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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. v.1 n.1 Juiz de Fora jun. 2007

 

RELATOS DE PESQUISA

 

Depressão puerperal e interação mãe-bebê: um estudo piloto

 

Puerperal depression and mother-infant interactions: a pilot study

 

 

Sofia Helena Amarante da Silva RamosI ; Erikson Felipe FurtadoII, *

I Universidade de São Paulo
II Núcleo de Pesquisa em Psiquiatria Clínica e Psicopatologia

 

 


RESUMO

Com o objetivo de comparar perfis de interação mãe-bebê entre mães deprimidas e não deprimidas no terceiro mês do pós-parto, 22 puérperas usuárias passaram por uma entrevista para avaliação de variáveis sóciodemográficas e responderam à Escala de Edimburgo, para detecção de depressão pós-parto, e à Escala de Avaliação da Interação Mãe-Bebê (técnica mista de entrevista e observação). Observou-se que as mães com depressão pós-parto obtiveram pontuação geral significativamente menor na Escala de Avaliação da Interação Mãe-Bebê, se comparadas com as mães não deprimidas. Diferenças significativas entre os dois grupos apareceram em relação à comunicação pós-parto, ao estilo da interação e ao envolvimento afetivo com o bebê. Não houve diferença significativa quanto à comunicação pré-natal e expectativas sobre o bebê, sugerindo que a depressão puerperal possivelmente concentrou seus efeitos prejudiciais sobre a interação mãe-bebê no período do pós-parto.

Palavras-chave: Depressão puerperal, Interação mãe-bebê.


ABSTRACT

With the objective of comparing mother-baby interaction profiles among depressed and non-depressed mothers three months after birth. Twenty-two mothers that attended a clinic were submitted to an interview that evaluate socio-demographic variables and answered the Edinburgh Scale for the detection of pos-natal depression and the Evaluation of Mother-baby Interaction Scale (interview and observation mix technique). It was observed that mothers with pos-natal depression have significantly lower scores on the Evaluation of Mother-baby Interaction Scale when compared to non-depressed mothers. Significant differences between groups were found related to pos-natal communication, type of interaction and emotional attachment to the baby. There were no significant differences in pre-natal communication and expectations about the baby, which suggests that pos-natal depression concentrates its prejudicial effects on mother-baby interaction in the pos-natal period.

Keywords: Pos-natal depression, Mother-baby interaction.


 

 

A depressão puerperal

Psicopatologias puerperais são os transtornos psiquiátricos incidentes na mãe no período do pós-parto. Assumem variadas formas, em que se destacam a depressão puerperal, a psicose puerperal, os transtornos na ligação mãe-bebê, o abuso infantil, infanticídio, dentre outros (Brockington, 1996). A incidência da depressão puerperal relatada na literatura especializada é elevada entre as puérperas, chegando ao percentual de 10 a 15%. Seu início pode ocorrer da segunda semana até o terceiro ou quarto mês do pós-parto; em geral dura de seis meses a um ano (Hendrick & Altshuler, 1999; Parry, 1995). Os sintomas da depressão puerperal são característicos do humor disfórico como tristeza, ansiedade, irritabilidade ou tensão; há auto-reprovação e pessimismo, às vezes com ideação suicida; ocorre perda de vitalidade, a ponto de haver auto-negligência e abandono de papéis e funções cotidianas (Brockington, 1996). Apesar das semelhanças de apresentação clínica, pode-se argumentar que a depressão puerperal é um fenômeno único deste período, já que envolve sempre efeitos sobre a díade mãe-bebê.

A depressão puerperal tem motivado diversas pesquisas ora para a detecção das variáveis de risco para seu aparecimento (Cutrona & Troutman, 1986), ora das conseqüências provenientes deste quadro para o desenvolvimento psicossocial da criança (Tronick & Weinberg, 1997; Steer et alli, 1991), numa perspectiva multifatorial. Dentre as variáveis de risco para o aparecimento da depressão pós-parto relatadas na literatura especializada estão as individuais e as psicossociais. As individuais relacionam-se à ocorrência prévia de episódios depressivos com a mãe, à história psiquiátrica familiar (Brockington, 1996), às características estruturais e funcionais da personalidade da puérpera, ao seu estilo de enfrentamento (coping) e às variáveis ligadas a dificuldades na gestação. Já as variáveis psicossociais relacionam-se com os eventos adversos no período pré e pós-parto, com o prejuízo na relação conjugal e a ausência de apoio social, incluindo o familiar (Brockington, 1996). O presente estudo focaliza as conseqüências para o funcionamento psicossocial da criança.

