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Psicologia em Pesquisa

versión On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.4 no.1 Juiz de Fora  2010

 

ARTIGOS

 

As Estratégias de Aprendizagem de Alunos Repetentes do Ensino Fundamental*,**

 

Learning Strategies of Primary Education Repetition Students

 

 

Elis Regina da CostaI; Evely BoruchovitchII

I Universidade Federal de Goiás
II Universidade Estadual de Campinas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Identificar e comparar as estratégias de aprendizagem utilizadas por alunos repetentes e não repetentes do ensino fundamental foi o objetivo da presente pesquisa. A amostra contou com 155 alunos, dos quais 43,9% (68) já haviam repetido pelo menos uma vez alguma série escolar. Os dados foram coletados mediante uma entrevista individual estruturada, que continha situações hipotéticas relativas à aprendizagem e ao estudo. Os resultados revelaram que as estratégias de aprendizagem mencionadas pelos repetentes nas situações propostas foram mais pobres, menos funcionais e mais ambíguas, quando comparadas às dos alunos não repetentes. Sugere-se que os dados obtidos sejam verificados, futuramente, por estudos observacionais que possam melhor aquilatar, realmente, as ações daqueles que experimentam tanto o sucesso quanto o fracasso na escola.

Palavras-chave: Estratégias de aprendizagem; repetência; ensino fundamental.


ABSTRACT

The goal of this research is to identify and compare learning strategies used by repeating and non-repeating students of elementary schools. The sample comprised 155 students, of whom 43.9% (68) had repeated at least once any grade level. Data were collected through a structured individual interview, which included a set of learning and studying hypothetical situations Results evinced that students who had already been retained in a school grade level had poorer, more ambiguous and less functional learning strategies when compared to their non repentant counterparts. It is recommended that data be further confirmed by future observational research which can in fact map more precisely the real actions of those who either fail or succeed in school.

Keywords: Learning strategy; retention; elementary school.


 

 

Estratégias de aprendizagem são técnicas ou métodos que os estudantes utilizam a fim de obter e aprender uma dada informação (Silva & Sá, 1997). A identificação das estratégias usadas espontaneamente, ou adquiridas por meio do ensino sistemático, bem como os aspectos motivacionais e afetivos que favorecem ou não o comportamento estratégico têm sido investigadas recentemente por pesquisadores (Torrance, Fidalgo & Garcia, 2007; Keaton, Palmer, Nicholas & Lake, 2007). Selecionar, resumir e estruturar as idéias principais de um texto, facilitar a sua recordação, fazer leituras em voz alta, sublinhar são exemplos de estratégias de aprendizagem.

As estratégias de aprendizagem podem ser classificadas, segundo alguns teóricos, em estratégias cognitivas e metacognitivas. O processo cognitivo e o progresso cognitivo seriam realizados pelas estratégias cognitivas e metacognitivas respectivamente (Boruchovitch, 1993). Apesar destas diferenciações, o termo estratégias de aprendizagem vêm englobando todos os tipos de estratégias mencionadas anteriormente (primárias, suporte, cognitivas e metacognitivas).

Estudos relativos à psicologia cognitiva, baseada no processamento da informação, apontam que existe uma relação entre o uso adequado de estratégias de aprendizagem e um bom desempenho acadêmico (Silva & Sá, 1997). Uma grande parte das pesquisas sobre estratégias de aprendizagem, principalmente de países desenvolvidos, têm-se concentrado em estudantes universitários (Zimmerman & Martinez-Pons, 1986). Contudo, percebe-se nos últimos anos uma expansão de estudos, envolvendo os níveis de escolaridade primário e secundário (Newman & Muray, 2005; Torrance, Fidalgo & Garcia, 2007; Marchand & Skinner, 2007; Keaton, Palmer, Nicholas & Lake, 2007).

Em nível nacional, constata-se um aumento de pesquisas a respeito do uso de estratégias de aprendizagem nos últimos anos. Boruchovitch (1998) e Schlieper (2001) analisaram o uso de estratégias de aprendizagem em alunos de 3a, 5a e 7a séries do ensino fundamental. Alunos repetentes mencionaram procurar mais freqüentemente a ajuda do professor do que os não repetentes. Vale enfatizar que, no estudo de Schlieper (2001) e Boruchovitch (1998), a repetência não esteve associada à falta de estratégias de aprendizagem.

