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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. v.1 n.2 Juiz de Fora dez. 2007

 

RELATOS DE PESQUISA

 

Reprodução escrita de histórias e a escrita ortográfica de crianças

 

Story written reproduction and children's orthographic spelling

 

 

Ana Caroline Ferreira de Carvalho e Souza* ; Jane Correa **

UFRJ

 

 


RESUMO

O presente estudo procurou investigar se a reprodução escrita de um texto conhecido facilitaria o desempenho ortográfico de crianças da 1ª e 2ª séries do ensino fundamental. Foram analisadas as histórias escritas em dois contextos de produção textual: a reprodução escrita de histórias e a escrita livre. Os dados foram analisados em função da freqüência e do tipo de transgressões ortográficas realizadas pelas crianças. Os resultados mostram que o contexto de reprodução escrita de histórias não influenciou o desempenho ortográfico das crianças em termos do número de transgressões realizadas. Embora a escolaridade fosse o fator que mais influenciou o desempenho ortográfico das crianças, a natureza de algumas transgressões ortográficas mostrou-se sensível à diferença entre os contextos.

Palavras-chave: Escrita, Ortografia, Ensino fundamental.


ABSTRACT

The present study aimed to investigate whether written reproduction of a known text would make it easier the orthographic performance of first and second graders of primary Education. Written stories were analysed in two contexts of text production: written reproduction of stories or free style writing. The data was analysed as a function of frequency and type of orthographic transgression made by the children. Although schooling were the factor that most influenced the children, the nature of some orthographic transgressions made by the children showed to be sensitive to context differences.

Keywords: Spelling, Orthography, Primary education.


 

 

Apesar dos avanços tecnológicos atuais, a escrita continua sendo importante meio de comunicação e registro nas sociedades letradas. Através da escrita, armazenamos dados, expressamos idéias, trocamos informações e criamos. O ato de escrever envolve um conjunto de habilidades lingüísticas e psicológicas que vão desde a capacidade de registrar unidades de som até a capacidade de transmitir significado a um leitor (Soares, 2004). Para escrever ativamos nosso conhecimento de mundo e de escrita, nossas experiências com diferentes tipos de textos e com diferentes leituras.

A escrita engloba conhecimentos e competências diversas que vão desde a habilidade motora, o conhecimento da grafia das palavras e da pontuação até a habilidade de selecionar idéias e de organizá-las em um texto escrito (Soares, 2004). A ortografia é de grande importância para compreendermos o texto escrito e nos comunicarmos melhor através dele. Como existem vários fatores que influenciam a pronúncia das palavras (localização regional, nível sociocultural, época e idade), a ortografia confere unidade à escrita, facilitando, assim, o entendimento do texto escrito.

A ortografia é um saber historicamente construído. No caso do português, o sistema ortográfico só foi instituído na primeira metade do século XX, primeiro em Portugal, depois no Brasil (Morais, 2000). Até os dias de hoje, a ortografia da Língua Portuguesa vem sofrendo diversas modificações. Por seu turno, a aprendizagem da ortografia vem passando também por diversas mudanças no decorrer dos anos. Inicialmente, a aprendizagem da ortografia era vista como um processo reprodutivo, baseado em treino e na reprodução memorizada da grafia das palavras. As crianças eram levadas a fazer cópias e ditados a fim de decorar a grafia convencional das palavras. Atualmente, propõe-se uma visão gerativa da ortografia (Morais, 2000, 2003; Lemle, 2003). Isto significa que as crianças geram a grafia das palavras de acordo com sua concepção e conhecimento da língua escrita e não somente através de simples reprodução (Nunes, Bryant, & Bindman, 1995). A criança é capaz de gerar a escrita de uma palavra a partir da consideração das convenções ortográficas, de seus conhecimentos lingüísticos e do contexto de produção escrita.

As regras ortográficas não são todas de mesma natureza e envolvem diferentes competências para sua aquisição (Meireles & Correa, 2005; Nunes, Bryant, & Bindman, 1997). A criança terá de refletir sobre a escrita e os diferentes aspectos da língua: fonológico, morfológico, sintático, semântico e pragmático. Aos poucos a criança irá compreender as diferenças entre a linguagem oral e a escrita, renunciando à hipótese da regularidade grafofonêmica absoluta, integrando, então, diversos conhecimentos e competências para poder escrever convencionalmente.

