SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.2 número2Uma matriz de influências como instrumento para análise da obra de E. C. TolmanEstresse e enfrentamento em pais de pessoas com necessidades especiais índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. v.2 n.2 Juiz de Fora dez. 2008

 

RELATOS DE PESQUISA

 

Propriedades psicométricas de tarefas para avaliar funções executivas em pré-escolares

 

Adaptation and the psychometric investigation of a set of executive tasks for evaluation of executive functions in preschool children

 

 

Lorenzo Lanzetta NataleI; Maycoln Leôni Martins TeodoroII; Gustavo de Val Barreto III ; Vitor Geraldi Haase III, *

I Universidade de Lavras – Lavras
II Universidade do Vale do Rio dos Sinos – São Leopoldo
II Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte

 

 


RESUMO

Este trabalho teve como principal objetivo adaptar e investigar algumas propriedades psicométricas de um conjunto de tarefas de funções executivas. Participaram do estudo 91 crianças selecionadas de uma amostra aleatorizada e demograficamente representativa de uma cidade do interior de Minas Gerais. Os principais resultados encontrados foram: a obtenção de normas que são regionais para um conjunto de oito tarefas executivas; as tarefas executivas selecionadas são sensíveis ao desempenho da amostra com relação aos fatores de idade, de sexo e tipo de escola; o desempenho das crianças em tarefas de funções executivas melhora com a idade.

Palavras-chave: Funções executivas, Psicometria, Neuropsicologia, Desenvolvimento.


ABSTRACT

This work had as the principal objective the adaptation and the psychometric investigation of a set of executive functions tasks. Ninety-one children were included in this study selected from a random and demographicaly representative sample of a town of Minas Gerais state. The main results obtained were: the attainment of regional norms for a set of eight executive tasks, that the executive tasks selected are sensible at the sample’s performance to age, sex and school type and the performance of the children in tasks of executive functions gets better as they grow up.

Keywords: Executive functions, Psychometri, Neuropsychology, Development.


 

 

Introdução

A neuropsicologia do desenvolvimento é uma disciplina científica que estuda o desenvolvimento normal e patológico do funcionamento neurobiológico, neurocognitivo e neurocomportamental ao longo do ciclo da vida (Smidts, 2003). Na área de saúde infantil, a neuropsicologia do desenvolvimento e a neuropsicologia infantil têm-se destacado como duas disciplinas importantes, pois vêm auxiliando no diagnóstico e no tratamento precoce de alterações, inatas ou adquiridas, do desenvolvimento cerebral cognitivo e comportamental (Lefèvre, 2004).

Na prática clínica, a avaliação neuropsicológica é indicada para casos em que existam a suspeita da presença de déficits e/ou de comprometimentos cognitivos ou comportamentais, de possível origem neurológica. Esta estratégia é utilizada para realizar o diagnóstico diferencial entre os distúrbios globais do desenvolvimento, as disfunções cerebrais específicas e os distúrbios de aprendizagem, dentre outros. Entretanto, sua importância não se limita apenas aos aspectos do diagnóstico, pois, ao traçar o perfil evolutivo do distúrbio, a avaliação contribui para uma melhor delimitação do prognóstico e auxilia na escolha das estratégias mais eficazes no processo de reabilitação. Segundo Lefèvre (2004), a avaliação neuropsicológica possui uma importância clínica ainda maior na faixa etária pediátrica, pois a mudança do prognóstico pela reabilitação neuropsicológica age como um fator protetor, prevenindo disfunções cognitivas e comportamentais secundárias advindas de restrições educacionais, ocupacionais e familiares injustificadas. Uma aplicação adicional da avaliação neuropsicológica é comparar o resultado de diferentes terapêuticas, indicando qual delas é a mais apropriada e em que contexto clínico deve ser indicada. Segundo Lefèvre (2004) e Lezak, Howieson e Loring (2004), vários são os recursos utilizados na avaliação neuropsicológica infantil: anamnese, testes, escalas, exames de neuroimagem e informações obtidas com os cuidadores e com a escola.

