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Psicologia em Pesquisa

On-line version ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.2 no.2 Juiz de Fora Dec. 2008

 

RELATOS DE PESQUISA

 

Uma matriz de influências como instrumento para análise da obra de E. C. Tolman

 

A matrix of influence as tool to analysis of E. C. Tolman’s work

 

 

Carlos Eduardo Lopes*

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus de Paranaíba, Paranaíba-MS

 

 


RESUMO

O objetivo deste ensaio é examinar algumas influências psicológicas e filosóficas na obra de Edward Chace Tolman. Em primeiro lugar, descrevemos uma matriz de influências: em uma perspectiva psicológica, encontramos o Behaviorismo de J. B. Watson e a Gestaltpsychologie de W. Köhler e K. Koffka. Já em uma perspectiva filosófica, encontramos a influência do Contextualismo de S. C. Pepper e do Neorrealismo de R. B. Perry e E. B. Holt. Partindo dessa matriz de influências, buscou-se, então, elucidar a primeira fase da obra de Tolman, que compreende o período de 1922 até meados da década de 1930. Embora a presente análise se restrinja a esse período inicial, essa matriz de influências pode ser útil para a compreensão dos posteriores desdobramentos da obra de Tolman.

Palavras-chave: Tolman, Matriz de influências, Behaviorismo.


ABSTRACT

The aim of this paper is to analyze some psychological and philosophical influences on the work of Edward Chace Tolman. We begin by describing a matrix of such influences: in a psychological perspective, the Behaviorism of J. B. Watson, and the Gestaltpsychologie of W. Köhler and K. Koffka; in a philosophical perspective, the Contextualism of S. C. Pepper, and the New Realism of R. B. Perry and E. B. Holt. From this perspective, we tried to elucidate the first part of Tolman’s work (between 1922 and the middle of the 1930’s). Although we have analyzed only this inicial period, we think this matrix of influences could be useful to understand the ulterior development of Tolman’s work.

Keywords: Tolman, matrix of influence, Behaviorism.


 

 

No âmbito da Psicologia, o termo ‘Behaviorismo’ é, geralmente, empregado para designar um conjunto de obras que têm em comum a proposta de um estudo científico do comportamento. Como a maioria das classificações que se tenta impor à História da Psicologia, o Behaviorismo sofre de algumas imprecisões. Em primeiro lugar, há autores, como, por exemplo, Koffka (1935) e Köhler (1929/1970), que defendem o estudo científico do comportamento, sem que possam ser classificados como behavioristas. Por outro lado, há autores que se consideram behavioristas, mas que fogem dos parâmetros geralmente empregados nessa definição. Este parece ser o caso de Edward Chace Tolman (1886/1956).

Uma breve consulta a manuais de História da Psicologia (Marx & Hillix, 1963/1978; Schultz & Schultz, 1996/1969) revela uma unanimidade em relação à obra de Tolman: não há como classificá-la de maneira inequívoca. Isso se torna evidente pelos diferentes nomes atribuídos à psicologia tolmaniana: Teoria Cognitiva de Campo (Marx & Hillix, 1963/1978); Behaviorismo Intencional (Schultz & Schultz, 1969/1996); Behaviorismo Cognitivo (Wertheimer, 1970/1978); Behaviorismo Mediacional (Chiesa, 1994); Teoria de Sinal-Gestalt (Carrara, 1998/2005); Modelo Cognitivo (Abib, 1997).

Essa diversidade de denominações e classificações da obra de Tolman deve-se, em parte, ao fato de muitos dos conceitos propostos por esse autor terem sofrido mudanças no decorrer da obra. Isso fica evidente quando olhamos, por exemplo, para a definição de comportamento. Considerando apenas os textos teóricos iniciais de Tolman1, é possível encontrar diferentes conceitos que participam da definição de comportamento: agência estimuladora, pista-comportamento, objetivo-comportamento e ato-comportamento (1922/1966a); situação ou estímulo ambiental, fatores de manipulação e fatores de discriminação (1926/1966c); Gestalt-Sinal, Objeto-Sinal, Objeto-Significado, Relação-Meio-Fim (Tolman, 1932).