No meio educacional ainda existem várias dúvidas a respeito de como tratar a ortografia. É importante ressaltar que o ensino da ortografia não deve estar dissociado da leitura e produção de textos, e que este ensino precisa ser sistematizado de acordo com os objetivos que se desejam alcançar com determinado grupo de alunos. Outro aspecto importante é o fato de que o desempenho ortográfico da criança não deve ser confundido com sua competência textual. A dificuldade com a ortografia não deve ser impedimento para que os alunos progridam em suas habilidades metatextuais.

Pesquisas mostram que os textos que as crianças escrevem são fortemente influenciados pelos contextos de produção (Rego, 1986; Spinillo & Pinto, 1994; Lins e Silva & Spinillo, 2000). Ao escrever uma história com tema livre, a criança tem de dar conta de várias exigências, como, por exemplo: escolher o assunto sobre o qual irá escrever, selecionar idéias, ordená-las e pensar na forma convencional de grafar as palavras (Morais, 2003). Reproduzir uma história conhecida pode facilitar a tarefa de escritores principiantes: os personagens e a trama da história já são dados, o que pode levar a criança a concentrar-se mais na escrita do texto (Pontecorvo & Ferreiro, 1996).

O presente estudo tem o objetivo de analisar o desempenho ortográfico na produção textual de crianças nas séries iniciais do aprendizado da leitura e da escrita, tomando como base dois contextos de produção de texto: a escrita espontânea e a reprodução escrita de histórias. Dessa forma, investigaremos a sugestão de Pontecorvo e Ferreiro (1996) acerca da importância da utilização da reprodução escrita de histórias como instrumento para o desenvolvimento da ortografia na criança. De acordo com Pontecorvo e Ferreiro (1996), a escrita de uma história conhecida pode facilitar a tarefa de escrever, principalmente para escritores principiantes, uma vez que o aprendiz não necessita de se ocupar da elaboração da trama da narrativa. Desta forma, no caso da reprodução escrita de histórias, a criança poderá focalizar sua atenção nos aspectos mais formais do texto, como, por exemplo, a grafia das palavras e a pontuação.

Teberosky (2003) afirma que a situação de reprodução escrita de textos é um importante recurso para que as crianças escrevam. Através da reprodução escrita, as crianças imitam um texto-modelo e fazem uma série de manipulações no texto original. Através da reprodução escrita de um texto, as crianças podem se preocupar mais com a composição da escrita e com a colocação do texto em seu formato gráfico.

Procuraremos, então, na presente investigação, examinar se, na reprodução escrita de um conto, a criança teria um melhor desempenho ortográfico do que na escrita espontânea de uma história. No caso da reprodução escrita de história, por se tratar de um texto já conhecido, a criança poderia estar menos preocupada com a coerência textual, podendo estar mais atenta às questões relacionadas à grafia das palavras. Por outro lado, na escrita espontânea, a criança poderia estar mais preocupada com a construção da coerência textual, estando menos atenta às questões envolvendo a grafia das palavras.

Especificamente, algumas questões se apresentam no que diz respeito à pesquisa sobre desempenho ortográfico na reprodução escrita e escrita espontânea de histórias:

a) Em que medida o contexto de reprodução escrita de histórias poderia efetivamente facilitar o desempenho ortográfico das crianças, propiciando a ocorrência de um menor número de transgressões ortográficas na produção escrita da criança?
b) Qual a influência da escolaridade sobre o desempenho ortográfico das crianças nos contextos de produção analisados em termos da freqüência de transgressões ortográficas nos textos escritos pelas crianças?
c) Qual a influência dos contextos nos tipos de transgressões ortográficas realizadas pelas crianças?
d) Qual a influência da escolaridade nos tipos de transgressões ortográficas realizadas pelas crianças?

