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Revista Brasileira de Psicologia do Esporte

versión On-line ISSN 1981-9145

Rev. bras. psicol. esporte vol.3 no.2 São Paulo dic. 2010

 

 

O auto-estabelecimento de metas na aprendizagem de habilidades motoras

 

The self-goal setting in motor skill learning

 

El auto-establecimiento de metas en el aprendizaje de habilidades motoras

 

 

Orlando Pereira de Souza JúniorI,II; Cinthya WalterIII; Andrea Michele FreudenheimIII; Suely dos SantosIII; Umberto Cesar CorrêaIII

IUniversidade Cidade de São Paulo
IIColégio Salesiano Santa Teresinha
IIIUniversidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo investigou os efeitos do auto-estabelecimento de metas na aprendizagem de habilidades motoras. Participaram cinqüenta e seis indivíduos (homens e mulheres), sem experiência na tarefa de subir a escada de Bachman. Na fase de aquisição os participantes executaram 200 tentativas e nas fases de transferência e retenção foram executadas 50 tentativas. O delineamento envolveu o grupo de meta auto-estabelecida (n=28) e o grupo controle (meta estabelecida pelo experimentador) (n=28). A variável dependente foi a quantidade de degraus alcançados em blocos de 10 tentativas. Os resultados permitiram concluir que as metas estabelecidas pelo experimentador e o auto-estabelecimento de metas tiveram efeitos similares na aprendizagem da habilidade de subir na escada de Bachman.

Palavras-chave: Estabelecimento de metas, Aprendizagem motora, Transferência, Retenção, Escada de Backman, Auto-estabelecimento de metas.


ABSTRACT

This study investigated the effects of self-goal setting on motor skill learning. Fifty six individuals (men and women), without experience in the performance of the Bachman ladder task, participated in the study. In the acquisition phase, participants performed 200 trials, and in the transfer and retention phases, each performed 50 trials. The design evolved the self-set goal group (n=28) and the control group (goal set by experimenter) (n=28). The dependent variable was the amount of steps achieved in blocks of ten trials. The results permitted to conclude that the goal set by the experimenter and the self-goal setting enabled similar effects in climbing Bachman’s ladder.

Keywords: Goal setting, Motor learning, Transfer, Retention, Bachman’s ladder, Self-setting goal.


RESUMEN

Este estudio investigó los efectos del auto-establecimiento de metas en el aprendizaje de habilidades motrizes. Participaron cincuenta y seis personas (hombres y mujeres), sin experiencia en la tarea de subir la escalera de Bachman. En la fase de aquisición los participantes ejecutaron 200 ensayos y en las fases de transferencia y retención fueron ejecutados 50 ensayos en cada. El delineamento envolvió el grupo de meta auto-establecida (n=28) y el grupo control (meta establecida por el experimentador) (n=28). La variable dependiente fue la cantidad de escalones alcanzados en bloques de 10 ejecuciones. Los resultados permitieron concluir que las metas establecidas por el experimentador y el auto-establecimiento de metas tuvieron efectos similares en el aprendizaje de subir la escalera de Bachman.

Palabras claves: Establecimiento de metas, Aprendizaje motriz, Transferencia, Retención, Escalera de Bachman, Auto establecimiento de metas.


 

 

Introdução

Os estudos sobre os efeitos do estabelecimento de metas foram desenvolvidos inicialmente na área de Psicologia Organizacional, mais especificamente no contexto industrial (Burton, 1994; Weinberg, 1992, 1994). Neste contexto, as pesquisas têm sido realizadas, principalmente, com o objetivo de entender os efeitos do estabelecimento de metas sobre a melhora da produtividade em indivíduos com metas pessoais.

Com vistas à conquista de medalhas e à superação de recordes, a partir da década de 1970, o estabelecimento de metas passou a ser estudado, também, com o propósito de conhecer seus efeitos na melhora do desempenho em habilidades motoras esportivas (Haris & Haris, 1984). Mas, foi na década de 1980 que houve um aumento substancial na quantidade de pesquisas sobre o estabelecimento de metas no ambiente esportivo. Este aumento, provavelmente, ocorreu como conseqüência da publicação do artigo de Locke e Latham (1985). Neste artigo, baseados nos resultados positivos alcançados em ambientes industriais, os autores propuseram a realização de estudos aplicados em ambientes esportivos. Além disso, assumindo uma semelhança entre atividades industriais e esportivas, pois ambas envolvem ações mentais e físicas direcionadas a uma meta, Locke e Latham (1985) favoreceram o desenvolvimento de pesquisas no ambiente esportivo, propondo hipóteses específicas de investigação.