O objetivo deste artigo é tentar esclarecer algumas características gerais da obra de Tolman a partir de uma análise das influências psicológicas e filosóficas desse autor. Para tanto, examinaremos como essa matriz de influências pode elucidar a primeira fase da obra de Tolman, que compreende o período de 1922 até meados da década de 1930. Embora a presente análise se restringirá a esse período inicial, acredita-se que essa matriz de influências pode ser ampliada, tornando-se uma ferramenta útil para futuras análises da obra de Tolman.

 

Uma matriz de influências de E. C. Tolman

Edward Chace Tolman nasceu em 4 de abril de 1886, em Newton, Massachusetts. Pelo fato de interessar-se por matemática e ciências, e por pressão familiar, graduou-se no Instituto de Tecnologia de Massachusetts em 1911. Ao final do curso, descobriu que tinha mais afinidades com a vida acadêmica que com a carreira aplicada da engenharia e, depois de entrar em contato com a obra de William James, hesitou entre a Filosofia e a Psicologia. Optou pela Psicologia, indo estudar em Harvard, onde obteve seu doutorado em 1915 (Tolman, 1952/1968).

No entanto, a escolha pela Psicologia não afastou Tolman da Filosofia. Isso porque na época em que esteve em Harvard, ainda não havia separação entre os departamentos de Psicologia e Filosofia (Tolman, 1952/1968). Consequentemente, Tolman encontrou durante seu doutoramento uma série de filósofos que influenciaram no desenvolvimento posterior de sua obra. Um exemplo emblemático dessa influência filosófica de Harvard são os neorrealistas Ralph B. Perry e Edwin B. Holt.

Ainda no contexto filosófico, um colega de Harvard teve importante papel na constituição da obra de Tolman: Stephen C. Pepper. Pepper terminou seu doutorado em Harvard um ano depois de Tolman, tornando-se professor em Berkeley em 1919 (universidade em que Tolman lecionava há um ano). Tal como Tolman, Pepper foi aluno de Perry, e seu posicionamento filosófico (o contextualismo) é um tipo de pragmatismo que, muitas vezes, aproxima-se das concepções filosóficas de Tolman (Smith, 1986).

Além disso, no período que corresponde ao seu doutoramento (1911-1915), Tolman viu surgir um dos principais debates da Psicologia norte-americana, que envolveu o Introspeccionismo de Edward Bradford Titchener e o Behaviorismo de John Brodus Watson. Como resultado desse debate, a partir da publicação do manifesto behaviorista, Psychology as the behaviorist views it (Watson 1913), a Psicologia norte-americana voltou-se cada vez mais para o ideal objetivista do estudo científico do comportamento. No caso de Tolman, embora boa parte de sua formação contemplasse os cânones do Introspeccionismo, em 1918, trabalhando em Berkeley, ele já se considerava um behaviorista (Tolman, 1952/1968).

Mas o viés behaviorista de Tolman não o impediu de interessar-se por uma outra concepção de Psicologia, que anos depois despontaria nos Estados Unidos: a Gestaltpsychologie. O primeiro contato de Tolman com a Gestaltpsychologie se deu em 1912, quando ele foi enviado por Langfeld, seu orientador à época, para Giessen, Alemanha, onde participou como sujeito de alguns experimentos conduzidos por Kurt Koffka (Tolman, 1952/1968). Anos depois, em 1923, Tolman encontrou Koffka e Köhler no International Congress of Psychology realizado em Oxford (Sokal, 1994).

Desse modo, as influências de Tolman podem ser organizadas em duas categorias: filosóficas e psicológicas. No primeiro caso, encontramos o pragmatismo filosófico na figura de William James e seus desdobramentos, sobretudo, o neorrealismo de Ralph B. Perry e Edwin B. Holt e no contextualismo de Stephen C. Pepper. Já do lado da Psicologia, encontramos, basicamente, o behaviorismo de John. B. Watson e a Gestaltpsychologie, representada por Kurt Koffka e Wolfgang Köhler.