 

Método

Participantes

A pesquisa contou com 55 crianças da rede pública de ensino do município do Rio de Janeiro, sendo 29 crianças da 1ª série e 26 crianças da 2ª série, compreendendo assim uma faixa etária média de 7 anos e 7 meses para a 1ª série e 8 anos e 7 meses para a 2ª série. A escola fica localizada na zona sul da cidade do Rio de Janeiro e as crianças são oriundas, em geral, de famílias de classe média-baixa. Optamos pelo trabalho na 1ª e 2ª séries, pois nas séries iniciais do ensino fundamental as crianças se encontram em fase de transição da escrita alfabética para a escrita ortográfica.

Procedimento

Inicialmente foi solicitado às crianças que escrevessem uma história com tema livre. Na semana seguinte, foi solicitado que fizessem a reprodução escrita de um conto infantil clássico (Chapeuzinho Vermelho) que fora lido para as crianças pelo pesquisador. A escolha pela realização da tarefa de escrita livre em primeiro lugar foi feita para que a criança não fosse influenciada pelo conto. As atividades foram realizadas na sala de aula com a colaboração da professora da turma. As crianças não tiveram restrição em relação ao número de linhas e ao de palavras a serem escritas, ou mesmo ao tempo para completar a tarefa.

 

Resultados

Os textos produzidos nas tarefas de escrita livre e reprodução escrita de história foram analisados de duas formas: análise da freqüência de transgressões e análise do tipo de transgressão realizada pela criança. A avaliação do desempenho ortográfico das crianças nos diferentes contextos de produção investigados no presente estudo levou em consideração apenas as transgressões relativas à grafia das palavras. Dessa forma, transgressões relativas à pontuação ou à concordância não foram consideradas.

Análise da Freqüência de Transgressões Ortográficas

Foi tomada como medida de desempenho ortográfico das crianças a média do número de transgressões dividido pelo número de palavras escritas no texto (Tabela 1).

 

 

O desempenho ortográfico das crianças variou significativamente de acordo com a escolaridade (F (1,53) = 17, 29, p < ,01). As crianças da 2ª série produziram histórias com menos transgressões ortográficas do que as crianças que cursavam a 1ª série. Por outro lado, não houve diferença significativa relacionada ao contexto de produção ou mesmo à interação entre série e contexto de produção.

Observou-se também uma associação significativa entre o desempenho ortográfico na escrita livre e na reprodução escrita do conto, tanto para a 1ª série (r = 0,61, p < 0,001) como para a 2ª série (r = 0,79, p < 0,001). Em ambas as séries, as crianças que tiveram mais transgressões ortográficas na tarefa de escrita livre igualmente cometeram mais transgressões ortográficas na tarefa de reprodução escrita do conto.

Análise do Tipo de Transgressão Ortográfica

Foi realizada uma análise qualitativa dos textos com o objetivo de examinar a natureza das transgressões ortográficas encontradas nas produções escritas das crianças. As transgressões foram categorizadas a partir da revisão das classificações adotadas por Carraher (1985), Correa (2001) e Morais (1998).

1. Troca entre letras que representam fonemas semelhantes – As trocas mais comuns são entre as letras que representam fonemas que diferem apenas em termos da oposição sonoro-surdo. Exemplos: chocolade (chocolate), era uma fez (era uma vez), laco (lago).

2. Dificuldade no uso de marcadores de nasalização – A criança pode omitir, trocar ou usar de modo não-convencional os marcadores de nasalização. Exemplos: criaças (crianças), bamho (banho), demte (dente).

3. Dificuldade com as regularidades contextuais – Neste caso a criança terá de levar em consideração a posição do fonema na palavra para escolher a letra ou dígrafo apropriados para representá-lo naquele contexto. Exemplos: coragosa (corajosa), pasear (passear), serreias (sereias).

4. Dificuldade com as regularidades morfossintáticas – A criança comete a transgressão por não levar em consideração os aspectos morfossintáticos da língua, aspectos estes relacionados à categoria gramatical das palavras, ao processo de formação das palavras e de sua colocação na frase. Exemplos: acharão (acharam), falace (falasse).

5. Dificuldade na marcação de acentos gráficos – A criança omite o acento ou acentua a palavra de forma indevida. Exemplos: la (lá), historia (história).

6. Dificuldade na escrita de sílabas complexas – Exemplos: sempe (sempre), bincando (brincando).

7. Segmentação – A criança realiza segmentações não-convencionais, agrupando as palavras (hipossegmentação) ou desmembrando as palavras em dois ou mais segmentos (hipersegmentação) além do previsto pela norma. Exemplos: sichamava (se chamava), em controu (encontrou), nafloresta (na floresta).

