SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.2 número2A compreensão de textos em condições de compartilhamento da atençãoRelato de Experiência - Treino de Pesquisa: Trabalho com estresse dos professores no ensino público fundamental e médio índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. v.2 n.2 Juiz de Fora dez. 2008

 

RESENHA

 

Teoria Social Cognitiva? Muito prazer!

 

 

Karen Lamas, Marina de Oliveira Patrício

 

 

Bandura, A.; Azzi, R. G.; Polydoro, S. (2008). Teoria Social Cognitiva: conceitos básicos. Porto Alegre: ArtMed, 176 pgs.

O livro “Teoria Social Cognitiva: Conceitos Básicos” foi organizado com a intenção de tornar a obra de Albert Bandura mais conhecida no Brasil, uma vez que é praticamente inexistente literatura a esse respeito em língua portuguesa. Por aqui, o mais frequente é encontrar textos de comentadores, sendo que, em alguns casos, são traduções desatualizadas, que não condizem com o arcabouço teórico atual da proposta de Bandura. Dessa forma, há que se destacar que quatro dos oito capítulos da obra são do próprio Bandura.

É preciso ressaltar que um dos intuitos dos autores é diminuir os equívocos acerca dessa teoria, desmistificando, por exemplo, a pseudoimpressão neobehaviorista de Bandura. De modo geral, os capítulos se estruturam em conceito, discussões/explicações, pesquisas e aplicação prática; o que facilita a compreensão da teoria e planejamento de intervenções.

No capítulo 1, Bandura apresenta a construção da teoria social cognitiva a partir da insatisfação e pouca efetividade do Behaviorismo e das Teorias Psicodinâmicas. Ao contrário dessas, ele propõe a agência para o autodesenvolvimento, adaptação e mudança, atuando dentro de uma ampla rede de influências socioestruturais, que impõem limitações e proporcionam recursos para o desenvolvimento e funcionamento pessoal. O autor critica os Behavioristas no que se refere ao processo de aprendizagem. Segundo ele, a aprendizagem observacional não exige reforçamento, mas ocorre na forma de modelação social por meio de processos motivacionais. Sobre a natureza e os limites da modelação social, foram apresentadas correções para alguns equívocos, tais como: a modelação interpretada como “imitação”; oposição entre modelação e criatividade; e que modelação não pode construir habilidades cognitivas. O autor utilizou sua história pessoal para explicar as capacidades de autorregulação e introduz o conceito de autoeficácia e algumas técnicas para desenvolvê-las. Por fim, Bandura discute o processo de construção de teorias e a utilidade das mesmas.

O capítulo 2 – também escrito por Bandura – aborda o conceito de determinismo recíproco, que se refere à interação triádica e recíproca existente entre comportamento, fatores pessoais internos ou eventos cognitivos e ambiente externo. Esses componentes não atuam com a mesma intensidade o tempo todo, podendo variar em diferentes indivíduos e sob diferentes circunstâncias. Assim, o ambiente não é o único responsável pelas alterações do comportamento, bem como o indivíduo pode atuar de forma a modificar seu ambiente e comportamento por processos de autorregulação, através do sistema do self.

No capítulo 3, Bandura retoma o conceito-chave de sua teoria: agência. Ser agente significa fazer as coisas acontecerem de maneira intencional, por meio dos próprios atos. A agência envolve características básicas, que são intencionalidade, antecipação, autorreatividade e autorreflexão, além dos sistemas de crenças, capacidades de autorregulação, estruturas e funções pelas quais o indivíduo exerce influência pessoal. Por meio desses mecanismos, as pessoas podem moldar suas vidas de acordo com as ações que planejam, mesmo sofrendo os efeitos de eventos fortuitos. A agência pessoal apresenta limites e focos diferentes, de acordo com as estruturas ambientais, que podem ser de três tipos: o ambiente imposto; o ambiente selecionado; e o ambiente construído. Bandura, em grande parte do capítulo, justifica e diferencia o conceito de agência, distinguindo-a da Teoria do Processamento de Informação e da Teoria Interacionista. Também crítica as teorias que possuem ligação com o determinismo biológico, como as Evolucionistas.

Escrito por Frank Pajares e Fabián Olaz, o capítulo 4 caracteriza-se pela apresentação do que são crenças de autoeficácia, como são criadas e de que forma influenciam o comportamento humano. Segundo os autores, dentre todos os fatores cognitivos que afetam o funcionamento humano, esse tipo de crença merece destaque, pois, na perspectiva da agência, o sentimento de autoeficácia é a base para a motivação, bem-estar e realizações pessoais. As crenças de auto-eficácia são construídas por meio de quatro fontes: experiência de domínio; experiência vicária; persuasões sociais; e estados somáticos e emocionais. Assim, a autoeficácia pode influenciar na escolha de desafios, na quantidade de esforço empenhado em determinada tarefa, no nível de estresse e ansiedade. Quanto à avaliação dessas crenças, ressalta-se a necessidade de usar medidas específicas para o domínio e para a tarefa investigada, e o resultado pode variar em nível, força e generalidade.