 

A primeira fase da obra de E. C. Tolman

Desde seu primeiro artigo teórico, A New Formula for Behaviorism, Tolman (1922/1966a) já afirmava que o Behaviorismo era, na sua opinião, o modelo de Psicologia mais adequado (Smith, 1986). Entretanto, como o próprio título do artigo sugere, Tolman não se filiou ao Behaviorismo de Watson, mas a um novo Behaviorismo. De certa forma, a obra de Tolman pode ser considerada como uma série de tentativas de construir esse novo Behaviorismo.

O ponto de partida de Tolman (1922/1966a) foi a insuficiência e incoerência da proposta de Watson. A insuficiência da proposta watsoniana aparece com a adoção de uma ontologia materialista, que culmina na exclusão de todo e qualquer fenômeno mental. Dessa forma, diante de conceitos mentais, como emoções, pensamento, propósito e consciência, Watson (1919, 1925/1930) propôs uma tradução em termos físico-fisiológicos (geralmente como respostas de glândulas e da musculatura lisa) e, com a justificativa de que se tratavam de ilusões, eliminou ontologicamente tudo aquilo que não era passível de tradução2 (Heidbreder, 1933/1975).

Já a incoerência do Behaviorismo watsoniano surge com a introdução de explicações fisiológicas. Em um primeiro momento, Watson (1919) declara que o Behaviorismo está interessado na atividade do organismo como um todo e que, mesmo o estudo das emoções, prescinde da fisiologia:

“é perfeitamente possível para o estudioso do comportamento ignorar inteiramente o sistema nervoso simpático, as glândulas e os músculos lisos, ou mesmo o sistema nervoso central como um todo, e passar a escrever um estudo compreensível e acurado das emoções” (p. 195).

Talvez na tentativa de corrigir seus exageros, mencionados anteriormente, Watson (1925/1930) 3 acaba propondo uma tradução de alguns conceitos mentais em termos fisiológicos. E o caso mais evidente foi justamente o das emoções. Dessa forma, para Watson, as emoções podiam ser entendidas como respostas de vísceras, que, a despeito de sua localização, estão sujeitas às mesmas leis dos reflexos motores. Ora, o funcionamento de vísceras é claramente de natureza fisiológica e por isso seu estudo está voltado para as partes do organismo.

Assim, o projeto de Tolman (1922/1966a) nasce com a difícil tarefa de introduzir na Psicologia behaviorista os fenômenos mentais, excluídos pelo materialismo ontológico de Watson. Essa dificuldade era ainda maior porque, desde o início, Tolman estava consciente de que a explicação do mental não poderia ser nem fisiológica, nem mentalista. Vale ressaltar, portanto, que o projeto de Tolman faz uma importante distinção entre ‘mental’ de ‘mentalista’. Em outras palavras, é possível empregar conceitos mentais com um significado behaviorista (Tolman, 1925/1966b, 1926/1966c). Se ignorarmos esse fato, seremos levados a concluir, de maneira equivocada, que por falar de propósito e cognição, Tolman deve ser considerado um mentalista.

Além da introdução de conceitos mentais na explicação do comportamento, a proposta de Tolman (1922/1966a) voltou-se, desde o início, para uma concepção molar. Segundo Tolman (1952/1968), a diferença entre visão molar e molecular do comportamento já havia sido proposta por McDougall, embora esse ainda estivesse, em certa medida, preso ao mentalismo. Em poucas palavras, em uma visão molar o comportamento é entendido como um todo que tem uma direcionalidade ou intencionalidade que desaparece quando esse todo é quebrado em partes elementares. É justamente esse tipo de análise que destrói as propriedades imanentes do comportamento, que se encontra na base de uma visão molecular, pois esta considera o comportamento como uma soma mecânica de elementos (como, por exemplo, no modelo reflexo watsoniano).

Essa concepção molar de comportamento aproxima a proposta de Tolman (1932, 1933/1966d) da Gestaltpsychologie, o que se torna evidente no conceito de comportamento como Gestalt-Sinal, entendido como uma estrutura, cujos elementos (Objeto-Sinal, Objeto-Significado e Relação-Meio-Fim) estão fundidos em um todo interdependente (Tolman, 1932).

