que, sem dúvida nenhuma, do ponto de vista da integração da equipe, enquanto equipe, quer dizer, a gente poder conversar sobre as coisas boas, sobre as coisas ruins, sobre as dificuldades e sempre manter o espírito de integração e de relacionamento interdisciplinar. Eu sempre valorizei muito, eu acho que era muito importante e eu acho que se a gente não tivesse tido naquela ocasião cinco ou seis, nós éramos sete ou oito profissionais, uma coisa assim, das mais variadas especialidades, se nós não tivéssemos tido esse espaço, eu acho que a gente, talvez, tivesse entrado em certos conflitos até para ocupar seu espaço, mesmo, até para ocupar seu espaço, eu acho que isso tudo foi ... a reunião servia para delimitar, para equalizar e para integrar a equipe, enquanto equipe.”

Do ”bom” holding oferecido pela equipe surgia o ”bom” desenvolvimento dos pacientes. Éramos ”pais” ”suficientemente bons”. Mas os ”pais” também precisavam ser cuidados: a equipe precisava ser cuidada.

Como diz Winnicott, vamos, no decorrer do desenvolvimento, alargando nossos círculos de relacionamento. Mas, de algum modo, precisamos sempre retornar aos primeiros, como forma de reabastecimento. Na nossa equipe eram nítidos os dois momentos: precisávamos, às vezes, de apoio, de estímulo para avançar na tarefa de cuidar dos pacientes. Ás vezes precisávamos de um colo, de um abraço afetuoso e cuidador. A mãe parece mais propensa a acolher, a cuidar. O pai parece propenso a sustentar, apoiar, ”empurrar”. Na verdade, dar suporte não é exclusivo do pai, nem dar colo é exclusivo da mãe. São funções intercambiáveis, mas que demandam duas pessoas, e não uma, na mesma função cuidadora. Até porque quem cuida, também precisa ser cuidada. É sempre a dialética ”depender x não depender”, ”conter x liberar” que perpassa todo o desenvolvimento.

Desde cedo, oscilam os momentos em que nos sentimos aptos a enfrentar o mundo com nossas próprias pernas e aqueles que precisamos do colo e do abraço maternos. Na vida adulta continuamos a precisar desse ”reabastecimento” toda vez que nossa ”reserva” de auto-estima e autoconfiança encontra-se exaurida. Mas isso só será possível se, de um lado, conseguirmos nos sentir ”bebês” e, de outro, encontrarmos, no âmbito dos nossos relacionamentos, quem se disponha afetivamente e empaticamente a ser ”pai” e ”mãe”. Nessas condições, instala-se um clima de compartilhamento, de mutualidade, de troca, que trará, como resultante, a recuperação da auto-estima e da autoconfiança, ou seja, a possibilidade de, psicologicamente, voltarmos a ser adultos.

Na nossa equipe, cada profissional exercia o papel de cuidador (na função mãe). Esse era o papel pregnante seja à frente dos grupos, seja nos atendimentos individuais ou mesmo nas outras atividades desenvolvidas. Éramos todos cuidadores porque motivados para isso. Mas, por isso mesmo, identificados com os pacientes e estressados em face da natureza do trabalho desenvolvido, estávamos freqüentemente fragilizados, vulneráveis, necessitando receber cuidados. Circunstâncias pessoais ou profissionais ”deslocava-nos”, algumas vezes, da ”função-mãe” para a de ”bebês”. Estamos dizendo que, em determinadas condições, a vulnerabilidade ou fragilidade do profissional alcança tal ponto que ele, dinamicamente, passa da ”função-mãe” para a ”função-bebê”. O holding que era oferecido passa, agora, a ser demandado. Ora, se já era importante haver, para cada profissional, um ambiente de sustentação à sua volta, fundamental se torna que ele encontre quem cuide dele, quando seu nível de fragilidade atinge um determinado limiar. Aqui, entendemos que a dinâmica da equipe marca a diferença. No nosso caso, dado o espírito de cuidadores de que estávamos imbuídos e o clima de coesão e transparência que circulava entre nós, o apoio vinha dos próprios colegas e nos tornávamos ”mães” para aquele que necessitava de cuidado. Cremos que o ”círculo de sustentação” que envolvia as díades formadas conforme as circunstâncias, e que funcionava como ”pai” de todos nós, era a própria equipe representada pelo conjunto de profissionais e alicerçada na proposta de trabalho claramente definida e totalmente compartilhada.