A agência humana se estende também à agência delegada e coletiva. Assim, os organizadores colocaram um texto de Bandura sobre as crenças de eficácia coletiva, fator fundamental para a agência em grupo como quinto capítulo. De acordo com esse conceito, pressupõe-se que haja nos membros do grupo a crença compartilhada em seu poder coletivo de produzir resultados desejados, sendo as realizações não apenas um produto de habilidades e conhecimentos. Além das formas de avaliar as crenças de eficácia coletiva, o capítulo apresenta os dualismos distorcidos sobre o tema, bem como o papel da cultura na construção de crenças e como as pessoas podem moldar suas vidas sociais e econômicas, assim como a importância da globalização neste mister.

O capítulo 6, de Anna Edith Bellico da Costa, tem como tema a modelação. Trata-se de um processo de aquisição de comportamentos a partir de modelos, seja ela programada ou incidental. A exposição a um modelo pode ter três efeitos: modelar novos padrões; inibir ou desinibir respostas previamente aprendidas que estavam encobertas; e instigar o desempenho de respostas similares ao do modelo funcionando como pistas. A aprendizagem por meio de modelo depende de quatro subprocessos que se relacionam: atenção; retenção; reprodução motora; e reforço/motivação. Na teoria social cognitiva, o poder do modelo está relacionado aos atributos do modelo, aos atributos do observador e ao valor funcional do que foi modelado. Assim, o individuo tanto é capaz de personalizar a experiência do outro quanto tomar a perspectiva deste. Além disso, são expostas algumas considerações como: a relação afetiva com o modelo; a aquisição de novas respostas sem a necessidade de modelagem; o desenvolvimento de respostas mediadoras - na forma de representações simbólicas; e, a melhor efetividade de modelos humanos que modelos animais.

No capítulo 7, Soely Aparecida Jorge Polydoro e Roberta Gurgel Azzi destacam que, ao lado das capacidades de simbolização, do pensamento antecipatório e da autorreflexão, a autorregulação é um dos componentes fundamentais para a agência humana. A capacidade de autorregulação fornece ao ser humano a possibilidade de adotar padrões pessoais, monitorar e regular seus próprios atos por meio de influências autorreativas. Não se trata de um processo mecânico; existem vários fatores afetivos, cognitivos e ambientais que exercem controle sobre a ativação e desativação das subfunções associadas à autorregulação. É importante destacar que o indivíduo pode ter habilidade de se autorregular em alguns domínios e não em outros, o que explica as diferentes capacidades das pessoas.

O último capítulo, escrito por Fabio Iglesias, analisa o desengajamento moral, conceito proposto por Bandura para explicar como é possível se desprender ou se desengajar dos próprios padrões morais para cometer atos antissociais deliberadamente, sem culpa ou autocensura. O desengajamento moral possui lugar importante na teoria social cognitiva, principalmente na noção de agência moral, pois cumpre tanto funções inibitórias quanto proativas; de um lado, zelando pela inibição de comportamentos antissociais e, por outro, incentivando os comportamentos socialmente desejáveis. Isso só é possível porque temos a capacidade de antecipar as consequências de nossas próprias ações, o que dá à agência uma extensão importante em relação às ações morais. O desengajamento moral pode ocorrer por meio de oito mecanismos que são ativados dependendo da situação. São eles: justificação moral; linguagem eufemística; comparação vantajosa; difusão da responsabilidade; deslocamento da responsabilidade; distorção das consequências; desumanização; e atribuição da culpa.

Como se trata de uma obra organizada a partir de textos já publicados em inglês, mais especificamente os quatro capítulos de Bandura, e outros elaborados especificamente para o livro, há algumas repetições ao longo do livro. Para quem já conhece as proposições de Bandura, a leitura pode se tornar cansativa. Contudo, para os leitores que ainda estão se familiarizando, ou seja, a maioria, a repetição traz benefícios, pois retoma pontos importantes.

Por apresentar uma abordagem com grande abrangência e aplicação, a leitura do livro é recomendada para profissionais de Psicologia e áreas afins que atuam nos mais diversificados contextos (clínica, escola, empresa, esporte etc.). Estudantes de graduação e pós-graduação também se beneficiarão muito ao ler a obra. Trata-se de uma leitura indispensável na disciplina de Psicologia Social.

Creative Commons License