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Revista Brasileira de Psicologia do Esporte

versión On-line ISSN 1981-9145

Rev. bras. psicol. esporte vol.3 no.2 São Paulo dic. 2010

 

 

O rúgbi num projeto social: relato de uma experiência

 

The rugby in a social project: report of an experience

 

El rugby en un proyecto social: informe de una experiencia

 

 

Rodrigo Scialfa Falcão

Escola de Educação Física e Esporte da USP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente texto partiu de reflexões sobre a minha atuação como psicólogo do esporte do Instituto Rugby para Todos. Projeto social que atende crianças e jovens da comunidade Paraisópolis, localizada na cidade de São Paulo. A proposta de nosso trabalho têm como metodologia utilizar o rúgbi como complemento da educação formal. O Rúgbi é uma modalidade esportiva que possui características peculiares relacionada à cultura e filosofia de jogo. Utilizar o potencial educativo do esporte necessita da contribuição de diferentes áreas de atuação e deve ser trabalhada de maneira interdisciplinar. O papel do psicólogo do esporte no projeto social ainda é emergente e carece de mais referenciais. O profissional nesse contexto tem de conhecer o ambiente de atuação, ter um olhar mais ampliado para questões que envolvem outras disciplinas para conseguir obter resultados consistentes.

Palavras chave: Rúgbi, Psicologia do esporte, Projeto social, Comunidade carente.


ABSTRACT

This text came from thinking about my role as the sport psychologist in Instituto Rugby para Todos. Social project that helps children and youth in the community Paraisópolis, located in Sao Paulo. The proposed methodology to our work has to use rugby as a complement to formal education. The Rugby is a sport that has unique characteristics related to culture and philosophy of play. Using the educational potential of sport requires the assistance of different areas and must be worked in an interdisciplinary way. The role of sport psychologist in the social project is still emerging and needs more references. The professional in this context has to know the environment of action, take a look at more extended to issues that involve other disciplines to achieve consistent results.

Keywords: Rugby, Sport psychology, Social projects, Poor community.


RESUMEN

Este texto vino de pensar en mi papel como el Instituto de Psicología del Deporte de Instituto Rugby para Todos. Proyecto social que ayuda a niños y jóvenes en la comunidad de Paraisópolis, ubicada en São Paulo. La metodología propuesta para nuestro trabajo tiene que utilizar el rugby como un complemento a la educación formal. El Rugby es un deporte que tiene características únicas relacionadas con la cultura y la filosofía de juego. Utilizar el potencial educativo del deporte requiere la asistencia de las diferentes áreas y se debe trabajar de manera interdisciplinaria. El papel del psicólogo del deporte en el proyecto social es aún incipiente y necesita más referencias. El profesional en este contexto tiene que conocer el entorno de la acción, visita más amplia a las cuestiones que involucran a otras disciplinas para lograr resultados consistentes.

Palabras claves: Rugby, Psicología del Deporte, Proyectos Sociales, Comunidad pobre.


 

 

Introdução

A Psicologia do Esporte no Brasil têm histórico recente. Segundo Rubio (1999), a primeira publicação nacional é de 1962. Os estudos geralmente são voltados para os esportes de alto rendimento.

Silvestre (2007) comenta, que a partir de meados da década de 90, pela iniciativa principalmente do Instituto Ayrton Senna criou-se referenciais práticos e metodológicos para programas e projetos sociais que envolvem a educação em comunidades e regiões carentes.

As ações envolvendo projetos sociais em comunidades carentes que utilizam alguma modalidade esportiva vêm aumentando demasiadamente. Porém, muitas dessas iniciativas estão voltadas para suprir as demandas do esporte competitivo, ou seja, são instituições que visam selecionar talentos para alguma modalidade especifica. Poucos projetos visam utilizar o potencial do esporte para complemento da educação.

O presente texto surgiu a partir de reflexões sobre a minha atuação como Psicólogo do Esporte no Instituto Rugby para Todos. Projeto social que atende crianças e jovens de uma comunidade, localizada na cidade de São Paulo e visa utilizar atividades esportivas como instrumento para o complemento da educação formal de seus alunos.

O Rúgbi é uma modalidade que possui peculiaridades especificas de sua cultura, é um esporte popular e seus praticantes conservam comportamentos que nos remete ao amadorismo do esporte. Esses aspectos podem facilitar projetos voltados para a educação.

Tentarei relatar sobre questões que envolvem o esporte como um instrumento metodológico para o desenvolvimento da educação de crianças e jovens inseridos em comunidades.

A atuação do psicólogo do esporte no contexto social é emergente e desconhecida do público em geral. Dessa maneira, elucidarei a respeito da necessidade desse profissional obter uma orientação voltada para o esporte como um olhar mais amplo sobre as questões que o permeiam.

 

Projeto

CONTEXTUALIZANDO O PROJETO: INSTITUTO RUGBY PARA TODOS

O Instituto Rugby para Todos nasceu em junho de 2004, a partir da iniciativa de dois jogadores de Rúgbi (Fabricio Faria e Mauricio Draghi) residentes da cidade de São Paulo, atletas do clube Pasteur Atlhetic Club e com passagens pela seleção brasileira. O motivo inicial da criação do projeto era popularizar a modalidade.

Sete anos depois o Instituto Rugby para Todos cresceu e hoje trabalha além da popularização da modalidade, tem o intuito de desenvolver a cidadania como uma ferramenta de complemento da educação de seus alunos.

As atividades do projeto ocorrem em três lugares da comunidade Paraisópolis, na quadra do PECP (Projeto Einstein na Comunidade Paraisópolis), no campo da Associação Desportiva Palmeirinha e no Ceu (Centro Educacional Unificado) Paraisópolis.

Cerca de 170 crianças e jovens, meninos e meninas, entre sete e dezessete anos são atendidos em três dias de atividades em dois períodos diferentes, de manhã e a tarde. O requisito é morar na comunidade e estar matriculado em uma escola.

O Instituto Rugby para Todos têm como metodologia utilizar o rúgbi como complemento da educação formal de seus alunos, promover o lazer e melhorar a qualidade de vida. Para isso, pessoas de diferentes formações compõem o quadro de funcionários (Administração, Geografia, Psicologia, Educação Física, Esporte, Estagiários, Monitor auxiliar e Merendeira).

