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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. v.2 n.1 Juiz de Fora jun. 2008

 

RELATOS DE PESQUISA

 

Qualidade de vida na terceira idade: a influência da participação em grupos

 

Quality of life in elderly people: the influence of the participation in groups

 

 

Luciene Corrêa MirandaI, * ; Eliane Ferreira Carvalho BanhatoII, **

I UFJF
II CES/JF

 

 


RESUMO

Em um país onde a expectativa de vida encontra-se em crescimento, é importante pesquisar acerca dos fatores que contribuem para uma melhor qualidade de vida da população idosa. Neste contexto, a atividade e a autonomia ocupam um lugar de destaque. O presente trabalho pretendeu investigar os possíveis efeitos da participação de idosos em grupos de convivência na sua qualidade de vida. O trabalho consistiu de um levantamento bibliográfico e pesquisa de campo. Foi utilizado o instrumento de avaliação da Qualidade de Vida da OMS – WHOQOL-OLD em idosos integrantes de diversos grupos, bem como em indivíduos que não participam ativamente de nenhuma atividade em grupo. Os resultados demonstraram que aqueles que participam ativamente percebem possuir melhor qualidade de vida se comparados com aqueles também ativos, porém que não participam de nenhum grupo regularmente.

Palavras-chave: Qualidade de vida, Idosos, Grupos, Atividade.


ABSTRACT

In a country where the life expectancy is growing on it’s important to research the factors that contribute to a better elderly’s quality of life. In this context, activity and autonomy occupy a prominent place. This work intended to investigate the possible effects of the participation of elderly people in support groups in their quality of life. The work consisted of a bibliographical survey and field research. The OMS’s quality of life evaluation instruments – WHOQOL – was applied to elderly people who integrates various groups, and people who doesn’t participate actively in any group’s activity. The results shows that those who participate actively noticed having better quality of life compared than those also active, but that don’t participate regularly of any group.

Keywords: Quality of life, Elderly people, Groups, Activity.


 

 

INTRODUÇÃO

1. PROCESSO DE ENVELHECIMENTO E LONGEVIDADE

O aumento da expectativa de vida e do contingente de idosos é um fenômeno mundial. Os avanços médicos e tecnológicos vêm propiciando o aumento considerável tanto na expectativa de vida da população, quanto na queda da taxa de natalidade (Freitas, 2004).

No Brasil, o Censo Demográfico de 2000 trouxe dados importantes para conhecer melhor a realidade das pessoas idosas. Resultados desse censo demonstraram um percentual de 8,6% (14.536.029) de brasileiros com idade igual ou maior que 60 anos. Em Minas Gerais, o mesmo levantamento estatístico apontou um percentual de idosos de 9,1%, (1.624.981). Juiz de Fora, cidade pertencente à Zona da Mata Mineira, apresenta um contingente de idosos da ordem de 10,6% , o que a destaca em termos de envelhecimento populacional, superando, proporcionalmente, os percentuais de idosos do Brasil e de Minas Gerais.

De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Censo de 2000 foi verificado um maior contingente de mulheres idosas, se comparadas com homens de mesma faixa etária. Havia nesse levantamento um universo de 8.002.245 mulheres para 6 533 784 homens. A relação entre gênero e envelhecimento baseia-se nas mudanças sociais ocorridas ao longo do tempo e nos acontecimentos ligados ao ciclo de vida. Dessa forma, a maior longevidade feminina implicaria transformações nas várias esferas da vida social, uma vez que o significado social da idade está profundamente vinculado ao gênero.

A partir da transição demográfica descrita acima, verifica-se a importância de se promover um envelhecimento marcado pelo equilíbrio entre as limitações e potencialidades do indivíduo. Nessa perspectiva, Rowe e Khan (1998) propõem três possibilidades para o envelhecimento: normal, patológico e saudável (ou bem-sucedido).

