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Revista Brasileira de Psicologia do Esporte

versão On-line ISSN 1981-9145

Rev. bras. psicol. esporte v.2 n.2 São Paulo dez. 2008

 

 

Um olhar positivo sobre a psicologia do esporte: contribuições da psicologia positiva

 

A positive view about sport psychology: contributions of the positive psychology

 

Una mirada positiva para la psicología del deporte: contribuciones de la psicología positiva

 

 

Simone Meyer SanchesI; Joaquín Dosil DíasII

IUniversidade de São Paulo - USP
IIUniversidade de Vigo - Espanha

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho discute uma nova abordagem que vem ganhando visibilidade denominada Psicologia Positiva, realizando a interlocução das idéias e conceitos da mesma com a Psicologia do Esporte e as possíveis contribuições para a formação e para a prática do profissional da área. Gable & Haidt (2005) definem a Psicologia Positiva como o estudo das condições e processos que contribuem para o amadurecimento e otimização do desempenho das pessoas, grupos e instituições. Segundo Snyder & Lopez (2009), essa abordagem veio para oferecer um equilíbrio em relação às teorias predominantes na Psicologia cujo enfoque estava voltado à patologia, destacando-se a importância de considerarmos tanto os defeitos quanto (e principalmente) as qualidades das pessoas. Essa mudança de paradigma certamente se refletirá na melhora da performance do praticante (não somente no âmbito do esporte, mas nos diversos contextos em que está inserido), bem como da sua satisfação e aderência à atividade esportiva.

Palavras-chave: Psicologia positiva, Saúde psicológica.


ABSTRACT

The present work introduces a new approach that is gaining visibility called Positive Psychology. It makes the dialogue between the ideas and concepts of this doctrine with the Sport Psychology and the possible contributions for the formation and the practice of the professional of the area. Gable & Haidt (2005) defines Positive Psychology as the study of the conditions and processes that contribute for the maturing and optimization of the performance of the people, groups and institutions. According to Snyder & Lopez (2009), this boarding came to offer a balance in relation to the predominant theories in the Psychology whose approach was focused on the pathology, considering also the importance to consider the defects (and mainly) as well as the qualities of the people. This change of paradigm certainly will be reflected in the improvement of the performance of the athlete (not only on the sport’s field, but on the distinct contexts where he is inserted), as well as of its satisfaction and tack to the sportive activity.

Keywords: Positive psychology, Psychological health.


RESUMEN

El presente trabajo discute un nuevo abordaje que viene ganando visibilidad denominada Psicología Positiva, haciendo la interlocución de las ideas y conceptos de la misma con la Psicología del Deporte y sus posibles contribuciones para la formación y para la práctica del profesional del área. Gable & Haidt (2005) definen la Psicología Positiva como el estudio de las condiciones y procesos que contribuyen para la maduración y optimización del desempeño de las personas, grupos y instituciones. Segundo Snyder & Lopez (2009), esa abordaje vino para ofertar un equilibrio en relación a las teorías predominantes en la Psicología que enfocaban la patología, dando el destaque para la importancia de considerar tanto los defectos (y principalmente) cuanto las cualidades de un individuo. Ese cambio en el paradigma ciertamente vaya reflejarse en la mejora de la performance del practicante (no solo en el ámbito del deporte, pero en los diversos contextos en que él está inserido), bien como de su satisfacción y adhesión a la actividad esportiva.

Palabras clave: Psicología positiva, Salud psicológica.


 

 

Introdução

A prática esportiva é um dos fenômenos que atualmente está sendo investigado em diversas áreas de atuação, sendo considerada uma atividade potencialmente promotora tanto de saúde física quanto mental. A Psicologia do Esporte é hoje um dos campos que está se desenvolvendo de forma significativa e que já agrega um conhecimento científico importante para que se possa atingir esse objetivo e beneficiar o praticante, caso esta atividade seja conduzida de modo apropriado. Objetiva-se apresentar uma nova abordagem que vem se desenvolvendo na atualidade denominada Psicologia Positiva, realizando a interlocução das idéias e conceitos da mesma com a Psicologia do Esporte e as possíveis contribuições para a formação e para a prática do profissional da área.

 

O olhar patologizante da psicologia

Sabe-se que de uma forma geral a Psicologia enquanto ciência surgiu em um contexto em que o seu enfoque estava voltado à patologia, à doença e à resolução das queixas trazidas pelos pacientes. Segundo Schultz & Schultz (2007), a própria psicanálise surgiu dentro da perspectiva médica e psiquiátrica, objetivando tratar pessoas consideradas pela sociedade como doentes mentais, tendo como principal objeto de estudo a psicopatologia e o comportamento anormal. Snyder & Lopez (2009) também concordam com essa premissa apontando que a psicologia aplicada do passado teve sua atenção direcionada ao tratamento da doença mental, buscando compreender e auxiliar as pessoas acometidas por essa patologia.

Porém outros importantes pensadores da Psicologia, incomodados com a visão mecanicista e positivista da ciência do século XIX, sugeriram novas formas de conceber a natureza humana, que ultrapassavam os limites da biologia e da física. Essas novas abordagens defendiam que “o indivíduo era produto de forças e instituições sociais e, portanto, deveria ser estudado em termos sociais e não somente biológicos” (Schultz & Schultz, 2007, p. 398). Os autores ainda destacam que essa visão teve grande repercussão na sociedade da época por oferecer um cenário mais otimista do que o olhar determinista de Freud. Alguns dos jovens analistas que desenvolveram essa nova abordagem foram Alfred Adler e Karen Horney, que acreditavam que o comportamento humano não é determinado pelas forças biológicas, mas sim pelas relações interpessoais às quais um indivíduo está exposto, principalmente na infância.

