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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. v.1 n.1 Juiz de Fora jun. 2007

 

RELATOS DE PESQUISA

 

Um estudo das crenças no que concerne ao consumo/tráfico de drogas enquanto causa da violência/agressividade

 

A study of the beliefs with respect to consumption/traffic of drugs while cause of the violence/aggressiveness

 

 

Lélio Moura Lourenço* ; Gabriel Resgala Silva; Thiago Pavin Rodrigues; Diego Pedrosa Carvalho

Universidade Federal de Juiz de Fora

 

 


RESUMO

Procurou-se investigar a manifestação de crenças sobre a relação entre consumo/tráfico de drogas e violência/agressividade, em indivíduos de duas realidades urbanas distintas: Juiz de Fora e Piau. Após análises estatísticas, considerou-se confirmada a hipótese de existência da crença no consumo/tráfico de drogas como causa da violência/agressividade, com peculiaridades. Da mesma forma, foi considerada confirmada a hipótese de que Piau apresentaria crenças mais fortes em relação aos pressupostos apresentados, também com peculiaridades.

Palavras-chave: Crenças, Violência, Drogas.


ABSTRACT

This paper aims at investigating the beliefs about the relationship between drugs consumption/traffic and violence/aggression behavior, among individuals from two different urban environments: Juiz de Fora and Piau. The cause-and-effect link between drugs consumption/traffic and violence/aggression behavior was considered statistically corroborate, thereby confirm our presupposition on the existence of such belief, with peculiarities. Also was considered corroborate the presupposition on the existence of more embebed belief in Piau, with peculiarities too.

Keywords: Belief, Violence, Drugs.


 

 

Aspectos das crenças e da violência/agressividade em Psicologia Social
O estudo das crenças

O estudo das crenças é bastante abordado e tem grande relevância na Psicologia Social. Sua análise torna-se especialmente importante pelo fato de se apresentarem como um dos agentes constituintes das atitudes humanas. As atitudes podem ser um estado de prontidão à ação ou mesmo a própria força motivadora à ação (Rodrigues, Assmar & Jablonski, 2002); conhecer as crenças sobre as causas da violência/agressividade torna-se essencial, portanto, caso se pretenda prever ou mesmo compreender as atitudes e comportamentos das pessoas, em especial os direcionados a objetos tomados como causadores de algo.

O psicólogo social brasileiro Helmuth R. Krüger, grande estudioso das crenças, define-as como “proposições que, na sua formulação mais simples, afirmam ou negam uma relação entre dois aspectos concretos ou abstratos ou entre um objeto e um possível atributo deste.” (Krüger, 1986, p. 32). Segundo Krüger (1995), as crenças seriam organizadas em sistemas ou conjuntos logicamente estruturados, sendo capazes de ativar motivações e, portanto, condutas sociais, influenciando por essa via processos coletivos.

O estudo das"crendices”, definidas por Cavalcanti e Cavalcanti (1992) como “produtos de uma irracionalidade, (...) crenças populares absolutamente sem fundamento, mas que se sustentam e se transmitem pela força do ‘todo mundo sabe’, ‘todo mundo acredita” (p. 311), costuma relacioná-las às crenças ideológicas, religiosas e sobrenaturais, assim como a crenças sobre sexualidade etc. Alimentadas pela irracionalidade do mito, terminariam por se transformar em certezas. Não é fácil, no entanto, diferenciar os conceitos de"crendice" e"crença"; em algumas circunstâncias, portanto, será utilizado o termo “mito”, empregado por alguns autores para caracterizar uma crença de difícil (ou impossível) comprovação - sobrenatural, por exemplo.