O envelhecimento normal seria marcado pelos eventos físicos, cognitivos e socais normativos para essa fase da vida. Assim, alterações como pressão arterial elevada, déficits visuais e auditivos, mudanças de papéis sociais, diminuição da velocidade das tarefas seriam eventos esperados. O envelhecimento patológico seria resultante de alterações globais com presença de síndromes e doenças crônicas (Rowe & Khan, 1998). O envelhecimento saudável seria aquele acima das expectativas do envelhecimento normal, ou seja, as alterações decorrentes do envelhecimento ocorrem lentamente, de tal forma que o funcionamento físico, social e cognitivo nesses idosos são melhores que o da maioria das pessoas de mesma faixa etária (Rowe & Khan, 1998). Dessa forma, faz-se necessária a adoção de políticas específicas que visem propiciar um envelhecimento ativo, no qual a autonomia e, sobretudo, a dignidade do idoso devam ser sempre respeitadas (Freitas, 2004).

A autonomia é a “capacidade ou direito de o indivíduo poder eleger, ele mesmo, as regras de sua conduta, a orientação de seus atos e os riscos que está disposto a correr, além da possibilidade de realizar suas atividades sem ajuda de terceiros” (Vieira, 1996, p. 23). Segundo a Organização Mundial de Saúde (2005), autonomia “é a habilidade de controlar, lidar e tomar decisões pessoais sobre como se deve viver diariamente, de acordo com suas regras e preferências” (OMS, 2005, p. 14), sendo fundamental ao bem-estar do idoso. Frente a tais definições, percebe-se que a atividade e a autonomia caminham lado a lado. Uma das teorias sociológicas que buscam fundamentar tal fato é a Teoria da Atividade, descrita a seguir.

1.1- Teoria da Atividade

De acordo com Papalia, Olds e Feldman (2006), existem vários modelos de envelhecimento ideal. Um desses modelos, ilustrado pela Teoria da Atividade, postula que, quanto mais ativas as pessoas se mantêm no decorrer de sua vida, melhor elas envelhecem. Isso porque a cultura ocidental valoriza excessivamente a atividade como forma de produtividade e geração de bens.

Sendo assim, o idoso que já não tem obrigações profissionais é visto como alguém que perdeu a capacidade de desempenhar suas funções e seu papel social. Essa percepção distorcida se dá porque, em muitos momentos, o avanço da idade leva as pessoas a abrirem mão de vários papéis sociais até então desempenhados. Por isso a aposentadoria, a perda do companheiro, o afastamento dos filhos, as limitações impostas por algumas doenças, dentre outros fatores, interferem negativamente em sua qualidade de vida, tornando o idoso mais insatisfeito com sua condição. Como algumas perdas são inevitáveis, cabe ao idoso buscar novas alternativas para garantir a manutenção de um papel ativo em seu meio.

Siqueira (2002) complementa que, independente de sua idade, as necessidades psicológicas e sociais do indivíduo permanecem, portanto é viável afirmar que o idoso almeja manter suas relações sociais. “A teoria da atividade influenciou e influencia até hoje os movimentos sociais de idosos e orienta proposições nas áreas do lazer e da educação não-formal, afirmando que são veículos privilegiados para a promoção do bem-estar na velhice” (Siqueira, 2002, p. 49).

De acordo com essa teoria, o desempenho de atividades e o suporte social podem contribuir para reforçar o sentimento de valor pessoal. Consequentemente, reforçam o autoconceito e o sentimento de autoeficácia, facilitando o manejo das situações estressantes com as quais o idoso se depara em decorrência do declínio de suas forças físicas e de suas perdas pessoais e financeiras (Deps, 2006).

A atividade é um meio de contrabalançar as perdas comuns a esse estágio, ao mesmo tempo o de proporcionar um espaço para que outras características sejam desenvolvidas e até potencializadas, proporcionando ao idoso uma forma de crescimento pessoal, além de ser uma aliada na superação do estresse. A ação ou o ato de fazer alguma coisa é uma das necessidades básicas do ser humano. Independentemente da idade, é através da ação que o indivíduo explora, transforma e domina a si mesmo e ao seu ambiente.

