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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. v.3 n.2 Juiz de Fora  2009

 

REVISÃO DE LITERATURA & ENSAIOS TEÓRICOS

 

Contribuições da Psicologia do Envelhecimento para as práticas clínicas com idosos

 

Contributions of the Psychology of Aging for clinical practice with older

 

 

Samila Sathler Tavares Batistoni

Escola de Artes, Ciências e Humanidades – EACH-USP São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente ensaio teórico buscou trazer uma revisão de alguns avanços que a temática do envelhecimento proporcionou ao saber psicológico a partir da última metade do século XX, principalmente no que se refere à consolidação do campo teórico da Psicologia do Envelhecimento. Apontou ainda como esses avanços trouxeram implicações para as práticas clínicas em Psicologia e Gerontologia. O texto também destaca as considerações feitas pela literatura no campo da Psicologia Clínica a respeito da importância da atuação com idosos e das variáveis a serem levadas em conta no desenvolvimento de práticas mais eficazes com essa população.

Palavras-chave: Envelhecimento; Psicologia do Envelhecimento; Práticas clínicas; Gerontologia.


ABSTRACT

This theoretical essay aims to bring a review about some advances that the topic of aging has brought for the psychology from de half of last century, mainly regarding the consolidation of the theoretical field of the Psychology of Aging. The article describes the implications of such developments have for assistance in Psychology and Gerontology. The text also aims to highlight the considerations made by the literature in the field of applied psychology on the importance of interventions with older and the variables to be taken into account in developing more effective practice with this population.

Keywords: Aging; Psychology of Aging; Psychological practices; Gerontology.


 

 

O processo de envelhecimento e a heterogeneidade da velhice têm se constituído em um dos temas desafiadores à Psicologia enquanto "ciência do comportamento e dos fenômenos mentais", principalmente após a segunda metade do século XX. As várias subdisciplinas básicas e aplicadas da Psicologia, tais como a Psicologia do Desenvolvimento, a Psicologia Social, a Psicologia Clínica e a Psicologia do Trabalho e das Organizações, ainda estão em processo de revisão, ampliação e modificação de paradigmas, metodologias de pesquisa e formas de atuação para responder a esse objeto de conhecimento e intervenção.

Para a realização dessas tarefas, destacam-se as contribuições advindas da consolidação do campo da Psicologia do Envelhecimento à luz do paradigma life-span, que tem lançado os fundamentos para os saberes ligados às questões dos idosos, da velhice e do processo de envelhecer e, ao mesmo tempo, tem promovido e se alimentado de um maior diálogo com as demais subdisciplinas teóricas e campos de aplicação da Psicologia, dentre elas, com a Psicologia Clínica. Como efeitos desses avanços, outros campos do saber, tais como a Gerontologia, têm podido se apropriar e se beneficiar do saber psicológico, pois, em conjunção com a Biologia e Sociologia, a Psicologia é uma das ciências que compõem seus pilares.

O presente texto traz uma revisão da importância da consolidação do campo teórico da Psicologia do Envelhecimento e de suas implicações práticas para as intervenções clínicas em Psicologia e Gerontologia. O texto destaca ainda as variáveis que devem ser levadas em conta pelos profissionais que lidam com o envelhecimento para o desenvolvimento de práticas eficazes com essa população.

 

Psicologia do Envelhecimento: influências sobre as práticas com idosos

No intuito de compreender os processos ulteriores à adolescência e à vida adulta inicial no que concerne à cognição, relações sociais, afetos, metas desenvolvimentais e adaptação, a Psicologia do Envelhecimento passou da simples comparação etária entre jovens e idosos ("Psicologia da idade") e do reconhecimento da velhice, enquanto estágio desenvolvimental com tarefas de adaptação, integração e aceitação da morte ("Psicologia do idoso") para o estabelecimento de uma subdisciplina metodologicamente complexa (Batistoni, Yassuda e Fortes, 2007). Influenciada pelo diálogo e cooperação com outras áreas do saber, como a Biologia e a Sociologia, a Psicologia do Envelhecimento avançou nos aspectos relativos ao planejamento e estratégias de pesquisa e na integração de outras variáveis que não apenas a idade na explicação de fenômenos multidimensionais e multicausais (Neri, 2002). À luz do paradigma life-span de compreensão do desenvolvimento humano, a heterogeneidade intra e interindividual do envelhecimento é observada a partir da consideração das influências de natureza socioculturais (tais como gênero, coortes, papéis), socioeconômicas (tais como educação e renda), psicossociais (como os mecanismos de autorregulação do self) e biológicas (como o status de saúde e funcionalidade física) atuantes ao longo de toda a vida.