O que diferenciaria uma crença na validade de uma teoria científica e um mito seria, então, a comprovação de que esta crença apresentaria em meio a um consenso específico. Mas se pode argumentar que ambos constituem-se como crenças, visto a problemática epistemológica em torno mesmo da noção de “verdade”, a qual atravessa séculos de discussões filosóficas e parece estar longe de atingir um consenso; a própria noção atual de saber científico caracteriza-se por este ser cada vez mais passível de refutação. Acredita-se, no entanto, que, para que uma atitude de intervenção alcance resultados efetivos na realidade, seja preciso conhecer as crenças que a embasam e questionar-se sobre o que as impediria de serem comprovadas por outros sujeitos, de alcançarem a objetividade esperada.

Não se pretende, portanto, no presente estudo, estabelecer determinadas crenças como “verdadeiras” ou “falsas”, mas apenas ressaltar, com base nos diferentes tipos de crenças estudados pelos autores analisados, quais delas se constituiriam em meio ao pensamento do senso comum, em relação a uma possível causa da violência/agressividade.

 

A violência/agressividade

Buscar uma definição precisa dos conceitos de “violência” e “agressividade” é algo bastante problemático, não só em psicologia social, mas em toda a espécie de conhecimento. Em meio às visões analisadas, a diferença básica observada entre o termo “agressividade” e os diversos conceitos de “violência” é a de que esta, enquanto atitude, implica sempre um ato humano direcionado a outro ser humano, com todas as peculiaridades subjetivas de um comportamento social da espécie. Considerando, entretanto, a natureza psicossocial desta pesquisa e a importância de se levar em conta a noção dos conceitos apresentada pelo senso comum, que costuma confundi-los, optamos por trabalhar com o termo “violência/agressividade”. Para tal, será utilizada a definição apresentada por Merz (1965, apud Dorsch, Härcker & Stapf, 2001, p. 25) para “agressão”: “várias formas de comportamento”, seja ativo ou passivo, motor ou verbal, “que visam prejudicar direta ou indiretamente alguém”.

Há de se considerar, no entanto, que mesmo a postulação da intencionalidade como determinante fundamental da atitude violenta/agressiva costuma não apresentar consenso unânime. Pode-se dizer que toda essa problemática e a ampla variedade de definições para os conceitos de violência e agressividade resultam, em última análise, das muitas perspectivas teóricas que se propõem a explicar a sua origem nos seres humanos.

A teoria da aprendizagem social do neobehaviorista Albert Bandura (1973, apud Doron & Parot, 2001), por exemplo, aponta que os comportamentos violentos/agressivos são o resultado de aprendizagens por observação do comportamento dos outros. Já Lorenz (1964, apud Goldstein, 1983), numa perspectiva mais instintivista, postula que a agressão dos seres humanos resultaria basicamente de um instinto de luta herdado no processo de evolução por ter produzido importantes benefícios às espécies. Freud (apud Rodrigues et al, 2002), por sua vez, aponta para a noção de pulsão no ser humano; o homem, ao contrário dos animais, teria a capacidade de redirecionar sua energia impulsiva. Segundo este autor, a violência/agressividade deriva principalmente de uma poderosa pulsão de morte inata, inicialmente dirigida para a autodestruição, mas parcialmente reorientada em direção aos outros. A energia agressiva pode, contudo, ser canalizada para comportamentos não violentos, o que tornaria difícil uma comprovação da teoria psicanalítica (Goldstein, 1983).

Os neofreudianos, ao fazerem uma revisão do pensamento psicanalítico, conceberam a violência/agressividade como um processo mais racional, mais propenso ao controle. Erich Fromm (1981), neopsicanalista de orientação culturalista (considerado mesmo por alguns estudiosos um ambientalista, e não um instintivista), diferencia duas formas básicas de comportamento agressivo: uma benigna, que garantiria a sobrevivência do indivíduo e da espécie, e uma maligna, consistindo na tortura e na violência inútil, inconseqüente e sádica.