Cruvinel e Boruchovitch (2004) pesquisaram a utilização de estratégias de aprendizagem e sintomas depressivos em alunos de 3a, 4a e 5a séries do ensino fundamental. Desempenho satisfatório apareceu associado com o uso mais consistente de estratégias de aprendizagem. Estudantes não repetentes mencionaram usar essas estratégias mais sistematicamente do que os repetentes.

Costa e Boruchovitch (2004) investigaram as relações entre o uso de estratégias de aprendizagem e a ansiedade de alunos do ensino fundamental. Os dados revelaram que alunos que parecem não ter um repertório de estratégias de aprendizagem (ausência de comportamento estratégico) possuem uma tendência a experimentar maiores níveis de ansiedade estado do que alunos que mencionaram estratégias para as situações propostas.

Em estudos nacionais, o uso da estratégia de pedir ajuda foi encontrado em pesquisas conduzidas por Boruchovitch (1998, 1999, 2006), Costa (2000), Schilieper (2001) e Serafim (2009). Numa outra direção, Gomes e Boruchovitch (2005) desenvolveram um jogo, denominado Bingo Melhor Estudante, e constataram sua viabilidade como instrumento de avaliação acerca da percepção de alunos sobre as crenças, os hábitos, as atitudes e as estratégias de aprendizagem que caracterizam os bons estudantes. Um melhor desempenho no jogo foi acompanhado de maior compreensão em leitura e um relato de uso mais eficiente de estratégias de aprendizagem.

Oliveira (2008) verificou as propriedades psicométricas de uma escala de estratégias de aprendizagem desenvolvida, em 2004, por Boruchovitch e Santos. Os participantes foram 815 alunos do ensino fundamental de escolas públicas e privadas dos estados de São Paulo e Minas Gerais. A escala apresentou bons parâmetros psicométricos, se revelando útil para avaliações psicoeducacionais.

Ao se fazer uma análise das pesquisas mencionadas anteriormente, constata-se que muitos estudantes utilizam estratégias de aprendizagem inefetivas, por não terem um conhecimento mais amplo a respeito de outras que poderiam ser úteis na realização das diversas tarefas escolares (Boruchovitch, 1998, 1999, 2006; Costa, 2000; Schilieper, 2001). Tendo-se em vista a importância de se conhecer o repertório de estratégias de aprendizagem de alunos brasileiros do ensino fundamental, e dada a pouca produção de estudos brasileiros nessa área, sobretudo relativos a alunos repetentes, o presente estudo teve como objetivos descrever e comparar as estratégias de aprendizagem utilizadas por alunos repetentes e não repetentes do ensino fundamental. Cabe mencionar que esta pesquisa fez parte de uma investigação mais ampla, que possuía como objetivo conhecer as estratégias de aprendizagem de estudantes brasileiros nas diversas situações de aprendizagem escolar (Costa, 2000). Vale lembrar que a escola em que foi realizada a coleta de dados não havia ainda adotado a progressão continuada. Contudo, torna-se interessante ressaltar que, mesmo após sua implantação, a reprovação ocorre e, neste sentido, a temática da repetência merece ser investigada.

 

Método

Participantes

A amostra foi constituída de alunos de 2ª (38), 4ª (40), 6ª (40) e 8ª (37) séries do ensino fundamental, de 6 a 18 anos, de ambos os sexos, de uma escola da rede pública de Campinas. A amostra total contou com 155 alunos, dos quais 43,9% (68) já haviam repetido pelo menos uma vez alguma série escolar. Mais especificamente, na 2ª série, dos 38 participantes 4 eram repetentes; dos 40 alunos da 4ª e da 6ª séries, 22 e 23, respectivamente, já haviam repetido uma série; na 8ª série, 18 dos 37 estudantes eram repetentes. Os participantes foram selecionados aleatoriamente em suas classes, tendo por base a lista de chamada da escola.