Posteriormente, na década de 1960, Abraham Maslow e Carl Rogers consolidaram o movimento denominado de terceira força dentro da psicologia americana, a Psicologia Humanista, que também seguia o pensamento originário das ciências sociais de que a personalidade seria um produto mais do ambiente que dos instintos biológicos. Essa nova abordagem enfocava “o poder do homem, bem como as suas aspirações positivas, a experiência consciente, o livre-arbítrio (não o determinismo), a plena utilização do potencial humano e a crença da integridade da natureza humana” (p. 408). Os psicólogos humanistas concebiam o indivíduo como um ser consciente, dotado de espontaneidade e liberdade e possuidor de uma força criativa responsável pela própria moldagem, que sofre influências tanto de suas experiências passadas quanto do momento presente e do futuro.

Os psicólogos humanistas compreendiam a visão behaviorista focada no comportamento manifesto como desumanizadora, ao acreditarem que a mesma não abrangia a complexidade do ser humano. Os adeptos dessa abordagem acreditavam que um indivíduo não pode ser analisado de forma tão objetiva e quantificadora de modo a reduzi-lo e explicá-lo por meio de unidades de estímulo-resposta (E-R). Criticavam Freud por seus estudos centrados em indivíduos neuróticos e psicóticos, afirmando que se a psicologia se focasse somente nos estudos da disfunção mental, “como seria possível compreender a natureza da saúde emocional e de outras qualidades do homem?”. Ao fazer isso, os representantes das ciências psicológicas estariam desconsiderando as virtudes e forças exclusivamente humanas. Desta forma, a psicologia humanista contribuiu para o fortalecimento da idéia, dentro da psicanálise, de que as pessoas possuem a capacidade de moldarem a própria vida, de forma consciente e livre (Schultz & Schultz, 2007).

 

O surgimento e desenvolvimento da psicologia positiva

Foi nesse contexto que surgiu uma nova área da psicologia que vem ganhando visibilidade nos últimos 10 anos, denominada Psicologia Positiva. Gable & Haidt (2005) definem essa abordagem como o estudo das condições e processos que contribuem para o amadurecimento e otimização do desempenho das pessoas, grupos e instituições. Segundo Snyder & Lopez (2009), essa abordagem veio para oferecer um equilíbrio em relação às teorias psicológicas predominantes na época, sugerindo que a Psicologia deve considerar não só os defeitos apresentados pelas pessoas, mas também (e principalmente) suas qualidades.

O marco inicial desse movimento foi em 1998, quando o psicólogo Martin Seligman assumiu a presidência da American Psychological Association (APA). Devido sua insatisfação com o modo como a Psicologia historicamente vinha negligenciando o estudo dos aspectos virtuosos, Seligman e Czikszentmihalyi publicaram, em janeiro de 2000, uma edição especial da revista American Psychologist, discutindo a escassez de trabalhos na Psicologia que produzissem conhecimento sobre os aspectos positivos que constituem a base das nossas forças pessoais, como a criatividade, a esperança, a coragem, a sabedoria, a espiritualidade e a felicidade (Paludo & Koller, 2007).

De acordo com Seligman (1998, apud Snyder & Lopez, 2009), antes da Segunda Guerra Mundial a Psicologia possuía como missão principal tanto a cura das doenças mentais como a busca de modos que melhorar a vida das pessoas e de estimulação e cultivo dos talentos superiores. Porém após a criação da Administração para os Veteranos de Guerra (Veterans Administration) nos Estados Unidos, em 1946, e consolidação do Instituto Nacional de Saúde Mental (National Institute of Mental Health), os psicólogos dedicados à pesquisa acadêmica conseguiram financiamentos para o desenvolvimento de pesquisas sobre as doenças mentais, fortalecendo esse enfoque da Psicologia sobre as patologias.  Assim, os profissionais dessa área passam a “tratar a doença mental dentro de um quadro teórico voltado a consertar hábitos problemáticos, infâncias problemáticas e cérebros problemáticos” (p. 18)

Porém a Psicologia Positiva possui um enfoque direcionado muito mais à prevenção do que a remediação de problemas como os citados acima. Foi nesse intuito que foi criada a Força-tarefa Presidencial sobre Prevenção (Presidencial Task Force on Prevention), sobre a coordenação de Suzanne Bennett Johnson e Roger Weissberg. Este programa objetiva identificar as melhores formas de implantação de trabalhos profiláticos, bem como contribuir para o desenvolvimento de uma nova profissão com formação específica em prevenção e promoção de saúde, capacitando a partir de inúmeras conferências os psicólogos da nova geração. Pretende-se também implementar uma campanha de prevenção da violência contra as crianças, bem como estimular os jovens com talentos elevados e editar uma edição especial da revista American Psychologist sobre prevenção (Seligman, 1998 apud Snyder & Lopez, 2009).

Para que todas essas tarefas possam ser efetivas, destaca-se a necessidade do aumento não só do número de publicações sobre esse tema (que ainda é muito restrito), mas do aumento do material que sirva como referencial teórico para os profissionais interessados nessa abordagem, auxiliando os mesmos a desenvolverem uma prática direcionada por essas premissas. Se analisarmos o currículo de um estudante de psicologia hoje constatamos que existe muito pouco espaço para essa linha de pensamento, sendo que os psicólogos em formação pouco ou nada conhecem sobre a Psicologia Positiva, ou sobre como atuar sobre a ótica da prevenção e do desenvolvimento de potencialidades.

Segundo Seligman et al (2005), a Psicologia Positiva se propõe a estudar a saúde mental e o bem-estar, objetivando investigar como, porque e sob que condições é possível promover o desenvolvimento de emoções positivas e de um caráter positivo, bem como identificar as instituições que auxiliaram nesse processo. O autor também destaca que os principais avanços alcançados na atualidade no âmbito das medidas psicoprofiláticas se originaram a partir da construção de conhecimentos voltados à promoção sistemática de competência dos indivíduos. As principais qualidades destacadas por ele como principais “parachoques contra a doença mental” são a coragem, o otimismo, a habilidade interpessoal, a ética no trabalho, a esperança, honestidade e perseverança. Seligman também defende que “grande parte da tarefa da prevenção será criar uma ciência das qualidades humanas, cuja missão seja estimular essas virtudes nos jovens”, sendo extremamente necessário que os profissionais da área possam reconhecer que parte fundamental do seu trabalho é amplificar as qualidades da pessoa com a qual está intervindo, ao invés de somente buscar “consertar os defeitos de seus pacientes” (Seligman, 1998 apud Snyder & Lopez, 2009, p. 19).