As teorias instintivistas ou impulsivas acabam por apresentarem-se, de modo geral, problemáticas em relação à noção de intencionalidade, sobretudo ao se considerar a “agressividade inconsciente”. Além disso, como Bandura, não explicam como a capacidade de agressão é implementada, e em que circunstâncias o indivíduo acaba por agir de forma agressiva (Rodrigues et al, 2002). Dollard e Miller (1939, apud Goldstein, 1983, p. 186), numa tentativa de superar essas dificuldades, sugeriram que a frustração (“interferência na ocorrência de uma resposta orientada para um objetivo...”) sempre leva a alguma forma de agressão, e a agressão sempre resulta da frustração. Berkowitz (apud Rodrigues et al, 2002) propôs uma reformulação dessa teoria na qual outros estados emocionais, como a raiva, também poderiam ter efeitos similares à frustração. Para este autor, a manifestação da ação agressiva depende de uma interação complexa entre propensões inatas, uma variedade de respostas inibidoras aprendidas e a natureza precisa da situação social. Quanto à intencionalidade, Berkowitz (1969, apud Dorsch et al, 2001, p. 25) aponta para a necessidade de distinção entre a agressão “hostil” ou “impulsiva”, que teria por objetivo básico causar danos à vítima a fim de satisfazer impulsos hostis, e a agressão “instrumental”, que consiste em utilizar um poder coercitivo para atingir um fim que não seja prejudicar a vítima em si, mas obter uma outra recompensa.

 

Crenças e violência/agressividade

Costuma-se trabalhar a temática violência/agressividade, por vezes, com base em hipóteses muito próximas à crendice, levando-se em consideração a pouca ou nenhuma “certeza” sobre o assunto. É bem verdade que já se pode chegar a algumas conclusões sobre o tema (Rodrigues et al, 2002); no entanto, mesmo essas conclusões costumam aparecer, no senso comum ou mesmo em estudos acadêmicos, revestidas de crenças e crendices, confirmando a forte presença da subjetividade. Raros são os estudos sobre a relação entre violência/agressividade e sistema de crenças, os quais poderiam responder aos porquês de existirem tais crenças. Serão apresentadas, então, algumas considerações a respeito das crenças ou crendices formuladas sobre uma variável freqüentemente apontada como causa de comportamento violento/agressivo: o consumo/tráfico de drogas.

 

Crenças, violência/agressividade e drogas

Considera-se “droga” como uma substância, ilegal ou não, utilizada com um objetivo, em geral não farmacêutico, de busca de prazer e evitação de dor física ou psicológica, acarretando tolerância e dependência (Doron & Parot, 2001, p. 257). Em um estudo sobre violência doméstica promovido pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID, Unifesp) (Noto, Fonseca, Silva & Galduròz, 2004), constatou-se que mais da metade dos casos de violência doméstica que ocorrem no Estado de São Paulo está associada ao uso de álcool. O estudo do CEBRID analisou também a associação entre comportamentos violentos e o uso de outros psicotrópicos que causam dependência, como cocaína, maconha e anfetaminas. Apenas 10% dos casos, entretanto, envolviam o consumo de outras drogas que não o álcool. Acredita-se, no entanto, que, mesmo que o consumo da droga em si não cause atitudes violentas/agressivas, a síndrome de abstinência de um dependente químico as causaria. A coordenadora da pesquisa, Ana Regina Noto, ressalta que essa questão apresenta-se, no entanto, mais complexa, envolvendo outros fatores (Noto et al, 2004).

Quanto à utilização específica do alucinógeno conhecido como maconha (canabinóide), sabe-se que pode produzir efeitos variados (Doron & Parot, 2001). Acredita-se que a apatia e a perda de motivação geradas pela droga acarretariam um efeito contrário a tomadas de atitude violentas ou agressivas; por outro lado, há as crenças de que os sintomas psicóticos provocados por alucinógenos podem motivar tais atitudes, em determinados contextos.

Enfim, a relação entre drogas e violência/agressividade é algo bastante complexo e polêmico, especialmente ao se considerar a variedade de substâncias existentes e os efeitos particulares diversos que acarretam aos usuários. Além disso, elas envolvem todo um aspecto social e cultural, podendo gerar violências/agressividades indiretas, como no caso das guerras relacionadas ao tráfico de substâncias ilícitas.

