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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.4 no.1 Juiz de Fora  2010

 

ARTIGOS

 

Um Modo Alternativo de Construir um Operante: A Aprendizagem Recombinativa*, **

 

An Alternative Model of Operant Teaching: The Recombinative Learning

 

 

Paulo Elias Gotardelo Audebert Delage; Marcus Bentes de Carvalho Neto

Universidade Federal do Pará

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Analistas do comportamento consideram a modelagem o procedimento de construção de repertórios comportamentais por excelência. Contudo, existem outras formas de se instalar uma nova resposta complexa sem a necessidade da construção gradual e direta do repertório final. O presente trabalho apresenta um modelo de recombinação espontânea (aprendizagem recombinativa ou generativa) de repertórios previamente estabelecidos de modo independente (não diretamente treinados). Tal modelo foi aqui utilizado para tentar instalar a cadeia de respostas: (a) subir em uma caixa e (b) puxar uma corrente, executada por um rato albino (Rattus norvegicus). Discutem-se as características de cada tipo de aprendizagem (modelagem e recombinativa), bem como as implicações do modelo ora apresentado para a compreensão ontogenética de padrões comportamentais chamados de criativos ou originais.

Palavras-chave: Aprendizagem recombinativa; aprendizagem generativa; modelagem; insight; rattus norvegicus.


ABSTRACT

Behavior Analysts have considered shaping as the very most important behavioral teaching technique. Nevertheless, there are other different ways of installing a new complex response without necessarily teaching the final response in a direct and step-by-step way. The present paper presents a model of spontaneous recombination (recombinative or generative learning) of responses previously and independently taught (not directly trained). This model was used here to install a response chain: (a) step up in a box and (b) pull a chain, by a albinic rat (Rattus norvegicus). It also discusses the characteristics of each kind of learning (shaping and recombinative), as well as the implications of the model presented for understanding ontogenetic behavioral patterns called creative or original.

Keywords: Recombinative learning; generative learning; shaping; insight; rattus norvagicus.


 

 

Um comportamento operante pode ser estabelecido de muitos modos. Sua construção pode se dar através do intercâmbio direto com o mundo físico, através da exposição a certos arranjos de contingências (planejados ou não) ou através da mediação por outro organismo (imitação, controle por regras) (Catania, 1998/1999).

Talvez o procedimento mais utilizado, tanto nas demonstrações didáticas quanto nas intervenções educacionais, seja a modelagem. Manuais clássicos como Keller e Schoenfeld (1950/1974), Ferster, Culbertson e Boren (1968/1979), Millenson (1967/1975), por exemplo, trazem uma descrição detalhada de como uma nova resposta operante poderia ser construída por meio do reforçamento diferencial (em geral, a combinação de reforçamento positivo e extinção) de respostas cada vez mais próximas da estabelecida como objetivo. No ensino de graduação em Psicologia, o difundido exercício de laboratório, real ou virtual, que se baseia em estabelecer uma resposta operante em um rato pressionando uma barra, quase que exclusivamente se apóia no recurso da modelagem (Guidi & Bauermeister, 1968; Gomide & Dobrianskyj, 1998; Matos & Tomanari, 2002).

Além das aprendizagens direta e mediada já mencionadas, existem outras formas de se adquirir uma nova resposta de modo não gradual. Nesses casos, não é necessário que o organismo aprenda passo a passo a resposta final. Observa-se, ao contrário, uma curva abrupta de aprendizagem.

Uma característica marcante nesses mecanismos de aprendizagem não graduais seria seu caráter generativo (generative learning) (Epstein, 1996). Um novo padrão surge não da construção direta, mas da recombinação espontânea, não diretamente treinada, de certos padrões pré-existentes (estabelecidos de modo independente).

Epstein, Kirshnit, Lanza e Rubin (1984) realizaram um experimento no qual pombos aprenderam dois repertórios de modo independente: (1) empurrar uma caixa em direção a um ponto de luz projetado na parede de uma câmara; e (2) subir em uma caixa fixa e bicar uma peça de plástico suspensa sobre essa última. Depois de treinados em cada um desses repertórios, direta e separadamente, os sujeitos foram expostos a uma situação-problema em que a peça de plástico estava fora de seu alcance direto e a caixa estava disponível em um canto da câmara, podendo assim ser livremente empurrada até debaixo da peça, quando então os animais poderiam subir na caixa e bicar a peça, produzindo o alimento.

Os resultados mostraram que apenas os sujeitos que passaram pelas duas etapas de treino puderam resolver o problema, ao passo que os demais sujeitos que deixaram de passar por alguma das etapas, ou passaram por variações incompletas delas, não foram capazes de resolvê-lo. Esse trabalho foi inspirado por alguns dos estudos desenvolvidos por Köhler (1917/1957) com chimpanzés, a partir dos quais foi cunhado o termo "insight" para descrever certas aprendizagens súbitas que não poderiam ser atribuídas a uma história de "tentativa e erro". As pesquisas de Epstein indicam que histórias comportamentais e arranjos imediatos de contingências seriam necessários para a ocorrência desse fenômeno.