 

2. ENVELHECIMENTO ATIVO E QUALIDADE DE VIDA

A partir do elucidado pela Teoria da Atividade, percebe-se que um modelo de envelhecimento considerado “ideal” seria aquele no qual o idoso mantém padrões de autonomia e atividade, fenômeno denominado “envelhecimento ativo”.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (2005), “envelhecimento ativo é o processo de otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas” (OMS, 2005, p. 13). Para que o envelhecimento seja uma experiência positiva, não basta apenas ter uma vida longa, mas também oportunidades nos campos da saúde, participação e segurança.

O envelhecimento ativo aplica-se tanto a indivíduos quanto a grupos populacionais. Ele permite que as pessoas percebam o seu potencial para o bem-estar físico, social e mental ao longo do curso da vida, e que essas pessoas participem da sociedade de acordo com suas necessidades, desejos e capacidades; ao mesmo tempo, propicia proteção, segurança e cuidados adequados, quando necessários (OMS, 2005, p. 13).

O conceito “ativo” não abrange apenas a capacidade de estar fisicamente ativo ou fazer parte da força de trabalho. Refere-se à participação contínua do idoso em questões sociais, econômicas, culturais, espirituais e civis. O envelhecimento ativo aumenta a expectativa de uma vida saudável e de qualidade. Essa abordagem do envelhecimento ativo baseia-se no reconhecimento dos direitos humanos das pessoas idosas, associados aos princípios estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) de independência, participação, dignidade, assistência e autorrealização. Apóia a responsabilidade dos idosos no exercício de sua participação ativa nos aspectos de sua vida e da comunidade (OMS, 2005).

2.1- Envelhecimento ativo e qualidade de vida

“Qualidade de vida” é um termo amplamente abordado, tanto nos meios científicos quanto na vida cotidiana. A OMS (2005) define qualidade de vida como:

“a percepção que o indivíduo tem de sua posição na vida dentro do contexto de sua cultura e do sistema de valores de onde vive, e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. É um conceito muito amplo que incorpora de uma maneira complexa a saúde física de uma pessoa, seu estado psicológico, seu nível de dependência, suas relações sociais, suas crenças e sua relação com características proeminentes no ambiente” (OMS, 1994).

Infere-se, assim, que o termo qualidade de vida engloba o conceito amplo de bem-estar, mas isso depende do autojulgamento do próprio indivíduo, ou seja, o quanto ele está ou não satisfeito com a qualidade subjetiva de sua vida. É um conceito subjetivo que depende de padrões históricos, culturais, sociais e até mesmo individuais. A avaliação da qualidade de vida de determinado indivíduo varia em função das três dimensões nas quais o sujeito encontra-se inserido: física, psicológica e social.

O homem, diferentemente dos demais seres vivos, foi o único que modificou a própria expectativa de vida a partir do controle do ambiente no qual ele está inserido. Ele buscou gradativas mudanças relacionadas às melhorias na qualidade de vida e, em seguida, graças às descobertas técnico-científicas (Ramos, 2002).

A expectativa de vida da população vem sofrendo alguns aumentos no decorrer do contexto histórico, porém o limite biológico da vida humana permanece ao redor dos 100 aos 120 anos. O diferencial é a proporção de indivíduos dentro dessa faixa etária (Ramos, 2002). Assim, conclui-se que a preocupação não é com a longevidade, mas com a boa qualidade de vida, almejada por todos, mas privilégio de apenas alguns (Ramos apud Ferrari, 1996). À medida que um indivíduo envelhece, sua qualidade de vida é fortemente determinada por sua habilidade de manter autonomia e independência (OMS, 2005, p. 14).

É necessário que o ambiente ofereça condições favoráveis à sua adaptação, mesmo com as limitações proporcionadas pelo avanço da idade. Também são levadas em conta questões comportamentais referentes ao desempenho do indivíduo frente a diversas situações, característica esta influenciada por seu desenvolvimento individual. Levando-se em consideração todos esses aspectos, cabe ao idoso avaliar sua própria qualidade de vida, seus valores e expectativas em nível pessoal e social. A última instância abordada é o bem-estar subjetivo, que engloba todos os fatores anteriormente enumerados.