 

Metodologia

Objetivo/Hipótese

A partir da literatura apresentada, foi programada uma pesquisa com o objetivo de examinar e comparar as crenças dos moradores de duas realidades regionais no que diz respeito às causas mais prementes no desenvolvimento de atos e comportamentos violentos/agressivos. Lourenço (1998), numa pesquisa incluída em tese de doutorado, obteve respostas positivas em relação a estas crenças; nessa pesquisa pode-se ressaltar a imensa referência feita pelos respondentes em relação ao consumo/tráfico de drogas como causa objetiva ou subjetiva da violência. A partir deste estudo já realizado, foram consideradas algumas evidências de que essa hipótese se confirmaria em outras circunstâncias regionais e temporais; a proposta foi, então, replicá-lo em duas cidades da Zona da Mata Mineira: Piau e Juiz de Fora.

A presente pesquisa constituiu-se, portanto, como uma tentativa de se confirmarem as crenças (muitas vezes desenvolvidas como mitos ou crendices) na variável “consumo/tráfico de drogas”, como causa de atos/comportamentos violentos/agressivos. A primeira hipótese foi, então, de que essa premissa se confirmaria a partir das questões apresentadas no questionário; e pode-se considerar, de acordo com análises estatísticas feitas, que ela foi confirmada, com peculiaridades que serão devidamente analisadas.

Pressupôs-se, ainda, que as cidades pesquisadas representariam dois universos diferentes em termos de realidade urbana. Piau pode ser considerada uma pacata cidade do interior de Minas Gerais, com pouco mais de 3.100 habitantes (Censo 2000, apud PDMV, 2000), de vida socioeconômica basicamente rural, apresentando um menor nível de escolaridade, além de uma razoável dependência de serviços de Juiz de Fora, cidade vizinha, referência socioeconômica da região. Esta, por sua vez, possui uma população mais expressiva, com mais de 456 mil habitantes, segundo o Censo 2000 (apud PJF, 2004), vive uma constante invasão de seu território por parte de estudantes e profissionais de todas as regiões do país, o que formaria um laboratório de culturas regionais em poucos quilômetros quadrados. Este fenômeno se daria a partir da presença de uma Universidade Federal, além de várias Instituições de Ensino Superior particulares, somando mais de 20 mil graduandos, ao todo. A diferença no grau de instrução da população foi, inclusive, confirmada pelos dados das amostras obtidos na pesquisa.

Juiz de Fora estaria, assim, configurada numa outra realidade, com modos de viver e pensar mais próximos aos de um grande centro, se comparada a Piau. Pressupôs-se, então, que Piau, por suas características, deveria apresentar maiores possibilidades de desenvolver respostas que coadunassem com a primeira hipótese estabelecida de existência das crenças em questão; esta seria uma segunda hipótese do presente estudo a qual pode ser considerada como confirmada, de acordo com a análise das respostas obtidas.

Amostra

A presente pesquisa foi realizada em Juiz de Fora e Piau, cidades da Zona da Mata mineira, no período de novembro de 2003 a março de 2004. A amostra, constituída de 737 sujeitos, foi selecionada de forma aleatória, ou seja, a partir de indivíduos abordados nos bairros pesquisados que se dispuseram a responder ao questionário. Os pré-requisitos básicos foram ser alfabetizados, possuírem idade superior ou igual a 15 anos e residirem no bairro em questão. Foram pesquisados 640 sujeitos de bairros considerados representativos da cidade de Juiz de Fora: Alto dos Passos, Benfica, Bom Pastor, Cascatinha, Centro, Grama, São Mateus, São Pedro e Vila Ideal, com uma média de 71,44 sujeitos por bairro. A diferença no número de sujeitos pesquisados em cada bairro de Juiz de Fora não foi considerada estatisticamente significativa. Em Piau foram pesquisados 97 sujeitos de várias partes da cidade.