As turmas que compõem os alunos são divididas em sete categorias. Iniciação esportiva com alunos de ambos os sexos entre sete e nove anos. Iniciação ao rúgbi com meninos e meninas, com idades entre dez e onze anos. A terceira categoria denominamos de M-13, com alunos entre doze e treze anos de idade, separados em turmas masculinas e femininas. Temos também o grupo que corresponde aos alunos do M-15, masculino e feminino com idades entre quatorze e quinze anos. A última categoria é o M-17 masculino formado por jovens de dezesseis e dezessete anos.

Em todos esses grupos, principalmente nas categorias iniciais utilizamos estratégias de outras modalidades e atividades esportivas que complementem o ensino de rúgbi. Pretendemos com isso o desenvolvimento do repertório motor e habilidades básicas com praticas corporais diversas. Através de jogos recreativos, jogos cooperativos, dinâmicas de grupo e brincadeiras que envolvam a criatividade, a ludicidade e sejam acima de tudo prazerosas e reforçadoras.

O QUE É O RÚGBI?

Existem três versões do Rúgbi, o Rugby Union, Rugby League e o Rugby Seven. A versão mais popular do jogo é o Rugby Union, sobre esta versão que esse texto trata.

Segundo Perrella, Noriyuki e Rossi (2005) a liga de rúbgi tornou-se profissional em 1995, modalidade praticada mundo afora, abrange, o Comitê Internacional de Rúgbi e 92 ligas nacionais. Dois times, cada um com 15 jogadores no campo, disputam a partida, esse número pode ficar defasado devido à expulsão por conduta imprópria. O jogo é realizado em dois tempos de 40 minutos, separados com um intervalo de no máximo 10 minutos. Não há interrupções, com exceção da ocorrência de contusões ou ferimentos.

De acordo com Sapienza (2005), o Rúgbi no Brasil é uma modalidade esportiva amadora que tem como finalidade fazer o try dentro da área do in goal, apoiando a bola no chão com as mãos para ganhar cinco pontos. Após o try, o chutador deve pegar uma distância qualquer, porém na mesma direção em que a bola foi apoiada no chão pelo jogador que fez o try, e chutar a bola com o objetivo de passar entre o “H”. Caso a bola seja convertida  a equipe recebe mais dois pontos.

Além do try e do chute de conversação existe mais duas maneiras de se fazer pontos no jogo de rúbgi. Através do penâlti no caso de faltas graves, o time beneficiado com a marcação pode cobrá-lo de três maneiras diferentes. A primeira reiniciando o jogo, a segunda chutando a bola para fora do campo (com a vantagem da cobrança lateral) ou a terceira optar por um chute penal. Neste caso a bola é colocada no local da infração e chutada em direção ao H. Se convertido, o penal rende três pontos à equipe.

A outra maneira além das anteriores de fazer pontos num jogo de rúgbi é através do “drop goal” jogada que se for convertida vale três pontos. A qualquer momento da partida um jogador pode chutar a bola para o H. A única exigência é que a bola esteja originalmente nas mãos do chutador e que a mesma toque ou quique no solo antes de ser chutada.

O rúgbi é praticado em campos com dimensões semelhantes às dos campos de futebol. A área de jogo é constituída pelo campo, pelos in-goals (área retangular atrás dos postes em forma de H, que são chamados de "up-rights") e é cercada por uma área de segurança (www.rugbymania.com.br).

Essa modalidade esportiva é praticada por times masculinos e femininos, porém as mulheres só jogam uma versão do rúgbi, o rugby seven. Enquanto os homens jogam o rugby union, rugby seven e o rugby league.

As equipes são formadas por 15 jogadores com posições, funções e características físicas diferentes. Os jogadores são classificados de acordo com seu físico predominante: os Forwards são geralmente mais pesados e fortes e os Backs são mais leves e velozes.

O material necessário para o jogo consiste em uma bola inflável de formato oval, calções e camisas de materiais leves e resistentes, meiões e chuteiras. Alguns jogadores de posições específicas utilizam faixas para proteger as orelhas de escoriações e cortes. Também é usual a utilização de protetores bucais. No caso das mulheres, acrescentam-se apenas algumas proteções para o corpo.

Uma peculiaridade no jogo de rúgbi é que a bola só pode ser passada para trás, se for passada para frente é falta. Dessa maneira esse esporte tem a tática como elemento preponderante. A individualidade de cada atleta é enfatizada quando o coletivo também é enfatizado. Craques todos sabemos que existem e que podem fazer a diferença, porém está diferença em campo não é tão gritante como em outras modalidades coletivas. Haja visto o futebol e o basquete, por exemplo, em que um único jogador pode numa noite inspirada acabar com um campeonato e dar a vitória a uma equipe menos qualificada. No rúgbi dificilmente uma equipe menos qualificada perde o jogo.

Dos esportes coletivos talvez o rúgbi seja a modalidade em que todos os elementos de uma equipe têm uma importância realmente determinante para seu time, cada elemento possui uma autodependência entre os membros da equipe.

Por ser uma modalidade que necessita de contato físico e da busca de território, todos os espaços do campo geralmente são ocupados por muitos jogadores, cada metro do campo é disputado entre as equipes adversárias. Dessa maneira a equipe que conseguir neutralizar as jogadas de ataque do oponente e conseqüentemente avançar em direção a linha de in-goal poderá ter mais chances de pontuar.

Segundo Faria (2007), o Rúgbi é o segundo esporte em equipe mais praticado no mundo, atrás apenas do Futebol, e é responsável pelo terceiro maior evento esportivo mundial, perdendo em popularidade para a Copa do Mundo de Futebol e para os Jogos Olímpicos.

No Brasil, é a modalidade esportiva que mais cresce nas universidades. O Rúgbi Universitário possui diversos times, que já chegaram a compor duas divisões, dado o número de times e as diferenças de nível entre eles.

A partir de 2011, o Rugby Seven passa a fazer parte dos Jogos Panamericanos, resultado de um grande esforço do IBR (International Rugby Board), entidade mundial que representa a modalidade. E a partir dos Jogos Olímpicos de 2016 retorna as competições e disputas por medalhas.

