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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. v.3 n.1 Juiz de Fora jun. 2009

 

RELATOS DE PESQUISA

 

Expectativas sobre os efeitos do uso de álcool entre adolescentes

 

Expectations about the effects of alcohol use among teenagers

 

 

Telmo Mota Ronzani* ; Fernando Santana de Paiva; Júnia Marise de Oliveira Cotta; Ronaldo Rocha Bastos

Universidade Federal de Juiz de Fora – Juiz de Fora

 

 


RESUMO

Estudos epidemiológicos têm apontado o elevado consumo de álcool entre adolescentes, sendo este um comportamento multideterminado. As expectativas positivas com relação ao álcool vêm sendo indicadas como um dos fatores que podem exercer influências importantes no início e na manutenção do uso de álcool. Nessa perspectiva, o presente estudo teve como objetivo investigar a correlação entre expectativas positivas sobre os efeitos do álcool e o padrão de consumo entre adolescentes. Participaram da pesquisa 270 adolescentes, com idade média de 15,8, provenientes de três escolas públicas federais, que responderam a um questionário sociodemográfico, ao Drug Use Screening Inventory (DUSI) e o Alcohol Expectancy Questionnaire – Adolescentet Form (EAQ-A). Os resultados encontrados indicaram uma correlação positiva entre frequência do consumo de álcool, quantidade de doses e idade com as expectativas globais positivas. Estes resultados podem favorecer o planejamento de estratégias preventivas no combate ao consumo de bebidas alcoólicas durante a adolescência.

Palavras-chave: Adolescente, Expectativas, Álcool.


ABSTRACT

Epidemiological studies have shown the high consumption of alcohol among adolescents. This behavior is determined by several factors. The positive expectations related to alcohol have been identified as one of the factors that may exert important influence on the initiation and maintenance of alcohol use. Accordingly, the present study aimed to investigate the correlation between positive expectations about the effects of alcohol and patterns of consumption among adolescents. The research sample was composed of 270 adolescents, with a average age of 15.8, from three public schools, who answered a socio-demographic questionnaire, the Drug Use Screening Inventory (DUSI) and the Alcohol Expectancy Questionnaire - Adolescent Form (EAQ-A). The results indicated a positive correlation between frequency of alcohol consumption, number of doses and age with the overall positive expectations. These results may facilitate the planning of preventive strategies to combat the consumption of alcohol during adolescence.

Keywords: Adolescents, Expectations, Alcohol.


 

 

INTRODUÇÃO

A adolescência é um período importante do desenvolvimento humano, porque é marcada por transformações de ordem física, emocional, cognitiva e social (Pinsky & Bessa, 2004). A confluência desse elenco de mudanças pode favorecer o surgimento de sentimentos de insegurança, o aumento da impulsividade, a busca de novas experiências e sensações, o desejo de experimentar comportamentos vistos como “de adultos”, a necessidade de aceitação pelo grupo de amigos e a busca de integração social e da independência individual. Nesse sentido, tais características podem contribuir para que os adolescentes passam a adotar alguns comportamentos considerados de risco à saúde, como o uso de substâncias psicoativas (Pechansky, Szobot & Scivoletto, 2004).

A partir dos últimos levantamentos epidemiológicos que tratam dessa questão, foi possível depreender que as primeiras experiências com as drogas ocorrem frequentemente na adolescência, o que torna importante o desenvolvimento de estudos com essa população, principalmente no que se refere ao uso de álcool, haja vista que essa droga tem sido apontada como a mais consumida pelos adolescentes brasileiros (Laranjeira, Pinsky, Zaleski & Caetano, 2007). Recentemente Galduróz, Noto, Fonseca e Carlini (2005) realizaram o V Levantamento nacional sobre o consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio das 27 capitais brasileiras, com 48.155 estudantes. Os resultados desse estudo indicaram que 65,2% dos adolescentes já haviam consumido álcool na vida, ao passo que o consumo frequente de bebidas alcoólicas (definido como 6 ou mais vezes no último mês) foi de 11,7%, enquanto o uso pesado (definido como 20 ou mais vezes no último mês) foi de quase 7%.