8. Modificações idiossincráticas na palavra – A criança omite, adiciona ou desloca letras de forma idiossincrática, dificultando, desta forma, a compreensão da palavra. Exemplo: espe (sempre)

9. “Transcrição da fala” – Nas hipóteses iniciais da criança acerca da relação entre a fala e a escrita, as relações entre as letras e fonemas são concebidas de maneira biunívoca. Sendo assim, a criança erra ao tentar reproduzir a fala em sua escrita fazendo uso da hipótese da regularidade de natureza biunívoca entre fonemas e letras. Exemplos: veis (vez), mininas (meninas), ispanto (espanto).

10. Dificuldade na escrita das palavras irregulares da língua – A motivação para a escrita destas palavras está ligada à sua origem, envolvendo, portanto alguma forma de memorização. A criança transgride por optar por uma letra que não é a forma convencional para a palavra, embora seja uma escolha possível entre as representações para o fonema que pretende grafar. Exemplos: ora (hora), comesou (começou).

11. Hipercorreção – Ao compreender cada vez mais a distinção entre língua falada e língua escrita, a criança começa a se autocorrigir. Neste caso, ela pode fazer generalizações indevidas para contextos onde certa regra não deveria ser empregada. Exemplos: resistio (resistiu), paes (pais), does (dois).

12. Troca de letras por semelhanças na grafia – A criança troca uma letra por outra que possui semelhança gráfica. Exemplos: mome (nome), geriam (queriam).

13. Omissão de letra – A criança omite letras sem nenhuma motivação aparente. Exemplos: dis (disse), digitalido (digitalizado).

As transgressões ortográficas das crianças foram classificadas por dois juízes independentes. O coeficiente de acordo entre os juízes foi de 89%. A distribuição das transgressões ortográficas cometidas pelas crianças de 1ª e 2ª séries nas categorias descritas acima para o contexto de escrita livre e o contexto de reprodução escrita do conto está indicada na Tabela 2.

 

 

Análise dos Contextos de Escrita Livre e Reprodução Escrita do Conto na 1ª. série

As categorias cuja freqüência de transgressões foi igual ou superior a 10%, bem como aquelas cuja freqüência de ocorrência foi inferior a este índice foram, fundamentalmente, as mesmas em ambos os contextos. Observa-se, apenas, que, comparativamente ao contexto de reprodução escrita, as crianças da 1ª série, ao elaborarem uma história com tema livre, produziram pouco mais de transgressões ortográficas nas categorias troca de letras por semelhança sonora dos fonemas que representam, dificuldade no uso de regras contextuais e hipercorreções. Por outro lado, foram relativamente pouco mais freqüentes no contexto de reprodução escrita do conto as categorias: as dificuldades na grafia de palavras irregulares, na marcação da nasalização e na grafia de regularidades de natureza morfossintática.

Análise dos Contextos de Escrita Livre e Reprodução Escrita do Conto na 2ª série

Conforme ocorreu na 1ª série, as categorias cuja freqüência de transgressões foi igual ou superior a 10%, bem como aquelas cuja freqüência de ocorrência foi inferior a este índice foram basicamente as mesmas em ambos os contextos. Comparativamente ao contexto de reprodução escrita, as crianças da 2ª série no contexto de escrita livre tiveram suas transgressões ortográficas mais freqüentes classificadas nas seguintes categorias: “transcrição da fala”, dificuldade no uso de regras contextuais e troca de letras por grafia semelhante. Por sua vez, foram relativamente mais freqüentes no contexto de reprodução escrita do conto: dificuldades quanto à acentuação, dificuldades na grafia de palavras irregulares e marcação da nasalização.

 

Discussão

Contrariando as observações de Ferreiro e Pontecorvo (1996), o contexto de reprodução escrita de história não favoreceu o desempenho ortográfico das crianças quando comparado ao contexto de escrita livre. No presente estudo, não houve diferença significativa na proporção de transgressões ortográficas realizadas pelas crianças nos dois contextos de produção. A familiaridade com o texto e estrutura dos contos de fadas não influenciou o desempenho ortográfico das crianças das séries iniciais do ensino fundamental em termos da freqüência relativa de ocorrência das transgressões ortográficas.