O rúgbi foi um esporte disputado apenas por homens em quatro das sete primeiras edições dos Jogos Olímpicos modernos. A primeira aparição ocorreu durante os Jogos de 1900 em Paris. Posteriormente foi incluído no programa de esportes dos Jogos de Londres 1908, na Antuérpia em 1920 e Paris novamente em 1924. Após os Jogos de 1924, o Comitê Olímpico Internacional retirou o rúgbi do programa olímpico. (www.wikipedia.com.br).

O Rugby Seven é uma adaptação do Rugby Union tradicional, jogado com sete jogadores para cada equipe. As regras são praticamente as mesmas, o que muda é o tempo de jogo das partidas.  São 7 minutos por 7 minutos nos jogos classificatórios e 10 minutos por 10 minutos nos jogos que envolvem semifinalistas e finalistas. Essa mudança com relação ao tempo de jogo no Rugby Seven propiciou maior visibilidade ao esporte, já que o tempo foi adaptado para transmissões televisivas e durante um dia podem ocorrer até três partidas da mesma equipe. No Rúgbi tradicional os atletas levam de três a quatro dias para se recuperar de uma partida. Haja vista que a duração da Copa do Mundo é de aproximadamente dois meses.

O Rugby Seven pode possibilitar maior disputa entre as equipes oponentes porque haverá mais espaço no campo de jogo. Contudo, as equipes terão mais liberdade de jogo e poderão se sobressair no aspecto físico de seus atletas. Poderá propiciar maior nivelamento das equipes e maiores chances de sucesso de equipes que não são tradicionais no cenário mundial. Por outro lado, uma das criticas que se faz ao Rugby Seven é que ele perde muito com relação à questão da coletividade e do aspecto tático da modalidade tradicional.

Um POUCO DE HISTÓRIA

A origem do jogo de Rúgbi mais aceita é que um garoto de nome William Webb Ellis nascido em Salford, Inglaterra, em 24 de novembro de 1806. Quando era estudante da Rugby School e entediado ao jogar uma espécie de futebol antigo, resolveu pegar a bola com as mãos e ir em direção oposta onde seu time fazia gol. O garoto passou entre os colegas e só foi detido quando um deles o derrubou. Dessa maneira nascia o embrião do jogo de Rúgbi moderno.

Ellis faleceu em 24 de janeiro de 1872, poucos meses após a primeira partida de rúgbi internacional entre a Escócia e a Inglaterra ocorrido em 1871. Seu túmulo foi redescoberto em 1958, por um jornalista francês e por um ex-jogador de rúgbi inglês, Roger Dries e Ross McWhirter (www.irb.com).

A alegação de que William Webb Ellis começou a estabelecer as particularidades e as regras do jogo foram feitas em 1876, quatro anos após sua morte, pela revista da Rugby School "O Meteoro", cujo autor Mateus Bloxam, era um contemporâneo de Ellis na escola (www.irb.com).

Se for totalmente verídica essa história não sabemos, porém a comunidade do Rúgbi reforça essa hipótese e homenageia o possível inventor da modalidade com seu nome no troféu dado aos vencedores da Copa do Mundo.

Reza a história que em novembro de 1894 um brasileiro de nome Charles William Miller ao retornar de Southampton, para onde seus pais o haviam enviado para estudar, trouxe em sua bagagem alguns pertences curiosos para a época, como algumas bolas, tacos de críquete, um par de chuteiras e uma bomba para encher as bolas. Desta forma nasceu o futebol em nosso país. De modo similar, Charles Miller ou algum outro desavisado, introduz uma bola de rugby em nosso país.

Existem registros de partidas de rugby disputadas entre os funcionários das empresas instaladas em São Paulo desde o final do século XIX e, não só entre si, mas também entre as agremiações locais e as equipes formadas pelas tripulações dos navios das frotas mercantes e militar britânica, que fundavam no porto de Santos e subiam até São Paulo, onde se disputavam arduamente os jogos e principalmente os “terceiros-tempos”.

Na segunda década do século XX surge o São Paulo Rugby Football Club formado por alguns abnegados do futebol, entre os quais James Macintyre, um escocês cujo nome posteriormente será de relevante importância para o rugby nacional. Surge também o Britânia Football Club e as partidas de “bola oval” eram disputadas no campo do Parque Antártica, cedido por gentileza do clube Societtá Palestra Itália, bem como no campo de Pirituba, cedido pela “São Paulo Railway”.

Embora nem de longe rivalizasse em termos de popularidade com o futebol, o rugby era praticado em sua maioria pelos imigrantes e seus descendentes no Brasil. Durante a década de 20, seriam disputados os primeiros jogos interestaduais de rugby, entre Paulistas e Fluminenses, estes últimos praticamente todos oriundos de um clube apenas, o Rio Cricket Niterói, clube que aglomerava os britânicos na cidade do Rio de Janeiro.
(Nogueira, J. in: Faria, 2007, pg.32).

Atualmente os países que tiveram forte influência cultural e econômica Britânica no passado com exceção aos Estados Unidos e a Índia, são as nações que possuem história e cultura da pratica da modalidade.

Na Austrália, na Nova Zelândia, nas Ilhas do Pacifico Sul e na Irlanda o Rúgbi é o esporte mais praticado pela população. Na Inglaterra, na Escócia, no País de Gales, na Argentina, na África do Sul, na França e no Uruguai, o rúgbi é o segundo esporte mais praticado em preferência pela população local.

O Rúgbi diferentemente dos outros esportes coletivos se profissionalizou tardiamente, somente em meados da década de 70. A princípio na Inglaterra, depois na França, na Austrália e na Nova Zelândia. A primeira Copa do Mundo de Rúgbi ocorreu somente em 1987. A Internacional Rugby Board iniciou possível expansão da modalidade fora dos países em que o rúgbi já estava inserido somente a partir de meados da década de 90. Conseqüentemente os valores e ideais do esporte amador da Inglaterra do século XIX continuam a permear diretrizes, a cultura e a filosofia de seus praticantes mundo afora.