Instrumento

Entrevista Individual Estruturada (Self-Regulated Learning Interview Schedule – Zimmerman & Martinez-Pons, 1986). Os dados sobre as estratégias de aprendizagem foram coletados mediante uma entrevista individual estruturada, constituída por 16 perguntas abertas e fechadas, relativas às estratégias de aprendizagem traduzidas e adaptadas do Self-Regulated Learning Interview Schedule (Zimmerman & Martinez-Pons, 1986) por Boruchovitch (1995). A entrevista era composta de 16 questões abertas, algumas contendo itens fechados do tipo ‘sim’ e ‘não’, as perguntas eram baseadas em situações concretas relativas ao ensino e a aprendizagem dos participantes, que, mais precisamente, mapeavam as seguintes situações: a) aprendizagem em sala de aula, b) estudo em casa, c) realização de tarefas escolares em casa e de preparação para provas. Como exemplo, pode se citar a seguinte questão: A maioria dos professores costuma dar testes no final do semestre. Esses testes determinam a nota dos alunos. Você tem alguma maneira que possa lhe ajudar a se preparar para uma prova de português?

Como a entrevista foi originalmente escrita em inglês, a segunda autora efetuou sua tradução do inglês para o português, num primeiro momento, e, em seguida, solicitou que um outro pesquisador brasileiro que morou num país de língua inglesa, fizesse a versão dos instrumento para o inglês (back translation). Maiores detalhes sobre a entrevista podem ser encontrados em Boruchovitch (1995), Costa (2000) e Zimmerman e Martinez-Pons (1986).

Procedimentos para Coleta de Dados

A coleta de dados foi realizada em uma escola pública situada na periferia de Barão Geraldo, indicada pela Secretaria de Educação de Campinas como uma das escolas municipais que apresentavam índices expressivos de repetência na ocasião.

Após o conhecimento dos objetivos do estudo por parte da direção da escola e sua anuência, as entrevistas individuais com os alunos foram realizadas no pátio da escola ou na sala dos professores, quando ambos os locais se encontravam desocupados. O horário do recreio era respeitado e os alunos não eram chamados. Eram buscados individualmente nas salas de aula pela pesquisadora. Primeiramente, o aluno e a pesquisadora se apresentavam e, em seguida, explicava-se ao participante que se tratava de um trabalho com o objetivo de entender como os alunos estudam e aprendem as matérias na escola. Era-lhes dito tratar-se de uma conversa confidencial que não causaria qualquer interferência em sua vida escolar. Foi permitido aos participantes que mencionassem mais de uma estratégia para cada situação proposta, se assim o desejassem, conforme orientação do instrumento original. A duração da entrevista variou de 40 a 45 minutos.

Cabe mencionar que todo o procedimento de coleta de dados anteriormente descrito foi precedido por um estudo-piloto que revelou a não necessidade de reformulação do instrumento, bem como serviu como treinamento para a pesquisadora. Os cuidados éticos tomados neste estudo estão em consonância com a Resolução n. 196 de 10 de outubro de 1996, do Ministério da Saúde.

Procedimentos de Análise de Dados

As respostas dos participantes sobre as estratégias de aprendizagem foram primeiramente estudadas por análise de conteúdo, utilizando-se um sistema de categorização de respostas para cada questão, baseando-se nos sistemas já existentes na literatura internacional (Zimmermam & Martinez-Pons, 1986) e nacional (Boruchovitch, 1999). A fim de aumentar a consistência da análise de dados, cada categoria foi definida operacionalmente, e um conjunto de regras para a classificação de uma resposta numa dada categoria foi cuidadosamente desenvolvido por Boruchovitch e Costa (ver Costa, 2000).

A consistência do processo de categorização foi avaliada mediante utilização de um juiz independente, que analisou 32 respostas (em torno de 20% do total de respostas) selecionadas aleatoriamente. A porcentagem de correspondência atingida entre a pesquisadora e o juiz foi de 90%. Durante o processo de categorização, o juiz não foi informado sobre os dados demográficos nem sobre a repetência ou não dos participantes.