O consumo de álcool na adolescência foi também verificado através do I Levantamento nacional sobre os padrões de consumo de álcool na população brasileira (Laranjeira et al., 2007). Os resultados encontrados apontaram que a média de idade para o início do uso de álcool foi de 13,9 anos entre os jovens na faixa etária dos 14 e 17 anos. Encontrou-se ainda, que 13% dos adolescentes (17% para os meninos) apresentam padrão intenso de consumo de álcool (bebe uma vez por semana e pode consumir cinco ou mais doses por ocasião) e, além disso, outros 10% consomem ao menos 1 vez no mês e potencialmente em quantidades elevadas. No que se refere à diferença de consumo entre homens e mulheres, o estudo não apresentou diferença estatisticamente significativa com relação a essa variável. Nesta direção, em relação ao consumo de bebidas alcoólicas em “binge”, ou seja, o consumo consecutivo de cinco ou mais doses de álcool em uma única ocasião (Ham & Hope, 2003), aproximadamente 25% dos meninos e 12% das meninas relataram ter bebido em “binge” ao menos 1 vez nos últimos 12 meses, e 30% desses meninos beberam em “binge” 2 vezes por mês ou mais.

Os resultados dos estudos epidemiológicos realizados até o momento apontam que o consumo de bebidas alcoólicas no Brasil, particularmente entre os jovens, pode ser apontado como um importante problema de saúde pública. Os dados são preocupantes, uma vez que o uso problemático de álcool por adolescentes está associado a uma série de comportamentos de risco, como o envolvimento em acidentes de trânsito, violência, maior exposição às doenças sexualmente transmissíveis e à gravidez indesejada (Pechansky e cols. 2004). Carlini-Cotrim, Gazal-Carvalho e Gouveia (2000) avaliaram a exposição de situações de risco sobre o efeito de álcool entre estudantes da rede pública e privada, encontrando, entre os adolescentes que relataram ter um consumo de risco de álcool,uma parcela significativa que mencionou ter sido exposta a situações de risco sobre o efeito de álcool. Desse modo, nota-se que a compreensão dos problemas relacionados ao consumo de álcool entre o público jovem deve se estender para além da prevalência do uso, e considerar também o padrão e o comportamento de consumo.

É importante ressaltar que, embora um elevado grupo de adolescentes tenha ocasionalmente experiências diretas com o consumo de álcool, experiências indiretas tais, como os estilos parentais, modelos dos pares e a disseminação de valores culturais pela mídia podem constituir fontes primárias de aprendizagem sobre o álcool (Christiansen, Smith, Roehling & Goldman, 1989). Essas experiências primárias são importantes para a formação de crenças e expectativas sobre o uso de álcool, e é também um fator determinante para o comportamento posterior dos adolescentes em relação ao uso.

Marlatt e Gordon (1993) definem as expectativas de resultados como as crenças cognitivas, culturais e pessoais que contribuem para que o indivíduo venha a desenvolver o comportamento dependente. Portanto, as expectativas acerca dos efeitos do álcool têm sido consideradas como importantes fatores na iniciação e na manutenção de padrões de consumo problemáticos, além de predizer os estilos de consumo desadaptativos mais tarde pelos adolescentes.

As expectativas de resultados surgiram como conceito-chave em modelos psicossociais do uso de álcool, destacando seus efeitos sobre o comportamento e emoções, correlacionados com o consumo dessa substância entre adolescentes e adultos. As expectativas de resultados podem manifestar-se em diferentes sistemas de resposta: efeitos físicos, que seriam alterações nas sensações e sentimentos relacionados com os efeitos fisiológicos da droga; efeitos psicológicos, que abrangem cognições e estados emocionais alterados; e, efeitos comportamentais, que abrangem mudanças nos atos e comportamento manifesto (Goldman, Brown, Christiansen & Smith, 1991).