Segundo Sapienza (2005, pp. 5-6),

“Pierre de Coubertin (educador, pensador e historiador), passa anos de sua vida visitando escolas na Inglaterra e procurando entender os fundamentos do esporte dentro do sistema escolar. Empenhado na reorganização dos Jogos Olímpicos, em 1892, organiza um congresso a respeito dos Jogos Olímpicos apresentando os valores humanos dentro da perspectiva psicopedagógica. Sua preocupação fundamental era valorizar a competição leal e sádia, o culto ao corpo e a atividade física, reflexo de sua concepção humanista. Via o esporte como um fator indireto para o equilíbrio entre as qualidades físicas e intelectuais.

Os Jogos Olímpicos pautaram-se por um conjunto de valores que são a referência fundamental do movimento olímpico até os dias atuais, que refletiam a formação do Barão de Coubertin.

O fair play, foi incorporado ao esporte em 1880 para designar um tipo de conduta. O fair play, pode ser definido como um conjunto de princípios éticos que orientam a prática esportiva, principalmente do atleta e dos demais envolvidos com o espetáculo esportivo. O fair play presume uma formação ética e moral do indivíduo que pratica e se relaciona com os demais atletas na competição, ou seja, que este atleta só fará uso de sua própria capacidade e nada mais para superar os oponentes.”

CONTEXTUALIZANDO A COMUNIDADE

Segundo Castro (2009), Paraisópolis possui cerca de 80 mil habitantes, mais de 17 mil domicílios em quase 800 mil metros quadrados. Pertence à subprefeitura de Campo Limpo e ao distrito de Vila Andrade. Divide-se em cinco regiões (Centro, Antonico, Brejo, Grotão e Grotinho), sendo estas últimas três consideradas como mais pobres.

A comunidade Paraisópolis é cercada de vizinhos ilustres, fica a menos de 1,5 km do Palácio do Governador do Estado de São Paulo. Há 1 km do Estádio do Morumbi, sede do São Paulo Futebol Clube. Próximo do Hospital Israelita Albert Einstein e do Hospital São Luiz, centros de referências nacionais em saúde. No mesmo bairro da Rede Bandeirantes de Radio e Televisão.

Para Almeida e D`Andrea (2004), uma das principais características de Paraisópolis, a segunda maior favela da Região Metropolitana de São Paulo é a sua densa aglomeração populacional, que gera problemas habitacionais que vão desde a construção da casa à posse do terreno, além das péssimas condições urbanas.

Castro (2009) comenta que, a atuação de entidades do terceiro setor é marcante em Paraisópolis, a ponto de configurar suas relações comunitárias. Tendo como bairro vizinho o Morumbi, um dos mais ricos da cidade, o contraste social é gritante e entende-se que a atuação em massa deste tipo de entidades esteja vinculado a essa localização. Também cabe destacarmos as diferenças territoriais dentro da comunidade. A presença de organizações do terceiro setor, assim como as de serviços da rede pública, concentra-se nas regiões do Centro e Antonico. Há algumas organizações nas outras regiões, mas são exceções. Tanto representantes das organizações como moradores que participam dessas, relataram um distanciamento em relação a essas regiões e moradores, por acreditarem que as informações não chegam até lá, justamente as áreas consideradas como mais vulneráveis (Castro, 2009).

Almeida e D'Andrea (2004) argumentam que, essas atividades profissionais derivam em grande medida da própria localização da favela, geograficamente circunscrita por residências e condomínios de classe alta (uma peculiaridade que lhe confere um perfil mais próximo ao das favelas da zona sul do Rio de Janeiro). Na verdade, Morumbi e Paraisópolis cresceram juntos, pois a expansão dos grandes empreendimentos imobiliários no bairro, já nos anos 1970, determinou a fixação ali de uma população atraída pela demanda de mão-de-obra para construção civil demanda posteriormente ampliada ao trabalho domiciliar, em particular feminino.

Dados da União de Moradores de Paraisópolis (www.paraisopolis.org.br) avaliam que cerca de 80% das pessoas que trabalham na comunidade exercem cargos para os seus vizinhos ricos. Entre eles: os porteiros dos prédios e condomínios, os faxineiros, as empregadas domésticas, os cozinheiros, os jardineiros, os seguranças, os garçons, os atendentes de supermercados, os manobristas, entre outros.

Castro (2009) afirma que, a região era ocupada por uma antiga fazenda de plantação de chá e que em 1922 foi feito o loteamento de partes dessa fazenda. Alguns lotes não estavam sendo totalmente ocupados e houve uma invasão de japoneses e paulistas que ocuparam alguns deles. A sede da fazenda é a atual Casa da Fazenda do Morumbi. Em 1947 houve a chegada dos nordestinos, que vieram para trabalhar em diversas construções. Muitos deles eram contratados na Estação da Luz quando chegavam em São Paulo e imediatamente eram levados para trabalhar em diversas obras, como na construção do Estádio do Morumbi e do Hospital Albert Einstein. Como não havia alojamento para todos, eles construíam seus barracos nesses lotes e aos poucos traziam suas famílias do nordeste. Desta maneira, a comunidade existe há 62 anos.

De acordo com Silvestre (2007, p. 5),

“muitas pessoas nesta sociedade estão abaixo da linha da pobreza; muitos são muito pobres e quase todos pobres. As estatísticas da desigualdade são assustadoras: segundo o Atlas da Exclusão de Pochmann e Amorim (2003), a renda dos 10% mais ricos corresponde a 45% do PIB nacional. A situação piora se se incluírem nesse cálculo dados sobre o patrimônio, quando o percentual chega a 75,4% da riqueza total brasileira na mão de 10% da população. O pior talvez seja imaginar o inverso: 24,6% da riqueza brasileira estão distribuídas entre 90% da população. O Brasil entre os anos 80 e 90 registrou um aumento do número de ricos, mas registrou nesse período uma redução do crescimento do país. O pobre gasta 32,79% da renda com comida e o rico apenas 10.26%, o que mostra que os pobres pagam mais tributo, proporcionalmente, do que os ricos, que vivem no conforto”.

A pobreza tem levado ao estabelecimento de uma cultura de pobreza, que leva os pobres a aceitar o modo como são excluídos, ou colocar-se uns contra os outros gerando formas de violência e aniquilamento, ou a serem consumidos numa inércia cívica sem esperança. Mudar tal cultura é um esforço adicional do processo de desenvolvimento se se busca um desenvolvimento sustentável. Felizmente, se assiste hoje na América Latina ao aparecimento de inúmeros pequenos círculos de poder exercidos pela cidadania, apoiados pelos processos de desenvolvimento locais. Círculos pequeninos vindos de baixo, que podem se transformar em movimentos cívicos poderosos para o desenvolvimento de toda a região (KISIL, 1997, p.150 in: Castro, 2009).

