SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.3 número2"THE END OF STIGMA? Changes in the Social Experience of Long-Term Illness" índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. v.3 n.2 Juiz de Fora  2009

 

TEMA EM DEBATE

 

A formação clínica do psicólogo em Universidade

 

 

Maria das Graças Vasconcelos Paiva*

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Rio de Janeiro

Endereço para correspondência

 

 


O estágio supervisionado em Psicologia é um componente fundamental do curso de graduação nesta disciplina. É o veículo primário através do qual se desenvolvem as competências necessárias para a formação profissional de psicólogo. Esta modalidade de estágio, área central na formação clínica psicológica universitária, é uma das exigências estabelecidas para a formação do psicólogo, segundo o Conselho Federal de Psicologia, 1987.

É essencial que o curso de graduação destinado unicamente à transmissão e aquisição de conhecimentos teóricos seja complementado com horas de estágio e supervisão, sendo essa supervisão normalmente realizada por um profissional categorizado e com grande experiência em sua área de atuação. A relação entre o supervisor e o estagiário é de natureza avaliativa e estende-se pelo tempo. Possui o propósito simultâneo de aumentar a competência profissional dos estagiários monitorando a qualidade dos serviços profissionais que eles oferecem aos clientes. Tais propósitos servirão para levar o estagiário a entrar numa vida profissional particular. Estaremos aqui enfocando o supervisor e suas competências. Supervisionar, etiologicamente, significa vigiar, fiscalizar, dirigir.

 

O Supervisor

O destaque ao supervisor é importante para que fiquem claros os objetivos deste trabalho. A este profissional não basta ser formado em psicologia, nem possuir um bom curriculum vitae, ter essa ou aquela formação teórica para dominar essa prática profissional em uma universidade. É verdade, inclusive, que a formação sistemática de um profissional para exercer tal tarefa tem sido largamente negligenciada. No caso do magistério superior, o profissional que ocupará a função de supervisor deve ter uma visão do todo institucional, sem perder de vista as características próprias de sua formação profissional, a dinâmica de funcionamento do estágio, a abrangência e os limites de sua atuação. Deve ser selecionado por preencher os requisitos da cadeira docente, possuindo assim a mesma titulação e experiência em ensino, pesquisa e extensão. Caso contrário, corre-se o risco de haver a improvisação ou que profissionais despreparados repitam na supervisão experiências que tiveram como alunos. Uma formação específica garantiria que eles adotassem modelos adequados e únicos para cada estagiário, tratando-os de forma heterogênea, revertendo a intenção de imitar, atribuída comumente aos supervisionados.

O supervisor deve possuir, sobretudo, algumas condições pessoais básicas: conhecimento de si, bem como capacidade de relacionamento interpessoal, transmitindo segurança e confiabilidade, capacidade de crítica, comportamento respeitoso e ético. Acima de tudo, deve possuir competência em sua área que compreende: conhecimento, habilidades e valores, ou seja, o conhecimento da teoria e da técnica, para que possa orientar, com consistência e lucidez, seus estagiários.

 

As Competências do Supervisor

O uso de competências como um padrão serve para mover a psicologia de normativa para avaliativa baseada em critérios. Trata-se de preparar e avaliar o estudante contra um padrão comum e não para compará-lo com outro.De acordo com Falender e colaboradores (2004), as competências do supervisor seriam:

-Permitir a integração de conhecimento (teoria e pesquisa empírica) com habilidades técnicas e valores profissionais;

-Encorajar a socialização de valores profissionais através de exposição a práticas supervisionadas com retroalimentação;

-Desenvolver o metaconhecimento, o conhecimento sobre o conhecimento, que é um significante componente do processo de autovalorização que amplia o desenvolvimento profissional;

-Desenvolver a habilidade para avaliar apuradamente a eficácia e uso do conhecimento aplicado tão bem como a habilidade para desenvolver competências pessoais suplementares.

Cabe observar que as competências do supervisor não é um conceito unitário, mas é um produto de muitos componentes de competência que se juntam e combinam, determinando a competência do psicólogo como supervisor. Se este tiver condições de exercer suas funções, o que se espera é que o estagiário adquira as competências mínimas para trabalhar com autonomia no final do estágio de graduação. Embora apresentados como diferentes, todos os elementos que compõem as competências interagem e influenciam-se mutuamente. As habilidades requerem conhecimentos que sempre incluem uma perspectiva de valor. Essa delimitação representa um esforço preliminar para definir competências de supervisão na formação do psicólogo.

 

Fatores do Desenvolvimento Profissional do Supervisor

Fatores do desenvolvimento profissional contribuem como componentes-chave para a prática da supervisão e requerem consideração dentro da formação e do estágio como um assunto de investigação sistemática e empírica. Cada fator requer conhecimento específico, habilidade e valor.

-Reconhecimento de que adquirir competência para supervisionar é um processo de vida a longo prazo, acumulativo e evolutivo com níveis de proficiência além de competência;

-Reconhecimento de atenção para diversidade em todas as formas.