Estereótipos em relação à velhice comprometem a possibilidade de uma qualidade de vida melhor. Em nosso meio, a velhice é comumente associada a perdas, incapacidades, dependência, impotência, decrepitude, desajuste social, baixos rendimentos, solidão, viuvez, cidadania de segunda classe, e assim por diante. O idoso é chato, rabugento, implicante, triste, demente e oneroso. Generalizam-se características de alguns idosos para todo o universo. Tal visão estereotipada, aliada à dificuldade de distinguir entre envelhecimento normal e patológico, senescência e senilidade, leva à negação da velhice, ou à negligência de suas necessidades, vontades e desejos (Paschoal, 2002, p. 82).

Segundo Vieira (1996), alguns fatores favoráveis como aceitar mudanças, prevenir doenças, estabelecer relações sociais e familiares positivas e consistentes, manter um senso de humor elevado, ter autonomia e um efetivo suporte social contribuem para a promoção do bem-estar geral do idoso e, consequentemente, influenciam diretamente numa melhor qualidade de vida.

O bem-estar, elemento fundamental para a qualidade de vida, é um critério subjetivo e é medido por fatores diferentes dos que são usados para avaliá-lo em outras faixas etárias. Os critérios devem ser compatíveis com a idade, lembrando que o que é importante na juventude pode não ser relevante na velhice (Vieira, 1996, p. 133).

 

3. PARTICIPAÇÃO ATIVA EM GRUPOS

De acordo com o que foi abordado anteriormente, a qualidade de vida de indivíduos idosos está diretamente relacionada ao conceito de envelhecimento ativo. Fenômenos como a aposentadoria, o casamento dos filhos e, talvez, a viuvez podem propiciar o engajamento do idoso em algum tipo de atividade.

A inserção de idosos em grupos de suporte social proporciona uma mudança no paradigma de velhice enquanto limitação e incapacidade, porque nesses grupos é possível encontrar idosos ativos, autônomos, satisfeitos com sua condição geral e que se relacionam interpessoalmente com outras pessoas de mesma faixa etária ou não. Os idosos convivem com as limitações de sua saúde, contudo elas não os impossibilitam de exercer seu papel de sujeito socialmente ativo.

Alguns autores mostram que a música tem um papel peculiar dentre os indivíduos idosos e pode contribuir para proporcionar sua melhor qualidade de vida. Souza (2002) afirma que o contato musical é benéfico ao sujeito idoso, uma vez que a música atua diretamente nas áreas cognitivas e límbicas, influenciando a evocação da memória e o aprimoramento de consciência rítmica, além de abordar a emotividade. O ritmo estimula respostas imediatas e espontâneas, atuando na atenção e na coordenação de movimentos. Ao ter contato com as partituras, o idoso pode redescobrir músicas que fizeram parte de seu passado, resgatando emoções antigas, assim como descobrir canções novas, estimulando sua memória de curto prazo. A musicalização é uma forma peculiar de comunicação e através do canto o indivíduo pode elevar sua autoestima, assegurar maior autoconfiança e socializar-se.

Além dos diversos benefícios nas instâncias psíquicas e sociais de indivíduos idosos, o canto proporciona também pequenas melhoras do ponto de vista biológico. Aprimora a capacidade respiratória, o controle da musculatura das cordas vocais e, através do ritmo, ocasiona uma melhora nos movimentos corporais (Souza, 2002, p. 879).

O idoso tem opiniões formadas e conceitos cristalizados. Ele, muitas vezes, não acredita no poder vital de suas potencialidades e capacidades, que podem ser desenvolvidas nesta etapa de sua vida. Por vezes, o idoso acredita que sua vida não terá mais transformação.[...] A partir da música, ele poderá cantar suas dores e amores, suas perdas e ganhos, reconhecendo-se em seu fazer musical. Dessa forma, elabora conteúdos internos, afetivos e emocionais, num processo contínuo de estruturação e ordenação, mas, ao mesmo tempo, de maleabilidade e descobertas (Souza, 2002, p. 876).

A religião é outro fator que parece influenciar positivamente na qualidade de vida de idosos. Percebe-se nos grupos de cunho religioso uma atmosfera de amor fraterno, solidariedade e fé, o que facilita a ocorrência e a manutenção de relacionamentos interpessoais e minimiza a sensação de solidão ou vazio. Nesses contextos, a prática religiosa regular proporciona aos idosos um suporte social. Goldstein e Sommerhalder (2002) afirmam ser a religiosidade um fator imprescindível de ser pesquisado em amostra de população de terceira idade e justifica o fato devido ao seu valor informativo e terapêutico.