A amostra apresentou algumas diferenças significativas entre as duas cidades; segundo a análise dos indicadores sociodemográficos, os respondentes de Juiz de Fora diferem dos de Piau nos quesitos “idade” e “escolaridade”. A maior porcentagem das pessoas que participaram da pesquisa em Juiz de Fora (30,64%) está entre 21 a 30 anos, enquanto que em Piau a maioria (24,74%) está entre 31 a 40 anos de idade. Maior diferença foi observada, no entanto, no quesito “escolaridade”, em que a maior porcentagem dos respondentes de Juiz de Fora (28,62%) possui o diploma do Ensino Médio e 27,22% cursaram ou estão cursando o Ensino Superior, enquanto em Piau a maior porcentagem (27,84%) ainda não possui sequer o diploma do Ensino Fundamental e apenas 12,38% cursaram ou estão cursando o Ensino Superior. Essas diferenças são consideradas, contudo, como características representativas dos universos pesquisados. Esta questão será novamente abordada nas considerações finais. A variável “sexo”, por sua vez, não apresentou diferença estatisticamente significativa entre as duas cidades.

Instrumento

O presente estudo valeu-se de dados obtidos em um questionário objetivo, adaptado de Lourenço (1998), utilizado numa pesquisa que abrangia a falta de religião, o liberalismo sexual, o consumo/tráfico de drogas e a utilização de armas de fogo como objetos de crenças relativas às causas da violência/agressividade. Tal questionário incluía quatro questões referentes ao fator “crenças no consumo/tráfico de drogas como responsável por violência/agressividade” as quais apresentavam três possibilidades de resposta: “sim”, “não” e “não sei”, sendo que, para fins estatísticos, as respostas “não sei” foram desconsideradas na análise final dos resultados. Os enunciados das questões 1, 2, 3 e 4 eram, respectivamente, “O consumo de maconha faz com que o consumidor seja violento com todos os que se relacionam com ele no dia-a- dia”, “O consumo indiscriminado de droga gera muita agressividade em nossa sociedade”, “O tráfico/comercialização de drogas gera violência” e “O indivíduo que consome drogas é sempre alguém de mau caráter e agressivamente perigoso”.

Tal instrumento não apresentou ao respondente nenhuma definição prévia dos termos utilizados, e nenhuma explicação ou comentário foram feitos por parte do pesquisador; o entendimento de termos como “violência”, “agressividade” e “drogas” baseou-se, portanto, nos conceitos desenvolvidos por cada sujeito. As crenças subjetivas sobre cada aspecto apresentado (que podem se desenvolver de acordo com as discussões já estabelecidas ou manifestar-se de forma distinta) envolveram, portanto, não somente a resposta em si dada pelo sujeito, mas a própria percepção que este manifestou acerca do enunciado apresentado.

 

Resultados

Análise estatística dos dados

A análise estatística foi realizada utilizando-se o teste “qui-quadrado”, indicado para comparação de variáveis categóricas em amostras com mais de 30 sujeitos. Sendo o resultado da análise qui-quadrada, o qui calculado, maior que o qui tabelado de acordo com o nível de significância utilizado, que é de 95%, há diferença significativa entre as respostas. A Tabela 1 apresenta a freqüência, em porcentagem, das respostas de Juiz de Fora e Piau a cada item do questionário, bem como o resultado da análise qui-quadrada.

 

 

Discussão dos resultados

A partir da análise dos resultados acima expostos, podem-se inferir algumas conclusões, que serão abordadas a seguir; a margem de erro considerada foi de 4% para Juiz de Fora e 10% para Piau, no nível de confiança de 95%.

Pode-se considerar que a hipótese de crença no “consumo/tráfico de drogas como causa da violência/agressividade” foi confirmada em ambas as cidades. Contudo, o item “O indivíduo que consome drogas é sempre alguém de mal caráter e agressivamente perigoso” não foi convalidado em Juiz de Fora, havendo 73,50% de respostas negativas; e, em Piau, não houve diferença estatisticamente significativa entre as respostas “sim” (45,05%) e “não” (54,95%).