No entanto, a pretendida generalização não foi sustentada: os resultados dos estudos desenvolvidos no âmbito esportivo não foram similares àqueles obtidos no âmbito industrial. Os esperados efeitos positivos do estabelecimento de metas específicas, por exemplo, não foram observados de forma consistente no domínio das habilidades motoras (Kyllo & Landers, 1995). Diante dos resultados divergentes no âmbito esportivo, a década de 1990 foi marcada por um embate entre pesquisadores (Locke, 1991, 1994; Weinberg & Weigand, 1993). Locke (1991) creditou as divergências a problemas metodológicos, principalmente, à dificuldade de controlar o auto-estabelecimento de metas por parte dos participantes. Segundo esse autor, tanto os participantes de grupos controles como aqueles de metas específicas (curto prazo, longo prazo, difícil, fácil, etc.) poderiam estar estabelecendo metas por eles mesmos e, assim, anulando a diferença das condições experimentais. Por sua vez, Weinberg e Weigand (1993) as creditaram, principalmente, à diferença no nível de motivação dos participantes. Sendo o estabelecimento de metas uma estratégia motivacional para melhorar o desempenho (Burton, 1992), a motivação suplementar poderia não ter impacto no desempenho de participantes de atividades motoras esportivas, pois os mesmos, já altamente motivados.

Talvez como conseqüência do citado ‘estado-da-arte’, neste mesmo período, o foco das investigações foi direcionado para a área da Aprendizagem Motora. Neste contexto, Boyce e colegas realizaram vários estudos para investigar os efeitos do estabelecimento de metas na aquisição de habilidades motoras (Boyce, 1990b, 1992a, 1992b; Boyce & Bingham, 1997; Boyce & Wayda, 1994; Boyce, Wayda, Bunker, Eliot, & Johnston, 2001). Entretanto, os resultados desses estudos também não permitem tecer conclusões acerca dos efeitos do estabelecimento de metas no âmbito da aprendizagem de habilidades motoras (Souza Júnior, 2005). O autor citado aponta os resultados divergentes como sendo o motivo principal para os resultados inconclusivos e levanta a suspeita de que eles possam ter sido conseqüência dos tipos de metas manipuladas e das tarefas de aprendizagem serem diferentes entre os estudos.

Essa suspeita levou Corrêa e Souza Júnior (2009) a realizarem um estudo cujo objetivo foi investigar os efeitos da especificidade, dificuldade e temporalidade da meta estabelecida na aprendizagem de habilidades motoras. Foi utilizada a subida na escada de Bachman como tarefa de aprendizagem. O delineamento envolveu as fases de aquisição, transferência e retenção. Sendo assim, dois testes de aprendizagem foram manipulados em um único delineamento experimental. Na fase de aquisição, universitários de ambos os gêneros foram distribuídos em cinco grupos segundo as metas: genérica, longo prazo difícil, longo prazo fácil, curto e longo prazo difícil e, curto e longo prazo fácil. Os resultados mostraram que todos os grupos melhoraram o desempenho na fase de aquisição e que os mesmos tiveram desempenho similar nas fases de transferência e retenção. Dessa forma, os autores concluíram que, na aprendizagem de habilidades motoras, o estabelecimento de metas, genérica, longo prazo difícil, longo prazo fácil, curto e longo prazo difícil e curto e longo prazo fácil, tem efeitos similares. Portanto, refutaram as hipóteses de Locke e Latham (1985) referentes à especificidade, dificuldade e temporalidade da meta.

Um aspecto que merece destaque no estudo de Corrêa e Souza Júnior (2009) é o fato de quase 30% da amostra não ter sido considerada na análise dos dados em virtude de a mesma ter estabelecido suas próprias metas. De fato, o auto-estabelecimento de metas é uma preocupação recorrente na literatura da área (Freudenheim & Tani, 1998; Locke, 1991, 1994; Weinberg & Weigand, 1993) e já manipulado como variável independente (Boyce, 1992a; 1994; Boyce & Wayda, 1994; Boyce & Bingham, 1997; Boyce et al., 2001). No entanto, com uma exceção (Boyce, 1994), nestes estudos os grupos de auto-estabelecimento de metas foram previamente designados, ou seja, o auto-estabelecimento de metas foi manipulado como variável independente.

Uma vez que os resultados dos estudos que envolveram um grupo de auto-estabelecimento de metas são inconclusivos, considera-se que uma investigação focalizando a ocorrência desse fenômeno (auto-estabelecimento de metas) de modo espontâneo, ou seja, sem instrução para fazê-lo, poderia contribuir para o avanço do conhecimento acerca dos efeitos do estabelecimento de metas na aprendizagem de habilidades motoras.