Para se explorarem as relações entre o uso de estratégias de aprendizagem e a repetência, dois estágios de análise estatística foram realizados. No primeiro, a amostra foi estudada em termos da estatística descritiva. Percentagens de respostas e distribuições de freqüências foram calculadas. No segundo momento, as relações entre o uso de estratégias e a repetência escolar dos alunos foram estudadas por meio das técnicas da estatística inferencial. Como a maior parte das variáveis do estudo foi tratada como categórica, a prova do Qui-Quadrado foi predominantemente utilizada.

 

Resultados

Relações significativas foram encontradas entre o uso de estratégias de aprendizagem em algumas situações de estudo e aprendizagem e a repetência. Mais precisamente, alunos repetentes relataram a utilização de estratégias significativamente diferentes, quando comparados aos não repetentes, nas seguintes situações: 1- produção de texto em sala de aula (c2 =11.1; p= .02); 2 – administração do tempo para estudar para uma prova (c2 =18,3; p=.00); 3 – modo de lidar com dúvidas no momento de responder a uma questão na prova (c2 =16,1; p=.00); 4 – correção de questões erradas após a prova (c2 =14,7; p=.00); 5- auto-avaliação das respostas durante uma prova (c2 =16,8; p=.00); 6 – motivação para estudar uma matéria desinteressante (c2 =8,7; p=.01); e 7 – controle da atenção durante a aula (c2  =12,3; p=.01).

A primeira questão dizia respeito ao uso de estratégias de aprendizagem para produzir um texto em sala de aula. Cinco categorias de respostas foram encontradas: pedir ajuda, pesquisar, organizar as idéias mentalmente, preocupar-se quanto à estética, à gramática e à técnica, e nunca ter feito redação. Cabe mencionar que a categoria denominada "nunca ter feito redação" se refere àqueles alunos da 2a série que nunca haviam realizado tal atividade até o momento da entrevista. Como se pode perceber na Tabela 1, alunos com história de repetência demonstraram possuir uma tendência maior a preocupações quanto à estética, à gramática e à técnica para produzir um texto, e relataram mais organizar as idéias mentalmente e pesquisar e, menos, pedir ajuda (c2 =11.1; p= .02) do que os não repetentes.

 

Tabela 1 - Porcentagem de respostas da questão relativa à produção de texto em sala de aula.

p< .05 * P< .01 **

 

Como administrar o tempo de estudo, visando preparar-se para uma prova foi a segunda pergunta abordada na entrevista. Pedir ajuda, nunca ter feito prova, colar, fazer seleção e ajustes em função do tempo, não se preparar para a prova foram as categorias de respostas que surgiram nesta questão. Os dados da Tabela 2 indicam que alunos repetentes relataram mais pedir ajuda, selecionar e ajustar o estudo em função do tempo, bem como não se preparar para as provas do que alunos não repetentes(c2  =18,3; p= .00).

 

Tabela 2 - Porcentagem de respostas da questão relativa à administração do tempo.

p< .05 * P< .01 **

 

A terceira pergunta questionava como o aluno agia diante de dificuldades em responder a uma questão de prova. Cinco categorias de respostas foram encontradas: pedir ajuda do professor, nunca ter feito prova, colar, deixar a pergunta da prova em branco e colocar qualquer resposta foram as que emergiram. Como pode ser visto na Tabela 3, estudantes que já haviam repetido a série escolar relataram optar por deixar mais as questões que não sabiam responder em branco e colar, e menos colocar qualquer resposta ("chutar") e pedir ajuda do que alunos que nunca haviam repetido alguma série escolar (c2 =16,1; p= .00).

A quarta pergunta era sobre correção de questões erradas após a realização de uma prova. Os alunos relataram as seguintes estratégias: corrigir, corrigir somente quando alguém pede e nunca ter feito prova. A Tabela 4 mostra que estudantes com história de repetência relataram mais tanto corrigir por própria iniciativa, quanto corrigir somente quando alguém pede do que alunos não repetentes (c2  =14,7; p= .00).

 

Tabela 3 - Porcentagem de respostas relativas às dificuldades em responder uma questão da prova.

p< .05 * P< .01 **

 

Tabela 4 - Porcentagem de respostas sobre como os alunos lidam com as questões erradas na prova.

p< .05 * P< .01 **

 

A quinta situação abordava como o aluno avaliava as respostas nas provas. Nesta questão, apareceram quatro categorias de respostas: conferir várias vezes, colar, pedir para o professor conferir, nunca ter feito prova e não saber. Observa-se, na Tabela 5, que alunos repetentes mencionaram mais conferir uma resposta várias vezes bem como não saber o que fazer nessa situação (c2  =16,8; p= .00).