O envelhecimento acarreta perdas, muitas irreparáveis, e o idoso precisa encontrar uma forma de enfrentamento dessa situação. A fé aparece neste contexto como uma forma de lidar com os momentos difíceis e com a iminência do desconhecido (já que a morte aparece cada vez mais próxima à medida que se envelhece). De acordo com Goldstein e Sommerhalder (2002):

Para a psicologia, a religião pode ser vista como um recurso de enfrentamento que pode oferecer respostas às exigências da velhice, porque facilita a aceitação das perdas ligadas ao processo de envelhecimento, bem como oferece ferramentas psicológicas para o enfrentamento de situações estressantes, sem desequilibrar o indivíduo, ou seja, pode oferecer recursos para a compreensão e aceitação das dificuldades da vida. A religião pode fornecer um sentido, um significado à vida, que transcende o sofrimento, a perda e a percepção da mortalidade (Goldstein & Sommerhalder, 2002, p. 951).

Como já fora elucidado anteriormente, este artigo consiste em referencial bibliográfico e pesquisa de campo, cujo objetivo é o de comparar a qualidade de vida de idosos pertencentes a dois grupos: os que participam ativamente de algum grupo e aqueles que não participam regularmente de nenhum tipo de atividade grupal.

 

MÉTODO

Participantes

A amostra constituiu-se de 89 idosos residentes na cidade de Juiz de Fora – MG, participantes e não-participantes de grupos. Os critérios de inclusão para a participação da pesquisa foram: idade maior ou igual a 60 anos, estilo de vida ativo e independente1, residência na cidade de Juiz de Fora – MG, concordância com a participação voluntária na pesquisa e assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido.

A seleção dos idosos se deu por duas formas: participantes de grupos (coral e religioso) e idosos que não participavam de nenhum grupo, cujos membros foram escolhidos aleatoriamente. Convém ressaltar que, dentre os entrevistados, vários participavam de mais de uma atividade grupal.

Instrumentos

Foi utilizado o instrumento de Avaliação de Qualidade de Vida da OMS – WHOQOL-OLD, (versão em português do Instrumento de Avaliação de Qualidade de Vida da OMS desenvolvido especialmente para a população idosa). Este instrumento é composto de vinte e quatro itens que visam avaliar os seguintes aspectos da vida do idoso: “Funcionamento do Sensório”[FS], “Autonomia”[AUT], “Atividades Passadas, Presentes e Futuras”[PPF], “Participação Social”[PSO], “Morte e Morrer”[MEM] e “Intimidade”[INT]).

Em cada faceta, a pontuação pode variar dentro de um intervalo de 5 a 20 pontos. Os escores destas seis facetas ou os valores dos 24 itens do módulo WHOQOL-OLD podem ser combinados para produzir um escore geral (“global”) para a qualidade de vida em adultos idosos, denominado como o “escore total” do módulo WHOQOL-OLD. Assim como o resultado global, escores maiores indicam uma melhor qualidade de vida.

Também foi utilizado um questionário sociodemográfico composto de dados relevantes para a pesquisa, tais como sexo, idade, estado civil, escolaridade, tipo de atividade na qual o idoso participa, dentre outras questões.

Além desses instrumentos, utilizou-se termo de consentimento livre e esclarecido, elaborado com base na Resolução 196/96. O termo foi previamente submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa da UFJF (CEP-UFJF) e devidamente aprovado.

Procedimentos

A pesquisa de campo foi realizada entre dezembro de dois mil e sete e fevereiro de dois mil e oito. Os idosos participantes foram entrevistados nos locais onde os grupos se reuniam. Aqueles que não participavam de nenhum grupo foram entrevistados em seus domicílios.

A aplicação do instrumento de avaliação da Qualidade de Vida WHOQOL-OLD e o questionário sociodemográfico foram feitos pela pesquisadora e por alguns auxiliares previamente treinados por ela. A correção ficou sob a responsabilidade da pesquisadora, supervisionada pela orientadora da pesquisa.