 

A interação mãe-bebê

Berndt (1997) aponta a ênfase de alguns pesquisadores no caráter de sobrevivência e segurança ligadas à formação vincular mãe-bebê e seus respectivos comportamentos de apego. Esse vínculo emocional íntimo estaria relacionado tanto com as necessidades fisiológicas quanto com as necessidades de proteção e conforto do bebê pela mãe, pois esta passaria a ser a base segura a partir da qual o bebê poderia explorar o ambiente sem correr perigo.

Outros autores oferecem modelos para o entendimento da complexidade da interação mãe e bebê. A partir de experiências experimentais, como copingde bebês diante de situações problemáticas e comunicação pré-verbal precoce entre bebês e seus cuidadores e experiências clínicas independentes, Papousek (1997) defende que o que distingue a mãe humana de outros mamíferos é sua capacidade de pensamento simbólico e comunicação. Esta a faz apoiar o desenvolvimento de capacidades simbólicas em seu filho, guiando-o em direção à aquisição da linguagem e cultura humanas. Para isso a mãe utilizaria padrões intuitivos de comportamento (que escapam à consciência), ou seja, mecanismos de adaptação selecionados evolutivamente que orientam a ação em direção à aprendizagem do filho, como estar alerta ao nível de aprendizado em que ele se encontra para recompensar os passos corretos com expressões de afeto que tornem a aprendizagem significativa. Outro exemplo seria a tendência universal da mãe em exibir comportamentos repetitivos e estereotipados na comunicação dirigida ao bebê durante os primeiros meses de vida, já que o bebê está constrangido em suas capacidades cognitivas nessa fase e necessita de muitas tentativas para aprender. Furtado (2003), em um artigo que relaciona os distúrbios de comunicação e a ocorrência de psicopatologia na infância, relaciona a aquisição da competência comunicativa dos lactentes a dois fatores principais: a filogenia e a socialização. Neste ponto destaca a interação com a mãe como fundamental neste processo, uma vez que postula a existência de um apetite, de um desejo do bebê direcionado para as expressões vocais humanas, especialmente das vocalizações maternas. Discute aspectos do desenvolvimento pré-lingüístico dos lactentes para a aquisição da competência comunicativa do bebê, possibilitadora da socialização e interação com seu cuidador. A comunicação mãe-bebê tem papel decisivo na formação vincular da díade, pois é um intercâmbio não somente de informações que guiam à aquisição da linguagem verbal, mas também dos sinais afetivos. Assim, a aquisição da competência comunicativa é de vital importância para a sobrevivência do bebê, tendo como incumbência evolutiva obter, manter e assegurar a atenção das pessoas cuidadoras.

Um modelo que trata do processo de funcionamento cognitivo e emocional infantil dentro da interação mãe-criança foi chamado por Tronick (1997) de regulação mútua. Este modelo foi baseado em um estudo realizado a partir de análises de interações normais e perturbações experimentais no paradigma “Face-to-face” (observação da interação face a face). O sucesso ou fracasso na construção da regulação mútua (RM) dependeria de três processos críticos: 1) a integridade e a capacidade dos sistemas fisiológicos da criança e de seu sistema nervoso central na organização e controle dos estados fisiológicos e comportamentos; 2) a integridade do sistema comunicativo da criança incluindo os centros do sistema nervoso central que controlam e geram mensagens e significados e o sistema motor que faz com que a mensagem se manifeste; e 3) a capacidade de quem cuida da criança em decodificar apropriadamente suas mensagens e sua prontidão para tomar a atitude mais apropriada.

A partir disso, Tronick (1997) chama a atenção para a importância da comunicação para a interação da díade mãe-bebê: “as crianças só podem criar significados em colaboração com outros. Quando a criança realiza a comunicação com sucesso com quem cria estados diádicos de consciência, o desenvolvimento normal ocorre” (Tronick & Weinberg, 1997, p. 55). O mesmo autor considera uma interação normal com erros e reparações constantes, tanto do lado da mãe como do bebê.