Além do refinamento metodológico da pesquisa sobre o envelhecimento, a consolidação da Psicologia do Envelhecimento possibilitou, entre outros ganhos, um maior diálogo entre as próprias subdisciplinas da Psicologia (como a Psicologia Cognitiva, a Psicologia da Aprendizagem, a Psicologia Social e a Psicometria) na tentativa de descrever e explicar tanto os processos de declínio quanto os de manutenção e desenvolvimento em domínios psicológicos específicos na velhice. Assim, vários modelos e teorias dos diversos campos da Psicologia têm se tornado, na Psicologia do Desenvolvimento, orientados ao considerar a multidimensionalidade e multidirecionalidade do processo de envelhecer e uma compreensão mais refinada das implicações desse processo para as dimensões da vida prática como as do trabalho, lazer, relações sociais e familiares (Baltes, Lindenberger & Staudinger, 2000).

O diálogo da Psicologia do Envelhecimento com as diversas subdisciplinas psicológicas geraram a configuração de um arcabouço lógico de saberes em torno de microteorias e micromodelos explicativos sobre domínios específicos do envelhecimento, os quais têm contribuído também na aplicação a realidades particulares, visando-se à solução de problemas humanos. Dentre os modelos e teorias, frutos dessa interlocução e já considerados clássicos nesse campo, destacam-se quatro contribuições que envolvem temas salientes na velhice, como adaptação, autonomia e dependência, regulação emocional e qualidade de vida. Tais contribuições têm impactado de forma contundente as práticas psicológicas com idosos (Cerrato & Trocóniz,1998).

Teoria SOC - A teoria de Seleção, Otimização e Compensação de Baltes e Baltes (1990) buscou estabelecer como os indivíduos podem efetivamente manejar as mudanças nas condições biológicas, psicológicas e sociais que se constituem em oportunidades ou restrições para os seus níveis e trajetórias de desenvolvimento. Interessa a essa teoria a maneira como as pessoas alocam e realocam seus recursos internos e externos por meio desses três processos e como, simultaneamente, maximizam ganhos e minimizam as perdas ao longo do tempo. A função de seleção diz respeito à especificação e à diminuição da amplitude de alternativas permitidas pela plasticidade individual. A otimização diz respeito ao gerenciamento dos recursos visando alcançar níveis mais altos de funcionamento. A compensação envolve a adoção de novas alternativas para manter o funcionamento. A teoria SOC pode ser incorporada, por diferentes perspectivas teóricas em Psicologia, incluindo a comportamental, cognitiva, à de ação social-cognitiva e a diferentes processos como memória, funcionamento físico e a domínios do bem-estar tanto no desenvolvimento e envelhecimento normal ou patológico. Por isso é apontada como um meta-modelo do desenvolvimento humano, influenciando a emergência de outras tais teorias como a da Seletividade Socioemocional.

Teoria da Seletividade Socioemocional- Desenvolvida por Laura L. Carstensen e colaboradores, na década de 1990, (Carstensen & Turk-Charles, 1994), busca explicar o declínio nas interações sociais e as mudanças no comportamento emocional dos idosos. Segundo a autora (e evidências de pesquisa sobre o tema), a redução na amplitude da rede de relações sociais e na participação social na velhice reflete a redistribuição de recursos socioemocionais pelos idosos, na medida em que há mudança na percepção de tempo futuro. De forma adaptativa, na velhice passam a ser mais relevantes o envolvimento seletivo com relacionamentos sociais próximos que ofereçam maior retorno emocional. Tais alterações adaptativas permitem aos idosos poupar recursos escassos, canalizar para alvos relevantes e otimizar o seu funcionamento afetivo e social. Essa teoria traz implicações, por exemplo, para o trabalho clínico com idosos no campo dos relacionamentos sociais e sobre as estratégias de regulação emocional.