O QUE FAZ O RÚGBI UMA MODALIDADE ESPORTIVA ESPECIAL?

É interessante observar, inclusive nos atletas de alto nível. Há diferenças de biótipo nos jogadores de uma mesma equipe de rúgbi. Existe o gordinho, o magro, o atleta alto, um mais baixo, outro rápido, um com maior força física, outro com mais explosão ou outro com grande resistência, cada qual com sua posição e função determinada no campo. São exemplos de diferentes características e de habilidade motora que fazem parte de uma engrenagem integrada buscando um objetivo em comum.

Antes de excluir o rúgbi é uma modalidade que inclui. Esse é um fator que pode ser determinante num projeto que visa à educação pelo esporte, já que a própria modalidade propicia essa diversidade, por não possuir um estereótipo de atleta ideal para esse fim.

Faria (2007) comenta, para que o jogo de rúgbi possa ocorrer de forma segura à integridade física de todos os envolvidos, é necessário que se desenvolva posturas corporais especificas da modalidade, em relação a posicionamentos de pernas, costas e pescoço. Tais posturas trazem ao novo praticante segurança no corpo, que pode ser traduzido em consciência, confiança e conhecimento sobre os movimentos e as situações de contato na prática do rúgbi.

Para Vaz (2005), sendo o jogo de rúgbi fértil em acontecimentos imprevisíveis, requer, por parte dos seus intervenientes, uma permanente atitude táctico-estratégica.

Ainda segundo o mesmo autor, o rúgbi é uma atividade rica em situações imprevistas, às quais o aluno que joga tem que responder. Assim sendo, os jogadores inicialmente devem resolver situações de jogo que, dadas as mais diversas configurações, exigem uma elevada adaptabilidade e especificidade no que respeita à dimensão táctico-cognitiva.

De acordo com Sapienza (2005), o Rúgbi é um jogo que exige muita disciplina e comprometimento do praticante. Com isso, proporciona um meio de educar, estimulando o respeito pelo outro (seja pela equipe, pelo adversário e principalmente pelo Juiz que é chamado por “Senhor” e dirige-se durante o jogo apenas ao capitão do time).

Segundo Vaz (2005), o modelo metodológico ideal de iniciação e formação de jogadores de rúgbi na atualidade não existe, o modelo desejável é por si só flexível. Existe no entanto atualmente alguma unanimidade entre técnicos e formadores para as vantagens na utilização da oposição durante a formação de jogadores, bem como do jogo global para o específico em função da estruturação e lógica do jogo moderno.

Rocha e Cordovil (1995 in: Vaz, 2005), referem que a concepção do ensino e aprendizagem do rúgbi aponta no sentido de criar condições para que o jovem praticante se aproprie ativamente do rúgbi, identificando os "porquês" antes dos "como ", a tática antes da técnica.

Faria (2007), argumenta, quanto aos fundamentos, é preciso trazer aos alunos a idéia de que o apoio está sempre atrás (não é permitido lançar a bola à frente) e que, por isso, o trabalho em equipe é fundamental. Quanto aos princípios, que são a base do jogo, faz-se necessário um trabalho que o aluno vai aprender que: a disputa em campo deve ser dura, mas leal; no terceiro tempo a confraternização com o time adversário é tão importante quanto o jogo, e que as amizades vão muito além das quatro linhas; esnobar o adversário é inadmissível, mas entregar-se à derrota é um desrespeito tão grande quanto.

Segundo Sapienza (2005), fora de campo, não há lugar para rivalidades e atitudes antiesportivas. Prova disso, é que após a partida, as duas equipes participam do terceiro tempo, tradição do Rúgbi. É um momento de confraternização e socialização entre as duas equipes, onde normalmente a equipe da casa oferece aos visitantes alimentação como forma de agradecimento pela diversão proporcionada ao longo do dia.

Três leis do Código Internacional de Conduta da Internacional Rugby Board (IRB, 2009) se destacam com relação ao respeito ao adversário, são elas:

“Não devem usar linguagem rude ou abusiva ou gestos para árbitros, toque no Juízes ou outros funcionários de jogo ou espectadores;

“Não deve fazer qualquer coisa que é susceptível de intimidar, ofender, insultar, humilhar ou discriminar qualquer outra pessoa em razão da sua “origem, religião, raça, cor ou etnia;”

“Não deve se envolver em qualquer comportamento ou qualquer outra atividade dentro ou fora de campo que possa comprometer a confiança do público na conduta honesta e ordeira de uma partida, campeonato amistoso, torneio ou série de jogos (incluindo, mas não se limitando a), fornecimento de informações em relação ao jogo, direta ou indiretamente, a (apostas) ou na integridade e bom caráter de qualquer pessoa.”

No Rúgbi o contato físico é permitido, desde que se respeitem as regras e se preservem os princípios da modalidade. Isto é importante num contexto social onde a violência “gratuita” é fato comum. É preciso colocar os limites e tê-los claros para todos. O autocontrole é uma virtude dentro de campo, e é necessário saber diferenciar o “duro” do desleal. E o contato físico, tão característico desta modalidade, pode ser um forte aliado na resolução de problemas de âmbito sócio-educativo e afetivo (Faria, 2007).

ESPORTE COMO COMPLEMENTO DA EDUCAÇÃO

Utilizar o potencial educativo do esporte não é tarefa das mais simples, ao contrario, necessita da contribuição de diferentes áreas de atuação e não deve ficar restrita somente a Educação Física e ao Esporte. Tem de ser ampliada para outras áreas do conhecimento, como a Psicologia, a Pedagogia, a Sociologia entre outras e trabalhada de maneira integral e interdisciplinar.

De acordo com Silvestre e Marques (2007), ao realizar a mediação da relação destes indivíduos com os outros e com a sociedade em que estão inseridos, por intermédio da prática esportiva, os profissionais envolvidos devem ter claro que estarão contribuindo para o desenvolvimento global destes indivíduos em todos os aspectos: social, ao trabalhar as relações interpessoais; cognitivo, ao pensar nas assimilações e exigências feitas por uma orientação; motor, quando trabalha as habilidades específicas da prática; psicológicos, ao considerar as possíveis repercussões de uma prática inadequada, com os sucessos e fracassos experienciados frente à realização de determinada tarefa.

