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Revista Brasileira de Psicologia do Esporte

versão On-line ISSN 1981-9145

Rev. bras. psicol. esporte v.2 n.2 São Paulo dez. 2008

 

 

Disposições pessoais de tenistas jovens: um estudo fundamentado na teoria bioecológica de Bronfenbrenner

 

Personal dispositions of young tennis players: a study supported by the Bronfenbrenner’s bioecological theory

 

Temperamentos personales de jugadores jóvenes del tenis: un estudio respaldado por la teoría bioecológica de Bronfenbrenner

 

 

Ruy J. KrebsI; Fernando CopettiII; Sidónio SerpaIII; Duarte AraujoIII

IUniversidade do Estado de Santa Catarina - Brasil
IIUniversidade Federal de Santa Maria - Brasil
IIIUniversidade Técnica de Lisboa - Portugal

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar as disposições pessoais de tenistas jovens com suporte na Teoria Bioecológica de Bronfenbrenner. Os dados coletados por Copetti (2001) para sua tese de doutorado foram usados para uma metanálise. Foram identificadas quatro categorias de análise: disposição para engajamento, disposição para permanência, disposição para o abandono e disposição pra reorganizar ações. Os resultados enfatizaram a necessidade de se utilizar os fatores de interação sugeridos no modelo bioecológico e concluiu-se que qualquer avaliação de atributos pessoais de tenistas jovens dependerá da continuidade e descontinuidade de suas disposições pessoais, bem como da interação dos demais fatores que compõe o modelo da Teoria Bioecológica.

Palavras-chave: Disposições pessoais, Tenistas jovens, Teoria bioecológica.


ABSTRACT

The objective of this study was to evaluate the young tennis players' personal dispositions with support on the of Bronfenbrenner’s Bioecological Theory. The data collected by Copetti (2001) for his doctoral dissertation were used for a metanalysis. They were identified four categories of analysis: disposition for engagement, disposition for permanence, disposition for the abandonment and disposition for reorganizing actions. The results emphasized the need to use the interaction factors suggested in the bioecological model and it was concluded that any evaluation of young tennis players' personal attributes will depend on the continuity and discontinuity of their personal dispositions, as well as of the interaction of the other factors that composes Bioecological Theory’s model.

Keywords: Personal dispositions, Young tennis players, Bioecological theory.


RESUMEN

El objetivo de este estudio fue valorar a los temperamentos personales de jugadores jóvenes del tenis, con el soporte en la Teoría Bioecológica de Bronfenbrenner. Los datos coleccionados por Copetti (2001) para su tesis de doctorado fueron usados para un metanálisis. Cuatro categorías de análisis fueron identificadas: el temperamento para la confrontación, el temperamento para la permanencia, el temperamento para el abandono y el temperamento para las demandas se reorganizando. Los resultados enfatizaron la necesidad de usar la interacción que los factores del modelo bioecológico y si concluyo que cualquier evaluación de los atributos personales de jugadores jóvenes del tenis dependerá de la continuidad y la discontinuidad de sus temperamentos personales, y también de la interacción de los otros factores que compone el modelo de Teoría Bioecológica.

Palabras clave: Temperamentos personales, Jugadores jóvenes del tenis, Teoría bioecológica.


 

 

Introdução

A teoria bioecológia do desenvolvimento humano (Bronfenbrenner, 2005) oferece uma perspectiva para a compreensão do desenvolvimento humano, e apresenta um conjunto de sistemas em que a pessoa em desenvolvimento é um ser ativo, capaz de sofrer influências desses sistemas, ao mesmo tempo em que neles determina mudanças. Essa concepção, segundo Krebs (1995), estabelece bases tanto para estudos teóricos como para investigações empíricas dos processos associados ao desenvolvimento humano. Ao usar o termo bioecológica, Bronfenbrenner pretendeu evidenciar a indissociabilidade entre os quatro elementos presentes em seu paradigma: pessoa, processo, contexto e tempo (PPCT). Para distinguir as propriedades inerentes à pessoa, o autor cunhou o termo características biopsicológicas do ser humano.

O uso da teoria de Bronfenbrenner no contexto do esporte é ainda incipiente (Krebs, 1995; J. L. Vieira, 1999; L. F. Vieira, 1999, Copetti, 2001; Bengoechea, 2002). Considerando-se que o atleta é o ator principal no contexto esportivo, os estudos orientados pelo paradigma bioecológico buscam entender como as suas características físicas, biológicas e psicológicas interagem com o ambiente. A combinação dessas três características individuais forma sua estrutura pessoal, que tem o poder de influenciar, direcionar e fortalecer o desenvolvimento de seus processos futuros. Essas características são denominadas por Bronfenbrenner & Morris (1999, 2006) de disposições, recursos e demandas.

As formas como o atleta interpreta suas experiências, interações e ambientes em que está envolvido são variáveis importantes para se entender como ocorre seu desenvolvimento (Abernethy et al.,2001; Bengoechea e Stream, 2007). Esse desenvolvimento não é dependente apenas dos processos de interação, mas varia como uma função das características pessoais de cada atleta e as dos ambientes imediatos onde a prática ocorre (Alfermann et al., 2004). Valsiner (1987) diz que os processos de desenvolvimento são sempre delimitados por algumas condições estabelecidas dentro da relação organismo-ambiente em um determinado tempo. Essas condições, denominadas pelo autor de constraints, é que definem o sistema de forças que é possível na interação entre organismo e ambiente, ou a competência do organismo dentro de dadas condições ambiental, em um dado tempo (p.89). Uma vez compreendido que esse fenômeno é tanto biológico como social, é impossível na visão do autor falar sobre competência do organismo de forma independente de seu ambiente.

