SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.1 issue1Reliabilty analises between two types of punctuation of Cloze TechniqueEscolas para todos: caminhos para a inclusão author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Psicologia em Pesquisa

On-line version ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.1 no.1 Juiz de Fora June 2007

 

RELATOS DE PESQUISA

 

Máscaras e conflitos da representação social do idoso na cidade de Juiz de Fora

 

Masks and conflicts of social representation of elderly people in the city of Juiz de Fora

 

 

Neide Cordeiro de Magalhães

 

 


RESUMO

Analisamos nesta pesquisa a construção das representações sociais do idoso na sociedade de Juiz de Fora para entender a heterogeneidade de representações no processo de envelhecimento, na cidade, e por que este processo passou a ser considerado um problema social. Partimos dos conceitos de Representação Social em Moscovici e seus colaboradores e estudamos as representações do idoso que vive em asilo e daquele que participa dos programas para a terceira idade em Juiz de Fora. Buscamos nas memórias dos velhos, na reconstituição da história da cidade e na observação participante analisar as máscaras do poder e os conflitos presentes nas negociações para a ressignificação da longevidade nos diferentes grupos sociais.

Palavras-chave: Representação social, Idoso, Ressignificação, Cultura.


ABSTRACT

We analyzed in this research the aging social representations construction in Juiz de Fora society, in order to understand the representation heterogeneity in the aging process and why this process is marked such as social problem. We had begun to the Social Representation concept in Moscovici and his collaborators and we had studied the old-aged representation that has lived in asylum and the one who has participated in the third age programs in Juiz de Fora city. We had investigated in old-aged memories, in the reconstruction of the city history and we had used the share in observation to analyze the presence of power masks and the conflicts in the negotiations to the longevity re-signification in the distinct social groups.

Keywords: Social representation, Old-aged, Re-signification, Culture.


 

 

A população de 60 anos ou mais se apresenta, no início do século XXI, como um dos mais visíveis segmentos da sociedade brasileira, o que também ocorre em cidades como Juiz de Fora, onde vivem 11,93% deles, cifra que ultrapassa a média nacional de 8,56% . Uma cidade jovem, fundada na segunda metade do século XIX, e com uma população de jovens, correspondendo a mais de 50% do seu total, vem tentando redimensionar, na atualidade, seus espaços sociais para uma convivência intergeracional. Entretanto, o envelhecimento da população é um fenômeno mundial em decorrência do declínio acentuado e sistemático da fecundidade, ao mesmo tempo em que assistimos ao crescimento de nossa longevidade. Escolhemos estudar a cidade de Juiz de Fora, já que esta população vem crescendo em um ritmo bastante acelerado e apresenta características diferentes em Minas Gerais e no Brasil, mesmo acompanhando uma tendência histórica à urbanização. Mas, enquanto em Minas Gerais e no Brasil, esta tendência passa a se acentuar a partir da década de 1970, em que as duas populações, urbana e rural, correspondiam a um percentual de, respectivamente, 56% e 44% no Brasil, 53% e 47% em Minas Gerais, em Juiz de Fora já existia uma predominância populacional urbana diferenciada, pois esse percentuais na cidade eram de 92% e 8% no meio rural em 2000, de acordo com os dados do senso do IBGE. Assim também em termos comparativos com Minas Gerais e a capital Belo Horizonte, a transição demográfica de Juiz de Fora tem sido mais acentuada.

 

Transição demográfica de Juiz de Fora
Representações sociais e envelhecimento

Deste modo o crescimento da população idosa na cidade tem levado à reflexão de um aprofundamento sobre as experiências vividas por esta população. Precisamos conhecer as formas como homens e mulheres vivenciam suas velhices, como lidam com as dificuldades próprias das categorias históricas culturalmente produzidas, as representações sociais. Elas têm por função tornar algo não familiar em familiar (Moscovici, 1984a). As representações da velhice tomam como referência processos biológicos universais além de questões que nas sociedades ocidentais contemporâneas passaram a ser pensadas como problemas sociais, e abordam situações em torno das quais se institucionaliza um discurso científico especializado, a gerontologia.