De acordo com Delours (1996), um dos principais papéis reservados à educação consiste, antes de mais, em dotar a humanidade da capacidade de dominar o seu próprio desenvolvimento. Ela deve, de fato, fazer com que cada um tome o seu destino nas mãos e contribua para o progresso da sociedade em que vive, baseando o desenvolvimento na participação responsável dos indivíduos e das comunidades.

Silvestre e Rubio (2009) afirmam que, ao estudar a realidade da criança e do adolescente que moram nas periferias de São Paulo, percebe-se a ineficácia do sistema educacional que este Estado Democrático de Direito tem promovido. Ou seja, os privilegiados que possuem o acesso à tecnologia, capital e controle de informação constroem um sistema que domestica e aliena a si e a milhares de crianças e adolescentes que estão fadados a uma vida sem perspectivas e sem acesso a uma educação crítica e transformadora.

De acordo com Neira (2009, p.4),

“basta mencionar que nem sempre os atletas profissionais, exemplos de excelência em sua atividade, possuem qualidades demonstradas nas arenas esportivas, diretamente transferíveis aos ambientes externos às pistas, piscinas, ringues, quadras ou campos. Contrariando o senso comum, é possível afirmar que o sucesso no esporte, obrigatoriamente, impede que valores socialmente desejáveis como respeito mútuo, ética, não discriminação, companheirismo, comportamento democrático, altruísmo e humildade sejam semeados nos campos de treinamento e competição. Quantas manifestações de aceitação e ajuda já presenciamos nas competições? Quando vimos, em algum programa de televisão esportivo, a exaltação ao esforço e dedicação de quem chegou em segundo, de quem foi derrotado? Temos conhecimento da história de vida daqueles que não venceram ou preocupamo-nos simplesmente em conhecer e exaltar os campeões? Quantas vezes já presenciamos brigas, perdas de controle e até cenas de violência protagonizadas pelos participantes?”

Para o Instituto Ayrton Senna (2004), certamente a educação não poderá por si só dar resposta a todas as questões da convivência, mas sem dúvida tem papel importante na superação desse quadro. O que é inadmissível é que ela se equivoque na sua ação e contribua para a perpetuação desses comportamentos, estimulando a competição de forma inadequada, reforçando preconceitos ou, ainda, nada fazendo para superá-los.

De acordo com Silvestre e Marques (2007), muitos desses projetos sociais, nesta vertente esportiva, ao invés de utilizar o potencial educativo do esporte para favorecer o desenvolvimento global de crianças e adolescentes, ampliando seus horizontes e perspectivas de vida, são meros reprodutores do sistema que divide, classifica e vigia.

Ainda segundo os mesmos autores, o quadro encontrado nas comunidades atendidas por projetos sociais é de violência e miséria. Na medida que a sociedade é contraditória, mesmo que a exacerbação das desigualdades gere alternativas desagregadoras, infelicidade humana, perda de esperança, medo massificação, enrijecimento dos valores, falta de reciprocidade, gera também formas de resistência cultural, de organizações populares, associações, sindicatos etc. Há e haverá sempre movimentos contra-hegemônicos, que permitem que as singularidades e espaços de auto gestão coletiva se produzam no trabalho cotidiano do instituinte.

Para Marques e Kuroda (2000), é verdadeiro afirmar que o esporte tem um forte poder social, observando a necessidade de um maior cuidado com seu uso, pois ele tanto pode ser entendido como algo saudável com uma meta educativa quanto pode reproduzir as características da cultura vigente.

Segundo Parlebas (apud Di Pierro; Silvestre, 2003), o desporto não possui nenhuma virtude mágica. Ele não é nem socializante, nem anti-socializante. Ele é aquilo que se fizer dele.

Para Neira (2009), não podemos permanecer na postura ingênua que concebe a prática esportiva como responsável por efeitos positivos na formação das personalidades das nossas crianças e jovens. Ousamos afirmar: muito pelo contrário!

Chegar com algumas bolas e materiais esportivos numa comunidade carente, ajuntar algumas crianças e achar que isso por si só já é requisito necessário para iniciar um trabalho social é no mínimo muito ingênuo.

 É comum ouvirmos, lermos e assistirmos que o “esporte é saúde”, o “esporte disciplina e modifica o caráter”, o “esporte é a maneira mais fácil de ascensão social”, entre outros absurdos. O esporte possui sim um grande potencial educativo, social e cultural desde que tenhamos responsabilidade e metodologias adequadas para aplicação. Muitos esquecem que esse mesmo esporte que têm o poder de transformação já serviu como modelo para difundir ideais higienistas da política Nazista. Serviram de propaganda Nacionalista como os boicotes olímpicos durante os Jogos de Moscou em 1980 e Los Angeles em 1984, onde envolvia uma disputa política basicamente entre os aliados dos Estados Unidos e os da antiga União Soviética. O esporte ainda é utilizado nos dias de hoje como plataforma política para governos e Estados corruptos. Portanto se não tivermos cuidado podemos ao invés de complementar a educação, iremos reproduzir e reforçar todas as mazelas de nossa sociedade.

As críticas proferidas aos programas de educação pelo esporte geram um ambiente de desconforto entre aqueles que cultuam a falsa consciência de que o simples acesso à prática, por si só, garantirá uma formação cidadã às milhares crianças e jovens representantes das comunidades socialmente alijadas de sólidas e concretas experiências educacionais. Sem pretender descaracterizar o componente formativo do esporte, em sentido contrário, as vozes dissonantes e contrárias ao discurso alentado lançam a todo o momento, a seguinte questão: “Qual formação está em jogo?” (Neira, 2009).

Segundo Rubio et als. (1999), o trabalho do professor de Educação Física e do técnico esportivo vai além da simples orientação da prática esportiva. Ele busca orientar a criança para a vida, contribuindo por este meio, para questões mais amplas, auxiliando na construção da identidade do indivíduo praticante da atividade física e do esporte.