Outro aspecto importante na pesquisa orientada pelo paradigma bioecológico é a dimensão dos eventos ocorridos ao longo da trajetória esportiva de cada atleta (Barros, 2008; Erpic et al. 2004; Fernandez et al., 2006; Stambulova et al., 2007, Stier, 2007). Essa dimensão de tempo consiste na seqüência de eventos que constituem a história pessoal de cada atleta, que podem ser analisados na continuidade e descontinuidade dos episódios dos processos proximais, na periodicidade desses episódios através dos intervalos amplos de tempo, como dias e semanas, e na história de vida do atleta, suas expectativas de mudança e eventos que possam influenciar seu desenvolvimento como atleta, comumente observado nas competições, nas vitórias, nas derrotas, entre muitos outros Wuert, et al.,2004; Wyllermann et al.,2004; Young et al., 2006).

Um estudo que pretenda investigar os atributos pessoais do atleta é, ainda, um desafio árduo para aqueles que buscam uma compreensão do quanto as características biopsicológicas podem inibir ou favorecer o desenvolvimento de uma carreira esportiva. Essa dificuldade em compreender os efeitos sinergéticos entre os elementos que constituem o modelo bioecológico é discutida por Bronfenbrenner (1992, 1995 a, 1995 b, 2005). Ele destaca dois delineamentos para esse tipo de pesquisa: (a) o confirmatory mode, em que o pesquisador busca a confirmação de uma hipótese ou (b) o C, quando o objetivo do pesquisador é descobrir novas hipóteses para pesquisa. Observando-se a tese de doutorado de Copetti (2001), cujo objetivo foi investigar atributos pessoais de tenistas, pode-se dizer que o autor usou um delineamento que atende às características que Bronfenbrenner (1995 b, 2005) apontou para que um estudo seja do tipo exploratory mode. Copetti concluiu que a identificação das disposições pessoais dos tenistas permitiu compreendê-las como ocorrendo em um processo de interação com os sistemas ecológicos por onde cada tenista transita. Ambientes como a família, o clube, a escola e o grupo de amigos foram os contextos que, muitas vezes, acionaram, fortaleceram, enfraqueceram ou deram a direção para essas forças pessoais. Dentro desse sistema de força, é importante mencionar que, embora as disposições pessoais possam ser orientadas pelas características do ambiente, nem sempre as disposições da pessoa e as forças instigadoras dos contextos podem tomar um mesmo sentido. Por vezes, é possível se encontrar forças do contexto e disposições da pessoa atuando em uma mesma direção; em outras, em direções opostas. Foi possível perceber que, mesmo as disposições pessoais sendo atributos constituintes da pessoa (Reid et al., 2007), suas efetivações ou desencadeamentos ocorreram no processo de interação com os parâmetros do contexto. Na área das ciências do comportamento humano a metanálise vem sendo utilizada para avaliar os resultados de estudos originais sobre um determinado tema. Assim, o objetivo deste estudo é retomar os resultados obtidos por Copetti (2001), em relação aos atributos pessoais de tenistas, reinterpretando-os através da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano, proposta por Bronfenbrenner (1992, 2005).

 

Método

O delineamento utilizado é do tipo exploratory mode. O estudo compreendeu três etapas: (a) análise dos procedimentos metodológicos usados por Copetti (2001), para a obtenção dos dados de seu estudo e (b) metanálise dos resultados levantados nas duas etapas anteriores.

Em relação à primeira etapa do estudo, percebeu-se que o ponto central da pesquisa de Copetti (2001) situou-se nas disposições pessoais de tenistas que estavam envolvidos com a prática sistematizada do tênis. Para identificar-se o nível de envolvimento com essa prática, foi utilizado o critério de estar ou não participando do ranking da Federação Gaúcha de Tênis (FGT). Os tenistas foram agrupados em: (a) participantes do ranking e (b) não participantes do ranking gaúcho de tênis, com base na relação de pontuação da FGT e pelas informações dos tenistas. O estudo teve seu foco direcionado para os clubes do Estado do Rio Grande do Sul que possuíam tenistas participantes no ranking estadual, bem como tenistas que, mesmo não participando do ranking, pertenciam às respectivas equipes dos clubes. Fizeram parte daquele estudo 46 tenistas de dois clubes do Estado do Rio Grande do Sul, com idades entre nove e dezoito anos, de ambos os sexos, sendo 33 do sexo masculino e 13 do sexo feminino, todos engajados nas equipes dos respectivos clubes. Foi usada uma entrevista cujo roteiro teve como finalidade delimitar os sistemas de representações, valores e normas veiculadas pelos indivíduos entrevistados. A estrutura da entrevista foi do tipo diretiva (Albarello et al., 1997) tendo como base o roteiro pré-estabelecido (em forma de questionário).

Na segunda etapa do estudo, a análise referente ao conteúdo das entrevistas teve como método a organização dos relatos (preparação do material), codificação (unidade de contexto &– frases e palavras-, enumeração e freqüência), análise quantitativa e a categorização (obedecendo categorias pré-existentes), conforme apresentados por Bardin (1977). A leitura das entrevistas ocorreu no sentido horizontal, onde, para uma mesma questão, foram lidas todas as respostas e categorizadas, para só assim partir para outra questão. Para a análise das entrevistas, foi utilizada a categoria das propriedades da pessoa apresentada no modelo bioecológico de Bronfenbrenner & Morris (2005). As disposições pessoais dos tenistas foram subdivididas, para análise, em dois grupos: as disposições pessoais geradoras (positivas) e as disposições pessoais disruptivas (negativas). Esse primeiro pólo representou os elementos facilitadores ou favorecedores no transcurso de envolvimento com o tênis. O segundo, por sua vez, os inibidores ou aqueles que colocaram algum tipo de dificuldade nesse transcurso.