Por outro lado, observamos que a freqüência de alguns tipos de transgressões ortográficas ocorridas na escrita das crianças em cada uma das séries se revelou, de certa forma, sensível à diferença dos contextos de produção. De maneira geral, na reprodução escrita do conto observou-se porcentagem pouco maior de transgressões relacionadas à grafia das irregularidades da língua, às regularidades morfossintáticas e à acentuação. O contexto de reprodução escrita do conto levou a criança a escrever algumas palavras novas ou pouco freqüentes para ela e, em ambos os casos, com maior complexidade ortográfica. Geralmente, no contexto de escrita livre, as transgressões ortográficas parecem estar ligadas ao domínio das correspondências grafofonêmicas. Observa-se incidência pouco maior de transgressões relacionadas às regularidades contextuais, às trocas de letras (por semelhança no som e na grafia) e à hipercorreção. Estes resultados podem ser compreendidos pelo fato de no contexto de escrita livre as crianças escolherem palavra cujas grafias elas consideram menos complexas. Podendo escolher o tema, a criança pode também escolher as palavras para expressá-lo.

A partir deste resultado, podemos concluir que o desempenho ortográfico das crianças que participaram de nosso estudo não foi influenciado significativamente, conforme sugerido por Ferreiro e Pontecorvo (1996), pelo conhecimento prévio dos aspectos macroestruturais do texto a ser escrito. Algumas hipóteses podem ser sugeridas na tentativa de compreender os resultados obtidos na presente investigação. Ao escrever um texto, a criança tem de gerar e articular suas idéias expressando-as através de escolhas lingüísticas adequadas. No contexto da escrita livre, as crianças tiveram a possibilidade de escolher para sua história um tema que lhes fosse familiar, o que atenuaria as demandas cognitivas impostas pela organização da trama, tendo, portanto, mais liberdade para escrever o que desejassem. Além disso, por tratarem de um tema relacionado ao seu conhecimento de mundo, as escolhas lingüísticas das crianças recairiam sobre palavras cujas grafias já se tornaram familiares para elas, implicando relativamente menos transgressões ortográficas.

Por outro lado, apesar de o ato de reescrever um texto envolver a reprodução de um texto-modelo (Teberosky, 2003), que serviria como estímulo para que as crianças escrevessem e se apropriassem dos elementos textuais, este contexto de produção pode impor à criança um universo vocabular com o qual ela não esteja familiarizada. Além disso, as palavras que melhor expressam os acontecimentos da história podem incluir palavras com contextos ortográficos considerados de difícil domínio na faixa de escolaridade considerada. Desta forma, o conhecimento prévio da trama, apesar de permitir que a criança focalize a atenção em aspectos particulares do texto, não seria necessariamente um fator facilitador do seu desempenho ortográfico considerando as escolhas lexicais que a trama possa impor às crianças.

Os resultados sugerem que, apesar das múltiplas demandas relacionadas à produção de texto, o desempenho ortográfico das crianças nos anos iniciais do ensino fundamental é mais fortemente influenciado pela escolaridade e pelas habilidades e conhecimentos que as crianças constroem relacionados ao domínio do sistema de escrita do que pelas demandas do processamento cognitivo envolvidas no ato da escrita.

 

Nota dos Autores

Este texto é baseado na dissertação de mestrado defendida pela primeira autora sob orientação da segunda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRJ. Agradecemos a escola pela acolhida do trabalho. Aos professores e pais pela confiança expressa pelo incentivo à participação das crianças nas atividades da pesquisa. Em especial, às crianças pelo entusiasmo e pelo tanto que nos ensinaram. Ao CNPq e a FAPERJ pelos financiamentos que tornaram possíveis a realização dos projetos de pesquisa dos quais este trabalho deriva.

 

 

Referências

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* Escola Municipal Gabriela Mistral/ Mestrado em Psicologia pela UFRJ
** Psicóloga, PhD em Psicologia pela Universidade de Oxford, Inglaterra, professora do Departamento de Psicologia Geral e Experimental e da Pós-Graduação em Psicologia da UFRJ.

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