No contexto da educação, o esporte se insere a partir de uma nova concepção que parte do principio que este fenômeno e um método pedagógico, ou seja, um meio de desenvolvimento das diversas potencialidades humanas que supera a visão do aprender o esporte apenas enquanto técnica e instrumento de atividade corporal e se propõe a ser um fator de desenvolvimento integral da criança e do adolescente (Instituo Ayrton Senna, 2004).

Não podemos nos cansar em falar da Constituição Federal de 1988 que no seu artigo 217 consagra como direito de todo cidadão brasileiro a prática esportiva como dever de estado em fomentar as práticas formais e não formais. O esporte pode ser vivido de diversas formas principalmente por ser um fenômeno sociocultural plural (Silvestre 2007).

Para Silvestre e Marques (2007), a educação para formação integral, a educação para a cidadania e, conseqüentemente, a inclusão para a vida em sociedade, a participação deve ser o principio básico, o acesso à prática esportiva deve ser garantido como direito fundamental a todos conforme consta no Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA.

Segundo Delours (1996), numa altura em que os sistemas educativos formais tendem a privilegiar o acesso ao conhecimento, em detrimento de outras formas de aprendizagem, importa conceber a educação como um todo. Esta perspectiva deve, no futuro, inspirar e orientar as reformas educativas, tanto em nível da elaboração de programas como da definição de novas políticas pedagógicas.

Marques e Kuroda (2000), explicam que, o trabalho do educador social vai além da simples orientação da prática esportiva. Ele busca orientar o adolescente para a vida, contribuindo por este meio, para questões mais amplas, auxiliando na construção da identidade do indivíduo praticante da atividade física e do esporte.

Silvestre e Rubio (2009), afirmam que, será papel dos educadores sociais facilitar e mediar a troca de experiências nesses diversos níveis buscando um contato mais próximo com as questões que serão trabalhadas conjuntamente com o técnico de Educação Física para a partir daí, elaborar as atividades que objetivem ressaltar a integração, comunicação, cooperação, etc. Assim sendo, configura-se a importância de um profissional que possa contribuir na mediação das relações que a criança e o adolescente estabelecem com o outro e com o mundo, contribuindo na formação de indivíduos, não apenas em relação aos conhecimentos adquiridos, como também para a realização como ser humano, preparando-o para enfrentar os desafios impostos pela sociedade.

Para Delours (1996), em regra geral, o ensino formal orienta-se, essencialmente, se não exclusivamente, para o aprender a conhecer e, em menor escala, para o aprender a fazer. As duas outras aprendizagens dependem, a maior parte das vezes, de circunstâncias aleatórias quando não são tidas, de algum modo, como prolongamento natural das duas primeiras. Ora, a Comissão pensa que cada um dos “quatro pilares do conhecimento” deve ser objeto de atenção igual por parte do ensino estruturado, a fim de que a educação apareça como uma experiência global a levar a cabo ao longo de toda a vida, no plano cognitivo como no prático, para o indivíduo enquanto pessoa e membro da sociedade.

Os quatro pilares da educação são concebidos como territórios dos desenvolvimentos de potenciais, as quatro aprendizagens são integradas e precisam ser identificadas como experiências para a vida. O aprender a ser, aprender a conviver, aprender a conhecer e aprender a fazer. A noção de competências une o conhecimento aos valores, as atitudes e as habilidades, para concretizar as ações. Competências pessoais (aprender a ser), sociais (aprender a conviver), cognitivas (aprender a conhecer) e produtivas (aprender a fazer) são utilizadas como pontos de referência do trabalho dos educadores no momento de planejamento, execução e avaliação do trabalho (Instituto Ayrton Senna, 2004).

Marçal (2002) comenta que, o esporte educacional tem como objetivo principal o desenvolvimento humano, formar campeões não é o objetivo principal. Assim as contingências de reforço devem também selecionar a participação e não meramente a performance. De que maneira isto poderia ser feito? Seguem-se alguns exemplos: a) apresentando atividades em que não haja pontuação ou vencedores; b) não enaltecendo ou dando prêmios adicionais aos vencedores que, por sua vez, já foram reforçados com a vitória; c) reforçando diferencialmente o empenho dos alunos; d) ressaltando a participação destes ao final da aula; etc.

Se o caráter competitivo for constante, os alunos de baixo desempenho serão pouco reforçados e desistirão com maior facilidade. O fraco desempenho pode estar relacionado à inexperiência, a um fraco desenvolvimento motor, a comportamentos de esquiva (timidez, insegurança), etc. Exercícios que envolvam a aquisição ou aperfeiçoamento de habilidades individuais, de cooperação, de domínio corporal, relacionados a metas pessoais, entre outros, são algumas alternativas para o problema. Dar atenção aos menos desenvolvidos não significa esquecer os mais aptos, que devem continuar a serem reforçados naturalmente. Estes, assim como os superdotados em sala de aula, também precisam receber atividades compatíveis com o seu nível de desenvolvimento (Marçal, 2002).

PSICÓLOGO DO ESPORTE NO PROJETO SOCIAL

O papel do psicólogo do esporte no projeto social ainda carece de mais referências tanto práticas quanto acadêmicas, já que a maioria do conhecimento existente nessa ciência ainda é voltado para o alto rendimento.

A atuação do psicólogo do esporte é desprovida de reconhecimento pela própria Psicologia e Educação Física. O papel do psicólogo do esporte no contexto social é emergente.

A sociedade em geral mal conhece o trabalho do psicólogo fora do âmbito clinico. Numa comunidade sem recursos essa situação é ainda pior. O que faz um psicólogo aqui numa instituição que trabalha com esporte? Esse é um questionamento recorrente. Qual é o fazer profissional do psicólogo do esporte nessa condição?

Por essas e outras demandas que o psicólogo inserido nesse contexto, não pode se ater somente as questões que permeiam o esporte. Conhecer o ambiente de atuação é fundamental. Ter um olhar mais ampliado para questões que envolvem outras áreas e disciplinas é importante e muitas vezes essencial para conseguir obter bons resultados.

Partimos de uma compreensão sobre o papel do psicólogo como ator social que deve contribuir, enquanto mediador do processo de construção e produção do Conhecimento, estabelecendo espaços de troca com os educandos, buscando trilhar com eles caminhos pelos quais se percebam como sujeitos históricos capazes de (re) significar relações e investir em seu potencial humano, (re) construindo seus projetos de vida pessoal e social (Silvestre, Rubio, 2009.)