 

Resultados

As características pessoais mais prováveis para influenciar o desenvolvimento futuro são referidas por Bronfenbrenner & Morris (1999, 2006) como forças da pessoa, e compreendidas como disposições comportamentais ativas que podem colocar os processos proximais em movimento e manter suas operações, ou ao contrário, interferir ativamente, retardar ou até mesmo impedir sua ocorrência. Foram identificadas no estudo de Copetti (2001) as características comportamentais relacionadas com o engajamento e a permanência dos tenistas no contexto esportivo. Essas características foram separadas em: (a) disposição pessoal para iniciar no tênis, (b) disposição pessoal para persistir engajado no tênis, (c) disposição pessoal para abandonar o tênis, e (d) disposição pessoal para reorganizar as ações. A análise desse tipo de disposição foi subdividida em quatro categorias: (a) a primeira característica diz respeito ao grupo de indivíduos que, sem participar ativamente do contexto da atividade tênis (clube), demonstraram interesse pelo esporte; (b) a segunda refere-se a curiosidade para jogar tênis; (c) a terceira foi a de engajar-se na atividade a convite de amigos ou colegas, e (d) e a última foi a responsividade para engajar-se no tênis, mesmo que a decisão tenha sido de outros (pais, professores, etc.).

 

 

Na primeira categoria foram identificados 5 tenistas, sendo que desses, 3 não possuíam nenhum familiar que praticava a modalidade ou apresentava algum tipo de envolvimento direto com o tênis. Provavelmente uma das características mais importantes para o engajamento tenha sido a curiosidade. Essa disposição pessoal tem o poder de desencadear a iniciativa de um indivíduo para se envolver na atividade, permitindo que ela vivencie e construa um significado próprio para sua experiência. Demonstrações deste tipo de orientação podem ser observadas nas seguintes falas:

Porque eu morava perto do clube e vi da sacada a cara delas jogando, aí eu disse para o pai, pai o que é aquilo que elas tão jogando? Aí ele disse estão jogando tênis. E eu posso fazer esse esporte? E ele disse que sim (Tenista 08).
Quando era pequeno ficava na cama brincando com o meu pai, aí eu entrei aqui por que eu quis, eles nunca falaram nada para eu entrar (Tenista 43).

A segunda categoria, na qual houve a maior concentração dos indivíduos investigados (17 tenistas), refere-se a curiosidade para jogar tênis, porém diferem-se da anterior por se encontrarem em uma situação de participação no contexto do esporte (em função de acompanhar algum dos familiares que praticam do tênis no clube). Uma demonstração da interação deste tipo de característica pessoal pode ser observada nas seguintes falas:

Foi porque eu via o meu irmão jogar e eu comecei a me interessar e resolvi começar a jogar (Tenista 26),
O meu pai jogava daí eu o via jogar e comecei a jogar, ele que me colocou na escolinha porque foi eu que pedi, me interessei, daí ele me colocou na escolinha e eu gostei (Tenista 36).
Eu vi o pai jogar e gostei, o pai começou antes de mim e desde pequeno eu gostava de ver ele jogar e daí eu me interessei e comecei a jogar também, eu disse para o meu pai que eu queria jogar então ele disse então tá vamos começar fazer escolinha, daí eu entrei (Tenista 07).

Em todas essas manifestações fica evidente que existiu por parte dos indivíduos uma disposição pessoal para engajar-se na atividade. No entanto, diferente do primeiro fator de interação, este segundo grupo caracterizou-se pelo fato de que os tenistas tiveram a oportunidade de conviver em um contexto em que a prática do tênis fazia parte do conjunto de atividades de pelo menos um membro da família e que, dessa maneira, proporcionou uma transição favorável para dentro desse meio esportivo. Enquanto os tenistas classificados no primeiro fator de interação, aqueles que não freqüentavam o clube, não tinham o contexto esportivo como parte do seu mesossistema, os elementos geradores desta disposição pessoal advém de sistemas mais distantes do indivíduo, como a relação direta com colegas ou amigos que jogam tênis ou pelos mais diversos meios de comunicação que divulgam a modalidade, como revistas, jornais, rádio e principalmente a televisão. Nestes casos a disposição para iniciar no tênis parece ter ocorrido por meio de interações geradas fora do contexto esportivo. Já para o segundo grupo, as interações foram constituídas em um ambiente que pertencia a sua rede social. Em ambos os casos a disposição para iniciar no tênis foi manifestada pelos tenistas.

No grupo referente à terceira característica de interação foram observados 11 tenistas, sendo que desses, 3 não possuíam nenhum membro da família envolvido com a prática do tênis. Isso fica evidente no relato que segue:

Meus amigos jogavam aqui no clube, meus colegas de aula também, aí me convidaram e daí eu vim e comecei a jogar por parceria, para nós jogar juntos (Tenista 14).

Neste grupo, a família deixa de ser o eixo central no que se refere ao elemento de interação que desencadeia o interesse para envolver-se com a modalidade esportiva. Vê-se então reforçado o papel dos amigos ou colegas como pessoas significativas nesse processo de mediação, demonstrando a importância dos laços afetivos positivos na relação diádica. Segue um exemplo dessa relação:

A minha amiga jogava tênis sozinha, não tinha nenhuma amiga, aí ela me perguntou se eu queria fazer, aí eu disse que ia ver como era, se eu ia gostar, aí eu fui ver e gostei de fazer (Tenista 13).

A última característica de interação observada foi a responsividade para engajar-se no tênis, mesmo quando a decisão não tenha sido sua. O sentido desta disposição centra-se na responsividade em aceitar participar de uma atividade mesmo que a decisão não tenha sido tomada pelo próprio indivíduo, mas que demonstra um sentido de concordância ou mesmo uma disposição para tentar fazer. Deste grupo, 13 tenistas apresentaram essa disposição.

Quem me colocou na escolinha foi meu pai, é que várias pessoas da minha família já jogavam então ele me colocou para jogar também (Tenista 44).