De acordo com Pennington (1997), dentre as múltiplas funções cognitivas a serem avaliadas, as funções linguísticas do hemisfério esquerdo - principalmente as funções envolvidas no processamento fonológico - e as funções executivas (FE) do córtex pré-frontal (planejamento, manutenção de set (predisposições), atenção seletiva, inibição, iniciação de comportamentos cognitivos e sociais) merecem uma atenção especial. O motivo é que a linguagem e as FE apresentam uma maior vulnerabilidade aos distúrbios do desenvolvimento, o que se deve ao fato de os lobos pré-frontais serem as estruturas cerebrais de evolução mais recente na espécie humana, sendo, portanto, mais suscetíveis a variações genéticas e ambientais. Resumidamente, as FE são as habilidades cognitivas que permitem que o indivíduo realize com sucesso ações independentes, propositadas e autorreferentes e podem ser conceitualizadas em quatro grandes fatores: a volição, o planejamento, a ação propositada e o desempenho eficaz e adaptativo e são apenas superficialmente superponíveis às funções dos lobos frontais (para uma revisão vide Garon, Bryson, & Smith, 2008; Smidts, 2003). Adicionalmente, as FE desempenham papel chave na caracterização de diferentes doenças neurológicas e neuropsiquiátricas. Cabe ressaltar que o desenvolvimento saudável das FE está relacionado ao desenvolvimento das habilidades sociais e acadêmicas (Blair, Zelazo, & Greenberg, 2005).

Apesar da importância e do grande interesse sobre a avaliação e sobre o desenvolvimento das FE, ainda é bastante limitado o número de medidas validadas, confiáveis e normatizadas para avaliar os diversos aspectos das FE ao longo do arco da vida (Blair, Zelazo, & Greenberg, 2005). Nesse contexto, vários autores (Ardila, Pineda, & Rosselli, 2000; Gonzáles, Sanchez, & Bordas, 2000; Zelazo, Muller, Frye, & Marcovith, 2003) ressaltam a importância da utilização e do desenvolvimento de tarefas e de baterias para a pesquisa e para a avaliação neuropsicológica infantil, principalmente para a avaliação das chamadas FE. Torna-se necessário, então, o desenvolvimento de tarefas adequadas para amostras do Brasil juntamente com a obtenção de normas colhidas entre a população não clínica. Isso é o principal objetivo do presente trabalho. Desse modo, os objetivos deste estudo foram, primeiramente, a construção de um protocolo para a aplicação e correção de tarefas de avaliação das funções executivas para crianças de quatro a seis anos. Em segundo lugar, buscou-se a normatização dos escores através de normas intragrupo para uma cidade do interior de Minas Gerais.

 

Método

Participantes

O presente estudo foi realizado na cidade de Timóteo (MG), a 215 Km de Belo Horizonte. Trata-se de uma cidade com 71.478 habitantes, sendo 14.273 estudantes matriculados no ensino fundamental em 26 estabelecimentos e 2.787 estudantes matriculados na pré-escola em 23 estabelecimentos públicos e particulares (IBGE, 2000). Como pode ser observado na Tabela 1, a amostra consta de 91 crianças, dentre elas 30 de quatro anos (50% sexo feminino), 30 crianças de cinco anos (46,7% do sexo feminino) e 31 crianças de seis anos (53,33% do sexo feminino). A amostragem das escolas foi aleatória e estratificada, e a proporção entre escolas públicas e particulares é de 2:1, respectivamente. Com esta estratégia, foram coletados dados de uma amostra representativa da população, com cerca de 3% de pré-escolares do município avaliados.

 

 

Seleção das Tarefas e Investigação das Funções Executivas

Após a revisão da literatura, foram selecionadas e adaptadas oito tarefas que se mostraram medidas adequadas das Funções Executivas (FE) para crianças da faixa etária de quatro a seis anos. Completou a coleta um procedimento de avaliação da idade mental das crianças através da Escala de Maturidade Mental Columbia (Alves & Duarte, 2001).

Bateria de Investigação das Funções Executivas

1) Tarefa Visomotora de Santucci:

A tarefa visuomotora descrita por Santucci (1981) consiste na apresentação individual de nove cartões (de 7,5 cm x 11 cm) com figuras geométricas que vão aumentando progressivamente o nível de dificuldade. Cada cópia recebe um escore de acordo com os critérios de sucesso, e o escore máximo é de 34 pontos. O aplicador deve utilizar uma folha para cada modelo que deve ser reproduzido pela criança. A reprodução de tais figuras, no que diz respeito às relações espaciais e perceptivas, está ligada ao desenvolvimento cognitivo, às praxias construtivas, à organização visuoespacial e às FE (Lezak, Howieson, & Loring, 2004).