Para Marçal (2002), participações, entusiasmo, cooperação, simpatia, dedicação, esforço, etc, podem ser diferencialmente reforçados e o professor tem um papel relevante para que isto ocorra. A atenção deve ser direcionada, sempre que possível, a todos, e principalmente àqueles menos valorizados no grupo.

De acordo com Silvestre e Marques (2007), considera-se que o profissional da psicologia deve procurar re-significar sua prática com a educação e com o esporte, entendendo-os como vias de desenvolvimento de potenciais, considerando o esporte como eixo articulador de ações educativas já que as práticas não se restringem ao lazer, a um chamariz motivacional ou a formação de atletas, mas engloba o conhecimento e a vivência desses e de outros aspectos, bem como a sua relação com aspectos da vida cotidiana.

Segundo Elenor Kunz (1994 in: Neira, 2009), se nosso intuito é formar cidadãos, temos por obrigação, no ambiente educativo, transformar o fenômeno social do esporte numa atividade de interesse real a todos os participantes, devendo ser compreendido não somente na sua visão objetiva como também na subjetiva. Isso significa ter a capacidade de saber se colocar na situação de outros participantes; ser capaz de visualizar componentes sociais que influenciam todas as ações socioculturais no campo esportivo; saber questionar o verdadeiro sentido do esporte e, por intermédio do esporte e, por intermédio dessa visão crítica, modificar o seu fazer tradicional.

Reforçar a participação evita a dependência do êxito como reforçador. Reforçar a cooperação entre os alunos significa criar um ambiente agradável em que o reforço social possa prevalecer em relação à punição social. Críticas deboches são punidores sociais muito freqüentes em ambientes infanto juvenis, tornando-os facilmente aversivos e contribuindo para os comportamentos de fuga e esquiva da prática esportiva. Quanto mais cooperativo for o grupo, mais reforços sociais estarão presentes (Marçal, 2002).

Deparo-me com pais que possuem uma expectativa irreal com relação ao futuro de seus filhos praticando uma modalidade como o rúgbi. A cultura da escolinha de futebol e da formação de talentos esportivos é muito presente. Os pais associam o futuro de seus filhos à carreira de atletas que irão conquistar fama, dinheiro, prestígio e conseqüentemente propiciar uma vida mais confortável a sua família. Torna-se, portanto, difícil compreender que o papel principal de projetos que envolvem o esporte como meio para a educação não é produzir novos talentos e sim auxiliar no desenvolvimento humano. Existirão sempre talentos naturais que surgirão espontaneamente. Não permitir o acesso seria injusto com a pessoa que possui habilidade na modalidade, é uma maneira de exclusão e de punição ao habilidoso. O acesso ao esporte de rendimento pode ser um facilitador de ascensão social, mas tem de ficar claro que ele não é para todos e não é garantia de sucesso.

Se pensarmos na America Latina nos países emergentes temos um nicho de mercado e de atuação a ser explorado pelo do psicólogo do esporte.

Carências em políticas públicas são recorrentes e comuns em países em desenvolvimento. Nesse sentido o papel do terceiro setor e as leis de incentivo ao esporte pode ser um instrumento facilitador para inserção e financiamento de projetos sociais em bairros, cidades e regiões com pouco recurso e pouco acesso a atividade física e esportiva.

 

Considerações finais

Nenhuma modalidade esportiva sozinha consegue se sustentar numa comunidade carente. Será necessário integrar outros agentes sociais, a escola, a comunidade, outras organizações e a família. É um trabalho extremamente complexo e difícil de articular, por vários aspectos. A escola não está preparada para uma demanda externa de outra instituição, por mais simples que seja. Infelizmente a escola pública (e às vezes até as particulares) não consegue dar conta da educação formal propriamente dita, por uma série de razões históricas e políticas entre elas a falta de investimento adequado. Conhecer a comunidade e o público alvo do projeto é fundamental. Verificar se existe demanda para a aplicação e desenvolvimento dessa iniciativa à longo prazo. É importante procurar estabelecer parcerias com organizações já existentes na região em que se encontra a comunidade, isso facilitará as intervenções. Criar vínculos com as famílias e conhecer minimamente a história de vida de seus alunos é essencial para se obter resultados consistentes e duradouros.

O Rúgbi ainda é desconhecido no país e é uma modalidade “elitista”. Será que em pleno século XXI ainda deva existir acesso as práticas esportivas para as pessoas mais favorecidas e outras para as desfavorecidas? Porque esses mundos devem ser dicotomizados? Será que não há aprendizagem com as diferenças? Será que o Morumbi não pode aprender com Paraisópolis e Paraisópolis não pode aprender com o Morumbi?

É importante mostrar que existem sim mundos diferentes, para que possamos exercer a tolerância, o respeito, a convivência com a diversidade e a inclusão entre pessoas de origens distintas. Propiciar uma resolução pacifica de conflitos que possam surgir com esse choque de culturas é uma tarefa que possibilita diminuição de preconceitos e estereótipos.

O jogo de Rúgbi e a vida numa comunidade carente têm semelhanças. No jogo e na vida é possível desenvolver a Resiliência. O jogo é viril é duro, é um esporte de contato, mesmo assim o jogador continua sua jornada, se adapta a ela. Morar numa comunidade carente é viver com inúmeras dificuldades e muitos resistem, sobrevivem. Os dois podem ser bem administrados, o jogo deve ser leal, seguro, se for praticado com as regras corretas. A vida na comunidade pobre tem suas grandes carências, mas pode ser transformada pelos seus agentes, por seus indivíduos.

Modalidades esportivas em geral têm condições de auxiliar o desenvolvimento humano. Para isso, necessitam se adaptar ao contexto em que poderão ser inseridos e necessitarão compreender as demandas da comunidade, dialogar com outras áreas do conhecimento e com outros agentes sociais.

Publicações futuras nesse campo são extremamente importantes para o desenvolvimento e divulgação da atuação profissional, inclusive de diferentes disciplinas.

 

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Sobre o autor

Rodrigo Scialfa Falcão
Grupo de Estudos Olímpicos – EEFEUSP