Dos 13 tenistas observados nesta categoria, 2 tenistas não possuíam ninguém da família com algum tipo de envolvimento com a modalidade esportiva. Um exemplo disso pode ser observado na fala a seguir.

Uma vez a minha mãe perguntou para mim e para a minha irmã se a gente queria jogar, quando eu tinha cinco anos e minha irmã sete anos, aí ela perguntou se a gente queria jogar duas vezes por semana aqui na escolinha e a gente disse que sim e a minha irmã largou com nove e eu continuei (Tenista 37).

Ao observarmos os quatro tipos de fatores de interação presentes na disposição para iniciar-se no tênis, podemos verificar duas tendências básicas. Uma que parece ter uma orientação mais interna, ou seja, uma disposição pessoal que se manifesta independentemente de haver ou não a mediação direta de outras pessoas para que ela se engaje. Na outra, o elemento que desencadeia esta disposição pessoal vem de fora da pessoa, ou seja, dos contextos de desenvolvimento em que esta pessoa está inserida, principalmente a família e a escola, e tornam-se ainda mais evidentes quando há a participação em ambientes que envolvam a modalidade esportiva, como o clube. Neste caso, o significado atribuído ao tênis, as relações pessoais estabelecidas com os colegas, amigos, pais ou parentes, e as expectativas construídas pelos tenistas dentro do papel de ser filho de tenistas ou porque alguém da família jogava tênis também puderam ser evidenciados. Há então de se observar que a disposição pessoal para iniciar no tênis é uma força pessoal que se desencadeia na interação com um conjunto de elementos que tomam uma importante dimensão para o tenista, sejam elas nos contextos mais imediatos ou remotos, e que podem aumentar ou diminuir a força desta disposição pessoal.

Tão importante quanto ter uma disposição pessoal para iniciar no tênis é possuir uma disposição para permanecer nela por um período significativo de tempo. Persistir engajado na prática sistematizada do tênis, por si só, parece demonstrar a existência de um segundo tipo de disposição pessoal positiva em todos os participantes investigados. Esta disposição geradora, no entanto, apresenta-se na interação à um ou mais significados para cada tenista e, muitas vezes, evidenciados com uma forte ligação aos contextos externos ao do ambiente de treinamento do tênis. Os fatores de interação com esta disposição pessoal estão apresentados na Tabela 2.

 

 

Podemos observar que todos os indivíduos investigados também apresentaram uma disposição para continuarem envolvidos nela. No entanto, junto a essa disposição de persistir, parece haver um elemento fundamental que é a significação construída pelo tenista, que leva à efetivação dessa disposição, e que tem suas origens não somente no indivíduo, mas também como uma função derivada da interação com os parâmetros dos contextos pertencentes ao cotidiano dos tenistas. Neste sentido, Bronfenbrenner (2005) coloca que para que uma atividade gere desenvolvimento ela deve apresentar não somente certa persistência temporal, mas devem possuir um significado próprio para cada indivíduo. Dos 46 tenistas entrevistados, 31 manifestaram ser o prazer de jogar o tênis o significado de sua permanência na atividade, seguidos de 17 tenistas que se empenharam na atividade com o propósito de tornarem-se profissionais, ou seja, com um significado de que o tênis poderá ser uma atividade profissional no futuro. A permanência no tênis também encontra sua base no desejo de entrar em atividades mais complexas como a de competir (13 tenistas), ou então com sustentação no apoio e incentivo de familiares, amigos ou colegas (10 tenistas). Ainda foi observado o desejo pessoal de aprender um esporte para praticar para a vida toda (04 tenistas), pelo desejo de viajar (04 tenistas) e, finalmente, pelo prazer de estar com os amigos (03 tenistas). Alguns dos fatores de interação observados podem ser exemplificados nas seguintes falas:

O tênis é um esporte que agora eu estou jogando bem que eu me dediquei bastante tempo para chegar onde eu cheguei, porque eu gosto e por que tem uma equipe bem legal aqui no juvenil por isso, mesmo que eu não tenho um treino individual que daí é muito individual ... eu treino com outras pessoas, é o apoio da minha família, dos meus pais também, eu espero jogar super bem profissional senão eu não estaria assim, eu jogo porque é um esporte e tu tens que fazer um esporte na tua vida (Tenista 39).
Porque eu sempre gostei, porque eu sempre estava perto das pessoas que eu gostava, sempre gostava muito de viajar para os torneios jogar, competir eu sempre gostei e me motivou. Eu pretendo ser feliz porque eu gosto muito de jogar e cada vez que eu estou na quadra eu gosto muito de estar ali, como se fosse muito importante, me profissionalizar não porque fica muito difícil, eu só quero estudar, me formar, essas coisas e jogar (Tenista 37).

A disposição para persistir engajado no tênis parece ser desencadeada não só como uma função isolada de uma força da pessoa, mas também em função da interdependência dos contextos de desenvolvimento onde ela participa. Essa dinâmica apresenta-se na relação com o ambiente imediato onde a pessoa está envolvida, ou seja, o microssistema clube e os elementos que o constituem. Esses elementos são as atividades pertinentes ao treinamento que são desenvolvidas, as relações pessoais estabelecidas com os treinadores/professores, colegas, pais, dirigentes, entre outros, e os papéis construídos acerca das expectativas criadas por eles e das exigências estabelecidas pelo papel institucionalizado de ser um jogador de tênis. Pode também atingir um nível mais abrangente, o mesossistema, onde as ligações entre os contextos além do clube e da família se estendem, principalmente em relação ao grupo de amigos e colegas da escola. Observa-se também que as disposições pessoais não ocorrem de maneira isolada, existindo paralelamente a interação com outros tipos de características da pessoa. Analisando a fala anterior da Tenista 39, pode-se observar inicialmente a presença da propensão para avaliar as suas experiências, na medida em que conceitua seu desempenho e o prazer que sente em estar envolvido com a atividade.

