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Epistemo-somática

versión impresa ISSN 1980-2005

Epistemo-somática v.4 n.1 Belo Horizonte jul. 2007

 

ARTIGOS

 

O consentimento informado na pesquisa em psicologia hospitalar

 

Informed consent in hospital psychology research

 

El consentimiento informado en investigación de psicología hospitalaria

 

Le consentement informé dans la recherche en psychologie

 

 

Kátia Cristine Cavalcante Monteiro

Hospital Universitário Walter Cantídio, Universidade Federal do Ceará – Fortaleza, Brasil

 

 


RESUMO

O presente trabalho visa discutir o consentimento informado na pesquisa em Psicologia Hospitalar. O Termo de Consentimento é um documento sugerido por declarações internacionais e resoluções que versam acerca das pesquisas envolvendo seres humanos. Nesse documento o consentimento do ser humano é essencial e sua função precípua é estabelecer a responsabilidade do pesquisador de garantir o acesso às informações necessárias para que o sujeito compreenda quais procedimentos serão realizados e julgue se é interessante, ou não, participar da pesquisa. O psicólogo hospitalar pode atuar como pesquisador ou membro de um Comitê de Ética em Pesquisa, porém seu desafio principal é sugerir mecanismos que diminuam a assimetria da relação entre cientistas e voluntários, assegurando um diálogo que garanta, não somente a voluntariedade do indivíduo, mas que um real processo de comunicação entre as partes ocorra.

Palavras-chave: Termo de Consentimento, Consentimento informado, Bioética, Psicologia hospitalar.


ABSTRACT

The aims of the present study are to discuss the informed consent in hospital psychology research. The consent term is a document suggested for international declarations and resolutions that turn concerning the research involving human beings. In this document the consent of the human being in being part of the research is essential and its main function is to establish the responsibility of the researcher to assure the access to the necessary information so that the citizen understands which procedures will be carried through and judges if it is interesting, or not, to participate. The hospital psychologist can act as researcher or as member of a Committee of Ethics in Research, but his main challenge is to suggest mechanisms that diminish the asymmetry of the relation between scientists and volunteers, and to assure a dialogue process that guarantees, not only the voluntary of the individual, but that a real process of communication between parts occurs.

Keywords: Consent forms, Informed consent, Bioethics, Hospital psychology.


RESUMEN

El presente trabajo visa discutir el consentimiento informado en investigaciones de psicología hospitalaria. El concepto de Consentimiento es un documento sugerido por declaraciones internacionales y resoluciones que hablan acerca de las investigaciones que involucran a seres humanos. En ese documento, el Consentimiento del ser humano es esencial y su función principal es establecer la responsabilidad del investigador de garantizar el acceso a las informaciones necesarias para que el sujeto comprenda cuales procedimientos le serán realizados y juzgue si es interesante o no su participación. El psicólogo hospitalario puede actuar como un investigador o como miembro de un Comité de Ética en Investigación. Su desafío principal es proponer mecanismos que disminuyan la asimetría de la relación entre el científico y los voluntarios, asegurando un diálogo que garantice no solamente la voluntariedad del individuo, sino que un real proceso de comunicación entre las partes ocurra.

Palavras clave: Formulario de consentimiento, Consentimiento informado, Bioética, Psicología hospitalaria.


RESUMÉ

Ce travail vise à discuter le consentement informé dans la recherche en Psychologie Hospitalière. Le Formulaire de Consentement libre, éclairé, et exprès est un document suggéré par des déclarations internationales et des résolutions qui portent sur des recherches concernant des êtres humains. Dans ce document le consentement de l’être humain est essentiel et sa fonction première est d’établir la responsabilité du chercheur garantir l’accès aux informations nécessaires pour que le sujet comprenne quels actes seront réalisés et pour qu’il juge si c’est intéressant ou si ce n’est pas intéressant de participer à la recherche. Le psychologue hospitalier peut travailler comme chercheur ou membre d’un Comité d’Éthique en recherche. Son défi le principal est de suggérer des mécanismes qui diminuent l’asymétrie du rapport entre scientifiques et volontaires, en assurant un dialogue qui garante, pas tout simplement le volontariat de l’individu, mais qu’il y ait un réel processus de communication entre les parties concernées.

Mots-clés: Formulaire de consentement, Consentement informé, Bioéthique, Psychologie hospitalière.