Há diferenças, porém. Para Tolman (1933/1966d), a Gestaltpsychologie é um perceptualismo que, embora tenha avançado em relação ao sensacionalismo, deve ser substituído por um proposicionalismo. Em poucas palavras, o mérito da Gestaltpsychologie estaria na defesa de que o organismo responde a todos (Gestalten) e não a elementos sensoriais (sensações). Mas, para Tolman esses todos não são Gestalten, mas sim Gestalt-Sinais, pois eles já contêm um propósito, uma direcionalidade4.

 

A influência do Neorrealismo

A primeira tentativa de explicação dos fenômenos mentais por Tolman (e. g. 1926/1966c) será empreendida via Neorrealismo (Smith, 1986). Em poucas palavras, o neorrealismo é um tipo de ontologia inclusiva em que o mental e o físico (pensamentos e coisas) são ontologicamente equivalentes, ou seja, pertencem a uma mesma categoria de existência. Seguindo a terminologia do empirismo inglês, podemos dizer que para o neorrealismo só há qualidades primárias (Passamore, 1957/1986). Uma das consequências da adoção dessa ontologia inclusiva é que mental e físico passam a estar no mesmo nível epistemológico. Isso leva à inusitada conclusão de que a mente de alguém pode ser diretamente conhecida por outras pessoas. Transpondo essa conclusão ao Behaviorismo, Tolman (1926/1966c) dirá que a mente (ou os fenômenos mentais) são diretamente observáveis no comportamento.

É nesse sentido que Tolman (1926/1966c) defenderá, pelo menos no início de sua obra, que propósito e cognição são propriedades imanentes do comportamento. Em outras palavras, quando olhamos para o comportamento de um organismo, seja ele um rato ou um homem, vemos uma ação dirigida a uma meta – propósito –, e uma prontidão a responder de uma determinada maneira – cognição. Dessa forma, propósito e cognição são diretamente observados no comportamento, e isso não deve ser confundido com a inferência de propósito e cognição a partir do comportamento, o que, segundo Tolman (1925/1966b), seria mentalismo: “a diferença fundamental entre ele[Mc Dougall] e nós surge do fato de que, sendo um ‘mentalista’, ele meramente infere propósito desses aspectos do comportamento; enquanto nós, sendo behavioristas, identificamos propósito com esses aspectos” (p. 33).

 

O abandono do neorrealismo e a adoção de um dualismo epistemológico

Não demorou muito para que Tolman percebesse que essa proposta inicial tinha graves falhas (Smith, 1986). Depois de acompanhar uma série de experimentos de um de seus alunos, nos quais ratos em labirintos em “T” eram submetidos a diferentes situações de reforçamento, Tolman foi levado a concluir que a experiência pode refutar a expectativa ou hipóteses dos ratos (bem como dos experimentadores) (Smith). Em outras palavras, os organismos não são meros expectadores passivos do ambiente, mas intérpretes ativos, o que explicaria a persistência de certos padrões de comportamento a despeito de mudanças no ambiente. Isso quer dizer que um organismo não age de maneira errática no ambiente, mas de uma maneira ordenada. Até aqui nenhuma novidade, uma vez que a prontidão a responder (cognição) partia justamente desse fato. Essa ordem, contudo, nem sempre é adequada na obtenção dos objetivos desse organismo, ou seja, eventualmente os organismos erram e, consequentemente, não alcançam seus objetivos.

Ao admitir que o organismo pode falhar na obtenção de suas metas, Tolman (1935/1966e) ver-se-á obrigado a aceitar que a relação entre organismo e ambiente não é direta, mas mediada por hipóteses ou expectativas condicionadas, principalmente, pela história do organismo. Com isso, cognição e propósito deixam de ser consideradas propriedades do comportamento para tornarem-se propriedades das expectativas e hipóteses que subjazem ao comportamento. Como expectativas e hipóteses não são diretamente observáveis, Tolman terá que abandonar a epistemologia neorrealista e admitir que tanto ratos quanto observadores não têm um conhecimento direto do mundo. Isso equivale a dizer que no estudo do comportamento há aspectos que são observados e aspectos que são inferidos (ou construídos) pelo observador. Com isso, Tolman (1932) abandona o neorrealismo e passa a defender uma espécie de dualismo epistemológico.