Um terceiro tipo de disposição pessoal que pode ser observada nos tenistas refere-se aos sentimentos de abandono do tênis. Embora todos os sujeitos estejam atualmente envolvidos com este esporte, o fato de possuírem tal disposição não significa que não tenham ocorrido interrupções temporárias ou mesmo sentimentos de abandono da atividade no transcurso de envolvimento com o tênis. Em 20 tenistas foi observado que em momento algum de suas trajetórias esportivas manifestaram propensões para abandoná-la. No entanto, em 10 tenistas houve períodos de interrupções e, em 18 tenistas, observou-se a disposição para abandonar o tênis (mas essa não chegou a possuir força suficiente para ser efetivada). Daqueles que pararam por um período de tempo, observou-se que o desencadeamento desta disposição ocorreu como uma função de interação com a obtenção de maus resultados (03 tenistas), com as mudanças de interesses (2 tenistas), com o estresse e cansaço dos jogos e treinamentos (2 tenistas), com o significado que o tênis passou a ter em suas vidas, deixando em um determinado momento de ser tão importante (2 tenistas) e, finalmente, em interação com as dificuldades em lidar com as lesões (1 tenista). As freqüências podem ser observadas detalhadamente na Tabela 3. Situados entre o grupo dos que nunca pararam ou apresentaram sentimentos de abandono, e do grupo que temporariamente já se afastou do esporte, encontram-se o grupo de tenistas que, embora não tenham interrompido suas atividades, apresentaram disposições para tal ação. Dos 18 tenistas deste grupo, observou-se que os eventos de interação que atuaram como geradores desta disposição pessoal foram os maus resultados obtidos (7 tenistas), a mudança de interesse, principalmente por outros esportes (4 tenistas), na dificuldade de conciliar as exigências do esporte com os estudos (4 tenistas), por ter começado muito cedo e não ter ainda despertado o gosto e o prazer de jogar (2 tenista) e, finalmente, como resultado da avaliação negativa realizada pelos colegas (1 tenista).

 

 

Este conjunto de fatores de interação mencionado nos mostra que a disposição para permanecer engajado no tênis, e provavelmente em outros esportes, ocorre como uma função que inclui não apenas os elementos que constituem a aprendizagem e treinamento da modalidade esportiva em questão, mas das forças que transitam entre os demais contextos em que os tenistas participam e que se constituem na sua rede social, bem como do significado elaborado por cada indivíduo acerca de suas vivências pessoais nesses contextos. Há de se considerar então as aulas, os treinamentos, as competições, o convívio com outros tenistas e técnicos e as expectativas elaboradas por cada um no que diz respeito ao seu momento atual e perspectivas para o futuro no tênis. Não se pode deixar de observar as obrigações que lhes competem no papel de ser um atleta pertencente a equipe do clube, e ainda, as demais responsabilidades e exigências de outros ambientes que constituem a rede social destes tenistas, principalmente a família, a escola e o grupo de amigos.

Como pode então ocorrer a permanência destes tenistas no esporte se eles muitas vezes apresentaram disposições disruptivas que direcionaram suas ações em um sentido que os conduzam ao abandono? Talvez a resposta possa ser encontrada no fato de que a disposição para abandonar a atividade seja mascarada ou amenizada por outra disposição ou conjunto de disposições, não permitindo assim sua efetivação. Em outras palavras, as disposições negativas seriam enfraquecidas por disposições positivas que, naquele período ou momento histórico da vida do tenista, apresentaram-se mais fortes.  Vejamos alguns exemplos:

Já parei de jogar, eu queria assim quando eu estava jogando muito mal às vezes, meu desempenho às vezes eu baixava de nível então eu pensava em parar mas nunca levei a sério, o máximo que eu já parei foram duas semanas, eu não parei porque eu gosto do tênis, eu penso assim, se eu parar de fazer tênis não vou fazer mais nenhum esporte, eu parei duas semanas daí eu voltei por que eu gosto do tênis, eu sentia falta (Tenista 7).
Já pensei em parar, às vezes perco jogos, fico irritado e penso bahh, como é que... e me irrito e penso bobagens, depois do jogo, com calma eu fico pensando não, não, não é isso, tenho que me empenhar para no próximo jogo ganhar, porque mesmo depois, quando eu tô pensando com calma, eu vejo que eu posso melhorar e posso ganhar, que eu não vou abandonar, que eu tenho jogo, jogo bem e não vale a pena (Tenista 6).

Por outro lado, existem as forças do contexto que podem estar presentes assumindo o papel de moderadores e inibindo a efetivação da disposição negativa. Tais elementos podem mascarar ou enfraquecer estas disposições, como pode ser observado na fala a seguir.

Teve uma época que eu estava perdendo para todo mundo ai chegava minha mãe e dizia para eu não parar, que não pode desistir das coisas, e não me deixava parar me fazia ir mesmo que eu não quisesse, ela sabia que eu ia gostar das coisas, como eu estou gostando agora (tu achas que se ela não tivesse te dado apoio naquela época tu terias parado?) acho que sim (Tenista 21).
Às vezes momentaneamente no impulso o cara pensa vou parar, sou muito ruim, mas não, o cara tem que continuar (o que houve no ano passado que fez você parar?) bem ano passado foi por causa dos estudos, estava meio mal de notas, mas tem assim quando dá um desanimo e vontade de fazer outras coisas também, ai acaba que o cara para de treinar. (e por que você voltou a treinar?) é que eu tô sempre ligado no clube aí alguém me convidava para jogar sempre e eu acabava voltando (Tenista 18).