Cuadra & Florenzano (2003) complementam afirmando que a Psicologia Positiva objetiva estudar as fortalezas e virtudes humanas, investigando os efeitos que estas exercem nas vidas das pessoas e na sociedade em que elas vivem. Em um nível individual ela discute características tais como a capacidade de amar e de exercer sua vocação, as habilidades interpessoais, a sensibilidade estética, a perseverança, o perdão, a originalidade, a espiritualidade, o talento e a sabedoria. Já em um nível social e mais abrangente, a Psicologia Positiva explora as virtudes dos indivíduos e as instituições que contribuem para a formação de melhores cidadãos, enfocando questões como a responsabilidade, o altruísmo, a tolerância e o trabalho ético.

Percebe-se que a visão focada na doença está enraizada dentro da Psicologia não só no contexto acadêmico, que se reflete nos temas abordados pelas pesquisas realizadas na área, mas também no âmbito prático. O psicólogo inserido na prática seguramente irá perceber que a maior parte das pessoas que buscam os atendimentos psicológicos ou que são encaminhadas até esse serviço possui uma queixa, um problema que deseja solucionar ou uma dificuldade que necessita de um suporte para enfrentar. Desta forma, o imaginário da maioria da população sobre o trabalho da psicologia acaba se centrando na idéia de que esse trabalho é destinado às pessoas “problemáticas” ou que não possuem recursos internos suficientes para lidar com seus problemas de forma autônoma, buscando assim a ajuda profissional.

Na Psicologia do Esporte não é diferente. Por ainda ser uma área pouco conhecida, (apesar dos seus já completados 50 anos), mesmo entre os protagonistas desse universo esportivo ainda predomina a idéia de que o trabalho psicológico é destinado a indivíduos que apresentam alguma queixa manifesta e que estejam necessitando desse suporte para lidarem com as questões que estão interferindo no seu desempenho esportivo. Mesmo entre os que já possuem mais informações sobre as possíveis contribuições do trabalho psicológico, é possível identificar, a partir da inserção no âmbito prático em equipes esportivas, que muitas vezes ainda prevalece a idéia de que as intervenções do psicólogo do esporte devem ser destinadas somente a atletas de elite.  Nestes casos, costuma-se selecionar os melhores esportistas do grupo, excluindo-se assim o restante da equipe do trabalho psicológico mais sistemático. Percebe-se que nessa situação, o trabalho psicológico não está sendo assumido como uma intervenção que pode auxiliar qualquer atleta a evoluir a partir do nível que ele já se encontra, visando aumentar seu rendimento mental e potencializar as habilidades e qualidades que ele já possui. Esse seria o direcionamento do trabalho de acordo com a Psicologia Positiva.

 

A interlocução entre a psicologia positiva e a psicologia do esporte

Dosil (2004) apresenta um histórico das discussões e publicações sobre a função do psicólogo do esporte, apontando que os primeiros trabalhos sobre essa temática surgiram nos Estados Unidos no final dos anos setenta. O autor destaca as publicações de Harrison y Feltz (1979), que descrevem as considerações legais da Psicologia do Esporte embasados na legislação da Psicologia Geral, e o artigo de Danish y Hale, publicado dois anos mais tarde (1981) no qual defendem a função do psicólogo esportivo a partir de uma perspectiva preventiva/educativa, no intuito de substituir a visão unicamente clínica predominante na época. Esse trabalho é considerado como uma das publicações que impulsionaram uma discussão que ainda hoje vem se fomentando, aos conflitar duas posturas diferenciadas: a dos que acreditam que o psicólogo deve ter uma intervenção fundamentalmente clínica (e conseqüente de resolução de problemas) e os que defendem uma postura mais preventiva (tendo como foco norteador o desenvolvimento humano).

Segundo Gill (2000) os objetivos do trabalho do psicólogo do esporte são: entender como os fatores psicológicos afetam o desempenho físico de um indivíduo; e entender como a participação em esportes e exercícios afeta o desenvolvimento psicológico, a saúde e o bem-estar de uma pessoa. Desta forma, os psicólogos esportivos podem ser considerados profissionais que procuram entender e ajudar atletas de elite, crianças, indivíduos física e mentalmente incapacitados, idosos e praticantes em geral a alcançarem um desempenho máximo, satisfação pessoal e desenvolvimento.

Portanto, de acordo com essa concepção, as intervenções da Psicologia do Esporte não devem ser destinadas somente para atletas de elite ou para pessoas que apresentam algum desajustamento ou dificuldade. Propõe-se aqui um trabalho que possa beneficiar todos os atores desse contexto, objetivando a melhora e o desenvolvimento a partir do ponto que se encontram (simbolizado pelo resultado esportivo &– bom, mediano ou ruim &– ou pela qualidade de vida ou saúde física e mental do praticante).

Desta forma, ao invés de iniciarmos a intervenção com o tradicional questionamento sobre “o que te traz aqui”, ou em outras palavras, qual a queixa que aquela pessoa nos apresenta. Deveríamos focar nosso trabalho primeiramente no levantamento do histórico daquele atleta, coletando o máximo possível de informações sobre todos os contextos e relações em sua vida que de alguma forma podem influenciar no seu rendimento (no caso de atletas de alto rendimento) ou na sua relação com a prática esportiva (no caso de praticantes de tempo livre), para a partir daí definir os pontos que podem ser melhorados e desenvolvidos. Caso existam dificuldades e pontos frágeis, logicamente que estes também serão trabalhados, mas o ponto chave que diferencia as intervenções dentro da perspectiva da Psicologia Positiva é que se trata a patologia mas sempre enfocando a saúde, ou seja, tiramos as “pedras do caminho” para que estas não interfiram negativamente no percurso desse indivíduo e nem o façam “tropeçar” ao longo de sua jornada, mas olhamos sempre para a frente, para o objetivo que se deseja alcançar.