O desenvolvimento de expectativas de resultado de um comportamento específico resulta da associação aprendida entre estímulos para ação e reforçadores do comportamento e, nesta direção, as expectativas (ou cognições antecipatórias) possuem propriedades motivacionais. Desta forma, a apresentação do álcool pode gerar a expectativa de estados afetivos aprendidos associados ao comportamento de beber (ex.: alegria, prazer) e o desejo de experenciar tais emoções (Oliveira, Soibelmann & Rigoni, 2007). As expectativas em relação aos efeitos do álcool são consideradas informações da memória de longo-prazo que derivam de experiências vicárias e diretas que um indivíduo teve com o álcool como consequência de suas características biológicas e do ambiente. Dessa maneira, expectativas bem definidas a respeito dos efeitos do álcool podem se formar antes mesmo de um indivíduo beber pela primeira vez na vida, em função dos modelos familiares e do grupo de amigos, experiências diretas e indiretas com o álcool e exposição à mídia (Araujo & Gomes, 1998; Fromme & D’Amico, 2000).

As expectativas configuram-se como proposições de relação de “se – então” entre eventos e suas consequências. Dessa forma, as expectativas de consequências podem contribuir para a decisão de beber. Entre as expectativas que podem motivar um indivíduo a beber estão aquelas de maior sociabilidade, aumento e/ou ativação do desejo sexual, redução da tensão e outras. Tais expectativas de efeitos positivos podem ser confirmadas pela experiência direta com a droga, sendo, então, fortalecidas. A partir daí, as expectativas passam a influenciar a atenção, de modo que eventos consistentes com as expectativas são selecionados e registrados (Peuker, Fogaça & Bizarro, 2006).

Araújo e Gomes (1998), estudando adolescentes de uma escola pública, avaliaram a associação entre expectativas positivas sobre os efeitos do uso de álcool e o padrão de consumo dessa substância, e os adolescentes com padrão de consumo mais elevado eram aqueles que possuíam mais expectativas agradáveis sobre os efeitos do álcool. Tal associação também foi encontrada em outros estudos (Oliveira et al., 2007; Amaral, Lourenço & Ronzani, 2006).

A fim de se compreender o efeito produzido pelas expectativas no consumo de álcool, portanto, pesquisas têm examinado a associação entre expectativas sobre o álcool e diferentes aspectos do comportamento, principalmente no que se refere à frequência de uso (número de ocasiões em que bebe) e a quantidade consumida em uma única ocasião (Chen, Grube & Madden, 1994; Fromme & D’Amico, 2000). Estas medidas (frequência e quantidade) são aspectos importantes relacionados ao comportamento de beber, mas apresentam correlações distintas com as expectativas. Segundo os estudos anteriormente citados, as expectativas são mais fortemente relacionadas com a quantidade do que com a frequência de consumo do álcool na população, e tais achados foram ainda mais fortes entre o público adolescente.

Nessa perspectiva, frente a tais considerações, o presente estudo teve como objetivo avaliar a correlação entre as expectativas positivas sobre o efeito do álcool e o padrão de consumo entre o público adolescente.

 

METODOLOGIA

A) Participantes

Participaram desta pesquisa 270 estudantes da primeira à terceira série do ensino médio de três escolas públicas federais, sendo duas localizadas no município de Juiz de Fora (MG) e uma no município de Rio Pomba (MG). Utilizou-se o critério de conveniência para a escolha das escolas participantes da pesquisa. Para a definição final da amostra, utilizou-se o Programa EpiDat (versão 3.1), pelo qual foi definido o número final da amostra e por onde se efetuou um sorteio aleatório entre os alunos, definindo o nome dos estudantes a serem convidados em horário e dia pré-estabelecidos junto à instituição. Cabe informar que o Termo de Consentimento de Livre Esclarecimento foi assinado pelos diretores das escolas participantes da pesquisa. Outro ponto importante a assinalar é que a amostra foi estratificada por gênero e série escolar, e a distribuição foi proporcional ao tamanho dos estratos.