Dependência aprendida - Desenvolvida por Margareth M. Baltes na década de 1980 e 1990 (Baltes, 1996) revela o fenômeno da dependência na velhice como multidimensional, relacionando-se com os mais diversos fatores como: incapacidade, motivação, práticas discriminativas, desestruturação ambiental. Ela não é identificada como característica da velhice, mas ela se manifesta diferentemente ao longo de toda a vida. Para Margareth M. Baltes, a dependência tanto significa perdas (no sentido de que dificulta o engajamento em ações que promovem a sua funcionalidade física e psicossocial) quanto ganhos, na medida em que ajuda as pessoas a obter atenção, contato social e controle passivo e que as auxilia a preservar, canalizar e otimizar energias para outros objetivos, funcionando como estratégia adaptativa. Entre outras contribuições, essa teoria traz implicações principalmente para a prática com idosos frágeis, hospitalizados e institucionalizados, pois a identificação de padrões de dependência não adaptativos pode ser corrigida na medida em que os profissionais invistam na criação de novas contingências, estimulando o senso de agência na compensação de perdas e maximização da autonomia, mesmo na presença de incapacidades.

Construto de Qualidade de vida na velhice de Lawton - Visa descrever a percepção que o indivíduo idoso tem a respeito de suas relações atuais, passadas ou prospectivas com o seu ambiente. Diz respeito a uma avaliação multidimensional vinculada a critérios socionormativos e intrapessoais. O modelo de Lawton (1985) descreve a qualidade de vida em termos de quatro dimensões: Competência comportamental – a avaliação do funcionamento do indivíduo no tocante à saúde, funcionalidade, cognição, comportamento social e utilização do tempo; Condições Ambientais - diz respeito ao contexto ecológico e construído e tem relação direta com a competência comportamental; Qualidade de vida percebida – avaliação subjetiva que a pessoa faz de seu funcionamento em qualquer domínio das competências comportamentais (como saúde percebida, etc.); Bem-estar subjetivo – reflete a avaliação pessoal sobre o conjunto e a dinâmica das relações entre as três áreas precedentes, gerando indicadores cognitivos (como graus de satisfação) e emocionais (como estados afetivos). O construto de Lawton auxilia o processo de investigação e intervenção nos mais diversos âmbitos, principalmente devido ao foco no senso de ajustamento entre o indivíduo e seu meio, gerando, por exemplo, provisão de serviços de adequação ambiental.

Frente aos desafios do próprio processo de envelhecimento e do aumento das demandas por produtos e serviços deflagrados pelo envelhecimento populacional, os campos de aplicação da Psicologia vêm incorporando os conceitos da Psicologia do Envelhecimento e modelos baseados na perspectiva life-span nas práticas com idosos nos diversos domínios psicológicos e contextos de atuação (Woods & Clare, 2008). Como entre outros grupos etários, as modalidades de atuação psicológica passaram a envolver uma ampla gama de possibilidades de trabalho, configurando-se num "continuum de cuidados", desde modificações ambientais e ecológicas, institucionais até intervenções que visam a mudanças comportamentais e intrapsíquicas (humor, bem-estar, ajustamento, atitudes, tendências da personalidade) e ser desenvolvidas em nível individual, familiar ou grupal (Neri, 2004).

Evidências atuais de pesquisa têm demonstrado que idosos são responsivos às intervenções psicológicas mais diversas (Areán, 2003). Tais evidências apontam para a necessidade, portanto, de que também a Psicologia aplicada atente para as variáveis desenvolvimentais não só na investigação, mas também na implementação e avaliação das intervenções psicológicas com idosos, o que exige, por parte dos profissionais da área, um domínio de conhecimentos específicos.

 

Conhecimentos necessários para a prática com idosos: diálogo com a Psicologia Clínica

Em 2004, a revista American Psychologist publicou um guidelines da Associação Americana de Psicologia para a prática psicológica com idosos. Neste documento, os psicólogos são encorajados a trabalhar suas atitudes e crenças sobre o envelhecimento e sobre indivíduos idosos à luz dos avanços científicos da Psicologia do Envelhecimento, tanto quanto buscar conhecimentos sobre as teorias sociais, biológicas, cognitivas dos processos de envelhecimento, principalmente dentro de um paradigma life-span. No campo clínico, o documento enfatiza a necessidade de que os psicólogos estejam familiarizados com o conhecimento corrente sobre as mudanças cognitivas, sobre os problemas e vida diária dos idosos, sobre as características peculiares das psicopatologias e metodologias de avaliação válidas e confiáveis para serem utilizadas com essa população.