2) Tarefa de Alcance de Dígitos Ordem Direta e Inversa:

Uma adaptação da tarefa do alcance de apreensão de dígitos (digit span), que compõe a escala WISC (Wechsler, 1974), foi utilizada para avaliar a capacidade de armazenamento na memória de curto-prazo verbal. Originalmente, o procedimento consiste em dois ensaios de números aleatórios e o critério de acerto e a pontuação obtida pela criança correspondem ao tamanho da maior série de dígitos que ela consegue repetir corretamente pelo menos uma vez em dois ensaios. Existem duas versões dessa tarefa. Na primeira versão, ordem direta, pede-se que a criança repita a sequência de números na mesma ordem que foi dita. Na segunda versão, ordem inversa, pede-se para que a criança repita a sequência na mesma ordem que foi dita. No presente estudo, trabalhou-se com três ensaios de números aleatórios, e a criança deve acertar dois. Tradicionalmente, a memória de curto prazo está associada ao funcionamento do córtex pré-frontal dorsolateral (PFDL) e do córtex pré-frontal ventrolateral (PFVL) (Lezak, Howieson, & Loring, 2004).

3) Tarefa de Fluência Verbal

A capacidade de associação semântica e fluidez de execução de operações cognitivas foi avaliada através de um procedimento de fluência verbal utilizando categorias semânticas. O objetivo da tarefa de fluência verbal, adaptado a partir de Welsh, Pennington, Ozonoff, Rouse, e McCabe (1990) é fazer com que a criança produza, de modo rápido, o maior número possível de exemplares de uma categoria. Os examinadores anotam os itens gerados pelas crianças no intervalo de 60 segundos (número de palavras corretas, número de palavras erradas e as perseverações). O procedimento foi repetido com as categorias “bichos”, “partes do corpo”, “coisas de comer” tristeza e alegria. Fama et al. (2000), em um estudo de neuroimagem funcional com PET e fMRI, indicam que a fluência verbal está relacionada ao funcionamento do lobo frontal, primeiramente, ao córtex pré-frontal do hemisfério dominante da linguagem.

4) Tarefa de Busca Visual de Figuras

A tarefa de busca visual foi adaptada a partir de procedimentos descritos por Welsh e cols. (1990) e tem por objetivo avaliar a capacidade de atenção, concentração e a busca ordenada de objetos (monitoramento e planejamento). O material de estímulos consiste de oito folhas cada uma, com oito diferentes figuras (sorvete, urso, chapéu, carro, cama, cavalo, passarinho e maçã) que se repetem cinco vezes, totalizando quarenta estímulos. A tarefa da criança é nomear o estímulo alvo para, em seguida, procurá-lo dentre os distratores o mais rápido possível. Em cada uma das folhas, uma das figuras funciona como estímulo-alvo. Os escores registrados são o tempo de execução, o número de acertos e o número e tipo de erros (omissão, ou perseveração). Os escores parciais são somados, originando um escore máximo de acertos igual a 40.

5) Tarefa de Busca Visual de Quadrados

A tarefa de busca visual de quadrados (versão lápis-e-papel) foi elaborada a partir da versão computadorizada (vide Zimmermann, 1995). Ao participante é solicitado assinalar o mais rápido possível um estímulo alvo dentre vinte e cinco estímulos distratores. São realizadas dez tentativas em cada sessão e, em cada tentativa, o estímulo encontra-se em uma posição diferente. Segundo Lezak, Howieson, e Loring (2004), as tarefas de busca de objetos envolveriam habilidades perceptivo-visuais básicas, atencionais, de armazenamento e de monitoramento da informação.

6) Tarefa de Discriminação de Lista de Figuras

Para avaliar a memória episódica e a memória para ordem temporal, foi utilizada a versão pictorial da tarefa de discriminação de listas (TDL-UFMG, Haase, Lacerda, Wood, Daker, & Lana-Peixoto, 2001). Essa tarefa é composta de 20 estímulos representando desenhos de objetos comuns, os quais são apresentados individualmente em cartões, a intervalos de 4 segundos, em duas listas. Entre as duas listas, os participantes executam uma tarefa distratora – contar de 1 até 10. Após a apresentação dos 20 estímulos, vem a fase de testes na qual são, apresentados cartões contendo duas figuras. Uma figura já havia aparecido anteriormente e a outra é nova. A tarefa das crianças era identificar qual estímulo e, depois, em qual lista ele já havia aparecido. Tradicionalmente, os lobos temporais mediais estão envolvidos, principalmente, com os processos de codificação e de recuperação da memória declarativa. O lobo temporal esquerdo é comumente associado à memorização de estímulos verbais, e o lobo temporal direito à memorização de estímulos não-verbais ou visuais. Segundo Branco e Costa (2006), deve-se interpretar tais dados simplesmente como indicativos de uma tendência à lateralização e à especialização hemisférica conforme o tipo de material (verbal ou não), pois, na prática, ambos os hemisférios estão envolvidos nos processos de codificação e recuperação da memória declarativa.