Por outro lado, o imaginário social está pontuado de concepções adotadas pela mentalidade comum e por mitos populares sobre o processo de envelhecimento. À medida que envelhecemos desconhecemos nossos limites e potencialidades e criamos o mito de que velho é sempre o «outro». Deste modo, a velhice passa a ser algo que não se realiza para a maioria das pessoas e acabamos sem condições de representá-la em sua totalidade. Por isso as representações sociais, na análise de Jodelet (1989), implicam “formas de conhecimento, socialmente elaboradas e partilhadas, tendo uma visão prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”. Mesmo assim uma heterogeneidade de representações vem tentando dar conta da categoria que mais cresce no mundo inteiro. Embora a última fase do curso de vida seja delimitada por eventos de natureza múltipla, que incluem perdas psicomotoras, afastamento social, restrição em papéis sociais e especialização cognitiva, ela também apresenta ganhos, como maior tempo para o lazer, realizações de desejos adiados na juventude ou na idade adulta e até mesmo a descoberta de novas vocações, daí a heterogeneidade com que precisa ser tratada.

Néri (2001) mostra que conforme o ciclo vital se prolonga, a heterogeneidade em termos de gênero, classe social, saúde, educação, fatores de personalidade, história passada e contexto socio-histórico são importantes elementos que se mesclam com a idade cronológica. Deste modo vamos encontrar diferenças significativas nas representações sociais relacionadas ao curso de vida de idosos dos 60 aos 100 anos, já que hoje o curso de vida se transforma em espaços de experiências abertas, e não de passagens ritualizadas de uma etapa para outra. Esses espaços são na análise de Debert (1999a) “fases de transições, que tendem a ser interpretadas pelo indivíduo como crises de identidade, e o curso de vida é construído em termos de necessidades antecipadas de confrontar e resolver essas fases de crises”.

 

As máscaras do poder

São nesses espaços que as máscaras do poder político social se apressa em ordenar a experiência dos sujeitos, como a invenção da expressão - terceira idade, numa tentativa de representar aqueles com 60 anos ou mais, conciliando suas transições para a velhice propriamente dita, em virtude do aumento da expectativa de vida. Deste modo a reflexão sobre o envelhecimento se viu precedida pela necessidade de dar respostas ao que não era familiar em nossa sociedade, ou seja, a longevidade e o aumento da população idosa. As formas como a sociedade se apropria de diferentes representações sociais, sobre o processo de envelhecimento, mostram os conflitos que mascaram sentimentos e experiências daqueles que envelhecem. Ao analisar o conceito de representação social na teoria de Moscovici e apontar para a forma de inscrição de modalidades de conhecimento particular que circulam no dia-a-dia, Sá (1995) ressalta como a função da comunicação entre os indivíduos, cria informações e familiaridade com o estranho, em concordância com categorias de nossa cultura, por meio da ancoragem e da objetivação. Estes dois termos cunhados por Moscovici (1984b) são explicados como dois processos formadores das representações sociais. Ancorar é classificar e denominar “coisas que não são classificadas nem denominadas, são estranhas, não existentes e ao mesmo tempo ameaçadoras”. Enquanto a objetivação consiste em “descobrir a qualidade icônica de uma idéia ou ser impreciso, reproduzir um conceito em uma imagem”. Empreendemos esta pesquisa para elucidar como esses dois processos estão presentes nas representações sociais criadas como tentativas de dar conta da longevidade em nosso contexto histórico-cultural. Alguns autores, ao tentarem compreender o fenômeno do envelhecimento, questionam esses processos, como Loureiro (1998): “a velhice é vivenciada com certa estranheza, em uma alteridade absoluta, se impõe à revelia da vontade do sujeito”. Assim em Medrado (1996), “a representação social é, também, o resultado de um processo de socialização, passível, pois, de transformações no decorrer da vida do sujeito e da humanidade”. Para ambos a representação tem por função ancorar as vivências antigas nas atuais do sujeito que envelhece, possibilitando uma experiência de continuidade e coerência entre os vários processos da realidade social. Como nos revela Moscovici (1978), “a representação social é o pensar socializado sobre elementos da realidade, construindo esquemas compartilhados de compreensão social lógico da realidade, lógica como coerência interna de sua estrutura”. Uma lógica, diríamos, que pressupõe uma capacidade de síntese que o idoso precisa alcançar para ressignificar sua existência. Neste sentido, Castoriadis (1995) afirma que “a representação não tem fronteiras, e nenhuma separação que aí possamos introduzir jamais teria sua pertinência assegurada - ou antes teria sempre sua não-pertinência assegurada quanto a alguma relação essencial. O que aí existe remete ao que não existe ou o solicita”.