O foco principal da intervenção sempre deve estar em fortalecer os aspectos positivos que o indivíduo já apresenta. Desta forma estaremos contribuindo tanto direta quanto indiretamente para o aprimoramento das habilidades dessa pessoa de lidar com as adversidades que certamente surgirão em sua vida, e conseqüentemente para o seu desenvolvimento pleno.

Cantón (2007) também aborda essa questão em sua publicação sobre o papel do psicólogo do esporte, na qual destaca que a atuação desse profissional deve acontecer em sintonia com o trabalho do técnico, e deve visar: prevenir e detectar problemas, avaliar e dar seguimento ao rendimento do atleta e desenvolver suas habilidades psicológicas.

Sabe-se que cresce cada vez mais a exigência por resultados em qualquer contexto de atuação humana, e no esporte não poderia ser diferente. A competitividade cresce, e a seletividade também. Quando se trata do esporte de alto rendimento, estamos nos referindo a atletas que já possuem resultados de alto nível e já estão buscando chegar no máximo do seu rendimento há algum tempo. Se os resultados já são excelentes, conseguir uma melhora nos mesmos, ou nas marcas, pontuações, desempenhos, etc, se torna uma tarefa de difícil execução. Assim, o psicólogo esportivo deve buscar trabalhar com esses atletas quais são os pontos fortes que estes possuem e que ainda podem ser desenvolvidos ainda mais. Novamente o foco aqui está direcionado para as potencialidades, e não para as deficiências. Corrigir as mesmas se torna parte do processo de “buscar a melhora”, de “busca da excelência”, e não o enfoque principal do trabalho.

Porém percebe-se que essa perspectiva ainda é pouco conhecida no meio esportivo, e o psicólogo ainda é visto como um profissional que “cuida dos problemas”. Provavelmente esse seja o principal motivo de muitos atletas, técnicos e dirigentes ainda terem preconceitos com esse trabalho, fazendo com que esse não seja considerado como uma prioridade dentro do orçamento da equipe, clube ou instituição. O pensamento mais comumente encontrado ainda continua sendo o de que “se não somos loucos, para que precisamos de um psicólogo aqui?”.

Dosil e Garcés de Los Fayos (2006) reforçam essa premissa ao destacarem que o número de atletas que buscam o trabalho psicológico ainda é muito reduzido, possivelmente devido a falta de conhecimento dos benefícios que o acompanhamento de um psicólogo esportivo pode trazer para sua performance e qualidade de vida. Os autores destacam que parte dessa responsabilidade é dos próprios psicólogos esportivos, que não estão conseguindo encontrar e/ou divulgar métodos de trabalho suficientemente aplicáveis e/ou eficientes.

No contexto do esporte de alto rendimento a situação se torna mais complicada e a abertura para o trabalho psicológico ainda menor. Por isso que Dosil e Sanches (2008) destacam a importância de desenvolvermos e divulgarmos um novo enfoque no trabalho da Psicologia do Esporte, que possibilite que os atletas tenham uma visão da atuação do psicólogo do esporte totalmente direcionada para a maximização do rendimento esportivo. Os autores ainda destacam que hoje evidencia-se também a importância da especificidade do trabalho de acordo com a modalidade com a qual se está realizando a intervenção, sendo que serão as peculiaridades da mesma que irão direcionar a atuação do profissional. Desta forma, este deve buscar adaptar as sessões de acordo com as necessidades e exigências da modalidade em questão, propondo atividades atrativas e motivadoras que façam com que o atleta compreenda a importância do conteúdo trabalhado e veja sentido e necessidade em treinar essas habilidades. Se conseguirmos contribuir para que esta aprendizagem se torne significativa, seguramente teremos como resultado o aumento da adesão do atleta ao programa de treinamento mental e da abertura do mercado de trabalho para o psicólogo esportivo.

Por isso uma das principais discussões hoje dentro da Psicologia do Esporte é exatamente a respeito de como podemos mostrar nosso trabalho utilizando a linguagem utilizada e compreendida no meio esportivo. Não adianta falar o “psicologuês” para o técnico ou para o fisioterapeuta, pois desta forma só estaremos contribuindo para abrir ainda mais o abismo que infelizmente ainda hoje existe entre as diferentes áreas de atuação que fazem a interlocução nesse contexto. Temos que criar estratégias e desenvolver um instrumental de intervenção que nos aproxime dos outros atores desse cenário, que possa transmitir a eles com uma linguagem compreensível e significativa os conceitos e conteúdos que acreditamos serem relevantes.

Desta forma estaremos divulgando os benefícios desse trabalho para todos que estejam inseridos no contexto esportivo, independente destes “apresentarem problemas” ou não. Podemos até fazer um paralelo com o trabalho desenvolvido pelas outras áreas envolvidas, como por exemplo, a preparação física e técnica. Primeiramente tanto o técnico quanto o preparador físico irão fazer uma avaliação das aptidões que o atleta já possui, buscando identificar “o que ele faz melhor”, ou “quais são as qualidades e pontos fortes” que ele já apresenta. Nas próprias escolas de iniciação esportiva normalmente esse é o processo que é levado a cabo: a criança passa por testes que visam identificar essas qualidades e aptidões que ela já vem desenvolvendo de forma espontânea (ou devido seu estilo e hábitos de vida), para direcioná-la para uma atividade que os profissionais acreditam que ela terá mais sucesso. Por exemplo, de uma forma bem simplista (mas destacando que estamos tratando de uma questão muito mais complexa do que o exposto aqui), poderíamos considerar que uma criança que já praticou ginástica olímpica e chega numa equipe de atletismo, poderá ter muito sucesso na prova de salto com vara, distância ou altura, devido à flexibilidade já desenvolvida. Já o(a) jovem com estrutura corporal forte e ágil, poderá ter um excelente desempenho no grupo de lançamentos e arremessos, assim como o atleta que é tanto veloz, como forte e resistente poderá ter grande destaque nas provas combinadas. Porém não são somente esses fatores que serão avaliados para realizarmos esses encaminhamentos, logicamente, mas serão pontos a serem considerados nessa avaliação mais global. Esses são alguns exemplos das avaliações de aptidões feitas pelos profissionais que geralmente compõem uma equipe interdisciplinar no contexto esportivo.