 

 

As Resoluções brasileiras que versam acerca da investigação científica envolvendo seres humanos corroboram os códigos de ética vigentes na maioria dos países que prezam a dignidade do sujeito da pesquisa. Existe uma tendência a que tais códigos expressem valores universais, principalmente no tocante ao esclarecimento detalhado para o sujeito sobre características importantes da pesquisa, bem como a orientação de que seu consentimento em participar seja voluntário e por escrito. É o que usualmente chamam de consentimento informado e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A observância dessa voluntariedade, contudo, nem sempre foi garantida. O debate em torno dessa ética se ampliou mesmo em função da revelação de experimentos médicos nos campos de concentração durante a Segunda Guerra. Os prisioneiros desses campos eram expostos a experimentos abusivos, tais como: temperaturas muito baixas para verificar quanto tempo suportavam; infecção com tifo e malária a fim de que vacinas fossem testadas; administração de venenos para verificação de seus efeitos letais; dentre outros (HOSSNE, 2006).

Em 1947, elaborou-se o Código de Nuremberg para fundamentar o julgamento contra os crimes cometidos por cientistas durante o regime nazista. Nesse Código, o consentimento do ser humano em participar da pesquisa é essencial e sua função precípua foi a de estabelecer a responsabilidade do pesquisador em obter o consentimento dos participantes, assegurando o acesso às informações e a ausência de constrangimento a sua voluntariedade. Contudo, ainda não existia a obrigatoriedade de se obter esse consentimento por escrito (CÓDIGO DE NUREMBERG, 1947).

O Código de Nuremberg foi o primeiro sistema normativo internacional regulador dos padrões de pesquisa com seres humanos. A partir dele, outros países estabeleceram suas normas e diretrizes complementares. Como exemplo, tem-se a Declaração de Helsinque (1964-1996) que, além de citar explicitamente os componentes de liberdade e pleno esclarecimento, destaca a obrigatoriedade de se obter por escrito o consentimento do participante da pesquisa (JUNGES, 2006).

Apesar da existência desses documentos, registram-se ainda abusos cometidos em investigações científicas. Em meados de 90, grupos em defesa dos direitos reprodutivos se organizaram sob a seguinte alegação: os cientistas que desenvolviam estudos sobre regulação de fecundidade ignoravam o compromisso de esclarecerem os objetivos do experimento, tirando vantagens dos sujeitos da pesquisa, que assinavam o TCLE baseados somente numa relação de confiança. Hardy, Bento, Osis & Hebling (2002) afirmam que a imprensa brasileira apontou a pobreza, a desinformação e a baixa escolaridade como características comuns às mulheres que eram incluídas como participantes em pesquisas com contraceptivos. Da mesma forma, quando se utilizavam novas drogas contraceptivas, estas eram testadas, em primeiro lugar, nos países em desenvolvimento e com mulheres de nível socioeconômico baixo.

Scüklenk (2006) também denuncia que, na África do Sul, pesquisas clínicas com o objetivo de investigar a eficácia de um novo medicamento, para diminuir a transmissão do vírus do HIV para os fetos de mulheres grávidas soropositivas, foram conduzidas por pesquisadores que utilizaram placebo (medicação inócua) num grupo controle, apesar de já existir tratamento para evitar essa transmissão. Ou seja, não só foi negado a essas mulheres o acesso à informação de que existia terapêutica comprovada para o problema pesquisado, mas também o direito ao tratamento padrão.

O Brasil acompanhou essa discussão, inicialmente, em 1978, dispondo em Resolução Normativa que, nas pesquisas clínicas, o consentimento do paciente poderia ser verbal ou escrito, segundo conveniência do investigador. Em 1988, nova Resolução foi publicada, exigindo por escrito o acordo mediante o qual o sujeito autoriza sua participação na pesquisa (HARDY et al., 2002). Finalmente, a Resolução 196, de 10 de outubro de 1996, permanece vigente. Reconhecida como uma peça de natureza essencialmente bioética, essa Resolução, além de basear-se nos principais documentos internacionais que tratam das declarações e diretrizes em pesquisas biomédicas, cumpre o que está disposto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e na legislação brasileira correlacionada: a Lei Orgânica da Saúde 8.080, de 19/09/90; o Código de direitos do Consumidor; o Estatuto da Criança e do Adolescente; dentre outras (MS/CNS, 1996).