Carstensen, Elderstein e Dornbrand (1996) já apontaram anteriormente domínios e aspectos específicos do envelhecimento que devem ser levados em conta uma intervenção eficaz com idosos. Em conformidade com o documento da Associação Americana de Psicologia, os autores trazem justificativas sobre a necessidade de conhecimentos específicos em, pelo menos, cinco aspectos do envelhecimento - funcionamento cognitivo, diagnósticos de saúde física e mental, padrões de adaptação ao longo da vida, idade cronológica, contextos de intervenção e características individuais – que exigem também um manejo específíco, conforme descrito a seguir.

No que tange ao funcionamento cognitivo, os autores salientam que a influência de alterações patológicas tem implicações específicas na eficácia de uma intervenção e suas respostas em curto ou em longo prazo. No campo das psicopatologias consideram a necessidade do conhecimento de algumas especificidades no estabelecimento de intervenções para grupos diagnósticos distintos. Com o envelhecimento, há considerável heterogeneidade dentro de grupos diagnósticos, tais como nos transtornos depressivos, a qual tem importantes implicações para o tratamento (Blazer, 2003).

Sobre a importância dos processos de adaptação ao longo da vida, os autores trazem a reflexão de que os idosos provavelmente diferem nas respostas ao tratamento que depende de suas histórias prévias de funcionamento, suas experiências de sucesso ou falha em outros tratamentos ou história de problemas crônicos ou não resolvidos (Rainsford, 2002). Normas etárias também contribuem para o desenvolvimento de um construto pessoal de curso da vida, sendo importante atentar para a idade do ponto de vista do próprio paciente e utilizar a experiência e os conhecimentos acumulados pelo indivíduo ao longo da vida.

O conhecimento do contexto de intervenção e de outras características individuais dos idosos são dimensões de conhecimento que ajudam a balizar as prioridades na elaboração e implementação da atuação psicológica, uma vez que os contextos (tais como os institucionais ou comunitários) implicam diferentes características socioeconômicas, culturais, de funcionamento social, de cognição e saúde física entre os idosos que deles fazem parte. Finalmente, Carstensen, Elderstein e Dornbrand (1996) ressaltam que atentar para as diferenças de gênero no relato de problemas psicológicos e responsividade a intervenções psicologicamente orientadas é também uma tarefa importante.

Esta revisão de aspectos do envelhecimento a serem conhecidos revela o quanto os campos de aplicação da Psicologia se beneficiam da interlocução entre a teoria e a prática. Em especial, a Psicologia Clínica está entre os campos que têm fornecido evidências positivas dessa interlocução propiciando auxílio ao trabalho de diversos profissionais que lidam com o envelhecimento (Woods & Clare, 2008).

Cabe ressaltar, contudo, que, do ponto de vista histórico, os idosos eram considerados incapazes de se beneficiar integralmente de intervenções psicológicas, sendo tal concepção já registrada por Freud em 1905, ao revelar que, entre as limitações da psicanálise, estava o trabalho com indivíduos acima de 50 anos devido aos limites da plasticidade dos processos mentais e por não serem "educáveis". As primeiras atuações clínicas com idosos, muitas delas baseadas em teorias de estágios desenvolvimentais (tais como as de Erik Erikson de 1950 e Butler de 1963; ver Neri, 2002) e em alguns princípios de aprendizagem comportamental, utilizavam-se apenas técnicas de reminiscências e terapias de revisão de vida, de orientação para a realidade ou de contenção de sintomas comportamentais, principalmente com idosos que exibiam sintomas depressivos, e idosos em processos demenciais e institucionalizados (Laidlaw, Thompson, Dick-Siskin & Gallagher-Thompson, 2003).

Embora o emprego das técnicas citadas refletisse um diálogo com a teoria, as intervenções restritas a essas técnicas implicaram, por um tempo, a concepção de que não há muito o que o idoso possa fazer frente a sua situação psicológica, a não ser aceitá-la e integrá-la a seu senso de história pessoal, ou contê-los através de princípios comportamentais. Também implicou uma concepção de que os problemas psicológicos na velhice são fruto da inabilidade do idoso em aceitar o seu passado, mais do que do proveniente do estresse ou inabilidades para enfrentar problemas que se associam às mudanças concomitantes ao envelhecimento (Knight, 2004).