O trabalho do psicólogo deve entrar nessa mesma linha de raciocínio e de intervenção, podendo contribuir de forma significativa para o desenvolvimento desses atletas. Porém nosso enfoque será um pouco mais abrangente, e buscará identificar não só as qualidades físicas, técnicas e táticas dos praticantes, mas incluirá como principal enfoque as habilidades psicológicas.

Porém na prática da atuação profissional percebe-se que essas dimensões estão sempre correlacionadas, pois seria impossível, por exemplo, trabalhar com o controle emocional ao longo de uma competição sem fazer um planejamento prévio da mesma. Esse plano deve englobar questões como a preparação física, técnica e tática, além da psicológica. Para exemplificar ainda mais, ao planejarmos uma competição de atletismo, por exemplo uma prova de 800 metros, um dos pontos trabalhados é a estratégia que será utilizada ao longo da prova. Cada atleta tem sua característica própria, sendo que uns são mais velozes e menos resistentes, outros já são mais resistentes e menos velozes. Uns conseguem fechar bem uma corrida acelerando nos últimos 200 ou 100 metros. Outros já não possuem essa característica e necessitam ganham posição antes, saindo forte desde o início da prova para garantir um bom posicionamento. Uns conseguem fazer uma boa prova reservando energias (se protegendo do atrito com o ar/vento) ao correr atrás de outro atleta e ultrapassando-o no final; outros já necessitam correr na frente o tempo todo e puxar a prova, pois não possuem velocidade suficiente para fazer a ultrapassagem no final, ou se desmotivam com a situação de não-liderança na prova.  A partir da identificação dessas características, podemos formular estratégias e métodos que possibilitem esse esportista desenvolver ao máximo o seu potencial e melhorar suas habilidades. Se por acaso durante a preparação psicológica surgir questões como a problemas de concentração ou nervosismo, estes também serão trabalhados, mas sempre com o foco na melhora de resultado, e não na resolução de problemas.

De acordo com essa visão, as intervenções psicológicas no âmbito esportivo devem enfocar não somente os aspectos que estão interferindo negativamente no rendimento esportivo do atleta, mas também buscar promover um ambiente que possibilite que este se desenvolva, que dê oportunidade para que ele possa se manifestar de forma integral e com total liberdade de expressão, onde as relações entre todos os membros equipe (atletas e corpo técnico) sejam saudáveis e estimulantes e que o atleta seja visto como uma pessoa na sua totalidade, com defeitos e qualidades.

Sobre essa questão, Seligman et al (2005) apontam que uma ciência e uma prática psicológica completas deveriam compreender tanto os aspectos que levam ao sofrimento e ao desajuste emocional, mas também devem enfocar os aspectos que podem produzir a felicidade. Os autores defendem a necessidade de nos aprofundarmos na investigação de como todos esses processos interagem, objetivando desenvolver uma prática interventiva que possam, ao mesmo tempo, diminuir o sofrimento existente e ajudar o indivíduo a criar recursos para lidar com os problemas existentes em sua vida, mas também aumentem a felicidade e bem estar da pessoa. O ideal seria que esses mecanismos fossem trabalhados de forma conjunta e indissociável (“separable endeavors”).

Snyder & Lopez (2009) também corroboram com essa afirmativa destacando que na área clínica, o comportamento anormal geralmente chama mais a atenção do psicólogo, e os “aspectos do comportamento normal e do funcionamento saudável (aquilo que está dando certo)” podem não receber a mesma importância no processo de diagnóstico e tratamento. Os autores apontam ainda que muitas vezes, ao longo desse processo de intervenção, os defeitos e as emoções negativas costumam ser mais enfocados do que as qualidades e emoções positivas.

Apesar de normalmente a prática esportiva ser procurada como uma atividade prazerosa, sabe-se que a inserção na mesma pode resultar em uma mistura de emoções, tanto positivas quanto negativas (Jackson, 2000). Porém tudo dependerá de como essa atividade for conduzida e os objetivos dos dirigentes e participantes, sendo que o esporte pode propiciar um ambiente que possibilite e favoreça que as pessoas vivenciem sentimentos e afetos positivos, proporcionando um contexto muito propício para a investigação de conceitos psicológicos como o prazer, diversão e “flow”.

Um dos pontos que devem ser enfatizados em uma atividade esportiva, seja ela realizada com um objetivo educacional, social ou até mesmo no esporte de alto rendimento, é a vivência do prazer e da diversão. Sem isso, não conseguimos conquistar a adesão do praticante, para que a prática esportiva passe a fazer parte de sua vida cotidiana por um longo período de tempo (se possível, pro toda a vida).

No contexto da iniciação esse é um dos fatores cruciais e determinantes da permanência da criança no esporte, sendo considerado também um dos pontos fundamentais no contexto competitivo de alto nível. Se o atleta não conseguir encontrar essas sensações de prazer, diversão, satisfação, auto-realização, tanto nos treinos quanto nas situações competitivas, a probabilidade dele não utilizar o máximo do seu potencial é muito grande, não alcançando assim o nível mais elevado do seu rendimento. Garfiel e Bennett (1984, apud Jackson, 2000) investigaram alguns dos fatores que contribuem para que um atleta tenha uma excelente performance, e concluíram que os principais são: o atleta estar relaxado física e mentalmente, estar confiante, se sentindo com o controle da situação, estar centrado no momento presente, estar com muita energia e ativação, extremamente atento e desconectado do ambiente externo e as distrações provindas do mesmo.