Diante do exposto, o presente estudo tem por objetivo dar continuidade àquele de Corrêa e Souza Júnior (2009). Especificamente, pretendeu-se investigar o processo de aprendizagem motora dos indivíduos que estabeleceram suas próprias metas, em comparação com a aprendizagem obtida via metas estabelecidas pelo experimentador.

 

Método

PARTICIPANTES

Foram 56 universitários de ambos os sexos com idades entre 18 e 35 anos, com média de idade 22 (± 4,2) anos. Os participantes não possuíam experiência na execução da tarefa de aprendizagem. Todos os participantes preencheram o termo de consentimento livre e esclarecido, contendo informações detalhadas acerca dos procedimentos e riscos da pesquisa, formalizando a sua participação no experimento. O presente estudo foi analisado e aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa da Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo (CEP/02805).

TAREFA

A tarefa foi subir a escada de Bachman (Figura 1). Trata-se de uma escada sem apoio, sendo que o executante deve equilibrar-se e tentar subir os degraus que tem uma disposição alternada (Bachman, 1961).

 

 

DELINEAMENTO E PROCEDIMENTOS

O delineamento e os procedimentos foram similares aos de Corrêa e Souza Júnior (2009). Eles envolveram três fases experimentais: aquisição, transferência e retenção. A fase de aquisição foi dividida em quatro sessões de cinqüenta tentativas cada, sendo duas sessões em um dia, um intervalo de 24h e mais duas sessões em outro dia, totalizando duzentas tentativas. Após cada sessão da fase de aquisição e entre o teste de transferência foi respeitado o intervalo de cinco minutos para descanso do participante.

Tanto na fase de transferência como na fase de retenção foi praticada uma sessão de cinqüenta tentativas. Na fase de transferência foi solicitado ao participante “faça seu melhor” iniciando a subida na escada com o pé oposto àquele utilizado na fase de aquisição. A fase de transferência foi iniciada após o intervalo de cinco minutos do final da fase de aquisição. Após sete dias de intervalo, foi realizada a fase de retenção seguindo o mesmo procedimento do teste de transferência, sendo solicitado também ao participante “faça seu melhor”.

Foi fornecido feedback (conhecimento de resultado) do degrau alcançado após cada tentativa e do total de degraus ao final de cada bloco de dez tentativas. Ao finalizar uma sessão, foi respeitado o intervalo de cinco minutos para ser reiniciada a próxima sessão.

Os participantes do grupo controle foram 28, selecionados por sorteio dos grupos experimentais de Corrêa e Souza Júnior (2009), em virtude de não ter havido diferença entre as aprendizagens desses grupos. Esses indivíduos formaram o grupo de metas estabelecidas pelo experimentador (MEE) e caracterizaram o grupo controle. Já o grupo experimental envolveu os 28 indivíduos que estabeleceram suas próprias metas de forma espontânea. Eles foram identificados a partir do questionário referente ao auto-estabelecimento de metas para controle das falhas metodológicas previstas por Hollingsworth (1975), Locke (1991), Weinberg e Weigand (1993). Esses indivíduos formaram o grupo de auto-estabelecimento de metas (AEM).

 

Tratamento dos dados

Os dados foram analisados em blocos de dez tentativas, considerando-se o total de degraus subidos. Verificou-se que as suposições de normalidade e de homogeneidade de variância dos dados não foram atendidas (p<0,05). Sendo assim, decidiu-se pela utilização de testes não-paramétricos, mais especificamente, o teste ANOVA de Friedman para comparações intragrupo Na fase de aquisição (blocos a1 a a20) e nas fases de transferência e retenção, sendo que na análise dessas duas últimas considerou-se, também, o último bloco de tentativas da fase de aquisição. Para essas análises utilizou-se como post hoc o teste Wilcoxon com procedimento de Bonferroni para controlar o erro tipo 1. Para as comparações do desempenho entre os grupos nos testes de transferência e retenção foi utilizado o teste U Mann Whitney.

 

Resultados

FASE DE AQUISIÇÃO

Como se pode observar na Figura 2, o desempenho dos grupos melhorou na fase de aquisição. Esse comportamento foi confirmado pelas ANOVAS de Friedman. Para o grupo AEM, a ANOVA de Friedman mostrou diferenças significantes (x[N=28, df=19]=321,32; p=0,00), sendo que o teste de Wilcoxon com procedimento de Bonferroni encontrou diferenças entre o desempenho no bloco A1 e aqueles nos blocos A17, A18, A19 e A20. O desempenho alcançado no bloco A2 foi diferente daqueles desempenhos dos blocos A8, A10 e A13 até A20. Já o desempenho nos blocos A3 e A4 foram significantemente diferentes dos desempenhos dos blocos A14 até A20. Os desempenhos nos blocos A5 e A6 também foram diferentes daqueles obtidos nos blocos A17, A18, A19 e A20. Finalmente, os desempenhos nos blocos A9, A11 e A12 foram diferentes em relação àqueles do bloco A20.