No que se refere a disposição pessoal para abandonar o tênis, a relação mesossistêmica fica mais explícita onde a família, os colegas de escola ou pessoas mais próximas assumem um papel fundamental na construção de uma reelaboração desta disposição para abandonar a atividade. Esta interação entre a disposição pessoal e as forças emanadas pelos contextos podem ser exemplificadas nas falas que seguem.

Eu já fiquei parado um ano, dos 13 aos 14 anos porque saturei, enchi o saco de estar vindo todos os dias aqui, eu voltei porque eu gosto e estando aqui no clube que só tem tênis acabei voltando e por pressão do meu pai também que queria que eu voltasse (Tenista 33).
Eu pensei em parar porque os meus amigos ficavam dizendo que eu sou muito ruim, coisas assim, não me apoiaram, só os meus pais ficaram falando e me apoiando e eu comecei a ficar muito triste ahh! eu sou muito ruim e não levo jeito (e por que então não parou?) eu não parei porque eu também ficava pensando assim, ahh! mas é legal, mesmo que eu seja ruim é muito legal jogar tênis ter o prazer de jogar e eu posso ser um profissional nisso, conseguir o dinheiro nisso (Tenista 42).
Já pensei, comecei a ter prazer pela capoeira mas  comecei a me influenciar pelos dois, faltei uma semana de aulas e pensei em desistir do tênis aí comecei a ir com os amigos para aprender junto a jogar tênis (Tenista 16).

Algumas das falas apresentadas retratam maneiras distintas na forma como cada tenista pode responder à diversidade dos fatores que interatuam e, conseqüentemente, aumentam ou diminuem a força de uma determinada disposição pessoal. Como colocado por Bronfenbrenner (1992), nenhuma característica pessoal existe ou exerce influência de forma isolada, sendo que cada qualidade humana é envolvida e encontra seus significados e mais profundas expressões em ambientes particulares dos quais a família é o principal exemplo (p.225). Como produto encontra-se sempre um entrejogo entre as características psicológicas da pessoa e as de um ambiente específico; uma não pode ser definida sem referência à outra (p.225).

Somando-se na interação dos eventos que desencadeiam as disposições pessoais, das forças dos contextos aos quais os tenistas estão imbuídos, há de se considerar ainda um terceiro elemento que pode ser decisivo na efetivação ou não de uma determinada disposição, o tempo. Essa dimensão temporal consiste na seqüência de eventos que constituem a história pessoal de cada tenista, manifestos na continuidade e descontinuidade dos episódios geradores dos processos e na periodicidade desses episódios através dos intervalos amplos de tempo como dias, semanas, meses, na história de vida do tenista e em suas expectativas de mudanças (Bronfenbrenner & Morris, 1999, 2006). Esta dimensão foi evidenciada quando da periodicidade dos maus resultados, do estresse dos jogos, das lesões, das avaliações negativas, etc. É normal para qualquer tenista sofrer derrotas, lesões, se estressar com os jogos e treinamentos, pois isso faz parte da trajetória esportiva. No entanto, o tempo de intervalo entre os acontecimentos ou mesmo a duração destes, podem colocar-se como fatores determinantes para o fortalecimento ou enfraquecimento de uma determinada disposição pessoal. É neste ponto em que devemos lançar um novo horizonte, transcendendo uma visão estreita do “aqui e agora”, e ampliarmos nossa compreensão de que as características pessoais de um atleta não podem ser entendias fora do momento histórico em que este se desenvolve, e se desenvolveu, e tampouco das expectativas por ele projetada.

Quando nos defrontamos com dificuldades ou obstáculos durante nosso transcurso de vida, somos infinitamente colocados frente a situações que podem nos conduzir a um esforço para vencer tais dificuldades ou, de maneira negativa, para que nos sintamos impotentes ou incapazes de gerar energia na busca para transpô-las. Na vivência esportiva a situação não é diferente, o que exige uma disposição pessoal para organizar, reestruturar ou modificar uma dada situação presente, no intuito de resolvê-la total ou parcialmente e enfraquecer o foco de tensão. Esta disposição pessoal foi observada em 33 tenistas, enquanto que 13 tenistas disseram não ter tido nenhum tipo de obstáculo ou dificuldade para superar quando refletindo sobre sua vivência pessoal com o tênis, o que necessariamente não significa que não tenham manifestado tal disposição.

Para os tenistas que apresentaram dificuldades em sua trajetória esportiva, a maior concentração esteve situada principalmente na interação com os processos de aprendizado e domínio de um ou mais fundamentos do esporte (11 tenistas). Para este grupo de indivíduos a vontade de querer jogar, a garra, a determinação, a raça, o esforço, a dedicação ou muito treinamento foram as formas apresentadas para superar tais dificuldades. Outro grupo (4 tenistas) considerou a aceitação pelos pares ou adaptação ao grupo como tendo sido um fator que desencadeou a disposição para reorganizar suas ações. Lidar com as derrotas ou maus resultados foi apontado por 04 tenistas, enquanto que a dificuldade de conciliar o tênis com os estudos foi manifesto por 3 tenistas. Foram detectados ainda como eventos geradores da disposição para reorganizar suas ações no tênis, a ocorrência de lesões (2 tenistas),  o nível de desempenho dos adversários de treino e jogo (2 tenistas), a condição física em que se encontravam (2 tenistas), a dificuldade em controlar as emoções nas situações desfavoráveis do jogo (2 tenistas), as dificuldades impostas pela família (2 tenistas) e, finalmente, a dedicação necessária para os treinamentos e jogos tendo que abrir mão de outras coisas (1 tenista).