Além disso, foram definidos alguns critérios de inclusão dos estudantes na amostra: 1) ser discente regularmente matriculado nas escolas-alvo; 2) estar cursando a 1º, 2º ou 3º série do ensino médio; 3) concordar livre e esclarecidamente, de forma oral, com a pesquisa; 4) estar presente em sala de aula no momento da coleta de dados; e 5) preencher adequadamente os instrumentos e medidas usadas no estudo.

B) Instrumentos

1) Foi aplicado um questionário sociodemográfico pelos pesquisadores com a finalidade de avaliar o perfil socioeconômico dos participantes da pesquisa, caracterizando a amostra quanto ao gênero, faixa etária, série escolar, renda familiar, moradia, religião e presença ou não de pais dependentes de álcool.

2) Para avaliar a frequência de uso de álcool no último mês, utilizou-se o DUSI (Drug Use Screening Inventory) na versão brasileira, instrumento adaptado e validado para a língua portuguesa (De Micheli & Formigoni, 2000). Esse instrumento foi desenvolvido para triagem do uso de álcool e/ou drogas e é composto por uma tabela inicial que aborda a frequência de consumo de treze classes de substâncias psicoativas, com respostas que variam de “não usei”, “1 a 2 vezes”, “3 a 4 vezes”, “5 a 9 vezes”, “10 a 15 vezes”, 16 a 20 vezes” e “mais de 20 vezes”. Para o presente estudo, o DUSI foi utilizado para avaliar apenas a frequência do uso de álcool. Além desta, foi investigada a quantidade de doses consumidas em uma única ocasião e as respostas possíveis foram: “nenhuma dose”, “1 a 2 doses”, “3 a 4 doses”, “5 a 9 doses”, “10 a 15 doses” e “16 a 20 doses” e “mais de 20 doses”. O consumo de cinco ou mais doses em uma única ocasião foi definido como padrão binge.

3) Para investigar as expectativas dos adolescentes acerca dos efeitos do uso de álcool, foi utilizado o AEQ-A (Alcohol Expectancy Questionnaire – Adolescentet Form) (Christiansen, Goldman & Inn, 1982) traduzido e adaptado por Caliento e Furtado (2006) como Questionário de Expectativas sobre o Álcool (QEA-A). O QEA-A possui sete escalas, com itens que se referem às expectativas de efeitos positivos do álcool e alguns relacionados a efeitos negativos do uso de álcool. Alguns estudos com o QEA -A vêm utilizando apenas algumas escalas, por se tratarem de escalas independentes que medem expectativas específicas. Para a presente investigação, utilizou-se apenas a escala 1 (O álcool é um poderoso agente que produz transformações globais positivas) que contém 15 itens, apresentados no Quadro 1.

 

 

As sete escalas do QEA -A são pontuadas usando um sistema de peso unitário. Cada item da escala corresponde a uma afirmativa a respeito dos efeitos do álcool, que deve ser avaliado como “verdadeiro” ou “falso”. O escore final de uma escala particular consiste no número de respostas daquela escala no qual o sujeito respondeu “verdadeiro”.

C) Procedimentos

A coleta de dados foi executada nos meses de abril e maio de 2008. A aplicação dos questionários foi efetuada em grupo, sendo realizada em horário de aula com a autorização dos diretores das escolas. Os alunos foram convidados no horário das aulas e encaminhados para outra sala disponibilizada pelas escolas. Antes de iniciar a aplicação dos questionários, foi feita uma explicação clara e detalhada aos alunos sobre os objetivos da pesquisa, garantindo-se o caráter anônimo e sigiloso do estudo. Nesse momento, os sujeitos eram convidados a manifestarem de maneira oral seu consentimento em participar da pesquisa. Cabe ainda informar que a coleta de dados teve duração média de 45 minutos e que a pesquisa foi submetida à aprovação do Comitê de Ética da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) (Processo 0174.0.180.000-07), instituição a qual pertencem os pesquisadores.