 

 

Para o grupo MEE, o teste de Friedman encontrou diferenças estatísticas (x[N=28, df=19]=324,85; p=0,00) na fase de aquisição. Em relação ao teste de Wilcoxon com procedimento de Bonferroni, foram encontradas diferenças entre o desempenho obtido no bloco A1 e aqueles obtidos nos blocos A7, A8, A9, A10 e A12 até o bloco A20. O desempenho no bloco A2 apresentou diferença entre aqueles nos blocos A8, A11 e A14 até o A20. Os desempenhos obtidos nos blocos A3 e A4 foram diferentes daqueles alcançados nos blocos A10 e A14 até o A20. O desempenho no bloco A5 foi diferente daqueles dos blocos A17 até o A20. Já o desempenho no bloco A6 foi diferente do desempenho no bloco A20. Finalmente, o desempenho no bloco A11 foi diferente daqueles obtidos nos blocos A16 até A20.

FASES DE TRANSFERÊNCIA E RETENÇÃO

Em relação à análise inferencial do desempenho do grupo AEM, a ANOVA de Friedman encontrou diferenças estatisticamente significantes (x[N=28,df=10]=76,40;p=0,00) em ambas as fases (transferência e retenção). O teste de Wilcoxon com procedimento de Bonferroni encontrou diferenças entre o desempenho alcançado no bloco T1 e aqueles dos blocos R4 e R5 (p<0,05). O desempenho no bloco T5 foi diferente daquele no bloco R1 e esse último foi diferente daqueles obtidos nos blocos R4 e R5 (p<0,05).

Já para o grupo MEE, a ANOVA de Friedman encontrou (x[N=28,df=10]=74,88; p=0,00), indicando haver diferença estatística. O teste post hoc Wilcoxon com procedimento de Bonferroni apontou diferenças entre o desempenho exibido no bloco T1 e aqueles alcançados nos blocos T3, T4, T5, R3, R4 e R5 (p<0,05). Os desempenhos obtidos nos blocos T3, T4 e T5 foram diferentes daquele obtido no bloco R1 (p<0,05), e esse último foi diferente dos desempenhos alcançados nos blocos R3, R4 e R5 (p<0,05).

E, sobre a análise entre grupos nas fases de transferência e retenção, o teste de U de Mann Whitney confirmou haver diferenças estatisticamente significante apenas entre os desempenhos alcançados nos blocos T3 e T4 (z=-2,18;p=0,03).

Em síntese, os resultados da aplicação dos testes estatísticos referentes aos dez blocos que compreenderam as fases de transferência e retenção confirmaram apenas diferenças nos desempenhos entre os grupos nos blocos T3 e T4.

 

Discussão

Uma primeira assunção apresentada nessa discussão diz respeito às evidências levantadas na presente pesquisa fornecerem suporte às proposições de Burton (1992), ou seja, sobre o estabelecimento de metas ser uma estratégia motivacional para melhorar o desempenho de habilidades motoras. Isso porque os resultados mostraram que o desempenho de ambos os grupos melhorou do início ao fim da prática. Mais ainda, os resultados permitem sugerir que a citada proposição poderia ser estendida para a aprendizagem motora, uma vez que os indivíduos conseguiram manter o desempenho alcançado na fase de aquisição, nas fases de transferência e retenção.

A presente pesquisa insere-se numa linha desenvolvida nas últimas décadas com a preocupação de entender e explicar a aprendizagem de habilidades motoras em função da capacidade de os indivíduos aprenderem por conta própria ou com controle sobre algum aspecto da sua prática (Corrêa & Walter, 2009). De acordo com esses autores, a “auto-aprendizagem motora” tem sido investigada em relação a diversos fatores, dentre os quais o estabelecimento de metas vem recebendo destaque. Mas, vale ressaltar, que os achados destes estudos tem sido inconclusivos. Ora os resultados apontam similaridade de desempenho entre grupos com metas determinadas externamente e auto-estabelecidas (Boyce, 1992a; Boyce et al., 2001), ora para a superioridade do desempenho sob metas determinadas externamente (Boyce & Wayda, 1994), e, ora para superioridade de desempenho da condição auto-estabelecimento de metas (Boyce & Bingham, 1997).