O fato é que, além de solicitarmos uma redefinição do conceito de velhice, precisamos entender como se processam e se afirmam as identidades dos idosos, já que sabemos muito pouco sobre como vivem e atuam em nossa sociedade, que estratégias utilizam para dar novos significados á sua vida e como estão lidando com os conflitos intergeracionais, ou até mesmo como o processo de envelhecimento afeta suas visões de mundo. A perda do vigor físico e o aumento da longevidade se tornaram mecanismos fundamentais de classificação e separação de outras classes de idade. Esses tipos de tensões e conflitos têm gerado, por parte das políticas de saúde, tentativas de criação de uma representação homogeneizadora dessa população, mesmo se tratando de uma sociedade plural, embora vários grupos e forças sociais distintas venham reagindo a essas iniciativas, assim como o aumento da população de mulheres mais velhas, de acordo com o que Berquó (1999) chama de “pirâmide de solidão e feminilização do envelhecimento”.

Entretanto, modificações nas representações sobre a aposentadoria e o envelhecimento rearticulam projetos de vida, trabalho e lazer de grupos de idosos em diferentes faixas etárias. Situadas no plano do vínculo social, as representações da velhice são construídas e articuladas em torno da diferença e da estranheza. A consciência do outro em sua alteridade, a consciência da diferença é um problema de proporções históricas e de contínua importância na vida de grupos e comunidades (Jovchelovitch, 1998). Deste modo, necessitamos compreender a positividade da alteridade que reside nos elementos fundantes da vida psíquica e social. Assim, precisamos pesquisar na direção das mudanças na esfera doméstica e dos cuidados informais com os mais velhos e como estes se reestruturam diante de políticas públicas específicas e das novas concepções e imagens do envelhecimento bem-sucedido.

 

Objetivos e proposta de análise do estudo

A presente investigação teve por objetivo examinar as transformações dos discursos sobre o idoso e do envelhecimento da população, em Juiz de Fora, e como esses trouxeram novas formas de representações desta etapa da vida, no início do século XXI. Nossa proposta foi a de analisar novos modelos de representação social, partindo dos próprios agentes que a constituem, ou seja, dos próprios idosos. Para tanto, queríamos observar as invenções de modos de referência ao velho em suas práticas sociais. Por isso, as representações sociais, na análise de Jodelet (1989), implicam “formas de conhecimento, socialmente elaboradas e partilhadas, tendo uma visão prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”. Procuramos aquelas invenções que nos permitiriam, ao mesmo tempo, elucidar um campo de representações e intervir efetivamente neste campo, tanto em seu interior como em suas relações com o exterior. Esta é uma variável que depende da capacidade dos profissionais envolvidos com os idosos em um trabalho de articulação e conhecimento dos dois campos mencionados, para não tornar a segrega-los em novos grupos dentro da mesma sociedade que os excluiu. Percorrer este caminho, em vista da pluralidade de formas de se viver a velhice em nossa sociedade, significa lançar uma nova luz sobre esta população.

As representações ajudam a articular novas inserções sociais; apontam os conflitos mas também os canais de solidariedade que possibilitam a reconstrução de novas identidades. Por fim, queremos questionar em que medida a construção ou reconstrução social de novas representações tem possibilitado minimizar os efeitos produzidos pela percepção da velhice como um problema social. Assim, estaremos levantando outras questões e contribuindo para o debate científico sobre como intensificar as políticas públicas, em nossa cidade, para esta população.

 

Metodologia

Procedimento

Para procedermos ao estudo das representações sociais decidimos ouvir os próprios idosos tentando entender como eles mesmos percebem seus conflitos existenciais, como tecem as representações a respeito de si próprios e como estas são apresentadas nos seus contextos familiares e sociais. Desse modo, nossa pesquisa tomou por base os relatos orais com o objetivo de conhecer trajetórias de vida e reconstituir histórias dos grupos sociais formadores da cidade de Juiz de Fora, para entendermos como novas representações sociais têm ajudado a ressignificar as existências da população que envelhece. Baseamo-nos em relatos de idosos que vivem em asilos e daqueles que fazem parte de diferentes programas da terceira idade na cidade de Juiz de Fora, para, através deles, reconstruir suas representações sociais. Comparamos estas representações com as que os profissionais, voluntários e contratados das mesmas instituições e programas têm sobre os idosos.