7) Tarefa da Torre de Hanói

A tarefa da torre de Hanói (TH) é descrita na literatura (Klahr & Robinson, 1981) como sendo uma tarefa clássica de planejamento e resolução de problemas. A TH constitui-se de uma base de madeira com três hastes de mesmo tamanho, onde são colocados três anéis de tamanhos e cores diferentes. O objetivo do teste é colocar os anéis na haste oposta, movendo um anel de cada vez e não colocar o anel maior em cima do menor. Uma resolução com sucesso implica uma ausência de quebra de regras e uso mínimo de movimentos, ou seja, três movimentos (2n-1, onde n é o número de anéis). Após o pré-teste, é acrescentado o anel intermediário, totalizando sete movimentos. Caso a criança não consiga resolver a tarefa, dá-se uma dica sobre o primeiro movimento, reduzindo para seis e, assim, sucessivamente. Quanto antes a criança resolver o problema, maior será a pontuação. Juntamente com o número de pontos é avaliado o número de quebras de regras. Para que um problema seja solucionado adequadamente, são necessários, pelo menos, três processos cognitivos mais básicos: a representação do problema, o armazenamento online da informação relevante e a coordenação e sequenciação das funções e dos conteúdos mentais. Tais funções estão tradicionalmente associadas ao funcionamento dos lobos pré-frontais, particularmente ao funcionamento do córtex pré-frontal-dorsolateral (Unterrainer & Owen, 2006).

8)Tarefa de Stroop Dia e Noite

A versão da Tarefa de Stroop dia e noite, que se utilizou, foi aplicada conforme os procedimentos descritos por Gerstadt, Hong, e Diamond (1994), tendo como objetivo avaliar a capacidade de inibição de respostas prepotentes. Essa tarefa está dividida em duas partes. A primeira ‘Dia e Noite’ consiste na apresentação aleatória de nove cartões com a figura do dia e de nove cartões com a figura da noite. Após a criança identificar e nomear corretamente o estímulo, é-lhe pedido que diga a palavra noite toda vez que aparecer a figura do dia, e a palavra dia toda vez que aparecer a figura da noite. Essa versão avalia a capacidade de inibição de uma resposta e memória de trabalho, já que a criança precisa manter uma regra na memória. A segunda versão ‘Abstrata’ consiste em 18 apresentações aleatórias de dois estímulos abstratos nomeados arbitrariamente como ‘dia’ e ‘noite’. Essa versão é uma tarefa de memória de trabalho. Estudos de neuroimagem funcional têm relacionado tais funções ao funcionamento dos lobos pré-frontais, principalmente, ao funcionamento do córtex pré-frontal ventromedial, do córtex pré-frontal orbitofrontal, do giro cingulado anterior, das regiões occiptotemporais e ao córtex parietal (Yücel et al, 2002; González, Sánchez, & Bordas, 2000).

Escala de Maturidade Mental Columbia (EMMC)

A EMMC é uma escala não-verbal, composta por 92 itens de classificação de figuras (Alves & Duarte, 1993). As principais medidas avaliadas pela EMMC são: a formação e a utilização de conceitos; o grau de maturação do nível de abstração para a solução de problemas e a avaliação cognitiva dos processos de inteligência gerais e/ou específicos.

 

Resultados

A análise de dados foi realizada no Statistical Package for Social Sciences –SPSS versão 15. A normatização dos escores foi feita utilizando-se de análises estatísticas descritivas (mediana, quartil inferior e quartil superior) e de análises estatísticas inferenciais, que foram realizadas por meio dos testes estatísticos de Kruskal-Wallis e Mann-Whitney para dados não paramétricos. O nível de significância estatística no teste de Mann-Whitney foi de p<0.017, devido à correção de Bonferroni (Pagano & Gauvreau, 2004) para comparações múltiplas. A validade de construto foi investigada por meio do coeficiente de correlação de Pearson, a fim de analisar a validade convergente e discriminante entre as tarefas de FE, e entre estas e a Escala de Maturidade Mental Columbia (Pasquali, 2001, pp125-127), e os escores de fidedignidade foram analisados utilizando-se de dois procedimentos: 1) o teste das duas metades e 2) o alfa de Cronbach. O principal critério de norma (intragrupo) adotado foi o fator idade (Pasquali, 2001).

A descrição dos resultados foi dividida em duas partes. A primeira descreve as análises estatísticas descritivas e inferenciais utilizadas para a normatização dos escores. A segunda descreve os resultados do coeficiente de correlação de Pearson e dos escores de fidedignidade.