Entretanto, conforme já mencionado, um aspecto que chama a atenção nesses estudos é que o auto-estabelecimento de metas foi “induzido” pelo experimentador e, como conseqüência, foi formado a priori. Em um estudo que o estabelecimento de metas foi focalizado a posteriori, Boyce (1994), foi observado que 67% dos participantes do grupo de metas genéricas também auto-estabeleceram metas, mas que isso foi mais evidente em indivíduos experientes.

No presente estudo, similarmente a Boyce (1994), o grupo de auto-estabelecimento de metas foi formado a posteriori e, portanto, o auto-estabelecimento de metas ocorreu por iniciativa de cada indivíduo. Entretanto, diferentemente do estudo de Boyce supracitado, no presente, todos os participantes eram inexperientes na tarefa experimental, o que possibilitou focar o fenômeno aprendizagem motora.

Quanto aos resultados, foram verificadas diferenças entre os grupos no terceiro e no quarto blocos de tentativas da fase de transferência. A pergunta que surgiu foi se esse resultado permitiria concluir que a aprendizagem na condição de metas estabelecidas pelo experimentador teria sido diferente (inferior) daquela realizada com metas auto-estabelecidas? No nosso modo de entender, a resposta a esta pergunta é não. Isso porque os testes (transferência e retenção) envolveram dez blocos de tentativas e a ocorrência de diferenças no desempenho se deu em apenas dois deles. Sendo assim, nossa interpretação no contexto da aprendizagem motora corrobora aquelas de Boyce (1992a) e Boyce et al. (2001), sobre a similaridade de desempenhos de grupos com metas determinadas externamente e auto-estabelecidas.

Em suma, dadas as delimitações e o objetivo do presente estudo, pode-se concluir que o processo de aprendizagem motora dos indivíduos que estabeleceram suas próprias metas, em comparação com a aprendizagem via metas estabelecidas pelo experimentador, foi semelhante.

Uma possível explicação para esses resultados pode ser o fato de as metas estabelecidas pelo experimentador terem sido desafiadoras o suficiente para causar nos aprendizes que as seguiram os mesmos efeitos esperados do auto-estabelecimento de metas, portanto, da auto-aprendizagem motora. De acordo com Corrêa e Walter (2009), os benefícios da auto-aprendizagem motora são: (1) Envolvimento mais ativo no processo de aprendizagem, o que parece levar a um processamento profundo de informações relevantes; (2) Sentimento de auto-eficácia e, por conseguinte, motivação intrínseca; (3) Percepção do autocontrole, que implica em maior comprometimento (4) Mais esforço e persistência; (5) Experiências mais individualizadas e específicas; (6) Responsabilidade pela aprendizagem, não somente de sua atividade, mas também por permanecer em tarefas sem instrução direta; e, (7) Aumento na participação.

No presente estudo, em função dos anteriores, alguns cuidados metodológicos importantes foram tomados. Foi estabelecido um número adequado de sujeitos nos grupos de tratamento (n=28) e evidenciou-se, através da instrução, o comprometimento com a meta imposta pelo pesquisador. Como procedimento da pesquisa, no período da coleta, limitou-se o contato entre os participantes, sobretudo o conhecimento mútuo dos resultados evitando-se assim a competição entre os mesmos. Ainda, registrou-se mediante um questionário o auto-estabelecimento de metas (Corrêa & Souza Júnior, 2009). Conforme citado anteriormente, o grupo de auto-estabelecimento de metas foi formado a posteriori através de rigoroso controle das “falhas metodológicas” descritas por Locke (1991, 1994) e Weinberg e Weingand (1993). Assim sendo, o grupo de auto-estabelecimento de metas foi composto por participantes que, supõe-se, desconsideraram a meta estabelecida pelo experimentador, e espontaneamente, estabeleceram suas próprias (adequadas) metas. Esses cuidados dão maior robustez aos resultados encontrados.

No entanto, em relação à formação dos grupos, esses cuidados metodológicos suscitam a elaboração das seguintes perguntas: O estabelecimento das metas pelos participantes pode ser considerado como “auto-estabelecimento” em absoluto? O fato de o experimentador ter estabelecido metas a esses aprendizes no início do experimento não teria influenciado no auto-estabelecimento posterior? Questões como estas podem ser tratadas em estudos futuros.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Umberto Cesar Corrêa
Escola de Educação Física e Esporte - USP
Av. Prof. Mello Morais, 65 - São Paulo - SP
CEP: 05508-030 - Brazil
E-mail: umbertoc@usp.br

 

 

Sobre os autores

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