A relação entre emoções e a performance do atleta é o tema principal dos estudos realizados atualmente por Yuri Hanin (2000). O autor desenvolveu o IZOF Model (Individual Zones of Optimal Functioning Model), que foca na “descrição, predição, explicação e regulação dos estados biopsicossociais relacionados à performance, que afetam as atividades individuais e grupais” (Hanin, 2000, p. 66). O autor destaca que existe um consenso entre os profissionais da área clínica e educacional que as emoções positivas são indicadores de um estado de bem-estar pleno, produzindo quase sempre efeitos positivos, em contrapartida das emoções negativas, que normalmente são disfuncionais. O IZOF Model contradiz essa premissa enfatizando a influência tanto das emoções positivas quanto das negativas como determinantes da performance do atleta. Porém essa é uma discussão a ser aprofundada em outra ocasião.

Na discussão sobre a importância das emoções positivas no esporte, devemos considerar também que quando o atleta não possui essa vivência, as chances dele não permanecer na atividade aumentam significativamente, podendo resultar no abandono esportivo ou da modalidade praticada. Feldman & Blanco (2006) destacam a importância do estudo das emoções no contexto laboral e os efeito das mesmas no desempenho do trabalhador.

Jackson (2000) destaca que historicamente as disciplinas da área da saúde têm direcionado suas atenções mais para os problemas e patologias do que para o bem-estar e a prevenção, e a Psicologia Positiva surgiu nesse contexto enfatizando a importância do estudo de conceitos como o prazer e a felicidade. Dentro dessa mesma abordagem, Cuadra & Florenzano (2003) destacam a relevância do conceito de bem-estar subjetivo, que se refere ao que as pessoas pensam e sentem sobre suas vidas e as conclusões cognitivas e afetivas alcançadas a partir da avaliação da sua existência.

Esse enfoque vem de encontro aos preceitos do enfoque psicoprofilático de intervenção, onde a promoção de saúde (no caso do esporte, tanto física quanto mental) é sempre o foco principal. Os termos saúde mental e saúde psicológica são quase sinônimos, mas na psicologia, o primeiro termo é mais utilizado com um enfoque voltado às doenças mentais (ou a ausência delas) e o segundo se refere a uma visão de saúde mais positiva, voltada aos aspectos saudáveis do indivíduo (Sanches, 2004). Como a Psicologia do Esporte trabalha, de um modo geral, com indivíduos saudáveis, que não apresentam nenhum sintoma de doença mental, considera-se o termo saúde psicológica mais apropriado.

A medicina tradicional define saúde como sendo “a ausência de sintomas”. Silva et al (1998) destaca alguns dos conceitos fundamentais dentro da área médica: (I) maior ênfase em uma orientação curativa do que em uma orientação preventiva; (II) a visão da doença como fruto de um único agente; (III) a apresentação do indivíduo como um mosaico de órgãos que devem ser tratados quando apresentam disfunção. A partir desses pontos os autores destacam que a concepção de saúde-doença a ser adotada deve ser marcadamente ecológica. Nessa perspectiva, o processo do adoecer não seria provocado por apenas um fator ambiental ou genético, mas deve ser considerado como fruto de uma inter-relação de fatores genéticos e ambientais. Desta forma, trabalha-se com uma visão de um ser humano mais integrado, integrando-se fatores e aspectos de cunho biológico, psicológico e social, a partir da concepção de um ser humano que pode ser agente ativo e crítico na manutenção de sua saúde ou na recuperação da mesma. Os autores enfatizam a importância da ampliação do “reconhecimento dos determinantes do processo saúde-doença, concedendo um papel ativo ao indivíduo e à coletividade”.

Rey (1993) colabora com essa visão ao afirmar que a saúde é um complexo processo qualitativo que define o funcionamento completo do organismo, integrando de forma sistêmica o somático e o psíquico, formando uma unidade em que se um for afetado, atuará necessariamente no outro. Desta forma, o conceito de saúde deve ser considerado mais como um processo do que como um produto. Conseqüentemente a intervenção que objetive promover saúde deve investir no ambiente em que os indivíduos estão se desenvolvendo, que é onde esse processo está ocorrendo.

Essa mesma temática foi abordada por Erich Fromm já em 1955, quando este estudou o que ele denominava de “sociedade sã”, definindo saúde mental como “a capacidade de amar e criar” (Fromm, p. 69, apud Snyder & Lopez, 2009). Marie Jahoda foi outra estudiosa do assunto que em 1958 caracterizou a saúde mental “como sendo a condição positiva movida pelos recursos psicológicos e desejos que a pessoa tem de crescimento pessoal”. A autora descreveu seis características que uma pessoa mentalmente saudável deve apresentar, também descritas por Snyder & Lopez (2009, p. 293):

1. Atitude pessoal em relação a si que inclua auto-aceitação, auto-estima e uma auto-percepção verdadeira;
2. A busca dos próprios potenciais;
3. Pulsões direcionadas, integradas à personalidade;
4. Identidade e valores que contribuam a uma sensação de autonomia.
5. Percepções de mundo verdadeiras, em lugar de distorcidas em função de necessidades subjetivas;
6. Domínio do ambiente e alegria no amor, no trabalho e na atividade lúdica.

Rey (1993) corrobora com essas premissas destacando alguns aspectos que devem integrar o conceito de saúde, sendo eles: a importância do indivíduo experimentar bem-estar, sentir-se bem, motivado, com interesses definidos por atividades e pessoas concretas; outro item de grande importância é a capacidade do indivíduo de se auto-regular, e o último aspecto refere-se à importância do momento atual do organismo representar um momento essencial da otimização futura dos mecanismos e processos implicados na saúde humana.

O autor ainda afirma que a saúde não é uma ausência de sintomas, mas um funcionamento integral que aumenta e otimiza os recursos do organismo para diminuir sua vulnerabilidade aos diferentes agentes e processos causadores de doenças (Rey, 1993). A partir da revisão dos conceitos de saúde para diferentes abordagens psicológicas, realizada pelo autor, verificou-se que a psicologia humanista compreende a personalidade saudável a partir dos indicadores do seu funcionamento psicológico, enfatizando a necessidade de superar o sintoma como unidade essencial da diferença entre saúde e doença. Alguns desses indicadores definidos pelos psicólogos humanistas são:

- Capacidade de assumir suas próprias decisões;
- Capacidade de amar;
- Criatividade;
- Capacidade de realizar um trabalho produtivo;
- Capacidade de integrar experiências negativas dentro de si;
- Abertura para novas idéias;
- Preocupação consigo mesmo, com as outras pessoas e pelo mundo natural.