A Resolução 196 também normatiza a criação, composição e atuação dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs), definindo os direitos e deveres correspondentes à comunidade científica, aos sujeitos (participantes) da pesquisa e ao Estado. A documentação complementar necessária para acompanhar o protocolo de pesquisa também é analisada pelo CEP e, geralmente, compreende: carta de apresentação, curriculum vitae do pesquisador principal, Folha de Rosto Para Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (1999) e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (MS/CNS, 1996; MS/CNS, 2002).

Os Comitês de Ética têm a atribuição de apreciar os aspectos éticos dos projetos de pesquisa que se realizam nos hospitais. Do Projeto de Pesquisa, realizar-se-á a análise dos riscos e benefícios próprios à execução da pesquisa, buscando a relação entre os benefícios dos resultados alcançados pela investigação e os riscos para o sujeito (GOLDIM, 2005). Desta maneira, o CEP funciona como um mecanismo de proteção social contra abusos provocados por pesquisas que não têm compromisso com o bem-estar do ser humano.

Segundo Vieira (2003), “a finalidade da bioética é auxiliar a humanidade no sentido de participação racional, porém cautelosa no processo da evolução biológica e cultural [...] é a combinação de conhecimentos biológicos e valores humanos” (VIEIRA, 2003, p.15). No Brasil, as diretrizes que orientam as investigações científicas com seres humanos incorporam para apreciação de projetos de pesquisa os seguintes princípios fundamentais da bioética: 1. da autonomia, segundo o qual o pesquisador deve respeitar os valores morais e crenças do indivíduo, assim como sua vontade de exercer o livre direito de escolher participar ou não do experimento; 2. da não maleficência, que assinala a obrigação de não infligir dano intencional ao sujeito da pesquisa; 3. da beneficência, que objetiva o bem-estar do sujeito, a partir da transparência dos riscos e benefícios decorrentes da pesquisa; e, por último, 4. princípio da justiça, que garante a seleção eqüitativa dos participantes da pesquisa, preservando, assim, a igualdade quanto à distribuição de bens e benefícios à comunidade, no que tange à aplicação e aos resultados da investigação científica. Nas palavras de Castilho & Kalil (2005):

“Segundo esse princípio [o da justiça], uma pesquisa deve ter relevância social com vantagens significativas para os sujeitos da pesquisa e minimização do ônus para os sujeitos vulneráveis, garantindo a igual consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação sócio-humanitária” (CASTILHO & KALIL, 2005, p.345).

(CASTILHO & KALIL, 2005, p.345). As temáticas relacionadas ao progresso da ciência tangenciam temas cada vez mais polêmicos como clonagem, pesquisas com novos fármacos e com células-tronco (MS/CNS, 2002). Embora as discussões relacionadas às polêmicas éticas pareçam guardar mais relação com as pesquisas biomédicas do que com as pesquisas psicossociais, o próprio caráter pluridisciplinar do conceito de bioética sugere que sua abrangência supera os limites da medicina, alcançando outras disciplinas como direito, psicologia, biologia, antropologia, teologia, filosofia, etc. No âmbito da Psicologia Hospitalar, temas desafiadores também se apresentam, entre os quais se destacam a medicina intensiva e os transplantes, por exemplo (TORRES, 2003). Além disso, os psicólogos que pretendem realizar pesquisas em instituições de saúde se deparam com a exigência de que o paciente que dela participe conceda seu consentimento mediante acordo escrito.

A garantia do Termo de Consentimento foi instituída para zelar pelos direitos dos pacientes que participam de pesquisa. Em face das desigualdades sociais e econômicas do Brasil, grande parcela da população necessita do Sistema Público de Saúde. Devido à dificuldade de acesso a esse Sistema, corre-se o risco de que a maioria da população participe de pesquisas em troca de um atendimento que, financeiramente, não lhe é acessível; mesmo sem saber do que se trata, quais são seus direitos, ou que tipo de dano pode ser produzido (SEGRE, 2004).

Nesse sentido, o Conselho Federal de Psicologia se pronunciou, favoravelmente, a respeito do assunto, por meio do art. 1º da Resolução 16, de 20 de dezembro de 2000, orientando que: “Toda pesquisa em Psicologia com seres humanos deverá estar instruída de um protocolo, a ser submetido à apreciação de Comitê de Ética em Pesquisa, reconhecido pelo Conselho Nacional de Saúde, como determina a Resolução MS 196/96 do CNS” (CFP, 2000).