D) Análise estatística

As informações foram todas organizadas e digitadas em software estatístico do tipo SPSS, versão 8.0, para a análise das variáveis. Primeiramente, os dados foram submetidos aos procedimentos de estatística descritiva para avaliar as variáveis estudadas em termos de distribuições de frequências, médias e desvio padrão.

Para avaliar a associação entre idade, frequência de uso e número de doses com o fator efeitos globais positivos da escala 1 do QEA-A, utilizou-se a correlação bivariada de Spearman, adotando um intervalo de confiança de 95% (p< 0,05) para rejeição da hipótese nula de que não há correlação entre expectativas positivas e consumo de álcool.

A partir de então, verificou-se através do teste estatístico de Kolmogorov-Smirnov a hipótese de distribuição normal dos escores brutos da escala QEA-A1 para a amostra estudada. A hipótese nula não foi rejeitada, tratando-se então de uma distribuição não normal e, portanto, prosseguiu-se à análise inferencial dos dados através de estatísticas não-paramétricas. O teste não-paramétrico de Mann-Whitney foi utilizado para verificar se havia diferença estatística significativa entre as médias dos postos da QEA-A1 para os dois grupos. O teste não-paramétrico Kruskal-Wallis foi utilizado para averiguar se existia diferença estatística entre os postos médios da QEA-A1 com relação aos 6 grupos etários.

Adotou-se em todas as análises não paramétricas um intervalo de confiança de 95% (p<0,05) para rejeição da hipótese nula de não existência de diferença estatística entre os grupos com relação às médias dos postos da QEA-A1.

 

RESULTADOS

A amostra foi descrita em relação às variáveis sociodemográficas (gênero, faixa etária, série escolar, renda familiar, moradia, religião e presença ou não de pais dependentes de álcool) e os dados encontram-se na tabela 1. Observou-se que 58,5% eram do gênero masculino, 55,5% se concentraram na faixa etária dos 16 aos 17 anos e que 47,4% cursavam o 1º ano. A idade média da amostra foi de 15,8+ 1,08 (+ desvio padrão). Verificou-se que 81,5% dos adolescentes possuíam alguma religião, 65,2% relataram renda familiar de até 5 salários mínimos, 61,1% moravam com os pais e 9,6% mencionaram ter pai ou mãe usuário pesado ou dependente de álcool.

 

 

Investigando o uso de álcool pelos adolescentes, os dados indicaram que 79,3% já haviam consumido álcool na vida. Em relação ao padrão de consumo, encontrou-se que 56,7% dos adolescentes consumiram álcool no último mês, 20% deles possuíam um consumo frequente (6 ou mais vezes no último mês) e 1,9% relataram uso pesado de álcool (20 ou mais vezes no último mês). Em relação à quantidade de doses consumidas em uma única ocasião, 32,2% dos adolescentes relataram consumo de álcool no padrão binge. Observou-se que 19% dos adolescentes que relataram consumo frequente e 31,5% dos bebedores com padrão binge eram menores de 18 anos. Levando-se em conta a idade dos adolescentes, verificou-se que a frequência de consumo de álcool e a quantidade de doses foram aumentando com a idade.

A frequência do uso de álcool no último mês e quantidade de doses consumidas em uma única ocasião foi também caracterizada por gênero. Verificou-se que 24,7% dos homens e 13,4% das mulheres relataram consumo frequente de álcool no último mês e que 36,1% dos adolescentes do gênero masculino e 26,8% do feminino relataram um consumo de álcool padrão binge.