Os resultados da Tarefa Visomotora de Santucci estão descritos na Tabela 2. Como pode ser observada, a diferença de mediana para as idades de quatro e seis anos chega a 17 pontos.

 

 

As diferenças etárias da variável pontuação total para a Tarefa de Santucci foram analisadas com o teste estatístico de Kruskal-Wallis (Chi2[2] 31.636, p=0.001). Os resultados no teste estatístico de Mann-Whitney para essa variável indicam existir diferenças estatisticamente significativas entre todos os grupos etários analisados.

Os resultados para a tarefa de Alcance de Dígitos estão separados para a variável ordem direta e ordem inversa (vide Tabela 2). Análises com o teste de Kruskal-Wallis indicaram diferenças significativas tanto para a ordem direta (Chi2[4] = 7.211, p= 0.027) quanto para a inversa (Chi2[4]= 26.486, p= 0.001). Os resultados no teste estatístico de Mann-Whitney apontam não existir diferença estatisticamente significativa de desempenho para a variável pontuação total na ordem direta, entre as crianças de quatro e cinco e entre as crianças de cinco e seis anos. Com relação ao grupo de quatro e seis anos, houve uma diferença estatisticamente significativa de desempenho (Z =-2.632, p= 0.008). Para a variável pontuação total na ordem inversa foram encontradas diferenças importantes de desempenho entre as idades de quatro e seis anos (Z = -4.660, p = 0.001) e entre as idades de cinco e seis anos (Z =-4.011, p = 0.001).

Também na Tabela 2 estão descritos os escores da Tarefa da Torre de Hanói. Análises com o teste Kruskal-Wallis indicaram diferenças significativas para a pontuação total, o número total de tentativas, o número total de quebra de regras. Análises posteriores com o teste de Mann-Whitney indicaram não haver diferença significativa de desempenho, para todas as variáveis estudadas, entre as crianças de cinco e seis anos. Com relação às idades de quatro e seis anos, foi encontrada uma diferença estatisticamente significativa de desempenho para todas as variáveis analisadas; e para as idades de quatro e cinco anos foi encontrada uma diferença estatisticamente significativa de desempenho, somente, para a variável pontuação total (vide Tabela 2).

Os resultados da Tarefa de Fluência Verbal podem ser visualizados na Tabela 3. De modo geral, pode-se observar um aumento gradativo dos escores de fluência verbal com o aumento da idade.

 

 

Diferenças etárias da eficiência verbal total foram analisadas com o teste estatístico Kruskal-Wallis (Chi2[2] 16.821, p < 0.001). Análises posteriores com o teste de Mann-Whitney indicaram diferenças estatisticamente significativas de desempenho entre as idades de quatro e cinco anos (Z =-2.467, p = 0.014) e entre as idades de quatro e seis anos (Z=-4.088, p=0.001).

A Tarefa de Busca Visual de Figuras foi analisada segundo o tempo total gasto pelo participante na sua execução (medido em segundos), a pontuação total e o número de perseverarão. Os resultados comparativos estão descritos na Tabela 3. Análises com o teste estatístico de Kruskal-Wallis indicaram diferenças significativas para todas as medidas da Tarefa de Busca Visual de Figuras entre todas as faixas etárias. Os principais resultados no teste estatístico de Mann-Whitney demonstram haver diferenças estatisticamente significativas de desempenho, para todas as variáveis, entre as crianças de quatro e seis anos. Somente para as variáveis pontuação total e total de perseveração, não foram encontradas diferenças de desempenho em função da idade para o grupo de crianças de cinco e seis anos (p > 0.017). A variável total de perseveração foi a única a apresentar diferença significativa de desempenho em função da idade para a o grupo de crianças de quatro e cinco anos (Z = -2.673, p =0.008.)

Para a Tarefa de Busca Visual de Quadrados foram avaliadas duas variáveis em função da idade com o teste estatístico Kruskal-Wallis. Foram encontradas diferenças significativas tanto para o número total de acertos (Chi2[2] 7.225, p=0.027) quanto para o tempo total em segundos (Chi2[2] 7.322, p=0.026). Análises com o teste de Mann-Whitney indicaram diferença significativa do número total de acertos para as idades de quatro e seis anos (Z = -2.516, p = 0.012) e tempo total entre as idades de quatro e seis anos (Z = -3.874, p = 0.017). Os resultados indicam não haver diferença estatisticamente significativa de desempenho entre as crianças de cinco e seis anos e entre as idades de quatro e cinco anos (vide Tabela 4).