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) é a norma aplicada ao princípio do respeito à autonomia do voluntário que participe de uma pesquisa; trata-se de um documento que garante o reconhecimento do sujeito como um ser livre para exercer uma escolha. De acordo com a Resolução 196:

“Consentimento livre e esclarecido – anuência do sujeito da pesquisa e/ou seu representante legal, livre de vícios (simulação, fraude ou erro), dependência, subordinação ou intimidação, após explicação completa e pormenorizada sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta pode acarretar, formulada em um termo de consentimento, autorizando sua participação voluntária na pesquisa” (MS/CNS, 2002, p.85).

O consentimento deve garantir a voluntariedade, partindo do pressuposto de que o participante ou representante legal encontra-se capacitado para tomar uma decisão (GOLDIM, 2005). Segundo Palácios, Rego & Schramm (2002), duas etapas compõem este momento: a do entendimento e a do julgamento de valor. A etapa do entendimento é aquela em que as informações transmitidas são suficientes para que o sujeito compreenda sua forma de participação na pesquisa e quais procedimentos serão realizados.

A redação do TCLE deve ser adequada à compreensão do indivíduo, elaborada em duas vias, sendo que uma delas fica com o participante e a outra com o pesquisador. O processo do consentimento informado deve esclarecer: finalidade do experimento; informações relativas aos riscos, tanto atuais como potenciais, bem como aos benefícios decorrentes da execução do estudo; e possíveis desconfortos decorrentes dos procedimentos (MS/CNS, 1996; MS/CNS; 2002). Pois, somente a partir da compreensão desses fatores, o voluntário da pesquisa poderá alcançar o segundo momento e julgar, com base em seus próprios valores morais, se é interessante ou não participar (PALÁCIOS et al., 2002).

Além dos elementos supracitados outros itens, também importantes, são imprescindíveis na redação desse documento: garantia da privacidade dos dados do sujeito; direito à recusa ou desistência de participar da pesquisa sem prejuízo na assistência à saúde ou qualquer outro; identificação do pesquisador responsável e CEP que aprovou a pesquisa, caso ocorra alguma emergência relacionada à mesma; e assistência necessária para reparar qualquer dano oriundo do experimento (MS/CNS, 1996; SILVA et al., 2005).

Apesar dessas orientações, a obtenção do consentimento constitui-se ainda num desafio, visto que o mais importante é garantir a qualidade da transmissão das informações relacionadas à pesquisa; mas, nem sempre isso é possível. Hardy et al. (2002) desenvolveram estudo qualitativo em três centros de excelência em pesquisa, localizados nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil, com o objetivo de analisar a concordância entre a definição de consentimento livre e esclarecido e sua obtenção na prática. Observou-se uma dissonância entre pesquisadores e sujeitos de pesquisa, quanto às respostas. Enquanto os pesquisadores afirmaram conhecer e terem aplicado o TCLE de acordo com as instruções da Resolução vigente, os sujeitos referiram que alguns itens exigidos na composição do TCLE não foram esclarecidos no momento da obtenção do consentimento:

“Metade das mulheres (nove) referiu não ter recebido nenhuma informação relacionada à liberdade de decidir não participar ou de descontinuar sua participação em qualquer momento [...] A maioria das mulheres (doze) disse não ter recebido nenhuma informação sobre seus nomes aparecerem em algum momento, nem de serem identificadas por outras pessoas como participante da pesquisa” (HARDY et al.,2002, p.410).

Os pesquisadores têm dificuldade em elaborar um Termo de Consentimento simples e que, ao mesmo tempo, contemple todas as informações pertinentes a sua finalidade. A grande maioria produz documentos longos e complexos, que comprometem o entendimento do participante da pesquisa. Além disso, as características sociais, culturais e intelectuais desses participantes, bem como a relação entre profissional de saúde e paciente dentro do hospital, podem influenciar nesse processo de comunicação (SILVA, 2005).

A relação entre o pesquisador e o sujeito da pesquisa guarda certa similitude com a que existe entre o médico e o paciente. De fato, predomina uma relação hierarquizada entre o profissional que trata e cura e o portador de uma doença. Na visão do paciente, o profissional de saúde passa uma imagem de poder e de detentor do conhecimento (HARDY et al., 2002). Desta maneira, quando o pesquisador é o profissional de saúde da instituição e o sujeito da pesquisa é o paciente, por parte deste existe inibição em questionar e contestar a fala do ’doutor’.