Em síntese, o exercício de relações afetuosas e cuidadoras verificado entre os profissionais da nossa equipe só foi possível, a nosso ver, pelo exercício compartilhado das tarefas, pela comunicação franca que existia entre nós que, por sua vez, se substanciavam num desejo comum de cuidar e numa proposta de trabalho claramente definida e coletivamente partilhada. Assim também ocorre com o holding que, em sendo o conjunto de cuidados oferecidos pela mãe ao bebê, resulta adequado se motivado pelo desejo da mãe de cuidar daquele bebê, desejo esse acompanhado de um estado de sensibilidade (a preocupação materna primária) que lhe permite captar de forma pronta (e empática) as necessidades do bebê e atendê-las de forma eficiente e eficaz. O apoio dado pelos profissionais, uns aos outros, pôde acontecer na medida em que a experiência compartilhada de cuidar-ser-cuidado foi sendo vivenciada à semelhança do holding através do intercâmbio de papéis que propiciava a cada um se colocar, de acordo com as circunstâncias e de modo flexível, ora na ”função pai”, ora na ”função mãe”, ora na ”função bebê”.

”Na equipe a gente não queria que alguém ficasse dependente de nós; nós acolhíamos, pra todo mundo crescer juntos... naquela equipe todos nós crescemos e depois fomos dando os filhotes: fulano foi fazer mestrado, eu vim para cá... tanto é que o grupo continuou funcionando mesmo quando alguém saía; a gente tinha uma independência, a gente criava o nosso espaço apesar de estarmos em grupo”.

 

Considerações finais: quem cuida do cuidador

O tema “Quem cuida do cuidador” é atual e relevante pelo nível elevado de estresse a que estão submetidos os profissionais de saúde e pela escassez de medidas para reduzi-lo, ou para melhor enfrentá-lo.

Os estudos sobre suporte social têm demonstrado seus efeitos benéficos como moderadores do estresse, contribuindo para a integridade física e psicológica daqueles que o recebem. A teoria de Winnicott realça a importância dos cuidados disponibilizados pelos pais aos seus bebês, como estruturadores da personalidade. E afirma que tal cuidado se estende pela vida, através de “círculos de cuidado” funcionando como reestruturadores do self em situações de vulnerabilidade ou fragilidade vividas pelo indivíduo.

As equipes de saúde formam um grupo peculiar na medida que sua tarefa consiste basicamente em cuidar de alguém. O profissional de saúde é, em princípio, um cuidador. E assim como os pais adquirem um estado especial, motivado pelo desejo de cuidar dos filhos, a equipe de saúde é propícia a adquirir estado semelhante ao cuidar dos seus pacientes.

Do mesmo modo que os pais precisam ser cuidados para melhor desempenharem sua “função” cuidadora, assim os profissionais de saúde necessitam também ser cuidados. A tese aqui descrita propõe que a própria equipe seja cuidadora de si mesma, ao disponibilizar entre seus membros os mesmos “ingredientes” que lhes permitem cuidar bem dos pacientes: trocas afetivas, cuidadoras e empáticas.