 

 

Foram analisadas duas variáveis para a Tarefa de Discriminação de Listas de Figuras (TDL – UFMG) (vide Tabela 4). Resultados com o teste estatístico Kruskal-Wallis indicaram diferenças significativas para a percentagem de acertos em reconhecimento (Chi2[2]= 6.786, p<0.05) e para a percentagem de acertos em recenticidade (Chi2[4]= 13.516, p<0.05). O teste de Mann-Whitney apontou existir uma única diferença estatisticamente significativa de desempenho em função da idade, entre as crianças de quatro e seis anos para a variável recenticidade (Z = -3.638, p = 0.001).

Foram analisadas as versões Dia e Noite e Abstrata para a Tarefa de Stroop. Não foi encontrada nenhuma diferença significativa com o teste estatístico do Kruskal-Wallis indicando que as crianças de quatro, cinco e seis apresentam distribuição amostral próximas, quando comparado o desempenho em função da idade.

Os resultados da Escala de Maturidade Mental Columbia indicaram, de maneira geral, que a capacidade de raciocínio geral (medida na escala) se encontra entre média e média superior. Apenas um participante do sexo masculino não realizou a tarefa por motivo ignorado É importante ressaltar que nenhum dos participantes foi excluído da amostra, e o menor percentil obtido foi de 27, o que significa um resultado de nível de raciocínio geral médio.

Análises de consistência interna com o Alpha de Cronbach entre os escores obtidos para cada tarefa indicaram valores bastante satisfatórios para as sete tarefas analisadas (alfas entre 0.72 e 0.95). A análise de consistência interna da Torre de Hanói não pode ser analisada devido ao fato de que esta medida só fornece a pontuação total. Os coeficientes de correlação do teste das duas metades r ficaram entre de 0.51 e 0.90. De um modo geral, os coeficientes de correlação situaram-se em uma faixa no máximo moderada de intensidade (em torno de 0.4). No entanto, os coeficientes de correção, entre as tarefas executivas (0.605 = r = 0.024), são, em sua grande maioria, maiores que os coeficientes de correlação entre as tarefas executivas e a escala de maturidade mental Columbia (0.074= r = 0.06).

 

Discussão

O presente trabalho teve como principal objetivo adaptar, padronizar e obter normas regionais intragrupo para uma amostra de uma cidade do interior do estado de Minas Gerais em oito tarefas de Funções Executivas. Os resultados da análise estatística descritiva (mediana, quartis inferior e superior) e dos testes não-paramétricos permitiram a elaboração dos critérios de referência normativos para a amostra. As normas intragrupo indicam que das oito tarefas estudadas, sete delas conseguem discriminar o desempenho da amostra em função da idade, mostrando-se medidas adequadas para avaliar o desempenho executivo. A exceção ocorre no teste de Stroop Dia e Noite, em que o desempenho das crianças não pode ser diferenciado segundo os critérios estatísticos utilizados no presente trabalho. Para a Tarefa de Stroop Dia e Noite, os resultados no teste de Kruskal-Wallis demonstraram que as medidas utilizadas, pontuação total na ordem direta e pontuação total na ordem inversa, somente são capazes de discriminar diferenças nas distribuições amostrais para o tipo de escola. Entretanto, quando realizadas as comparações múltiplas, não são encontradas diferenças estatisticamente significativas. Os resultados da análise descritiva indicam existir um efeito de teto, em que os indivíduos têm desempenho próximo dos 100%. Frente a diferenças tão pequenas entre os escores absolutos, pode vir a ser difícil distinguir entre variações causadas pelo acaso ou fatores relacionados ao desempenho daquelas relacionadas a disfunções neurológicas. Estes resultados apontam para algumas limitações quanto ao uso clínico potencial das versões adaptadas do paradigma de Stroop. Resultados diferentes foram encontrados quando foram comparados o desempenho de pacientes com atraso do desenvolvimento em relação a controles, em que a tarefa mostrou-se capaz de discriminar entre os grupos (vide Natale, Haase, Heleno, Freitas, & Pinheiro, 2002). Todavia, estudos adicionais com populações clínicas e não clínicas se fazem necessários para elucidar esta questão.