Ao investigar o efeito do fator expectativas no consumo de álcool pelos adolescentes, encontrou-se uma correlação positiva, porém moderada entre frequência do uso de álcool no último mês (p >0,01) e número de doses consumidas em uma única ocasião (p> 0,001) e a idade (p= 0,02) com a escala 1 (efeitos globais positivos) do QEA-A (Tabela 2). Observa-se ainda na Tabela 2 uma correlação positiva de forma moderada entre idade e frequência e número de doses consumidas. A correlação observada com maior associação foi entre frequência de consumo e número de doses.

 

 

Na Tabela 3, encontram-se as médias dos escores da escala 1 do QEA-A nos grupos definidos (gênero, padrão binge, consumo no último mês e faixa etária). Verifica-se que houve diferença significativa entre as médias dentro de cada um desses grupos. Na amostra total (N=270), a média dos escores da QEA-A1 foi de 6,50 + 3,59 (DP).

 

 

Com relação ao gênero, os resultados apontam que os homens apresentam escores de expectativas mais elevados que as mulheres, assim como o grupo de adolescentes mais velhos (17 a 19 anos), o que pode estar relacionado ao maior consumo de bebidas alcoólicas nesses grupos. Ao mesmo tempo, conforme a literatura científica aponta, houve uma correlação estatisticamente significativa entre as variáveis de desfecho analisadas (frequência de consumo de álcool e padrão binge) e a variável explicativa (expectativas positivas). Assim, os adolescentes que relataram o maior consumo de álcool e/ou informaram adotar o padrão binge de uso apresentaram os escores de expectativas positivas mais elevados.

 

DISCUSSÃO

Conforme sinalizado anteriormente, o presente estudo revelou que existe uma correlação significativa entre expectativas positivas sobre os efeitos do uso de álcool e o seu consumo entre os adolescentes estudados. Os achados estão de acordo com a teoria da expectativa explicitada que defende que quanto mais os adolescentes endossam expectativas agradáveis sobre os efeitos do álcool, tanto maior será a frequência do uso de álcool e a quantidade de doses consumidas (Jones, Corbim & Fromme, 2001).

Segundo Oliveira et al. (2007), as expectativas possuem propriedades motivacionais que estimulam o consumo de álcool porque geram um desejo de que certos efeitos e sensações aprendidos associados ao comportamento de beber podem ser experenciados. O estudo aponta para essa perspectiva, na medida em que encontrou forte associação entre expectativas globais positivas (QEA-A) e o consumo de álcool, principalmente naquelas que se referiram às expectativas de facilitação das interações sociais, aos efeitos positivos no desempenho, na avaliação de si mesmo e sensação de bem-estar. Tais expectativas também tiveram forte influência no consumo de álcool em outros estudos (Araujo & Gomes, 1998; Oliveira et al., 2007).

É importante destacar que neste estudo as expectativas globais positivas mais encontradas entre os adolescentes podem refletir algumas características presentes na adolescência, como a busca de integração social, de novas experiências e sensações e de maior satisfação consigo mesmo. Tais resultados tão desejados pelos adolescentes podem contribuir para o consumo de álcool, tendo em vista que esses adolescentes têm desenvolvido expectativas de que esta substância pode gerar os efeitos almejados (Christiansen et al., 1989).

O estudo também apontou uma correlação positiva entre as expectativas globais positivas e a idade, indicando que, quanto maior a idade, maiores os escores de expectativas positivas encontradas entre os jovens. Tal informação é importante, já que as expectativas sobre o efeito do álcool sofrem mudanças à medida que as experiências com o comportamento de beber são acumuladas e, portanto, a relação entre expectativas e consumo de álcool pode diferir com a idade (Leigh & Stacy, 2004; Satre & Knight, 2001). O estudo aponta ainda que o conjunto de crenças e expectativas pode ser encontrado mesmo entre os adolescentes que não apresentaram elevado consumo de álcool e nos abstêmios, o que corrobora com a importância do planejamento de ações preventivas, visto que tais crenças podem desempenhar um papel determinante no consumo futuro de álcool entre estes adolescentes.