Desta forma, a ausência desses indicadores expressa uma maior vulnerabilidade do indivíduo para danos à sua saúde somática.

Ansbacher (1982) também sugere que diversas teorias defendem a idéia de que as desordens mentais estão relacionadas com imaturidade e a saúde mental positiva com maturidade. Ser uma pessoa com maturidade significa assumir uma função social que oferece suporte para outros indivíduos, além de poder ser descrito como responsável, justo e racional. Em contrapartida, uma pessoa imatura pode ser descrita como egocêntrica, insegura e que apresenta características de desordem mental.

A psicologia sempre trabalhou com a saúde mental dos seres humanos, mas a sua ênfase era na doença, nos sintomas apresentados, nos desvios e distúrbios. Atualmente essa visão da psicologia vem sendo ampliada e a abordagem ecológica de Bronfenbrenner (1979/1996) trouxe uma grande contribuição nesse sentido. Segundo De Antoni & Koller (2001), a visão ecológica focaliza mais os processos sadios e a promoção da resiliência, sugerindo que o indivíduo seja visto pelo que ele tem de bom, de positivo e não somente pelos problemas que ele apresenta.

Segundo Silva (2002) a saúde deve ser considerada como algo contínuo e dinâmico, como um processo. É preciso considerar que “as pessoas vivenciam diferentes estados e que existem diferentes níveis de equilíbrio e desequilíbrio entre os dois extremos do processo: saúde-doença” (p. 29). A autora destaca que a tendência atual é definir saúde como adaptação, focalizando os diferentes contextos em que a pessoa se desenvolve e a congruência pessoa-ambiente que acontece em cada um deles. Nesse sentido, a saúde é considerada como estados vivenciados em processos sociais, que estão diretamente ligados às percepções mais ou menos positivas que as pessoas tenham a respeito dos relacionamentos que possuem e da função social que desempenham.

Essa visão vem de encontro com a teoria de Bronfenbrenner (1979/1996) que define desenvolvimento a partir da concepção que a pessoa tem do seu meio ambiente ecológico, da relação que ela estabelece com ele e da capacidade do indivíduo de descobrir, sustentar ou alterar suas propriedades.

A respeito da construção de um conceito positivo de saúde, Silva (2002) faz uma revisão de diversos estudiosos deste tema, que apontam para o fato de que, para que um indivíduo seja considerado saudável ou não, dependerá das possibilidades que ele tem de ter objetivos, aspirações e anseios, de manter equilíbrio emocional, de conseguir ter e manter ajustes com competências sociais e autonomia, de desenvolver auto-aceitação, de desenvolver e manter vínculos afetivos e de sentir-se produtivo. Além disso, o indivíduo deve conseguir ter atitudes positivas diante dos outros, otimismo, habilidades sociais para resolução de problemas de formas adequadas para si e socialmente aceitáveis, autonomia e responsabilidades (Silva, 2002).

Peterson (2000) também aponta a importância do otimismo e como ele pode ser uma característica psicológica extremamente benéfica relacionada com o bom humor, a perseverança, o alcance das metas e conquistas e a saúde física.

A partir dessa abordagem pode-se pensar na prática esportiva como uma atividade potencialmente promotora de saúde psicológica. Ela pode propiciar que o praticante experimente bem-estar, estabeleça objetivos e metas, realize uma atividade produtiva, que ele aprenda a se preocupar consigo mesmo e com os seus companheiros, ajudando-o a assumir uma função social de solidariedade e responsabilidade com as outras pessoas (Sanches, 2004). Além disso, o atleta necessita desenvolver um equilíbrio emocional e uma capacidade de resolução de problemas que possibilite que ele possa lidar com todas as adversidades e desafios intrínsecos do contexto esportivo (derrotas, lesões, frustrações, busca de índices, pressão por resultados, etc). A prática esportiva também contribui para o desenvolvimento das habilidades sociais do praticante, à medida que este está inserido em um grupo e deve buscar se relacionar de forma positiva com os integrantes do mesmo, sem deixar de estimular também sua autonomia (ao ter que ter iniciativa para estabelecer suas metas e buscar alcançar-las). Ao praticar uma atividade esportiva, o indivíduo entra em contato também com suas aptidões e deficiências ou dificuldades, o que oportuniza que o mesmo aceite suas qualidades e limitações (não somente as suas, mas a dos outros integrantes de seu grupo também, ao perceber que cada pessoa possui seus pontos fortes e fracos, destacando-se em uma habilidade diferente).

Ansbacher foi outro estudioso do tema que já em 1982 destacava que ao estudarmos o que é saúde mental, é essencial abordarmos a questão da prevenção. Prevenção primária é quando se busca prevenir desordens mentais em uma população que não apresenta nenhum problema. Na prevenção secundária o objetivo é prevenir que os desajustamentos já existentes se agravem ou se prolonguem, enquanto a prevenção terciária visa prevenir as conseqüências da doença mental (Sanford apud Ansbacher, 1982).

Na prevenção primária objetiva-se que os indivíduos que já estão mentalmente saudáveis continuem dessa forma e por isso concentra-se em mudar os fatores do ambiente que estão influenciando de forma negativa no desenvolvimento da pessoa (fatores de risco).