Posto que ainda hoje existam muitas razões pelas quais os idosos nem sempre são alvo de intervenções psicológicas (tais como o ageímo – Neri, 2004), houve, principalmente a partir da década de 1990 e dos aprimoramentos das psicoterapias cognitivo-comportamentais, uma mudança paradigmática na concepção do trabalho clínico com idosos (Ladlaw et al, 2003). No que tange às psicoterapias, Areán (2003), em extensiva revisão da literatura, identificou fortes evidências quanto à eficácia da abordagem cognitivo-comportamental na depressão do idoso e da terapia interpessoal unida ao uso de antidepressivos. Apontou também a efetividade das abordagens cognitivo-comportamentais no controle da ansiedade, no âmbito da sexualidade e nos problemas de adicção, como o alcoolismo entre idosos e, ainda, na atuação com cuidadores de idosos dependentes. Menores evidências na intervenção sobre a depressão foram encontradas para a terapia interpessoal sozinha, para as psicoterapias breves psicodinâmicas e terapias de revisão de vida.

Autores como Rainsford (2002), Areán (2003) e Knight (2004) fazem algumas considerações especiais no trabalho clínico com idosos. Segundo esses autores, aspectos relativos ao relacionamento terapêutico, à possibilidade de flexibilização de técnicas clássicas aplicadas a adultos jovens e ao domínio de conhecimentos específicos sobre o envelhecimento (tais como os já apontados por Carstensen, Elderstein e Dornbrand, 1996) precisam ser manejados para promover a eficácia das abordagens clínicas.

Rainsford (2002) destaca a necessidade de atenção a possíveis fontes de dificuldades na dinâmica transferencial com terapeutas mais jovens, manifestando-se sob a forma de supercontrole ou de superproteção, gerando angústias contratransferenciais (idosos podem infantilizar o terapeuta ou o terapeuta projetar experiências familiares ao paciente). Também chama atenção para a centralidade da saúde física no discurso do idoso, que tende a se queixar dos problemas psicológicos em termos somáticos, e a tendência dos terapeutas em enfocar "problemas da velhice" tais como as doenças, o luto ou a aposentadoria. Geralmente, as demandas do idoso que buscam terapia não são pelas questões normativas da velhice e, sim, por aquelas nas quais os idosos manifestam menor senso de controle ou autoeficácia no enfrentamento, muitas delas fruto de mudanças não normativas ou inesperadas (Aldwin,1994).

Permitindo extensão a outras práticas de atenção psicológica ao idoso, Areán (2003) defende adaptações à psicoterapia com idosos, cujo produto seria o que chamou de "psicoterapias apropriadas à idade". Segundo a autora, práticas psicológicas baseadas numa perspectiva cognitivo-comportamental mostram grande possibilidade de adaptação e flexibilização, além de evidências de eficácia na literatura internacional. Para isso, tais adaptações deveriam incluir psicoeducação dos pacientes, ajustes frente às alterações cognitivas no processamento das informações, embasamento no que é preconizado como estágio desenvolvimental e flexibilização do tratamento frente às limitações funcionais e contextos sociais.

Outra colaboração advinda da Psicologia Clínica é o modelo heurístico transteórico desenvolvido por Knight (2004) para auxílio no trabalho psicoterápico com idosos, que também pode ser ampliado para uso em qualquer intervenção psicológica com idosos. Baseando-se na Psicologia do desenvolvimento life-span, na Gerontologia social e em suas experiências clínicas, ele denomina o modelo de CCMSC, cuja sigla refere-se aos termos: Context (contexto), Cohort (coorte), Maturation (maturação ou variáveis desenvolvimentais), Specific Challenges (desafios específicos, frutos da heterogeneidade do envelhecer). Dentre esses termos, um dos aspectos interessantes levantados pelo modelo de Knight é a atenção para as diferenças entre coortes ou a consideração de grupos geracionais mais do que grupos etários no trabalho clínico. Em publicação de 2008, Knight e Lee defenderam, por exemplo, que idosos são especialmente responsivos a contextos de escuta, talvez por não ser uma experiência usual (por questões de coorte).