No que se refere à comparação das médias dos escores da escala 1 do QEA-A encontradas entre os gêneros, os resultados indicaram diferenças significativas entre as médias. Os adolescentes do gênero masculino apresentaram maior média dos escores, indicando que os homens possuem maiores expectativas positivas sobre os efeitos do álcool do que as mulheres. Considerando que os adolescentes do gênero masculino tiveram maior frequência do uso de álcool e também apresentaram um maior padrão binge de uso, sugere-se que o maior consumo seja reflexo da influência das expectativas positivas sobre os efeitos do álcool mais presentes entre os meninos. Esses achados dão suporte ao estudo de Pedroso, Oliveira, Araujo, Castro e Melo (2006) o qual apontou que enquanto as meninas vislumbravam expectativas de resultados positivos de modo mais global, os meninos endossavam fortemente expectativas mais específicas sobre o uso de álcool, como facilitação sexual, redução de tensão, satisfação física e social, e, portanto, apresentaram mais expectativas positivas sobre o consumo de álcool do que as meninas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados obtidos colocam em evidência a relevância do estudo da influência das expectativas positivas no comportamento de consumo de álcool pelos adolescentes, revelando a importância de se prosseguir em novas pesquisas envolvendo este tema. Além disso, compreender esta possível relação entre padrão de consumo e expectativas positivas a respeito dos efeitos do álcool pode contribuir para o planejamento de intervenções terapêuticas e estratégias preventivas mais precisas, visando à redução dos riscos comportamentais associados ao ato problemático de beber entre os adolescentes.

Estratégias preventivas e de promoção da saúde mais eficazes são aquelas que abordam não só os aspectos psicossociais associados ao uso de álcool e trabalham as habilidades de resistência ao uso, bem como as crenças relacionadas a este consumo e os fatores sociais envolvidos. As habilidades de competência pessoal teriam um papel fundamental na proteção ao uso de álcool e promoveriam adolescentes mais críticos e conscientes de forma a produzir comportamentos mais saudáveis entre eles. Programas preventivos podem contribuir para o desenvolvimento de competências psicossociais entre os jovens, visando ao fortalecimento da capacidade de resiliência entre indivíduos e grupos, uma vez que tal conceito tem sido utilizado para designar a capacidade de resistir às pressões externas e internas que favorecem o uso de substâncias psicoativas entre os adolescentes (Garcia, 2001).

Apesar da importância deste estudo, é necessário destacar que as expectativas positivas não são o único fator que deve ser estudado para compreender o consumo de álcool pelos adolescentes. O uso de álcool é um comportamento determinado por vários fatores biopsicossociais e, nesse sentido, deve ser estudado de forma a contemplar outras variáveis. Em vista disso, o conhecimento dos fatores associados ao uso de álcool em adolescentes é de grande relevância, pois permitirá a implementação de intervenções que se afastem de uma ótica meramente individual, que contempla apenas o jovem. É importante que ações englobem os diferentes atores envolvidos no complexo processo de uso de substâncias psicoativas, como a família, a escola, a comunidade e a mídia.

O conhecimento dos padrões de crenças adotados por esses atores a respeito do uso de álcool bem como pelos adolescentes podem ser determinantes para o sucesso de futuras ações de prevenção, promoção e implantação de políticas públicas em nosso país no combate ao uso abusivo de álcool e outras drogas. Novas pesquisas que contemplem esta temática podem contribuir para o aumento do conhecimento científico em nosso meio, favorecendo o trabalho de profissionais nas áreas da saúde e da educação que têm contato com os efeitos prejudiciais do consumo de bebidas alcoólicas entre os jovens.

 

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Recebido em: Abril 2009
Aceito em: julho de 2009

 

 

* Universidade Federal de Juiz de Fora – Juiz de Fora Contato: Rua Ministro Amarílio Lopes Salagado, 36/101. Cascatinha. CEP: 36033-290.Juiz de Fora-MG. Email: telmo.ronzani@ufjf.edu.br

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