 

Métodos de avaliação da interação mãe-bebê

A avaliação da interação mãe-bebê requer diferentes modalidades de investigação, pois os comportamentos que a integram necessitam estar intercorrelacionados a fim de evitar ambigüidades e inferências simplistas.

Entre os métodos empregados encontram-se questionários auto-aplicáveis de investigação da relação mãe-bebê, entrevistas estruturadas e outras escalas de estado mental (em que os sintomas só são considerados com as palavras do entrevistado). O foco destas avaliações é normalmente o passado recente da relação mãe-bebê, sendo o comportamento atual observado restrito ao ambiente da entrevista. Observações estruturadas no lar e os métodos de observação de Ainsworth focalizam a qualidade da interação com gravações narrativas a partir de anotações dos comportamentos materno e infantil, assim como aspectos da própria interação durante visitas.

Observações de vídeo e áudio sobre a interação mãe-bebê têm como foco o comportamento da mãe e da criança, como suas vocalizações em atividades do dia-a-dia. Possibilitam medidas precisas sobre as interações verbais e não-verbais, o discurso, expressão facial, atenção, postura, contato e sincronização, apesar do ambiente artificial em alguns casos. Esses métodos têm sido utilizados principalmente no estudo de interações normais (Brockington, 1996).

 

Depressão puerperal e avaliação da interação mãe-bebê

Estudos controlados sobre as conseqüências da depressão puerperal para os bebês apontam que os neonatos de mães deprimidas apresentam menor orientação e menor sensibilidade aos sinais maternos; as crianças mais velhas, déficits de atenção e desenvolvimento cognitivo prejudicado, além de se concentrarem menos nas atividades de brinquedo (Field, 1998). Papousek (1997) aponta que as falhas na comunicação entre a mãe e o bebê, comuns na depressão pós-parto, podem levar a choro excessivo da criança e mais tarde comprometeriam a regulação intuitiva da mãe dos comportamentos de aprendizagem da criança. Esse autor ainda demonstra uma correlação significativa entre depressão materna, duração do choro, insatisfação conjugal e temperamento difícil do bebê. Para Tronick (1997), a depressão materna romperia o processo regulatório mútuo, já que a mãe é o componente externo do sistema regulatório do bebê e deixaria de regular seus estados fisiológicos e emocionais. Isso constituiria uma quebra na intersubjetividade, trazida pelo efeito da depressão sobre os afetos e a reatividade maternais. “A depressão compromete a capacidade da mãe e eventualmente da díade para regular mutuamente a interação” (Tronick & Weinberg, 1997, p. 66). Assim, estes bebês de mães deprimidas tenderiam a desenvolver comportamentos auto-regulatórios, portanto tornando-os defensivos contra situações posteriores não necessariamente negativas afetivamente, e comprometendo o vínculo e as trocas destes bebês com o ambiente. Isso poderia afetar o estabelecimento de relações posteriores, já que a criança aprendera a expandir a complexidade de seus estados de consciência estabelecendo estados intersubjetivos com padrões depressivos de consciência primeiramente estabelecidos com a mãe. Como este autor considera uma interação normal com erros e reparações constantes, tanto do lado da mãe como do bebê, a depressão puerperal, neste caso, afetaria esta capacidade reparatória da mãe na interação. Tais falhas na reparação de erros comunicativos, presentes na depressão, induziriam a criança a experienciar afetos negativos. Para ele, a não reatividade da mãe desregula a criança e dificulta o alcance de seus objetivos de interagir socialmente e explorar objetos, podendo levar posteriormente à raiva, além de um senso de desamparo e desconfiança.

Estudos controlados já demonstraram que mães deprimidas no pós-parto e seus bebês revelam uma qualidade de interação reduzida se comparados aos pares controle (Steer et alli, 1991; Cox et alli, 1987). Em um estudo realizado em mães com depressão pós-parto, avaliadas, junto com suas crianças, dezenove meses após o parto, observou-se que as crianças mostraram menos troca de afeto, menos concentração e mais respostas negativas, quando comparadas às crianças do grupo controle com mães não deprimidas (Steer, Bond, Day & Cooper, 1991). No geral, mães deprimidas são menos reativas a suas crianças e menos capazes de sustentar uma interação social (Brockington, 1996).