Guzzo (1999) também discute essa temática ao defender que os problemas psicológicos ou problemas emocionais são padrões aprendidos de desajustamentos sociais e desgastes emocionais e não doenças. O mais importante é que eles podem ser evitados por meio de programas de prevenção primária, ou seja, pela criação de novos modelos de comportamentos mais eficazes e ajustados. O objetivo da prevenção primária é diminuir a incidência de desordens emocionais, por meio da redução das situações de ataque aos indivíduos ou ao seu desenvolvimento e também pela promoção de condições sociais e pessoais que aumentem competências específicas e capacidades para a convivência com diversas situações da vida cotidiana. A autora destaca alguns pontos característicos que os programas de prevenção primária possuem em comuns:

1. Eles se voltam a grupos ou populações consideradas em situações de risco e não indivíduos que já experimentam problemas de desenvolvimento.
2. A essência desses programas está em identificar, o mais precocemente possível, as condições de vulnerabilidade ou exposição a situações de risco, planejando e desenvolvendo estratégias de atuação imediata, antes que os problemas aconteçam ou se tornem graves.
3. O principal foco têm sido crianças e adolescentes, pois estas faixas etárias respondem às intervenções de curta duração, podendo-se assim reduzir a prevalência de desajustamentos e problemas emocionais.

A intervenção preventiva é considerada como uma intervenção psicossocial, que tem como objetivo construir mecanismos e estratégias públicas para a proteção de crianças e adolescentes em seus ambientes sociais, sendo os mais significativos a escola, a família e a comunidade (Guzzo, 1999).

As idéias apresentadas acima a respeito da prevenção e da promoção de saúde psicológica vem de encontro aos preceitos norteadores da Psicologia Positiva, ao enfocar o desenvolvimento dos aspectos positivos do indivíduo e intervir sobre os fatores de risco que podem prejudicar esse processo.

A concepção de Psicologia do Esporte que estamos buscando apresentar nesse trabalho também se insere perfeitamente nessa linha de pensamento, pois ao considerarmos que o psicólogo esportivo deve fazer parte da equipe interdisciplinar e trabalhar ao longo de todo ano com os atletas (e não ser solicitado somente quando surge um problema a ser resolvido de forma imediata &– o famoso “apagar incêndios”) estamos trabalhando com essa perspectiva da prevenção.

A atuação deste profissional pode buscar desenvolver, por exemplo, os aspectos destacados acima pela psicologia humanista, como a capacidade de assumir suas próprias decisões, ao ter que decidir qual prova irá realizar, de qual campeonato vai participar ou não, se vai treinar ou deixar de treinar em um dia que está chovendo ou que ele está se sentindo extremamente cansado, se vai permanecer numa determinada equipe ou com seu técnico atual ou vai arriscar uma mudança, etc; a capacidade de se relacionar de forma satisfatória com os outros membros da equipe; a criatividade, à medida que deve sempre adaptar os treinos e competições às necessidades do momento, como por exemplo ter que modificar uma estratégia planejada previamente quando surge uma situação inusitada em um campeonato; a capacidade de realizar um trabalho produtivo, ao colher os frutos do seu esforço e empenho ao longo da temporada, a capacidade de integrar experiências negativas dentro de si, por exemplo ao perder uma competição importante ou não ter o resultado que desejava e ter que lidar com essa frustração; abertura para novas idéias, ao incluir uma técnica nova no seu treinamento, ou ter que considerar os diferentes pontos de vista dos diversos membros da equipe; preocupação consigo mesmo, com as outras pessoas e pelo mundo natural, ao ter que cuidar do seu corpo, se sua saúde de forma geral, dos seus pertences, assim como respeitar seu colega de equipe, seu treinador, (respeitando o modo de pensar dos mesmos, as suas características de personalidade, seus gostos, manias e sonhos) e cuidar do seu local de treinamento deixando o material organizado para os outros integrantes que farão uso dos mesmos posteriormente.

 

Conclusão

Considerando que toda mudança de paradigma leva um tempo para se concretizar e conquistar seu espaço, destacamos de modo ainda mais incisivo a importância de ampliarmos as pesquisas realizadas dentro dessa perspectiva. Desta forma, estaremos contribuindo para a divulgação de subsídios teóricos que embasem de forma consistente a atuação do profissional da Psicologia do Esporte a partir da ótica da Psicologia Positiva, fortalecendo ainda mais essa práxis. Seguramente o desenvolvimento desse novo enfoque irá colaborar para a efetividade desejada nos programas de treinamento psicológico e de busca de qualidade de vida por meio do esporte, ao enfocar a melhora das habilidades mentais, físicas e psicológicas dos participantes. O resultado dessa mudança de enfoque certamente se refletirá na melhora da performance e dos resultados, bem como da satisfação e aderência ao contexto esportivo. Objetiva-se também que esses benefícios possam ser transpostos para outros âmbitos de sua vida, visando desta forma a promoção de saúde psicológica de um modo global. Temos que estar mais atentos aos aspectos positivos que todos os seres humanos possuem, buscando valorizá-los e incentivá-los. O resultado dessa forma de inserção na sociedade se converterá em um aumento da satisfação da pessoa com a sua própria vida e com si mesmo, refletindo-se também no aumento da qualidade das relações sociais deste indivíduo (afinal, quem não gosta de estar próximo de pessoas positivas, que buscam encontrar os pontos positivos de cada situação vivenciada e soluções para os problemas que inevitavelmente surgem na trajetória de todos, ao invés de reforçar as dificuldades e se lamentar pelos objetivos não alcançados?), bem como da felicidade percebida e do bem-estar subjetivo. Estes deveriam ser os preceitos norteadores da Psicologia em qualquer contexto de intervenção e desta forma estaríamos contribuindo para o desenvolvimento de uma sociedade mais humana, mais otimista, integrada e saudável em todas as suas dimensões.

 

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Endereço para correspondência
Rua Dr. Ruy Vicente de Mello, 441 &– Cidade Universitária
Cep: 13084-050 &– Campinas/SP &– Brasil
E-mail: si_sanches@hotmail.com

 

 

Sobre os autores

Simone Meyer Sanches
Graduada em Psicologia pela PUC-Campinas SP; mestre em Psicologia Escolar pela PUC-Campinas; doutoranda da Faculdade de Educação da USP

Joaquín Dosil
Professor Doutor da Universidade de Vigo - Espanha

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