-Reconhecimento de que o estágio é influenciado tanto por fatores pessoais como por fatores profissionais. Este inclui valores, crenças, viéses interpessoais e conflitos que podem ser a fonte de contratransferências.

- Reconhecimento da necessidade de que tanto a avaliação como a autoavaliação dos pares podem ocorrer regularmente através de todos os níveis de supervisão.

Os fatores supra-ordenados, atravessando todos os aspectos do desenvolvimento profissional, são assim propostos, incluindo a perspectiva da formação como um processo acumulativo e contínuo, requerendo atenção para a diversidade e para as condutas legais e étnicas, para os fatores pessoais, profissionais auto-avaliativos e avaliativos.

 

Considerando a Diversidade

Outra lente através da qual a supervisão deve ser contornada é a mais ampla diversidade cultural. De uma maneira crescente, linhas indicadoras estão sendo propostas para a prática da psicologia e devem ser extrapoladas para a supervisão informada por competência de diversidade. Competências culturais têm sido propostas e operacionalizadas. Stoltenberg e Grus (2004) indicam que só recentemente a atenção dos estudiosos tem se dirigido para a competência de diversidades que inclui idade, cultura, etnocentrismo, gênero, identidade de gênero, linguagem, condição de atraso mental, religião, orientação sexual e status socioeconômico. Supervisores têm sido limitados por conceituações de grupo unitário sem considerar as variáveis de múltipla relevância ao descrever a identidade individual, refletindo a identidade coletiva. O supervisor deve considerar outros fatores, incluindo congruência de visão de mundo e, inclusive, dimensões como: tempo, crenças, mitos, tradições, dependência, autonomia e componentes críticos da supervisão.

 

Conhecimento

O conhecimento é a base sobre a qual a competência é construída. O psicólogo supervisor deve possuir conhecimentos em áreas distintas que lhe dão possibilidades de alcançar níveis mínimos de competência em supervisão, o que inclui áreas que estão sendo supervisionadas, modelos de supervisão, teorias e modalidades de pesquisas. Conhecimentos práticos de questões éticas e legais específicas à supervisão deveriam incluir dimensões de relações múltiplas e consentimento informado, entre outros. O supervisor deve conhecer procedimentos de avaliação e medição dos resultados e a diversidade dentro dos pares supervisor/supervisando. Tanto as práticas, quanto a ética devem estar baseadas na ciência da profissão. Isso requer que a prática profissional derive de conhecimento científico e da pesquisa corrente.

 

Habilidades

Habilidades intrínsecas à supervisão podem ser consideradas a avaliação e autoavaliação. Através de retroalimentação avaliativa e formativa (coisa muitas vezes negligenciada), o supervisor se habilita a fornecer um modelo que permita o crescimento do supervisando. Segundo Bernard e Goodyear (2004), este modelo atende a autoavaliação a longo prazo, pois esta pode ser modelada ativamente pelo supervisor.

O supervisor deve possuir a habilidade de programar o modelo de desenvolvimento, avaliando as necessidades de aprendizagem e o nível de desenvolvimento do supervisando como fatores orientadores do processo. Supervisionar é uma atividade avaliativa de mão dupla, que cada lado da dupla oferece retorno avaliativo ao outro. Sendo assim, o supervisor deve ter capacidade didática e demonstrar flexibilidade no processo de supervisão e nos serviços aos clientes. A capacidade de usar o pensamento científico e transladá-lo para a prática é outra habilidade de valor.

 

Valores

Valores centrais necessários foram estabelecidos para os supervisores serem considerados minimamente competentes: a responsabilidade pelo supervisando e pelos clientes em todos os aspectos de seu desenvolvimento e a sensibilidade à diversidade em todas as suas formas.

É significativo valorizar a realização de um equilíbrio entre apoio e desafio na supervisão tanto quanto valorizar a importância do supervisando. Há a suposição de um compromisso de aprendizagem contínua a longo prazo e crescimento profissional, não só para os estagiários, mas também para o supervisor.

O supervisor também tem um compromisso de alcançar um equilíbrio apropriado entre necessidades clínicas e de treinamento, avaliando cliente e supervisionando, mas reconhecendo a prevalência que o bem-estar do cliente tem sobre os desejos do supervisionando quando discrepâncias entre eles surgem. Avaliar princípios éticos e o compromisso para procurar usar a ciência psicológica disponível à medida que ela tem papel crítico na supervisão. O supervisor tem de se comprometer em reconhecer seus próprios limites.

 

Contexto Social

Como complemento, o contexto social e a perspectiva evolutiva devem ser considerados no processo de supervisão e em sua avaliação. As díades em supervisão não existem em isolamento. Elas estão enredadas nos contextos sociais que constituem um arranjo de contextos proximais (local dos ajustes de treinamento, de aplicação das regras) e contextos distais (agências de saúde, de polícia, da justiça e outros fatores do meio que afetam a supervisão).

Uma perspectiva sistêmica realça a multiplicidade de forças (legal, sociopolítica, econômica, corporação profissional, etc) que dá forma ao processo de supervisão. Isso influencia o contexto particularmente se for relevante nos ajustes multidisciplinares em que a fidelidade profissional do psicólogo pode ser confrontada com diferenças transdisciplinares em status e autoridades e por modelos de treinamento que diferem daqueles prevalentes em Psicologia.