Para Brockington (1996), a depressão puerperal é um dos fatores que provoca transtornos na ligação mãe-bebê, prejudicando a interação, podendo, contudo, ser algumas vezes o transtorno na ligação mãe-bebê o fator que favorece a ocorrência de depressão na mãe. Quando a mãe não consegue oferecer respostas suficientes para atender às demandas do seu bebê, ela pode experienciar reações de ansiedade, depressão e vergonha. Embora geralmente, nas pesquisas que relacionam a depressão pós-parto e o desenvolvimento do bebê, o foco seja o impacto da desordem de humor da mãe sobre os bebês, é importante ressaltar que algumas características do bebê, como temperamento e comportamentos difíceis, têm repercussões no funcionamento parental, levando a sentimentos de desamparo e depressão nos pais (Murray et alli, 1996), podendo estar associado à ocorrência de depressão pós-parto.

 

Objetivos do estudo

A relevância do tema justifica-se pelo impacto da depressão puerperal tanto para a saúde física e psicológica da mãe quanto para o desenvolvimento psicossocial dos bebês. O presente estudo teve como objetivo a avaliação e comparação dos perfis de interação mãe-bebê entre mães com depressão no pós-parto e mães que não apresentavam esta condição, numa população específica de Ribeirão Preto.

Métodos

Sujeitos

A amostra do estudo foi constituída por 22 mães no puerpério, sem limites de idade e sem restrições quanto a condições clínicas ou sócio-demográficas. As puérperas foram recrutadas junto ao Serviço de Puericultura do Centro Comunitário de Saúde da Vila Lobato (ligado ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP). Os critérios de inclusão foram aceitação e assinatura do Termo de Consentimento e participação no estudo no terceiro mês do pós-parto.

Materiais e procedimentos

Algumas explicações sobre a pesquisa eram fornecidas às mães antes da aplicação dos instrumentos, além da assinatura de Termo de Consentimento. Uma entrevista de variáveis sociodemográficas era aplicada então com a mãe; em seguida a mesma preenchia a Escala de Edimburgo, instrumento para avaliação de sintomas depressivos no pós-parto, composta por 10 afirmativas, com quatro alternativas de respostas para cada, cuja pontuação varia de 0 a 4 pontos. O ponto de corte para depressão nesta escala é de 12 ou mais pontos. A escolha desta escala justificou-se por não incluir itens como perda de peso, cansaço, comuns no período do pós-parto e pertinentes a outras escalas para avaliação da depressão, como, por exemplo, o BDI (Cutrona & Troutman, 1986). Em seguida era aplicada a Escala de avaliação da interação mãe-bebê por entrevistadores cegos quanto à condição de depressão das mães, para evitar vieses de julgamento nesta escala, muito embora se saiba que profissionais da área de Saúde Mental não sejam totalmente isentos de suas avaliações clínicas prévias a partir da observação. A forma atual da Escala de avaliação da interação mãe-bebê inclui duas partes distintas. A primeira parte é uma entrevista semi-estruturada composta de quatro blocos (denominados de A, B, C e D), cada qual referente a uma diferente área da interação: “Comunicação pré-natal”, “Expectativas sobre o bebê”, “Comunicação e interação pós-parto” e “Estilo da interação (atividades lúdicas, disciplina)”. Os quatro blocos constituem-se de perguntas gerais e específicas sobre a interação, que norteiam o entrevistador nos julgamentos das subescalas presentes no final de cada bloco. Cada subescala possui de dois a quatro itens, julgados numa escala de 1 a 5, como percepção e comunicação com o bebê no pré-parto, planejamento, prontidão para a comunicação e contato físico etc. No final de todos os blocos, é necessário julgar quatro itens referentes às atitudes da mãe no momento da entrevista (denominou-se de bloco E). A pontuação máxima total possível nesta escala é de 80 pontos. A segunda é um inventário auto-aplicável com 35 afirmativas sobre as expectativas positivas e negativas no pré-parto e contexto da interação, prevendo respostas na forma SIM/NÃO. O tempo médio de aplicação da escala durante a fase de coleta foi de 45 minutos, totalizando, com os outros instrumentos, um tempo de uma hora e quinze para cada mãe, em média.