 

 

Deste grupo de tenistas que manifestaram ter tido algum tipo de obstáculo, com exceção de três casos que disseram ainda estarem lutando para superar estas dificuldades, sendo um por lesões, outro pela falta de bom condicionamento físico e finalmente um com dificuldades ainda no controle eficiente de alguns movimentos, os demais tenistas manifestaram ter superado todas as dificuldades mencionadas. A disposição pessoal para tentar vencer os obstáculos que se apresentaram durante suas trajetórias com o tênis ficou evidenciada nos tenistas e puderam ser observadas no decorrer de suas falas na medida em que mencionaram como procederam à frente esses eventos. No entanto, em quase todos os casos, a ação pessoal mostrou uma forte interação com os parâmetros do contexto, em especial aos elementos que compõem o microssistema onde as disposições foram fortalecidas. Esta ligação com o contexto pode ser observada nas falas a seguir, onde estão apresentadas menções à atividade, persistência temporal e o significado, respectivamente:

Eu tive que lutar muito por causa da minha empunhadura da direita que ela era muito virada, daí eu comecei a virar e daí voltava e desde que eu estou lá nas quadras mais prá lá que eu estou lutando para virar e agora já consegui virar de tanto treino (Tenista 39).
Geralmente o que desmotiva mais são as derrotas, foi o que mais deu uma desestimulada, mas tem que passar por cima, no início não é muito fácil tu perder, mas depois assimila pela vontade de continuar jogando, só por isso (Tenista 01).

Referenciando ao suporte encontrado na relação pessoal com o técnico e com outros tenistas:

Foi a lesão no cotovelo, acho que a coisa mais difícil foi ter... não vou poder treinar, vou ter que parar, porque eu sabia que se eu parasse ia cair meu nível de tênis, então essa foi a maior barreira ter que parar de treinar e não poder jogar, superei isso voltando na quadra depois e o meu treinador mostrou que eu poderia voltar, que eu poderia ficar melhor, isso do apoio dele e mentalmente do investimento que eu sabia que eu não podia parar (Tenista 34).
Aqui antigamente existia uma panelinha do tênis feminino principalmente, foi uma das coisas que fizeram eu parar de jogar, que era aquela coisa assim, a gente era menor, era uma cabeça mais infantil, assim, de ficar com intriguinhas, aquelas coisas chatas, que daí eu comecei andar com os guris e fez com que eu não tivesse mais tanto interesse (Tenista 38).

Com um critério de avaliação baseada nas suas experiências passadas e expectativas futuras:

Foram os torneios que no início eu ia perdendo assim logo de cara né. E aí eu comecei a ganhar mais os jogos e hoje eu já não perco sempre, eu ficava chateado e então eu treinava forte e com o desempenho do treino eu comecei a melhorar (Tenista 27).
O único obstáculo que eu ainda tenho é que eu não corro muito, eu não corro muito e o lado psicológico eu estou bem, eu tive que superar minha dificuldade física, o meu preparo e ainda tenho que melhorar tenho que treinar, me esforçar mais, mas ainda tenho que melhorar bem mais (Tenista 07).

Em outras situações as variáveis de interação foram estabelecidas por contextos externos ao ambiente de treinamento, dentro do que Bronfenbrenner (1979, 2005) denomina de rede mesossistêmica. Entre os elementos que compõem a ligação sistêmica, a participação multiambiental é elemento necessário para que esta ligação seja estabelecida, que no caso abaixo, está evidenciada pelo laço primário constituído pelo tenista ao participar em ambos os contextos, clube e família. No entanto, a força da comunicação interambiental mostra-se presente na medida em que existe uma intenção por parte do tenista de informar, face a face, acerca dos acontecimentos de um ambiente para o outro, ou seja, estabelecer uma comunicação com os pais sobre o que lhe acontece no clube.

Quando eu comecei os guris falavam que eu jogava mal, eles começaram a falar né, aí depois, hoje, não falam mais, eu falava com o meu pai com a minha mãe e eles falavam para eu não dar bola, para eu treinar mais que eu ia melhorar (Tenista 12)

Podem ainda interagir com forças advindas de contextos em que o tenista não participa ativamente. Contextos esses que embora não contenham o tenistas atuando ativamente, têm poder de influenciá-la significativamente, como pode ser exemplificado na fala a seguir:

Foi mais a dificuldade mental porque uma pessoa para se dedicar para o tênis tem que abrir mão de muitas coisas, diversão com os amigos, noite, essas coisas, isso é difícil às vezes, agora eu já acostumei, eu consegui isso vendo exemplos de tenistas maiores que conseguiram superar e tiveram sucesso, tiveram que abrir mão dessas coisas mas tiveram vários benefícios depois (Tenista 41)

Como também se encontra exemplificado na fala da Tenista 38 anteriormente ilustrada, percebeu-se a necessidade de uma reorganização em termos de relações pessoais no grupo, o que enfatiza a disposição para elaborar novas formas para alcançar seus propósitos ou metas. Este tipo de adaptação pode ser compreendido como uma forma de inteligência, onde há uma tentativa da pessoa em reorganizar os contextos onde ela ativamente está inserida conforme suas características e interesses (Sternberg, 1992). A fala do Tenista 39 reforça a disposição para persistir na atividade e tentar superar suas dificuldades na execução de um determinado movimento, ou ainda, como apresentado na fala do Tenista 34, para superar problemas físicos. Uma disposição para conceituar suas experiências, foi apresentada pelo Tenista 01, a medida em que menciona sobre as dificuldades iniciais em lidar com as derrotas e com os sentimentos de falta de motivação que tornam-se presentes mas que, com o passar do tempo e pela disposição em continuar jogando, tornaram-se possíveis de superar. Finalmente pode-se observar outra disposição que é a para adiar uma gratificação imediata para perseguir uma meta em longo prazo, como ficou evidente em muitas falas, mas em especial na do Tenista 41 anteriormente citado, quando este avalia que vale a pena abrir mão de muitas coisas no momento atual em função de benefícios futuros.