Assim, para que se alcance o objetivo ético do TCLE, é importante que se reconheça a necessidade do aperfeiçoamento de sua aplicação. Ribeiro (2002), ao discutir os casos em que as informações solicitadas pela pesquisa, além de serem confidenciais, são também anônimas, orienta para que o consentimento informado assegure de que não é possível ligar a assinatura do sujeito da pesquisa ao questionário respondido. O autor sugere que o protocolo faça uso de duas urnas onde, numa o sujeito introduza o TCLE assinado, e na outra, o formulário de pesquisa preenchido. Outra sugestão do autor é: no estudo em que o esclarecimento prévio ao sujeito, sobre a pesquisa em que ele irá participar, influenciar nas respostas das entrevistas ou questionário, o esclarecimento completo deve ser fornecido depois da aplicação do instrumento de coleta de informações.

Para tanto, faz-se necessário que o pesquisador não perceba o fluxo de avaliações dos projetos pelo CEP, somente, como uma burocracia. Mas, adote uma cultura ética que incorpore o TCLE enquanto uma possibilidade legítima de discussão entre a comunidade científica, instituições de saúde, pesquisadores e voluntários.

Segundo Palácios et al. (2002), não existe ainda uma cultura efetiva de diálogo entre os atores anteriormente citados; tal cultura é efeito da idéia de que os leigos não têm competência para julgar um projeto de pesquisa. Existe, porém, um engano nesse ponto de vista, já que a diferença entre o cientista e o leigo é tão-somente a habilidade do pesquisador para estabelecer novas hipóteses e planejar metodologicamente a produção do conhecimento. Desta forma, a diferença de nível educacional não deve funcionar como justificativa para que se utilize uma linguagem excessivamente técnica na redação do TCLE, mas deve favorecer a aproximação entre o informante e o que recebe a informação, “em termos de compreensão e apreensão” (HARDY et al., 2002, p.409), partindo do princípio que considera a informação necessária para compor um Termo de Consentimento aquela que assegura a liberdade e preserva a dignidade do voluntário.

No contexto da pesquisa em Instituição de Saúde, o psicólogo pode atuar como pesquisador e/ou como membro de um CEP. Como membro de um Comitê de Ética, ele deve contribuir para o diálogo interdisciplinar – já que o colegiado do CEP é composto por pessoas de formação acadêmica heterogênea, incluindo a representação de usuários do serviço de saúde (MS/CNS, 1996; MS/CNS; 2002) –, colocando em pauta os referenciais teóricos, metodológicos e éticos das ciências humanas, que, muitas vezes, escapam à percepção dos profissionais de saúde que têm uma formação mais positivista. Além disso, sua participação não deve se limitar à apreciação burocrática dos protocolos, mas refletir junto com o pesquisador a melhor forma de garantir a liberdade de decisão do sujeito da pesquisa.

Ao atuar como pesquisador nos Hospitais Públicos, o psicólogo deve ser conhecedor do seu Código de Ética (CFP, 2005), que dedica à área de pesquisa todo o art. 16: orienta que a realização de estudos voltada para a produção de conhecimentos, além de preservar o anonimato dos pesquisados, deve avaliar os riscos envolvidos, tanto nos procedimentos como na divulgação dos resultados e, da mesma forma, garantir a voluntariedade da participação no experimento pelo uso do consentimento livre e esclarecido. Vale ressaltar que em nenhum lugar desse Código de Ética se encontra a obrigatoriedade do acordo escrito.

Enfim, a proteção do sujeito da pesquisa constitui a razão fundamental das normas e diretrizes brasileiras que ordenam as investigações científicas que envolvem seres humanos. O psicólogo hospitalar que está nesse contexto deve basear-se na Resolução 196 e/ou no seu Código de Ética, a fim de sugerir mecanismos que diminuam a assimetria da relação entre cientistas e voluntários, assegurando um diálogo que garanta não somente a voluntariedade do indivíduo, mas que um processo construtivo de comunicação entre partes ocorra.

 

Referências

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Recebido em: 20/06/2007
Aprovado em: 09/07/2007

 

 

Sobre a autora:
Psicóloga do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) da Universidade Federal do Ceará (UFC) – Fortaleza, Brasil • Mestre em Psicologia pelo Departamento de Psicologia da UFC e Membro do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do HUWC/UFC • Endereço eletrônico: katiam@ufc.br

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