 

Aspectos éticos

As mães, assim como seus cônjuges (ou seus responsáveis, caso fossem menores de idade ou tivessem algum prejuízo de sua autodeterminação), foram consultadas e informadas sobre a pesquisa. Foram selecionadas aquelas que concordaram em participar, expresso através da assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, redigido conforme os princípios da Resolução n° 196/96 sobre pesquisa envolvendo seres humanos - Ministério da Saúde - Conselho Nacional de Saúde. O pesquisador-responsável e seus colaboradores declararam-se comprometidos a cumprir e zelar pelo cumprimento dos direitos dos sujeitos da pesquisa, garantindo a estes a privacidade e sigilo dos seus dados pessoais, o direito à informação continuada sobre o estudo, o encaminhamento para auxílio de saúde quando fosse necessário, a garantia do direito de indenização por dano relacionado à pesquisa, como é previsto em lei (embora, pela natureza do estudo, sendo esta de baixo risco de dano, a probabilidade de dano fosse quase nula). Todos estes procedimentos éticos foram realizados no estudo, incluindo o encaminhamento dos casos clínicos de depressão pós-parto para o Serviço de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.

 

Resultados

Caracterização sociodemográfica da amostra

Do total de mães: a) 79,2% eram casadas; b) 70,8% tinham pelo menos até o Ensino Fundamental; c) 57,9% eram do lar; d) 73,3% possuíam renda familiar de até cinco salários mínimos; e e) 56,2% eram católicas.

As mães não apresentaram diferenças significativas entre os dois grupos quanto à idade (F=0,26; p=0,615), nem quanto ao número de filhos (F=1,35; p=0,257), sugerindo que nessa amostra essas variáveis não se mostraram associadas significativamente à ocorrência de depressão puerperal, apontando uma amostra homogênea, ou seja, com características semelhantes entre os dois grupos, à exceção da variável depressão.

Resultados - Escala de Edimburgo

Nove mães (n=9) pontuaram para depressão, cuja média de pontos foi de 24,4. Treze mães (n=13) pontuaram dentro dos limites considerados normais, compondo o grupo controle, cuja média de pontos foi de 6,15.

Resultados - Escala de avaliação da interação mãe-bebê

A pontuação obtida na Escala de avaliação da interação mãe-bebê variou de um valor mínimo de 40 a um máximo de 67 pontos, com uma média de 53,9. Cálculos da correlação de Pearson mostraram que a subescala “Comunicação pré-natal” correlacionou significativamente com as subescalas “Expectativas sobre o bebê” (0,485; p=0,022), “Comunicação e interação pós-parto” (0,445; p= 0,038) e “Estilo da interação” (0,629; p=0,002). A subescala “Expectativas sobre o bebê” correlacionou com a subescala “Estilo da interação” (0,446; p=0,037), que por sua vez correlacionou significativamente com a subescala “Comunicação e interação pós-parto” (0,622; p=0,002).

A Escala de Edimburgo correlacionou inversamente, e significativamente, com o escore total da Escala de avaliação da interação mãe-bebê (-0,52; p=0.013), com os escores totais das subescalas “Comunicação e Interação pós-parto” (C) (-0,458; p=0,032) e “Estilo da Interação” (D) (- 0,552; p=0,008). As pontuações das mães na Escala de Edimburgo correlacionaram inversamente com todas as pontuações dos subitens da subescala “Avaliação da mãe no momento da entrevista” (E). No entanto, o único dado que apresentou correlação inversa significativa com a variável depressão foi o subitem “Envolvimento afetivo com o bebê” da subescala “Avaliação da Mãe no momento da entrevista” (E), da Escala de interação mãe-bebê (-0,62; p=0.002). Em outras palavras, quanto maior o nível de depressão, menor foi a pontuação nas subescalas “Comunicação pós-parto”, “Estilo da interação”, no subitem “Envolvimento afetivo com o bebê” e no total (ver Tabela 1).

 

 

As médias, desvios-padrão e os índices estatísticos referentes aos cálculos de análise de variância dos dois grupos de mães quanto à avaliação global da Escala e quanto aos escores parciais das subescalas “Comunicação pré-natal”, “Expectativas sobre o bebê”, “Comunicação e interação pós-parto”, “Estilo da interação” e do subitem “Envolvimento afetivo com o bebê” (da última subescala “Avaliação da mãe no momento da entrevista") encontram-se melhor visualizados na Tabela 2.