Adicionalmente às contribuições de Rainsford (2002), Areán (2003) e Knight (2004), cabe a introdução de dois outros aspectos importantes derivados da Psicologia do Envelhecimento que fazem interlocução com o manejo das intervenções clínicas com idosos. Estes aspectos são a necessidade de um enfoque nos recursos psicológicos e na resiliência dos idosos. As pesquisas de Aldwin e colaboradores (Aldwin, 1994; Aldwin, Levenson & Kelly, 2008), por exemplo, demonstram que os idosos geralmente são mais resilientes e eficientes do que os adultos mais jovens em suas respostas de enfrentamento ao estresse psicológico. Sendo assim, nas intervenções com idosos, torna-se importante resgatar os seus potenciais, acionar suas reservas sociais, emocionais ou cognitivas e possibilitar o exercício da autonomia, por meio de investimento no senso de autoeficácia e controle, mesmo em situações de dependência física. Complementarmente, a colaboração entre os estudos da Psicologia Positiva e os modelos de seleção, otimização e compensação de Baltes e Baltes (1990) fortalecem a concepção de que as metas de intervenção com idosos devem estimular e evidenciar suas habilidades e competências pessoais, seu senso de autoeficácia, de controle percebido, de engajamento social, dos benefícios das experiências adversas, sua espiritualidade ou habilidades para relaxar, visando ampliar seus recursos de enfrentamento como também o senso de bem-estar destes (Staudinger, Marsiske & Baltes, 1993).

A utilidade das contribuições da interlocução entre a Psicologia do Envelhecimento e a Psicologia Clínica não se limita apenas ao âmbito de trabalho do profissional psicólogo. Outros profissionais, cuja formação tem a Psicologia como seu pilar (tais como terapeutas ocupacionais e gerontólogos), têm derivado da Psicologia do Envelhecimento metodologias e estratégias de intervenção.

Em especial, podem ser destacadas as contribuições da Psicologia a Gerontologia - um campo científico mais recente de estudo específico do envelhecimento humano em suas dimensões biopsicossociais. Além das contribuições metodológicas, de operacionalização de conceitos, de fornecimento de instrumentos de pesquisa e avaliação, no campo de aplicação clínica do gerontólogo, esse conhecimento instrumentaliza o profissional ao fornecer métodos e técnicas de manejo das questões psicológicas do envelhecimento, assim como as bases para a prática do aconselhamento de idosos e familiares e para a tomada de decisões na gestão de serviços (Neri, 2004).

 

Considerações Finais

Frente aos desafios que o envelhecimento impõe ao saber psicológico e às relações deste com área tal como a Gerontologia, torna-se essencial que estudiosos e profissionais dessas áreas empenhem esforços deliberados na construção de conhecimentos e práticas contextualizadas e também na busca de especificidades e generalidades quanto à velhice e ao envelhecimento que retroalimentarão tanto a ciência psicológica quanto aos demais campos de que dela se beneficiam. De maneira geral, depreende-se do diálogo entre a Psicologia do Envelhecimento e a Psicologia Clínica que, no planejamento, avaliação e implementação das abordagens clínicas com idosos, é necessário, além de dominar os conhecimentos da Psicologia do Envelhecimento, adaptar-se criativamente e aprender a usar os conhecimentos clínicos em diversos contextos socioculturais e de cuidado à saúde, flexibilizar técnicas ou metas e dar preferência a modalidades de intervenção focais e breves ajustadas aos desafios específicos ligados ao indivíduo ou grupo alvo da intervenção.

Tais tarefas são ainda mais prementes no contexto da Psicologia brasileira, uma vez que esta ainda está em processo de delineamento no campo dos saberes relativos ao envelhecimento. A maioria das teorias, práticas e evidências de pesquisa são baseadas em achados internacionais, havendo a necessidade de que o profissional psicólogo derive de suas teorias e técnicas subsídios para uma prática sensível às reais necessidades dos idosos brasileiros.

 

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Endereço para correspondência
Escola de Artes, Ciências e Humanidades – EACH- USP
Av. Arlindo Béttio, 1000. Sala 86 – A1 Ermelino Matarazzo
CEP: 03828-000 - São Paulo - SP
E-mail: samilabatistoni@usp.br

Recebido em Agosto de 2009
Aceito em Novembro de 2009

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