Nossa proposta (Campos, 2004; Campos, 2005) é que os profissionais de saúde, ao exercerem sua prática, procurem ser efetivamente cuidadores e busquem, sempre que possível, trabalhar em equipe ...... de cuidadores. Ou seja, que estabeleçam entre si um objetivo comum e primordial: cuidar conjuntamente dos pacientes. E cuidar conjuntamente significa, sobretudo, externar, trazer à tona algumas atitudes que são inerentes aos humanos, mas, por vezes, ficam contidas, abafadas, obstaculizadas. Referimo-nos, por exemplo, à expressão de sentimentos afetuosos nas nossas relações interpessoais. Queremos dizer que não devíamos recear o ato de gostar e “ser gostado”. Referimo-nos, também, à preocupação de cuidar dos outros, ou melhor, de cuidar-nos uns aos outros. Tal cuidado depende, e esta é outra atitude fundamental, da empatia, do movimento de nos colocarmos no lugar do outro, de procurar sentir o que o outro está sentindo. A comunicação clara e franca entre os membros da equipe facilita a emergência das relações empáticas. O compartilhamento das tarefas (e dos saberes), ao buscar decisões consensuadas, estimula, do mesmo modo, as relações empáticas. E se a equipe estiver se relacionando através de sentimentos afetuosos, cuidados mútuos e comunicação empática, estará, de algum modo, revivenciando um holding adequado, acolhedor e estruturante. A equipe, certamente, estará se dando sustentação ou suporte suficiente e necessário para lidar com as tensões e complexidades das suas tarefas cotidianas.

O objetivo inicial da equipe de profissionais do Programa de Atendimento a Hipertensos era o de “cuidar bem dos pacientes”. O desejo de cuidar propiciou uma relação empática com aquelas pessoas que, na vulnerabilidade da sua doença, buscavam ser cuidadas. A dinâmica do holding se fez presente naquele “círculo de sustentação”. Tanto quanto os pais ao cuidarem dos seus bebês necessitam ser cuidados, nossa equipe também precisava de quem cuidasse dela, face ao estresse que o trabalho provocava. E porque estávamos envolvidos afetivamente com nossos pacientes, envolvemo-nos uns com os outros, e as trocas afetivas, cuidadoras e empáticas que a eles oferecíamos passaram a ocorrer naturalmente entre nós. O círculo de sustentação nos “abraçou” e nos deu apoio, deu suporte, deu acolhimento.

Seria possível estender a dinâmica aqui descrita para outras equipes de saúde? Pensamos que alguns “princípios” sejam significativos, como o desejo de cuidar. A equipe precisa ter um objetivo comum, compartilhado por todos e que seja motivado pelo desejo de cuidar. É necessário que a equipe se encontre com regularidade e onde haja possibilidade de circular livremente trocas afetivas, cuidados mútuos e comunicação precisa e franca. Os papéis de cada um devem ser bem definidos, mas intercambiáveis, de forma que todos participem e se sintam responsáveis por todas as atividades da equipe. As decisões devem ser conjuntas. O líder deve ser aceito pelo grupo.

Acreditamos não ser fácil, mas não é impossível. De qualquer modo, o desafio é romper com um modelo de atenção à saúde que, na verdade, privilegia a doença. Um modelo que idealiza o profissional, ”coisifica” o paciente e impessoaliza o relacionamento entre eles. Um modelo que, quando pensa em dar atenção ao profissional, o faz tardiamente, quando esse profissional já adoeceu.

O desafio, pois, é estimular os profissionais de saúde a romperem com as barreiras que os impedem de estabelecer vínculos interpessoais próximos, acolhedores, afetuosos e empáticos, e assim resgatarem o que foi essencial na construção de indivíduos suficientemente autônomos, confiantes e criativos, sensíveis e preocupados com os outros e abertos ao intercâmbio e aos cuidados a serem partilhados, trocados com os que habitam o mesmo círculo de relacionamento, inclusive os próprios pares.

 

 

Referências

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Recebido em: 23/11/2006
Aprovado em: 11/12/2006

 

 

* Médico e psicólogo • Professor de Psicologia Médica da Fundação Educacional Serra dos Órgãos – FESO – Teresópolis/RJ • Doutor em Psicologia • Endereço eletrônico: eugenio.campos@ig.com.br

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