 

Tabela 5 - Porcentagem de respostas para a questão acerca de como o aluno avaliava as respostas nas provas.

p< .05 * P< .01 **

 

A sexta questão investigou formas de se automotivar para estudar uma matéria desinteressante. Surgiram três categorias de respostas: apoio social, associação com o lúdico e controle da atenção e do ambiente. A Tabela 6 mostra que estudantes repetentes relataram menos controlar a atenção e o ambiente e associar mais o estudo com atividades lúdicas e solicitar o apoio social para se motivar do que alunos não repetentes (c2  =8,7; p= .01).

 

Tabela 6 - Porcentagem de respostas para a questão sobre como se automotivar para estudar uma matéria desinteressante.

p< .05 * P< .01 **

 

A sétima questão da entrevista de estratégias de aprendizagem perguntava ao aluno o que ele costumava fazer para se ajudar a prestar mais atenção à aula. Evitar distrações, controlar os pensamentos, concentrar-se na figura do professor, escrever e não saber foram as categorias que emergiram. Os dados da Tabela 7 apontam que alunos repetentes mencionaram mais evitar distrações, concentrar-se na figura do professor do que alunos que nunca repetiram (c2  =12,3; p= .01).

Vale destacar que não foram encontradas diferenças significativas entre a repetência e as estratégias mencionadas pelos participantes como respostas às seguintes situações, propostas no instrumento: aprendizagem em sala de aula, compreensão de um conteúdo, dever de casa de matemática, preparação para a prova de português, costume de decorar, motivação para fazer o dever de casa, organização do ambiente de estudo, revisão do dever de casa e dificuldades na leitura.

 

 

Tabela 7 - Porcentagem de respostas para a questão sobre o que o aluno costumava fazer para se ajudar a prestar mais atenção à aula.

p< .05 * P< .01 **

 

Discussão

Identificar e comparar as estratégias de aprendizagem utilizadas por alunos repetentes e não repetentes do ensino fundamental foi o objetivo da presente pesquisa.  Nesse sentido, pode-se dizer que um dado interessante surgiu em relação à produção de textos em sala de aula.  Alunos repetentes, de forma geral, solicitaram menos ajuda do que os não repetentes. Isso pode ter ocorrido em virtude dos fracassos experimentados por esses alunos. Por outro lado, os alunos repetentes reportaram mais a estratégia de pesquisar como forma de auxílio para fazer uma redação, o que pode indicar uma certa de autonomia por parte deles. Tais dados foram semelhantes aos encontrados por Schilieper (2001).

Na situação de administrar o tempo de estudo a fim de se preparar para uma prova, as estratégias de aprendizagem relatadas pelos alunos indicam falta de conhecimento e preparo para lidar com o pouco tempo disponível. Como exemplo, temos o comportamento inalterado, isto é, o aluno não modifica sua forma de estudar, quando sabe que não dispõe de tempo para estudar para o exame. Outras estratégias de aprendizagem citadas denotaram falta de compromisso com o estudo (não se preparar para a prova e colar). Entretanto, é importante destacar que a categoria selecionar e ajustar o estudo em função do tempo indica um aperfeiçoamento no uso das estratégias de aprendizagem, e ocorreu entre repetentes. É possível que o uso de estratégias como a seleção e os ajustes em função do tempo, entre os repetentes, possa ser explicado pela própria situação de repetência, que acaba forçando o aluno a refletir mais sobre como estudar de maneira mais apropriada e eficaz, favorecendo pelo menos o conhecimento de estratégias mais sofisticadas, de acordo com a literatura (Dembo, 2000), como a organização e a elaboração, em algumas das situações investigadas. Schilieper (2001) não encontrou em seu estudo associações significativas entre os repetentes e não repetentes nesta questão.