Os resultados normativos evidenciam que o desempenho das crianças em tarefas executivas melhora com a idade de modo significativo, estando em conformidade com as teorias em neuropsicologia do desenvolvimento (vide Garon, Bryson, & Smith, 2008). Estas teorias afirmam, em linhas gerais, que o desenvolvimento das FE em crianças pré-escolares é caracterizado por ser um processo multicomponencial e não homogêneo, além de estar, em grande parte, relacionado ao desenvolvimento e ao amadurecimento dos lobos frontais, especialmente do córtex pré-frontal. Como descrito, os lobos frontais são considerados como sendo o sítio neural de uma série de habilidades cognitivas mais básicas necessárias para a implementação gradual das FE, durante o desenvolvimento infantil (Smidts, 2003). Adicionalmente, os dados normativos permitem traçar um esboço do desenvolvimento das FE em crianças pré-escolares. Acredita-se que este é um passo inicial importante por diversas razões. Por exemplo, para que novos instrumentos sejam construídos segundo o perfil do desenvolvimento evolutivo em diferentes faixas etárias (Pasquali, 2001), os dados evolutivos de uma população normal podem auxiliar a traçar o perfil evolutivo de diversos distúrbios do desenvolvimento e neuropsiquiátricos infantis (Lefèvre, 2004), contribuindo para uma melhor delimitação do prognóstico e auxiliando na escolha de estratégias terapêuticas mais eficazes. Além disso, a caracterização do desenvolvimento das FE na infância pode auxiliar na identificação de fatores preditivos do desempenho futuro em diversas áreas, como a leitura e a escrita, as habilidades aritméticas (Capovilla, Gütschow, & Capovilla, 2004; Crone, Wendelken, Donohue, Leijenhorst, & Bunge, 2006), e no desenvolvimento das habilidades interpessoais (Blair, Zelazo, & Greenberg, 2005).

As características psicométricas das tarefas indicam índices satisfatórios para os escores de consistência interna e para a correlação no teste das duas metades. A validade convergente e divergente para as tarefas indicou coeficientes relativamente baixos para a correlação de Pearson, sugerindo que as tarefas executivas medem componentes distintos do construto funções executivas. No entanto, os coeficientes de correlação, entre as tarefas executivas, tendem a ser maiores que os coeficientes de correlação entre as tarefas executivas e a escala de maturidade mental Columbia, evidenciando uma possível dissociação entre as medidas executivas e as medidas de QI – não-verbal. Apesar das limitações, o presente trabalho é de certa forma, pioneiro no Brasil, isto se deve ao pequeno número de estudos, principalmente estudos com amostras aleatórias, estratificadas e geograficamente representativas, dedicados à investigação e avaliação das FE em crianças. O trabalho também possibilitou identificar novos temas de pesquisa e estudo como a investigação e a avaliação das FE em grupos clínicos e não clínicos, a realização de pesquisas das FE em uma faixa etária mais abrangente e a realização de pesquisas longitudinais.

 

 

Referências

Alves, I. C. B. ; & Duarte, J. L. M. (1993). Padronização Brasileira da Escala de Maturidade Mental Colúmbia. Em: I. C. B. Alves. (Org.). Escala de Maturidade Mental Columbia. Manual para Aplicação e Interpretação. 1 ed. São Paulo: Casa do Psicólogo,.         [ Links ]

Ardila, A., Pineda, D., & Rosselli, M. (2000). Correlation between intelligence test scores and executive function measures Archives of Clinical Neuropsychology, 15, 31–36.         [ Links ]

Blair, C., Zelazo, P.D., & Greenberg, M.T. (2005). The measurement of executive function in young children. Developmental Neuropsychology, 28, 561-571.         [ Links ]

Branco, D., & Costa, J. C. (2006). Ressonância magnética funcional de memória: Onde estamos e onde podemos chegar. Journal of Epilepsy and Clinical Neurophysiology, 12, 25-30.         [ Links ]

Capovilla, A. G. S., Gütschow, C. R. D., & Capovilla, F.C. (2004). Habilidades cognitivas que predizem competência de leitura e escrita. Psicologia: Teoria e Prática, 6, 13-26.         [ Links ]

Collette F., Hogge M., Salmon E., & Van Der Linden M. (2006). Exploration of the neural substrates of executive functioning by functional neuroimaging. Neuroscience, 139, 209-221.         [ Links ]

Crone, E.A., Wendelken, C., Donohue, S., Leijenhorst, L.V., & Bung, S. A. (2006). Neurocognitive development of the ability to manipulate information in working memory. Proceedings of the National Academy of Science of the United Estate of America (PNAS), 103, 24, 9315–9320.         [ Links ]

Cosby, P. C. (2003). Métodos de Pesquisa em Ciências do Comportamento. São Paulo: Editora Atlas.         [ Links ]

Fama, R., Sullivan, E.V., Shear, P. K., Cahn-Weiner, D. A., Marsh, L., Lim, K. O., Yesavage, J. A., Tinklenberg, J. R., & Pfefferbaum, A. (2000). Structural brain correlates of verbal and nonverbal fluency measures in Alzheimer's disease. Neuropsychology, 14, 29-40.         [ Links ]