Amostra

Primeiramente, buscamos as instituições da cidade de Juiz de Fora que abrigam idosos que vivem sozinhos, longe de suas famílias. Selecionamos 4 instituições com características diferentes. Uma que abriga 160 idosos de ambos os sexos e de orientação espiritualista. Nesta instituição, ouvimos dois grupos de idosos ativos de 12 participantes cada, formados por homens e mulheres. O segundo asilo selecionado é o mais antigo da cidade, que abriga 132 idosos de ambos os sexos. Trata-se de uma instituição filantrópica gerida por uma sociedade beneficente. Os idosos desta instituição são, em maior número, dependentes de cuidadores e menos ativos. Assim mesmo, conseguimos selecionar dois grupos de 12 participantes, homens e mulheres. A terceira instituição só abriga 32 mulheres, algumas ativas e outras dependentes dirigidas por Irmãs Vicentinas da Irmandade de São Vicente de Paula, com um grupo de 12 mulheres participando da pesquisa. A quarta instituição é de caráter particular, tipo de lar-residência, que tem surgido na cidade nos últimos anos. Como a maioria dos internos é formada de homens, entrevistamos 12 deles. Assim, obtivemos uma população de 72 idosos que vivem em asilos. A outra parte foi formada por idosos que freqüentam os programas para a terceira idade desenvolvidos na cidade. Dentre esses grupos, selecionamos 72 idosos, sendo 12 idosos do Pró-idoso da Associação Municipal de Assuntos Comunitários (AMAC), formado por homens e mulheres; dois grupos de idosos do Programa da UFJF com a terceira idade. Formado por homens e mulheres, mais um grupo da terceira idade da Igreja Batista com 12 participantes; além de mais dois grupos do SESC, do curso de alfabetização para idosos com 3 homens e 21 mulheres. Paralelamente, entrevistamos os profissionais das equipes de atendimento aos idosos, sendo 12 profissionais e voluntários das instituições e 12 dos programas da terceira idade, inclusive as professoras do curso de alfabetização do SESC.

Abordagem metodológica e instrumental

Utilizamos na coleta de dados três tipos de abordagens: a observação participante qualitativa, a entrevista semi-estruturada como instrumento para obtenção das histórias do curso de vida e, por fim, pesquisamos alguns documentos no arquivo histórico da cidade. A observação participante como técnica de abordagem metodológica foi utilizada por ser adequada e sensível às características da situação, já que ela independe do nível de conhecimento e da capacidade verbal dos sujeitos, permite checar na prática a sinceridade de certas respostas ou comportamentos dos sujeitos, quando entrevistados em grupo, além de possibilitar o registro do comportamento o mais próximo possível do contexto temporal e espacial dos sujeitos e, por fim, por que o pesquisador torna-se praticamente mais um membro do grupo sob observação (Brandão, 1984).

A entrevista semi-estruturada foi utilizada como instrumento de coleta de dados para a análise das necessidades que afetam o idoso, dos suportes familiares e sociais na identificação das máscaras e conflitos da representação social da velhice na cidade de Juiz de Fora. As perguntas foram elaboradas tendo por finalidade a observação do tipo de palavras e expressões que o idoso utiliza para falar de si, de sua velhice e das suas representações na família e na sociedade. Elas procuraram identificar a construção de novas ressignificações do envelhecimento de acordo com as narrativas do curso de vida dos sujeitos pesquisados. A entrevista serviu também para a recuperação, mesmo de forma fragmentada, da cultura local e das transformações sociais que acompanharam o envelhecimento desta coorte histórica no contexto da cidade de Juiz de Fora.

A terceira abordagem utilizada consistiu na consulta a fontes primárias de documentação encontrada nos arquivos da cidade, para estudarmos os diferentes grupos sociais que contribuíram para a formação da sociedade brasileira e, mais especificamente, da cidade de Juiz de Fora, desde sua fundação, na segunda metade do século XIX. Uma cidade construída pela força da imigração de europeus, principalmente portugueses, alemães, italianos e, em seguida, os sírios e libaneses, vindos da Ásia, além dos negros escravos. Estes grupos podem ser apontados como um dos fatores da longevidade da população da cidade.