É interessante notar que uma quantidade expressiva de alunos repetentes relatou mais deixar a questão em branco, quando possui alguma dúvida, colar e solicitar menos ajuda do professor do que os não repetentes. Aventa-se aqui a hipótese de esses comportamentos, por parte dos estudantes com história de repetência, estarem associados a uma insegurança maior em relação aos seus conhecimentos e a um receio de tentar algum tipo de resposta e fracassar.

Uma parte considerável dos participantes repetentes relatou tanto uma tendência a corrigir por iniciativa própria como corrigir a prova somente quando alguém pede. A estratégia de conferir várias vezes as respostas das provas foi mais mencionada pelos participantes repetentes do que pelos não repetentes, revelando um comportamento mais cuidadoso e reflexivo por parte dos que vivenciaram experiência de insucesso escolar. Tais resultados também foram consistentes com os de Schilieper (2001) em sua pesquisa.

Alunos com história de repetência mencionaram mais utilizar bastante apoio social, que inclui respostas em que o participante relata recorrer à ajuda de outros para manter a motivação, bem como estudar utilizando atividades lúdicas, do que alunos não repetentes, o que parece estar associado a uma dificuldade maior de concentração e à necessidade de apoio externo. Outra estratégia bastante citada pelos repetentes foi evitar distrações e se concentrar na figura do professor do que alunos não repetentes.

De modo geral, cabe ainda destacar a importância da estratégia de pedir ajuda, já que foi uma estratégia de aprendizagem bastante mencionada pelos alunos em todas as questões. Procurar ajuda do professor e do colega é uma estratégia apontada pela literatura como adequada para se lidar com as situações investigadas, pois, ao mesmo tempo em que se esclarecem dúvidas, se mantém o envolvimento com a tarefa, se evita o fracasso, se desenvolvem outras habilidades, além de envolver o processo de interação social que acontece em sala de aula (Newman, 2008; Newman & Muray, 2005; Marchand & Skinner, 2007; Serafim, 2009). Os atuais modelos de aprendizagem auto-regulada interpretam esta estratégia como uma resposta adaptativa que contribui para a melhora de problemas acadêmicos, ainda que isso nem sempre ocorra quando é necessário e apresente um declínio durante a adolescência (Marchand & Skinner, 2007; Newman & Muray, 2005).

Crianças de quatro ou cinco anos têm consciência da eficiência de se procurar ajuda, as de oito anos têm consciência dos custos e dos benefícios de se fazerem perguntas em sala de aula. Os custos de tal comportamento se referem ao fato de as pessoas interpretarem a busca de ajuda como reflexo de uma competência pobre. As crianças freqüentemente temem a reação dos professores e dos colegas, principalmente quando o esperado é que elas saibam como resolver as dúvidas sem ajuda adicional (Newman, 2008; Newman & Muray, 2005; Marchand & Skinner, 2007).

Consistente com a literatura internacional da área de estratégias de aprendizagem (Keaton, Palmer, Nicholas & Lake, 2007; Torrance, Fidalgo & Garcia, 2007), e com estudos nacionais (Boruchovitch, 1998; Cruvinel & Boruchovitch, 2004), a presente investigação demonstrou que uma quantidade expressiva de alunos do ensino fundamental desconhece um conjunto amplo de estratégias de aprendizagem que poderiam lhe ser úteis nas várias atividades de estudo e aprendizagem.

 

Considerações Finais

A partir dos dados do presente estudo, pode-se perceber que alunos repetentes possuem um conhecimento sobre como agir para se aprender melhor um conteúdo. Entretanto, parecem possuir um repertório superficial e inadequado para enfretamento das demandas escolares. Estudantes repetentes mencionaram não só usar estratégias de aprendizagem consideradas adequadas às situações propostas tais como pesquisar, corrigir por própria iniciativa, selecionar e ajustar o estudo em função do tempo, entre outras, mas também relataram comportamentos não estratégicos como: não se preparar para a prova, colar, deixar em branco questões que não sabe, entre outros.

Mais precisamente, constata-se que as estratégias de aprendizagem mencionadas pelos repetentes, nas situações propostas e analisadas nesta pesquisa, foram caracterizadas por uma certa ambigüidade. Por um lado, parece que os repetentes sabem exatamente o que deve ser feito, por outro, apresentam um relato de estratégias de aprendizagem mais empobrecidas e disfuncionais do que alunos não repetentes. Na pesquisa desenvolvida por Cruvinel (2004), os participantes não repetentes apresentaram escores mais altos do que os repetentes numa escala de estratégias de aprendizagem.