 

RESULTADOS

A faixa etária dos entrevistados ficou compreendida entre 60 e 98 anos, sendo a média de idade dos participantes desta pesquisa de 70,9 anos.

Desta amostra, 55,1% (n = 49) declararam possuir o ensino fundamental incompleto. Apenas 12,4% dos idosos (n = 11) tinham curso fundamental completo. O ensino médio completo foi de 9,0% dos participantes (n = 8). Por outro lado, 4,5% (n = 4) da amostra foi considerada analfabeta.

No que se refere ao estado civil, 59,6% (n = 53) eram casados; 29,2% (n = 26) eram viúvos; 6,7% (n = 6) eram solteiros e 4,5% (n = 4) eram divorciados. A maioria, ou seja, 85,4% do entrevistados (n = 76) tinham filhos.

Quanto à atuação profissional, 28,4% (n = 25) eram donas de casa enquanto 27,3% (n = 24) eram aposentados. Destes profissionais, 83,11% (n = 74) não mais trabalhavam fora.

No que diz respeito às formas de moradia, 43,8% dos entrevistados (n = 39) residiam somente com o cônjuge. 21,3% (n = 19) residiam com os filhos. 13,6% (n = 12) moravam sozinhos. 12,4% (n = 11) residiam com o cônjuge e os filhos. 5,6% (n = 5) moravam com outras pessoas e 2,3% (n = 2) residiam na mesma casa com o cônjuge, os filhos e outras pessoas. Observou-se que a principal forma de moradia dos viúvos é com os filhos (61,5%;[n = 16]). No entanto, 30,7% (n = 8) relataram morar sozinhos e 7,6% (n=2) relataram morar com outras pessoas.

Quanto ao uso de medicação, 71,4% de idosos (n = 64) utilizavam medicação de uso contínuo. Os tipos de medicação utilizada variavam muito. O uso de polifármacos foi citado por 22,5% dos entrevistados (n = 20). Dentre estes, 8,9% (n = 8) faziam uso de antidepressivos e ansiolíticos. Dentre os medicamentos citados, encontram-se os destinados ao tratamento de hipertensão, diabetes, descontrole de taxas de colesterol, ansiolíticos, barbitúricos, hipnóticos, labirintite, complexos vitamínicos, diuréticos, patologias cardíacas, problemas relacionados ao sistema digestório e endócrino, dentre outros. Desta amostra, 23,6% (n = 21) afirmaram ingerir medicação para controle da hipertensão arterial.

No que diz respeito à participação de grupos, 52,8% (n = 47) eram integrantes ativos de algum grupo, sendo a maioria do grupo de cunho religioso, e a partir de agora são nomeados de G1. O restante da amostra – 47,1% (n = 42) – não participavam ativa e regularmente de nenhuma atividade grupal, sendo assim denominados como G2. Dentre o G1, 41 participavam de grupos religiosos. Destes, 87,3% (n = 24) participavam, concomitantemente, de outros grupos. 36,1% (n = 17) idosos participam de grupo de coral, destes, 27,6% (n = 13) participam também de outros grupos. Os outros grupos citados pelos idosos foram os de: ginástica, dança, Conselhos, grupos de idosos, de hipertensos, AA, maçonaria, carteado, idiomas, dentre outros.

Quanto aos resultados relativos à qualidade de vida da amostra, obtidos pelo WHOQOL-OLD, algumas considerações prévias devem ser feitas. A correção do referido instrumento assinala maior qualidade de vida aos escores mais altos que variam de 60 a 120 pontos.

De acordo com o manual, foi realizado um estudo piloto caracterizado pela aplicação do instrumento em indivíduos maiores de sessenta anos em diversos países. No Brasil, o estudo foi realizado em Porto Alegre cuja média dos participantes foi de 73,4 (DP = 8,3).

Quanto à qualidade de vida, a pontuação média geral de todos os participantes desta pesquisa foi de 87,79 (DP = 11,97). Quando discriminados por grupos, verificou-se a média de 91,13 (DP = 11,39) dentre os idosos que participavam de grupos (G1). Entre os que não participavam de nenhuma atividade em grupo (G2), a média foi de 84,05 (DP = 11,62).