Garon, N., Bryson, S.E., & Smith, I. M. (2008). Executive function in preschoolers: A review using an integrative framework. Psychological Bulletin, 134, 31–60.         [ Links ]

Gerstadt, C.L., Hong, Y.J., & Diamond, A. (1994). The relationship between cognition and action: Performance of children 3 1/2-7 years old on a Stroop-like day-night test. Cognition, 53, 129-153.         [ Links ]

González, A. E., Sánchez, C. G., & Bordas, B. L. (2000). Los lóbulos frontales: El cérebro ejecutivo. Revista de Neurologia, 31, 566-577.         [ Links ]

Haase, V. G., Lacerda, S. S., Wood, G. M. O., Daker, M. V., & Peixoto, M. A. L., (2001). Estudos clínicos iniciais com o Teste de Discriminação de Listas (TDL-UFMG). Psicologia: Reflexão e Crítica, 14, 289-304.         [ Links ]

Klahr, D., & Robinson, M. (1981). Formal assessment of problem-solving and planning processes in preschool children. Cognitive Psychology, 13, 113-148.         [ Links ]

Lefèvre, B. H. W. F. (2004). Avaliação neuropsicológica infantil. In: V. M. Andrade, F. H. Santos, & O. F. A. Bueno. (Orgs.). Neuropsicologia Hoje (pp. 249-264). São Paulo: Editora Artes Médicas Ltda.         [ Links ]

Lezak, M. D., Howieson, D. B., & Loring, D. W., (com Hannay, H. J. & Fischer, J. S.) (2004). Neuropsychological Assessment (4rd ed.). New York: Oxford University Press.         [ Links ]

Natale, L. L., Haase, V. G., Heleno, C. T., Freitas, P. L., Pinheiro, M. I. S. (2002). Avaliação neuropsicológica e a BIFE-UFMG: Desempenho e avaliação em oito pacientes com atraso do desenvolvimento[Resumo]. Em Universidade Federal de Minas Gerais, Resumos de Comunicações Científicas, X Semana de Iniciação Científica (p. 332). Belo Horizonte: UFMG.         [ Links ]

Pagano, M., & K. Gauvreau. 2004. Princípios de Bioestatística. São Paulo, Pioneira Thomson Learning.         [ Links ]

Pasquali, L. (2001). Técnicas de Exame Psicológico - TEP. Vol. I: Fundamentos das técnicas psicológicas. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Pennington, B. F. (1997). Diagnóstico de distúrbios de aprendizagem: Um Referencial Neuropsicológico. São Paulo: Ed. Pioneira.         [ Links ]

Santucci, H. (1981). Prova gráfica de organização perceptiva para crianças de 4 a 6 anos. In R. Zazzo (Org.) Manual para o exame psicológico da criança (Vol. 1, 396-438). São Paulo: Mestre Jou.         [ Links ]

Smidts, D. P. (2003). Development of executive processes in early childhood Tese de Doutorado. Department of Psychology, University of Melbourne, Australia.         [ Links ]

Unterrainer J. M, & Owen A. M. (2006). Planning and problem solving: From neuropsychology to functional neuroimaging. Journal of Physiology Paris, 99, 308-17.         [ Links ]

Wechsler, D. (1974) Wechsler intelligence scale for children: Revised. New York: Psychological Corporation.         [ Links ]

Welsh, M.C., Pennington, B.F., Ozonoff, S., & McCabe, E.R.B. (1990). Neuropsychology of early-treated phenylketonuria: specific executive functions. Child Development, 61, 1697-1713.         [ Links ]

Yücel, M., Pantelis, C., Stuart, G. W., Wood, S. J., Maruff, P., Velakoulis, D., Pipingas, A., Crowe, S. F., & Tochon-Danguy, H. J. (2002). Anterior cingulate activation during Stroop Task Performance: A PET to MRI coregistration study of individual patients with Schizophrenia. American Journal of Psychiatry, 159, 251–254.         [ Links ]

Zelazo, P. D., Müller, U., Frye, D., & Marcovith, S. (2003). Development of executive function. Monographs of the Society for Research in Child Development, 68, 1-27.         [ Links ]

Zimmermann, P., & Fimm, B. (1995). Test for Attention Performance (TAP). Psytest, Würselen.         [ Links ]

 

 

* Contato: Departamento de Psicologia, Universidade Federal de Minas Gerais, Av. Antonio Carlos 6627, 31270-901 Belo Horizonte, Brasil, email: haase@fafich.ufmg.br

Creative Commons License