Comparando-se os resultados entre as duas cidades pesquisadas, observamos que em Piau as pessoas demonstraram crenças bem mais presentes que em Juiz de Fora em relação aos itens: “O consumo de maconha faz com que o consumidor seja violento com todos os que se relacionam com ele no dia-a-dia” (Piau: 82,80%; Juiz de Fora: 53,40% de respostas confirmativas); “O consumo indiscriminado de droga gera muita agressividade em nossa sociedade” (Piau: 96,88%; Juiz de Fora: 68,75% de respostas confirmativas); “O tráfico/comercialização de drogas gera violência” (Piau: 98,96%; Juiz de Fora: 90,17% de respostas confirmativas); e “O indivíduo que consome drogas é sempre alguém de mau caráter e agressivamente perigoso” (Piau: 45,05%; Juiz de Fora: 26,50% de respostas confirmativas). Conclui-se, portanto, que em Piau acredita-se mais que o consumo/tráfico de drogas é gerador de violência/agressividade que em Juiz de Fora, o que confirma a segunda hipótese apresentada.

 

Considerações finais

Faz-se necessário, por fim, tecer algumas considerações sobre o referido trabalho. A análise do consumo ou tráfico de drogas como causa da violência, é uma temática bastante polêmica dentro de estudos ligados às ciências sociais; no entanto, o estudo das crenças relativas às causas da violência/agressividade, tendo as drogas como pano de fundo, justifica-se pela originalidade. Essa temática já foi anteriormente estudada por Lourenço (1998), sendo que, a partir de uma nova realidade regional, este trabalho apresentou resultados significativamente próximos aos encontrados naquela oportunidade. Outro ponto a ser ressaltado em relação à comparação com o trabalho anterior é que o presente estudo apontou apenas para a variável “consumo/tráfico de drogas”, enquanto o estudo de 1998 apontava para três variáveis como possíveis causas da violência.

Em relação às já comentadas diferenças obtidas nas variáveis sociodemográficas (idade e escolaridade), pressupõe-se que são reflexos das populações envolvidas, visto que Piau depende social e economicamente de Juiz de Fora, inclusive em relação a instituições de Ensino Superior. É fato que boa parte dos jovens de cidades pequenas busque outros centros para estudar ou trabalhar, o que caracterizaria uma população mais velha em Piau, e que poucas pessoas possuam alto grau de instrução escolar, o que caracterizaria a baixa escolaridade. Portanto, essas diferenças não inviabilizam a validade dos resultados obtidos quanto às crenças mas, ao contrário, são consideradas representativas dos dois universos pesquisados.

Quanto ao considerável nível de subjetividade de alguns itens do questionário, cabe ressaltar que o objetivo da presente pesquisa foi de cunho fenomenológico, ou seja, o interesse maior foi descrever o fenômeno “crença” em relação a outro fenômeno, “violência/agressividade”. O interesse não foi, estritamente, o posicionamento do respondente em relação à sua escolha, por isso trabalhou-se com descrições sumárias, ou aproximadamente sumárias, diante da subjetividade encontrada.

Considera-se, no entanto, que, diante da subjetividade ainda presente no termo “crença” e da dificuldade de se definir “violência/agressividade”, o questionário apresentou alguma dificuldade em analisar certos aspectos presentes na pesquisa. Isso não inviabiliza uma análise da temática, mas abre uma nova vertente de trabalho, ou seja, encontrar um instrumento, em um futuro próximo, que possa “medir” com um pouco mais de precisão as “crenças”, principalmente no que concerne à violência/agressividade.

Levando-se em consideração os pontos ressaltados anteriormente, pode-se concluir que o presente trabalho confirmou as hipóteses apontadas como prioritárias e que o desenvolvimento de futuros trabalhos nesta área se faz necessário, não só pelas características regionais deste estudo, como também pela necessidade de se aprofundarem, em termos psicossociais, as possíveis correlações entre violência e crenças relativas às drogas.

 

 

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