 

Resultados

Na reconstituição da história dos grupos sociais e suas instituições, identificamos que desde a criação da cidade de Juiz de Fora as irmandades religiosas e as associações de imigrantes prestavam assistência aos mais velhos, sendo que, somente no início do século XX, surgiram as congregações católicas e outros grupos religiosos com a mesma finalidade. Era comum socorrer pessoas pobres, mendigos e velhos sem famílias, todos faziam parte da mesma categoria. Assim, foram criadas as instituições filantrópicas que perduram até a atualidade. No final do século XX, aparecem as"residências-lar”, instituições particulares com fins lucrativos, destinadas a abrigar velhos, em geral, não ativos, ou fisicamente dependentes, provenientes dos segmentos da classe média da sociedade. De acordo com a análise das instituições e dos grupos de programas para a terceira idade, as representações surgem como produto de uma sociedade em organização, em que o controle social pode ser medido pela capacidade dos grupos em desenvolverem estratégias baseadas em ações homogeneizadoras da sociedade que evitam o afloramento de seus conflitos. A velhice provoca uma pluralidade de sentimentos e sensações que são explicitados nos discursos dos idosos pesquisados. Nas instituições, surpreende a quantidade de conflitos, brigas e desentendimentos entre os residentes e deles com o pessoal técnico e administrativo. Outra representação está na qualidade do idoso saudável ou dependente. Ser saudável é hoje um fator que possibilita a entrada do idoso em instituições de caráter filantrópico. As próprias normas de manutenção do abrigo dependem do mesmo, já que na maioria não há funcionários, somente voluntários. Porém, não podemos entender as doenças crônicas e degenerativas como representação da exclusão. A ajuda mútua configura a importância da solidariedade entre os residentes, por isso é necessário que eles tenham um grau razoável de independência física e mental. Mesmo assim, é constante a necessidade de apelar para a diminuição dos conflitos gerados por temperamentos difíceis, visto que a forma de expressão do temperamento de cada um pode trazer dificuldades de adaptação à nova morada coletiva. Assim, valores e comportamentos precisam ser definidos e compartilhados, na tentativa de homogeneizar o grupo, para que a instituição possa seguir seu curso. Aquelas que possuem programação de atividades atendem à necessidade de práticas solidárias, ajuda mútua, partilha de sentimentos e afetos, mas está longe de um envolvimento com a realidade cotidiana da instituição, ajudando a diminuir os conflitos freqüentes entre os residentes. Os conflitos e as desavenças são percebidos, pelo pessoal técnico e administrativo e pelos próprios residentes, como uma disfunção que deve ser corrigida e sanada. Entretanto, as estratégias utilizadas pelas instituições mascaram os conflitos quando tentam representar seus membros como uma grande família; quase sempre esta estratégia não se adequa à situação que os gerou.

Outras representações mais positivas são idealizadas, pelas equipes técnicas, como a de tornar o atendimento ao idoso dependente mais humanizado e a necessidade de recuperar a convivência com a família, evitando o isolamento a que o interno é levado na instituição. Constatamos que os conflitos mais freqüentes nas instituições giram em torno da falta de respeito à intimidade e à privacidade do idoso. Dos objetos que fazem parte da identidade do sujeito, guardá-los e conservá-los significa, para o idoso, a manutenção do seu próprio eu, quando todos os outros elos que lhe eram familiares foram perdidos ou deixados para trás. Ao entrar na instituição, só lhe restam poucos objetos simbólicos, de uma época que não retorna - a volta ao passado só é possível através desses objetos fetiches. Nas instituições particulares, a perda dos vínculos familiares ganha maior significado. Estas estão se tornando freqüentes na atualidade e recebem idosos provenientes de segmentos de classe média, em que a qualidade de vida do sujeito, quando mais jovem, contrasta com a velhice asilar. Assim, a ressignificação da velhice nos asilos pode ser apontada como algo irrealizável. Embora para muitos idosos ativos, a entrada no asilo seja representada pelos residentes como alternativa entre viver só, não atrapalhar a vida dos filhos ou mesmo pela vontade de fazer novas amizades."Aqui é bom demais, ninguém perturba a gente, minha vida era muito boa, passeava, dançava, pulava carnaval... aproveitei! Hoje, não tenho tristeza de estar aqui dentro, presa. O que tinha de aproveitar, já aproveitei!".

Nos programas para a terceira idade pesquisados, encontramos um maior número de representações mais positivas, que tentam reconstruir uma nova imagem do processo de envelhecimento. Imagem que implica a aceitação da etapa inicial deste processo e procura ressaltar a necessidade do idoso de continuar ativo e participante. Por sua vez, o idoso luta por uma representação da velhice baseada em sabedoria, na conservação de algumas competências e na capacidade de exprimir sentimentos, afetos e convivências possíveis. Deste modo, tanto as equipes de profissionais quanto os próprios idosos participantes dos grupos têm investido em representações sociais que tomam por base uma terceira idade ativa. Em quase todos os programas, podemos encontrar uma variedade de atividades, desde ginástica, passando por oficina de danças, pelos trabalhos manuais, escola de teatro, até os cursos de atualização das Universidades da Terceira Idade, nos quais predomina o gênero feminino. Idosas e equipes técnicas estão empenhadas na construção de representações que contribuam para a recuperação da auto-estima feminina e para as atribuições de novos significados aos estágios mais avançados da vida. O planejamento dos programas segue como uma tentativa de mostrar, aos participantes, que podem continuar a contribuir para a sociedade, promovendo sua autonomia e independência. No entanto, é bem provável que nem todos os idosos estejam coerentes com as atividades planejadas, sendo elas fatores de afastamento da maioria dos homens e de algumas mulheres dos grupos.