 

Dualismo epistemológico: Behaviorismo ou Mentalismo?

Com a adoção desse dualismo epistemológico, o conceito de comportamento ganha então um novo elemento: a Expectativa-Gestalt-Sinal que, por anteceder a Gestalt-Sinal, passa a ser considerada como determinante do comportamento (e.g. Tolman, 1935/1966e). Assim, propósito e cognição deixam de ser propriedades imanentes do comportamento, para tornarem-se determinantes do comportamento.

É justamente nesse ponto que podemos nos perguntar se a adoção de um dualismo epistemológico afasta, necessariamente, Tolman do Behaviorismo? Em outras palavras, essa transição do neorrealismo para o dualismo epistemológico coincide com a transição do Behaviorismo para o Mentalismo?

Essa filiação ao mentalismo ocorreria se o dualismo epistemológico fosse acompanhado por um dualismo ontológico. Ou seja, ao admitir a necessidade de aspectos inferidos no estudo do comportamento, Tolman estaria defendendo que esta inferência diz respeito a uma realidade inacessível do ponto de vista da observação (a fenômenos de natureza mental). Portanto, a questão que se coloca é qual a natureza dessas inferências? E mais, como lidar com o fato de Tolman considerar propósito e cognição como determinantes do comportamento?

Para responder a essas questões é necessário avançar mais um passo na análise das influências de Tolman. Para tanto é preciso examinar um último conceito do sistema tolmaniano: os mapas. O emprego do conceito de mapas por parte de Tolman é alvo de muitas críticas behavioristas (e. g. Skinner, 1974). O conceito de mapa pode ser entendido a partir da metafísica adotada por Tolman: o contextualismo pepperiano. De acordo com essa concepção, um ato só pode ser explicado em um contexto, composto por texturas criadas por aquele que está interpretando esse ato. Em suma, todo ato é um ato-em-contexto (Pepper, 1942).

Dessa forma, um ato proposital só pode ser entendido a partir de uma inter-relação funcional entre “Pistas-Atos-Metas”. Isso quer dizer que o propósito de uma ação não é diretamente revelado pela observação, mas pela interpretação construída pelo observador da ação. Os mapas são justamente essa interpretação. Os mapas são, portanto, representações do ambiente construídas pelo organismo e que permitem uma ação eficaz nesse ambiente.

Assim, a relação entre organismo e ambiente é uma relação mediada por mapas. Isso vale tanto para o organismo que está sendo observado, quanto para o observador. Em outras palavras, quando o cientista observa o comportamento de um rato no labirinto, ele infere um mapa condicionado pela experiência prévia do rato nesse ou em outros labirintos. Essa inferência (do cientista), no entanto, também está contextualizada por um mapa do próprio cientista, que é a teoria científica a partir da qual ele interpreta o comportamento do rato, atingindo assim determinados objetivos (no caso previsão e controle do comportamento do rato).

É importante ressaltar que, embora os mapas representem a realidade, eles não são cópias ou espelhos da realidade. Isso quer dizer que para entendermos o conceito de mapas, segundo uma interpretação contextualista, temos que adotar uma concepção alternativa de representação. Representação, nessa perspectiva, passa a ser definida do ponto de vista funcional, ou seja, de sua função no contexto da relação ação-meta (Tolman, 1932). Em suma, trata-se de uma concepção pragmatista de representação.

Seguindo essa definição pragmatista de representação, todo mapa passa a ser necessariamente incompleto, pois, caso contrário, deixaria de ser um mapa para tornar-se a própria realidade (Tolman, 1932). O mapa é, portanto, uma ferramenta que permite uma ação eficaz em relação a uma meta. Isso equivale a dizer que um mapa nada mais é que uma teoria acerca da realidade, que empregamos para atingir determinados objetivos.