Saindo de uma situação que reflete toda uma trajetória de envolvimento com o tênis, podemos observar também a manifestação de disposições pessoais desencadeadas frente a uma dada situação ou momento particular no decorrer do jogo. Neste sentido, os tenistas foram solicitados a refletirem sobre uma situação em que as coisas não estavam dando certas durante o jogo e continuaram a persistir no transcurso da partida, ou seja, da impossibilidade de reverter a situação de jogo. Frente a esta situação foi possível detectar um conjunto de características pessoais como a disposição para avaliar a situação atual, disposição para tentar controlar as emoções que são geradas pela situação, disposição para buscar uma reorganização da situação presente e disposição para persistir engajado na tarefa.

Eu procuro parar e pensar no que eu estou fazendo de errado para ver se eu consigo buscar o jogo, saber o que eu estou fazendo errado, mas se continua dando errado, bom daí eu continuo tentando ver o que eu estou fazendo de errado e às vezes eu não descubro mas sempre tentando, mesmo que esteja perdendo de 3 a 0, 5 a 0  não acabou o jogo, de uma maneiro ou outra eu posso tentar (Tenista 37).
Eu procuro me esforçar mais, virar o jogo, tem que mudar, eu começo a devolver e dar a porrada no ponto certo, se as coisas não estão dando certo eu continuo lutando até o final mesmo se eu tiver perdendo, eu posso perder, mas eu vou lutar (Tenista 08).
Eu costumo ir para a tela e pensar, ficar calma, tentar fazer, por mais que não esteja entrando nada  porque eu acho que um bom jogador mesmo quando está jogando mal assim consegue ganhar jogo, eu tento ficar o máximo de calma, botar o máximo de bola na quadra, não tentar atacar muito para ver se melhora, tento deixar que o adversário erre (Tenista 26).

Todas essas características apontam para a manifestação de disposições pessoais geradoras que conduzem a uma tentativa de reverter um momento que se apresenta não favorável para o tenista na partida. Em outro pólo, é possível se observar o desencadeamento de disposições disruptivas, que podem ser avaliadas como negativas para o tenista frente a determinada situação.

 

Conclusões

Ao explorar as disposições pessoais dos tenistas, foi possível evidenciar um conjunto de disposições apresentados no transcurso de envolvimento desses indivíduos com a modalidade esportiva. Elas foram observadas na presença da vontade para iniciar no tênis e para permanecer engajado na modalidade. O estudo nos dá indicadores de que possa haver propensões para reorganizar as ações, adiar gratificações imediatas, avaliar a situação atual, tentar controlar as emoções e para persistir engajado na tarefa. Evidências apontam também para outras disposições, como por exemplo, disposições para conceituar o desempenho, disposições para abandonar o tênis e, finalmente, disposições para a autoconfiança. Foi possível compreender essas disposições como um sistema de força da pessoa que instiga as ações desses indivíduos no esporte e apresenta um papel imperativo no transcurso de envolvimento destes jovens tenistas.

A identificação das disposições pessoais dos tenistas permitiu compreendê-las como ocorrendo em um processo de interação com os sistemas ecológicos por onde cada tenista transita, onde a família, o clube, a escola e o grupo de amigos foram os contextos que, muitas vezes, acionaram, fortaleceram, enfraqueceram ou deram a direção para essas forças pessoais. Dentro desse sistema de força, é importante mencionar que, embora as disposições pessoais possam ser ambientalmente orientadas, nem sempre as disposições da pessoa e as forças instigadoras dos contextos podem tomar um mesmo sentido. Por vezes, é possível se encontrar forças do contexto e disposições da pessoa atuando em uma mesma direção; em outras, em direções opostas. Foi possível perceber que, mesmo as disposições pessoais sendo atributos constituintes da pessoa, suas efetivações ou desencadeamentos ocorreram no processo de interação com os parâmetros do contexto.

Embora apresentar algum tipo de disposição pessoal positiva seja um aspecto importante no transcurso da partida, isso por si só não se constitui em resolução do problema. As disposições gerativas consolidam-se como o mecanismo gerador da ação. Há de se compreender, então, que a complexidade num jogo de tênis aumenta na medida em que outro conjunto de atributos pessoais torna-se essencial. Pode existir uma disposição pessoal fortalecida no sentido de continuar tentando mudar o jogo até o último momento, de criar novas situações, de tentar novas estratégias de jogo, de tentar controlar as emoções e de não desengajar da atividade. No entanto é necessário que o tenista possua "ferramentas" adequadas para utilizar em determinados momentos do jogo. Essas "ferramentas", que na realidade são os recursos pessoais de cada um, é que poderão dar os subsídios para que ele se possa chegar a uma efetivação das suas disposições.

Na interação entre as disposições pessoais dos tenistas e das forças emanadas pelos contextos, outro aspecto influente ainda deve ser considerado, o tempo. Quanto maior for a duração e o intervalo de ocorrência de um evento com potencial instigativo, positivo ou negativo, e este permanecer atuando sobre o tenista, maiores poderão ser as chances de que esse processo de interação seja efetivamente estabelecido. O tempo de intervalo entre os eventos concretos ou fatores de interação, ou mesmo a duração desses, como por exemplo, a persistência de maus resultados, do estresse dos jogos, do tempo de recuperação de lesões, das avaliações negativas, das limitações impostas pelos recursos, etc., poderão aumentar as chances de que esses fatores tornem-se decisivos no fortalecimento ou enfraquecimento de determinadas disposições pessoais.

 

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Endereço para correspondência
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Sobre os autores

Ruy J. Krebs
Centro de Ciências da Saúde e do Esporte da Universidade do Estado de Canta Catarina &– Brasil

Fernando Copetti
Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal de Santa Maria &– Brasil

Sidónio Serpa
Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa &– Portugal

Duarte Araujo
Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa - Portugal

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