 

Conclusão

Primeiramente, concluímos nesta pesquisa que as instituições precisam ser pensadas e representadas como uma comunidade e não associadas às representações de famílias, já que as diferenças entre os idosos residentes precisam ser trabalhadas. Entretanto, sabemos que esta situação não se resolve de maneira fácil, nem é de rápida resolução e muito menos está sujeita a fórmulas esquemáticas, aplicáveis a toda situação conflituosa, que porventura surja na instituição, já que a manifestação das diferenças é a garantia para o afloramento das individualidades e respeito à dignidade daquele que envelhece, seja ele ativo ou dependente. A interação entre os residentes precisa ser valorizada para que o próprio idoso possa reconstruir uma nova identidade com base na estrutura asilar.

Nos grupos da terceira idade, as novas interações têm ajudado a ressignificar suas representações. Entretanto, os grupos, ao refletirem sobre as condições sociais do envelhecimento a que estão submetidos, observam que as representações sociais criadas na vinculação aos programas não lhes asseguram outras formas de inserção na sociedade. A solidão descrita por muitos idosos é apontada como a representação em oposição à atividade. Manter o sujeito em ação tem por finalidade afastar a solidão que está sempre presente nas reflexões sobre o envelhecimento dos participantes dos grupos. Já as representações do idoso para as suas famílias e para a sociedade são carregadas de significados retirados da experiência pessoal, que não condizem com as novas representações associadas aos participantes dos grupos. As experiências vividas e os saberes acumulados são ganhos que propiciam oportunidades de experimentar e explorar novas identidades, realizar projetos abandonados na juventude, como observamos no curso de alfabetização para idosos, estabelecer novas relações com outros grupos, fora das relações familiares e, assim, transformar a experiência do envelhecimento em outra mais gratificante, apropriando-se dos espaços sociais que vão conquistando na cidade de Juiz de Fora, para, com isso, aumentar a satisfação com a vida e contribuir para o bem-estar subjetivo.

 

 

Referências

Berquò, E. (1999). Considerações sobre o envelhecimento da população no Brasil. In: Néri, A. e Debert, G. Velhice e sociedade. Campinas: Papirus.         [ Links ]

Castoriadis, C. (1995). A instituição imaginária da sociedade (3ª. ed.). São Paulo: Paz e Terra.         [ Links ]

Debert, G. G. (1999a). A construção e reconstrução da velhice: família, classe social e etnicidade. In: Néri, A. (org.) Velhice e sociedade. Campinas: Papirus.         [ Links ]

Debert, G. G. (1989). (org). Représentations sociales. Paris: PUF.         [ Links ]

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (s.d.). Recuperado de < www.ibge.gov.br>.

Jovchelovitch, S. (1998). Redescobrindo o outro. In: Representando a alteridade. Rio de Janeiro: Vozes.         [ Links ]

Loureiro, A. M. L. (1998). A velhice, o tempo e a morte. Brasília: UNB.         [ Links ]

Medrado, B. (1996, maio). O idoso e a representação de si. Psicologia revista (São Paulo), 2 (1).         [ Links ]

Moscovici, S. (1978). A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar.         [ Links ]

Moscovici, S. (1984a). The phenomenon of social representations. In: Farr, R. Moscovici. S. (org.) Social Representations Cambridge Universtiy Pres.         [ Links ]

Moscovici, S. (1984b). The myth of the lonely paradigima: a rejoinder. Social Research, 51 (4), 939-67.         [ Links ]

Neri, A. L. (2001). (org.). Maturidade e velhice: trajetórias individuais e socioculturais. Campinas: Papirus.         [ Links ]

Sá, C. P. (1995). Representações sociais: o conceito e o estado atual da teoria. In: Mary Jane Spink (org.). O conhecimento no cotidiano. São Paulo: Brasiliense.         [ Links ]

Creative Commons License