Com isso, abre-se a possibilidade de uma interpretação instrumentalista do conceito de mapas. Em outras palavras, a legitimidade desse conceito passa a ser aferida por sua utilidade para alcançar os objetivos da ciência do comportamento (previsão e controle do comportamento) e não por sua correspondência com uma realidade transcendente ao comportamento (Tolman, 1932). Consequentemente, não há incompatibilidade entre o emprego do conceito de mapas e o Behaviorismo: o conceito de mapas não é irremediavelmente mentalista.

Dessa forma, o dualismo epistemológico de Tolman (1932) não é acompanhado por um dualismo ontológico. Nas palavras do autor: “Em suma, nossa doutrina não é um transcendentalismo ou um dualismo metafísico, ainda que seja um dualismo epistemológico” (p. 428).

 

Conclusão

Boa parte da dificuldade de classificação da obra de E. C. Tolman talvez se deva a uma análise superficial dos textos desse autor e a um desconhecimento de sua matriz de influências. Quando Tolman reconhece a limitação da epistemologia neorrealista e adota um dualismo epistemológico, essa mudança não é acompanhada por um dualismo ontológico (Smith, 1986). Em outras palavras, ao admitir que a relação com o ambiente não é direta, mas mediada, Tolman (1932) o está fazendo de uma perspectiva pragmatista. Consequentemente, ele não está defendendo a existência de um mundo real impossível de ser diretamente acessado, mas simplesmente mostrando que nossa relação com o mundo não é desinteressada ou neutra. Nossa relação com o mundo é contextualizada em uma relação ação-meta: agimos de modo a obter determinados objetivos e, por isso, a maneira com que agimos depende do objetivo. Dessa forma, se adotamos como objetivo a previsão e controle do comportamento, nosso mundo molda-se a esse objetivo, de modo que aspectos irrelevantes a esse objetivo deixam de ser representados por nosso mapa. Já, se nosso objetivo é contemplativo, estético ou mesmo religioso, o mundo que veremos será completamente diferente.

Parece, então, que a classificação de Tolman como um mentalista (e, consequentemente, como não-behaviorista) repousa, em grande parte, na ausência de uma análise mais cuidadosa da epistemologia e da ontologia adotada por esse autor, o que pode ser feito pelo estabelecimento de uma matriz de influências. Quando essa análise é feita, a proposta de Tolman torna-se mais clara: trata-se de um Behaviorismo do ponto de vista ontológico (pois não admite a existência de eventos mentais pertencentes a uma categoria primordial), mas também de um Cognitivismo do ponto de vista epistemológico, pois defende a necessidade do emprego dos conceitos de mapas para explicar o comportamento.

 

 

Referências

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1 Quando falamos de textos teóricos iniciais temos como referência o artigo de 1922, A New Formula for Behaviorism, como o primeiro texto inteiramente teórico de Tolman.
2 Embora a proposta inicial de Watson (1913) seja hesitante em relação a esse assunto, é possível encontrar afirmações que já antecipam sua filiação a uma ontologia materialista, como por exemplo, “Há a necessidade de duvidar cada vez mais do que a psicologia chama de imagens” (p. 176) ou “Essa eliminação sugerida dos estados de consciência como objetos de investigação em si mesmos, removerá as barreiras, que atualmente existem, entre a psicologia e as outras ciências. As descobertas da psicologia tornam-se os correlatos funcionais da estrutura e levando a explicações em termos físico-químicos” (p. 173).
3 Tolman (1922/1966a) aponta essa incoerência já no interior do próprio Standpoint (Watson, 1919), quando Watson define estímulo e resposta de maneira físico-fisiológica e depois afirma que é possível ignorar a fisiologia no estudo do comportamento.
4 Essa crítica de Tolman (1933/1966d) foi respondida, posteriormente, por Koffka (1935), empregando alguns conceitos tolmanianos para elucidar aspectos da Gestaltpsychologie.
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