Considerando os resultados em cada faceta (enumeradas no item “instrumentos”), as médias dos resultados do G1 é maior que as do G2. A primeira faceta (FS), que diz respeito ao funcionamento sensório, a percepção que o indivíduo tem acerca do funcionamento de seus órgãos dos sentidos e da influência do declínio deles em sua vida apresentou média de 16,43 (DP = 3,49) para o G1 e 14,43 (DP = 3,80) para o G2.

A autonomia (AUT) aborda a percepção do indivíduo sobre sua autonomia e liberdade para tomar suas próprias decisões e gerir sozinho seu próprio estilo de vida. Os participantes de grupos atingiram uma média de 41,32 (DP = 2,66), comparada à de 13,81 (DP = 2,53) do G2.

A terceira dimensão, que se refere à morte ou morrer (MEM), investiga as crenças e preocupações do idoso acerca de sua própria morte. A média de escores do G1 foi de 14,57 (DP = 4,68) e do G2 foi de 12,93 (DP = 4,39).

A faceta relativa às atividades passadas, presentes e futuras (PPF), uma espécie de retrospectiva, por parte do idoso suas realizações, reconhecimentos e perspectivas em relação ao futuro apresentou média entre o G1 de 15,40 (DP=3,01) e 15,05 (DP = 3,16) para o G2.

A participação social, que se refere ao nível de atividade do idoso (individuais ou comunitárias), a maneira com a qual o idoso utiliza seu próprio tempo foi investigada na quinta dimensão do questionário. Os idosos do G1 apresentaram uma média de escores 15,74 (DP = 2,89) e os demais idosos apresentaram média 13,55 (DP = 2,69).

Finalmente, no domínio intimidade (INT), que aborda os sentimentos de companheirismo e amor em relação a um companheiro ou pessoa próxima, os escores médios do G1 foram de 14,68 (DP = 4,63) e do G2 14,48 (DP = 3,45).

A tabela abaixo ilustra as médias de cada faceta do WHOQOL-OLD (definidas detalhadamente na seção “Instrumentos”) entre os dois agrupamentos de idosos. Uma análise estatística com o Teste t aponta valores significativos quando t<0,05. Como demonstra a tabela, em sua maioria, as médias das facetas tiveram escores maiores para o grupo 1 se comparadas ao grupo 2, porém esta diferença só foi significativa na faceta que investiga a participação social (PSO).

 

 

DISCUSSÃO

Em relação aos resultados obtidos com a análise dos dados do questionário sociodemográfico, algumas observações merecem ser feitas. A amostra constituiu-se de 69,7% de mulheres (n = 62) e 30,3% de homens (n = 27), uma diferença entre gêneros que corrobora a literatura no que se refere à feminilização da velhice.

Quanto à escolaridade, foi evidenciado que a maioria dos entrevistados não frequentaram a escola por muitos anos, uma vez que 55,1% (n = 49) afirmaram possuir o ensino fundamental incompleto. Por outro lado, chamou a atenção a evidência de que oito idosos (9,0%) apresentavam nível superior completo. Isso porque, de modo geral, não é comum a valorização da escolaridade nessa coorte histórica.

O significativo número de idosos que faz uso de medicação (n = 64) parece apontar o fato de que a variável “uso de medicação” é bastante comum entre as pessoas idosas, principalmente para o controle de patologias crônicas que podem aparecer com o avanço da idade; mas, por outro lado, pode-se perceber que nem a medicação e nem a doença controlada pareceram interferir no nível de atividade dos indivíduos entrevistados.

Ao relacionar as variáveis uso de medicação e participação em grupos, observou-se que 43,8% (n = 39) do G1 faziam uso de fármacos, e 35,9% (n = 32) do G2 também faziam uso de algum tipo de medicação, o que parece apontar para o fato de que o uso de medicação não interfere na participação do idoso nos grupos.