Ao se analisar os dados específicos da estratégia pedir ajuda, neste estudo, percebe-se que ela foi citada em três das sete perguntas analisadas, em oito das dezesseis situações do estudo de Costa (2000), Schilieper, (2001) e em muitas situações nas pesquisas desenvolvidas por Boruchovitch (1995, 1998, 1999, 2006).  É possível que os alunos repetentes desta pesquisa tenham solicitado menos ajuda nas diversas situações de estudo, pelos custos de tal comportamento ou pelo temor de as pessoas interpretarem a procura de ajuda como o reflexo de uma baixa competência. Parece que, entre repetentes, essa crença seja ainda mais forte.

Embora não tenha pesquisado alunos repetentes, Newman (2008) e Newman e Muray (2005) encontraram resultados semelhantes em seus estudos, uma vez que crianças com desempenho escolar insatisfatório e, portanto, que mais necessitam de ajuda foram as mais relutantes em buscá-la. Contrariando esses achados, Boruchovitch (1998) encontrou que alunos repetentes, quando têm dificuldade em entender um conteúdo, relatam procurar a ajuda do professor.

A literatura mostra que existem duas formas principais de se pedir ajuda: a executiva e a adaptativa. No pedido executivo, o propósito do aluno é concluir a tarefa. Já no instrumental, também denominado de adaptativo, o desejo genuíno do aluno de aprender está presente (Newman, 1990, 2007, 2008; Newman & Muray, 2005). Ao proporcionar feedback ao aluno, o professor o auxilia a perceber quando necessita ser ajudado. Reconhecer o limite entre uma ajuda adaptativa e uma excessiva é um aspecto decisivo para o desenvolvimento da autonomia do aluno. Educadores que respondem a solicitação de ajuda por parte dos alunos com orientações, e não com respostas diretas e controladoras, proporcionam ao aluno reconhecer sua dificuldade, elaborar questões e soluções para suas dúvidas (Newman, 2008; Serafim, 2009).

Considerando a importância da estratégia pedir ajuda para a aprendizagem auto-regulada (Newman, 2008; Newman & Muray, 2005; Serafim, 2009), pode–se dizer que uma limitação do presente estudo foi não ter aprofundado o conhecimento dessa estratégia nos participantes. Ficou difícil precisar a que tipo de solicitação de ajuda eles se referiam. Limitação essa que deve ser ultrapassada por futuras investigações. É essencial mencionar a inexistência de estudos nacionais e internacionais abordando especificamente o uso de estratégias de aprendizagem por parte de alunos repetentes, o que torna o diálogo com a literatura mais específica difícil de ser estabelecido. De fato, seria interessante a realização de estudos mais detalhados sobre as relações entre estratégias de aprendizagem e repetência e, mais especificamente, sobre a estratégia de pedir ajuda, já que se revela tão freqüente e importante para o processo de aprendizagem.

Por fim, cabe destacar que, na presente investigação, verificou-se apenas o relato de uso de estratégias por parte dos participantes e não sua utilização efetiva. Como é sabido que existe um hiato entre conhecer, relatar e usar, sugere-se que os dados obtidos nesta investigação sejam complementados, futuramente, por estudos observacionais que incluam outras variáveis, que possam melhor aquilatar realmente as ações daqueles que experimentam tanto o sucesso quanto o fracasso na escola.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Elis Regina da Costa
Rua Dona Olímpia, 680, Setor Divino Espírito Santo
CEP 75804-030 Jatai – GO
e-mail:elisreginacosta@yahoo.com.br

Recebido em Agosto de 2009
Revisto em Dezembro de 2009
Aceito em Março de 2010

 

 

* Trabalho adaptado da Dissertação de Mestrado da primeira autora, realizada sob orientação da segunda. Ano de defesa 2000, 131 pp. Projeto financiado pela FAPESP (Processo n. 98/10615-0).
** As autoras agradecem o apoio financeiro da Fapesp e do CNPq.

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