 

 

Os testes mostraram que houve diferença significante entre os dois grupos em relação ao escore total da Escala, reforçando a hipótese inicial de que as mães com sintomas depressivos pontuariam menos na escala de Avaliação da Interação do que as mães sem estes sintomas (ver Figura 1).

 

 

Em relação aos escores do bloco “Comunicação pré-natal” (A) e “Expectativas sobre o bebê” (B), não houve diferença significativa entre os dois grupos. Nos blocos “Comunicação e Interação pós-parto” (C) e “Estilo da interação” (D), houve diferença significativa entre os dois grupos (ver Tabela 2).

No último bloco, referente a características da mãe no momento da entrevista (E), especificamente no tocante ao envolvimento afetivo da mãe com o bebê, houve a maior diferença significativa entre os dois grupos até então encontrada nas análises (Tabela 2 e Figura 2).

 

 

Houve diferença significativa entre os dois grupos de mães quanto às expectativas positivas e quanto às expectativas negativas no pré-parto. As mães não deprimidas apresentaram pontuação média maior nas expectativas positivas do que as deprimidas (F=5,84; p=0.025), enquanto as deprimidas apresentaram mais expectativas negativas do que as não deprimidas (F=7,36; p=0.013).

Houve diferença significativa entre os grupos de mães com relação a uma questão referente a brincadeiras: “Só brinco com o bebê para distraí-lo quando ele chora” (F=15,61; p=0,001); em outras palavras, as mães deprimidas responderam significativamente mais vezes “Sim” à pergunta do que as mães não deprimidas.

 

Discussão

Os resultados obtidos no estudo trouxeram informações interessantes em relação às hipóteses iniciais, ou seja, de que a presença de sintomas depressivos no pós-parto estaria relacionada a prejuízos na interação da mãe com seu bebê, já que as mães com sintomas depressivos pontuaram significativamente menos na Escala de avaliação da interação mãe-bebê do que as mães do grupo controle. Os resultados do presente estudo chegaram a conclusões gerais semelhantes a de outros estudos, associando significativamente depressão pós-parto e redução da qualidade da interação mãe-bebê (Hart, Field & Delvalle, 1998; Steer et alli, 1991).

As pontuações fornecidas pelas diversas seções da Escala de avaliação da interação mãe-bebê mostraram resultados interessantes no que tange à coerência interna do instrumento, reforçando a confiabilidade do instrumento e incentivando uma posterior validação brasileira.

Os resultados de correlações inversas não significativas entre “Comunicação pré-natal”, “Expectativas sobre o bebê” e “nível de depressão” e a diferença não significativa entre os dois grupos de mães nestas áreas da interação sugerem que aspectos como “percepção do bebê no pré-parto” e “comunicação com o bebê no pré-parto” (itens do primeiro bloco supra-citado) não foram bons indicadores da diferença entre os grupos, possivelmente porque as mães não estivessem na vigência da depressão no período anterior ao parto. Num estudo posterior, talvez fosse interessante avaliar a condição clínica das mães no período anterior ao parto. No segundo bloco citado acima, itens como “presença de expectativas positivas no pré-parto”, “planejamento/preparativos para o bebê” e “preenchimento de expectativas no pós-parto” também não foram melhor avaliados no grupo das não deprimidas, e podem ser justificados pela observação de que estas subescalas também se referem ao inquérito de sentimentos e percepções do período antecedente ao parto, ainda não afetados pelos efeitos da depressão, ocorrida no pós-parto.

Na seção da Escala referente à comunicação e interação pós-parto, a diferença confiável entre os grupos mostrou que as mães com sintomas depressivos possuíam menos prontidão para a comunicação com o bebê, menor acurácia na percepção de seus bebês, avaliavam mais negativamente sua relação com eles etc. A reatividade das mães, que é um aspecto da comunicação que pode ser equiparado ao item “Prontidão para a comunicação com o bebê”, dessa subescala, foi avaliada como menor no grupo das deprimidas, o que está de acordo com as observações de Tronick (1997) de que a depressão afetaria a capacidade reparatória da mãe na interação, sobretudo na comunicação na díade. Já Papousek (1997) coloca que falhas na comunicação da díade podem levar a problemas sérios na interação, como rejeição e depressão materna, o que levanta a hipótese de que as dificuldades observadas na comunicação das díades no grupo das deprimidas possam estar associadas ao aparecimento e não apenas à conseqüência do quadro da depressão puerperal.