Como observa Stoltenberg e Grus (2004), parâmetros contextuais incluem:

- Diversidade

-Princípios étnicos e legais (postura, comportamento, atitude)

-Processos evolutivos

-Conhecimento do sistema imediato e expectativa dentro dos quais se conduz a supervisão.

-Atenção ao contexto sociopolítico dentro do qual a supervisão é conduzida.

-Criação de um clima em que a norma seja um retornohonesto, tolerável e desafiador.

 

Avaliação

A conclusão de um curso bem-sucedido sobre supervisão poderia ser uma maneira de avaliar a competência do psicólogo para o cargo de supervisor. Evidências de observação direta de supervisão (videotape, audiotape) podem ser consideradas um excelente jeito para avaliar a competência em supervisão. Documentação de experiência em supervisão, refletindo diversidade, pode ser considerada importante e retornode supervisionando. Autoavaliação é vista como integral para consideração de competência em uma área em que definição, além disso, é necessária. Milne (2006) descreve um protótipo de avaliação de autoconsciência de disposição para oferecer serviços para pacientes com problemas médicos cirúrgicos que levaria os praticantes a definirem as dimensões das competências além do nível da entrada. Finalmente, a avaliação de resultado de supervisão (individual ou em grupo) é sempre descrito como vital por incluir mais medidas válidas e seguras de supervisionados e resultados de clientes para serem usados através do estágio e da relação clínica. Lambert e Hawkins (apud Stoltenberg & Grus, 2004), sugeriram o Questionário de Resultados (OQ)como ferramenta de retornodo paciente para o terapeuta via supervisor.

 

Modelos Teóricos de Transmissão Transgeracionais

Os modelos de supervisão desenvolvimentistas são baseados na idéia de desenvolvimento como uma metáfora para o processo de crescimento supervisionado. Dentro desse enfoque, a mudança é vista antes como um contínuo processo de desenvolvimento dentro dos estágios (de conhecimento ordenado e acumulativo e quantitativo) com diferenças qualitativas no nível de complexidade e do uso de habilidade entre os estágios. O supervisor deve ajustar a supervisão de acordo com o domínio dentro de uma dada sessão de supervisão. Proficiência em terapia individual pode ser mais sofisticada do que avaliação psicológica. Segundo Pagotti e Quagliatto (2004), a supervisão clínica pode ocorrer embasada no modelo teórico da Psicanálise. Os autores ressaltam seus reflexos históricos com o risco de transposição para o contexto acadêmico, que visa à formação de psicólogos, e as particularidades das especializações da Psicanálise. Depois que esta experiência foi introduzida, em 1920, na formação de analistas, a supervisão ficou relacionada à própria formação profissional de psicoterapeutas de todas as abordagens psicológicas cujo enfoque tem a função de colocar o método psicanalítico em ação, e o supervisor se coloca no lugar de escutar a própria escuta, deparando-se com a realidade, nem sempre fácil, dos estágios supervisionados (dificuldades institucionais, burocráticas, teóricas, técnicas e metodológicas) que permeiam a cena do ato de supervisionar e ser supervisionado, acompanhado da subjetividade de cada um dos protagonistas: o supervisor e o estagiário. Para que essa aprendizagem seja significativa, o estagiário não deve idealizar o supervisor como aquele que sabe e fazer com ele e não como ele. Assim potencializado, o aprendiz estará em condições mais favoráveis de construir uma relação com seu cliente.

Conclui-se que a função do supervisor é dupla: pedagógica e terapêutica, compreendendo esta última de uma capacidade de relação humana, em que sejam significativos o encontro, a escuta e o reconhecimento da verdade do outro para possibilitar o seu desenvolvimento afetivo-emocional.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bernard, J. M., Goodyear, R. K. (2004). Fundamentals of clinical supervision. Boston: Allyn and Bacon.         [ Links ]

Falender, A. C., Jennifer A. Cornish, E., Goodyear R., Hatcher, R. et al (2004). Defining competencies in psychology supervision: A consensus statement. Journal of Clinical Psychology, 60(7), 713-723.         [ Links ]

Milne, D. (2006). Development clinical supervision research through reasoned analogies with therapy. Clinical Psychology & Psychotherapy, 13(3), 215-222.         [ Links ]

Pagotti, A. W. & Quagliatto, H. S. M. (2004). O Supervisor Clínico: investigando suas funções na formação acadêmica de psicólogos. Rev. da Sociedade de Psicologia do Triângulo Mineiro, 8 (1), 83-90.         [ Links ]

Stoltenberg, Cal & Grus C. (2004).Overview of Supervision Competencies. Journal of Clinical Psychology, 60 (7), 771-785.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Avenida Henrique Dodsworth, 83 Apto. 503.
CEP 22061-030 - Rio de Janeiro, RJ
E-mail: gracapaiva@hotmail.com

 

 

* Professora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, Instituto de Psicologia, Departamento de Fundamentos da Psicologia.

Creative Commons License