Em relação aos escores alcançados pelos idosos no WHOQOL-OLD, algumas observações também parecem ser pertinentes. Os escores referentes à qualidade de vida dos participantes (91,13), em comparação com os não-participantes (84,05) endossam os dados da revisão da literatura, no que se refere à importância da atividade, da participação de grupos e do contato social para a percepção de uma melhor qualidade de vida de idosos.

Os resultados das facetas INT e PSO merecem ser mais bem elucidados. Observou-se dentre os resultados na faceta INT que os escores foram maiores nos idosos que possuem um companheiro(a), sendo mais baixos nos viúvos, pois parecia que os idosos relacionavam a ideia de sentimentos de companheirismo necessariamente à ocorrência de um companheiro do sexo oposto.

A diferença significativa do G1 em relação ao G2 na faceta PSO parece ser um dado relevante no que diz respeito à importância da participação social para a percepção de uma melhor qualidade de vida, visto que os grupos de convivência podem contribuir para reforçar esse tipo de participação.

Ao final da pesquisa, alguns participantes desejaram relatar suas impressões em torno dela. Dentre as observações, podem-se destacar o fato de ter sido um momento de refletir sobre sua própria vida e sua qualidade de vida, portanto participar da pesquisa foi uma experiência positiva. Um participante afirmou acreditar ser esta pesquisa importante por interferir positivamente na qualidade de vida de outros idosos. Afirmaram também ter sido um momento de refletir sobre muitos aspectos, alguns dos quais nunca haviam sido analisados criteriosamente por parte deles.

 

CONCLUSÃO

De acordo com a hipótese levantada no problema do projeto deste trabalho, foi possível verificar, através da pesquisa de campo que, nesta amostra, os idosos que participam ativamente de algum grupo percebem ter uma melhor qualidade de vida se comparados àqueles que não participam regularmente de nenhuma atividade de grupo.

Participar ativamente de um grupo pareceu interferir positivamente na avaliação do idoso relativamente à sua qualidade de vida, pois proporciona um suporte social, contribui para minimizar os sentimentos de solidão e abandono. Do mesmo modo, a atividade também parece ser um importante fator, já que ajuda a reforçar no idoso o sentimento de valor pessoal, ao mesmo tempo em que possibilita uma forma de crescimento pessoal. Seria importante se futuros trabalhos nesta área investigassem o papel do engajamento em grupos na depressão e sentimentos de solidão.

Um outro aspecto interessante observado nos contextos grupais em que foi realizada a pesquisa e que merece ser brevemente mencionado é a intergeratividade. O grupo de coral, assim como o religioso não são exclusivos para pessoas da terceira idade, portanto nos mesmos ocorrem relações intergeracionais. Estudos vêm mostrando que a ocorrência de tais tipos de relações nos ambientes familiares ou sociais são benéficas para o bem-estar e a qualidade de vida do idoso, proporcionam o convívio com a diversidade geracional além de promover a troca de experiências enriquecedoras para todas as gerações envolvidas (Coutrim, 2006; Goldani, 2004).

Interessante destacar que, na terceira idade, as pessoas parecem buscar espaço para fazer uma reflexão acerca de seu passado e pensar sobre o que a vida ainda pode lhe proporcionar. Dessa forma, pode-se fazer um paralelo entre o que foi observado na pesquisa de campo e a teoria de Erikson (Papalia, Olds, & Feldman, 2006). O teórico afirmava que, no curso da vida, o indivíduo passa por uma série de crises, cujas resoluções dão espaço ao surgimento de uma “virtude”. O idoso passa pela crise da integridade do ego versus desespero, momento no qual ele precisa avaliar, resumir e aceitar sua vida e aceitar a proximidade da morte. Ao final dessa crise, espera-se que o idoso adquira sabedoria, ou seja, aceite o que já foi vivido sem maiores arrependimentos. Um idoso que adquiriu essa virtude provavelmente avaliará sua qualidade de vida como satisfatória.

 

 

REFERÊNCIAS

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1 Os termos “ativo” e “independente” foram descritos na introdução.
* Aluna do Curso de mestrado da UFJF Contato: Rua Padre Acácio Duarte, 20 – Jardim Esperança. Juiz de Fora / MG lucienecm@yahoo.com.br
** Professora do CES/JF

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