A menor pontuação das mães deprimidas na Comunicação pós-parto e Estilo da interação da Escala de avaliação da interação apontam para dificuldades vivenciadas por estas mães que podem ser explicadas pelos sintomas depressivos, que afetariam de várias maneiras a interação da mãe com o bebê: uma das possíveis seria o abalo nos sentimentos de auto-eficácia materna, que se relaciona ao julgamento da facilidade que a mãe esperaria ter para enfrentar situações novas ou difíceis (Cutrona & Troutman, 1986). Cuidar de um bebê bem como interagir com ele são atividades muito provavelmente influenciadas pelas crenças de auto-eficácia de uma mãe. Abalos na auto-eficácia parental seriam observados por indícios na entrevista com a mãe, como. por exemplo, o relato das dificuldades quanto aos cuidados com o bebê, quanto à avaliação de sua relação com ele etc. tal como ocorreu no presente estudo com as mães deprimidas. Considerando tudo isso, a depressão poderia afetar desfavoravelmente o comportamento da mãe em geral, seja prejudicando o vínculo emocional com o bebê ou dificultando a comunicação entre os dois. Os dados do bloco referentes ao estilo da interação mostraram diferença significante entre os dois grupos de mães, o que significa dizer que as mães deprimidas tinham menor contato físico com seus bebês, apresentavam repertório de comportamentos menos rico com eles e reagiam de modo mais inadequado ao choro do bebê, se comparadas ao grupo controle. O perfil interativo de menos contato físico com o bebê pode incluí-las no padrão de “indiferente”, uma das classificações de Tronick (1997) para diferentes estilos de interação de mães deprimidas com seus bebês (o outro descrito por ele é o padrão de “intrusividade”).

As pontuações no último bloco da Escala, acerca das impressões do entrevistador sobre a mãe no momento da entrevista, mostraram diferença significante entre os dois grupos de mães quanto ao envolvimento afetivo com o bebê, além de correlação inversa significativa entre este aspecto e o nível de depressão, tendo sido este o dado estatisticamente mais confiável da Escala. Então se pode inferir que de fato as mães deprimidas estavam menos envolvidas afetivamente com seus bebês do que as mães não deprimidas, indicando a distorção dos afetos da mãe no quadro puerperal, o que afetou, conseqüentemente, o direcionamento do afeto da mãe para o bebê. As conseqüências, segundo Tronick (1997), de falhas na reparação de erros comunicativos, presentes na depressão, seriam a indução na criança em experienciar afetos negativos. “A depressão materna rompe o processo regulatório mútuo e constitui uma quebra da intersubjetividade, produzindo efeitos sobre os afetos maternais e reatividade da mãe” (Tronick & Weinberg, 1997, p. 66). Para ele, a não reatividade da mãe desregula a criança e dificulta no alcance de seus objetivos de interagir socialmente e explorar objetos, podendo levar posteriormente à raiva, além de um senso de desamparo e desconfiança.

O menor envolvimento da mãe com seu bebê também pode ser explicado pelo próprio quadro sintomático da depressão, que inclui tristeza, perda de interesse, de energia e confiança em si, entre outros, que costumam estar acompanhados por dificuldades sociais e conjugais, estes últimos também relatados em associação à insatisfação da interação mãe-criança (Steer, Bond, Day & Cooper, 1991). Muito provavelmente essas condições afetaram as mães “deprimidas” no momento da entrevista.

A continuação de estudos dessa ordem é importante e necessária para o entendimento dos fatores intervenientes na depressão puerperal, não exatamente focalizados neste estudo, e para a compreensão dos efeitos de risco da depressão pós-parto sobre vários aspectos da vida da mãe e do bebê, como o desenvolvimento mental e social posterior da criança, a repercussão nas relações conjugais e familiares etc. Estudos dessa ordem são cruciais para o socorro do alto índice de mães que sofrem da depressão pós-parto (na literatura da área de 10 a 15%), em muitos casos negligenciadas por serviços médicos, e que acabam permanecendo, assim, sem o tratamento adequado.

 

 

Referências

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