Os objetivos do presente trabalho foram (a) testar o estabelecimento indireto de um novo repertório operante (subir em uma caixa e puxar uma corrente) por meio da recombinação espontânea de repertórios previamente estabelecidos separadamente e (b) verificar a generalização dessa nova resposta aprendida.

 

Método

Sujeito:

Foi utilizado um rato albino (Rattus norvegicus, linhagem Wistar), experimentalmente ingênuo, com idade aproximada de 2 meses o início do experimento, proveniente do Biotério do Instituto de Ciências Biológicas da UFPA. O sujeito era submetido a um período de privação de água de aproximadamente 48 horas antes do experimento. A alimentação era fornecida ad libitum.

Equipamentos & Materiais:

Utilizou-se uma câmara experimental de acrílico ("Câmara de Insight") nas seguintes dimensões: 75 cm de altura X 90 cm de largura X 45 cm de profundidade. Em cada lateral encontrava-se um bebedouro, estando dispostos à meia distância das paredes frontal e traseira (cerca de 22,5 cm de cada uma delas), localizados na altura do piso. Quando acionados, tais bebedouros liberavam uma gota de água. Para este experimento foi utilizado apenas o bebedouro do lado esquerdo da câmara.

O bebedouro era acionado por uma barra conectada através de um fio de 1 m de comprimento. Presa a essa barra encontrava-se uma corrente de comprimento regulável, possibilitando uma variação de 9 cm a 1 m. Preso à ponta desta corrente ficava uma argola de metal de aproximadamente 2,5 cm de diâmetro.

O conjunto Barra/Corrente era móvel e podia ser alocado em 10 diferentes pontos da Câmara de Insight, conforme apresentado na Figura 1:

 

Figura 1: Figura esquemática do teto da câmara experimental. Esta figura indica as posições em que a corrente pode ser alocada na Câmara de Insight.

 

Foram usadas caixas de papelão revestidas de plástico adesivo do tipo "Papel Contact". As medidas das caixas eram: 7 cm de largura, 7 cm de comprimento e 3 cm de altura (Cx3); 7 cm de largura, 7 cm de comprimento e 5 cm de altura (Cx5) e uma caixa de 7 cm3 (Cubo). As sessões foram registradas através de uma filmadora Sony (CCD – TRV128).

Procedimento:

O sujeito passou por (1) uma primeira fase de treino onde foram estabelecidas as respostas de Puxar a Corrente (PuC) quando estava à altura do sujeito; (2) uma sessão de pré-teste, onde a corrente foi suspensa além do alcance direto do sujeito e uma caixa (Cx3) foi posta abaixo da corrente, de modo a permitir que o sujeito subisse na caixa e assim chegasse à corrente; (3) uma fase de treino em Subir na Caixa e Erguer-se (SuCx/Er), em que foram treinadas as respostas de erguer-se sobre a caixa sem que a corrente estivesse presente; (4) uma nova sessão de teste idêntica à da fase 2; e (5) uma fase em que o conjunto de operanda (caixa+corrente) variava de posição a cada sessão.

Para a Fase 1 (PuC) a corrente, que quando puxada acionava o bebedouro, ficava em uma posição fixa (Posição 2) e sua altura variou de 15 cm a 18 cm1. Nesta fase foram modeladas as respostas de PuC, reforçando-se sistematicamente aquelas respostas que gradualmente se aproximassem da resposta final desejada, até que o sujeito puxasse a corrente por três vezes consecutivas, quando era imediatamente iniciada a fase de fortalecimento desta resposta. O critério de encerramento da fase de fortalecimento era que as respostas de PuC se estabilizassem segundo uma variação máxima de 10% no número de respostas de uma sessão em relação à anterior, desde que em ambas sessões tivessem sido registradas pelo menos 50 respostas de PuC.

Terminada a Fase 1 teve início a Fase 2 (Pré-teste), em que a Caixa Cx3 foi posta debaixo da corrente, com o objetivo de avaliar se o treino em apenas um dos elos da cadeia (PuC) já não seria capaz de levar à execução da cadeia completa (SuCx/PuC).

Na Fase 3 foram treinadas as respostas de "Subir na Caixa e Erguer-se sobre ela" (SuCx/Er). Para estas sessões, a corrente ficava ausente e a Caixa Cx3 era posta exatamente no mesmo lugar em que a corrente havia sido alocada nas sessões de treino de PuC. Nesta ocasião, a resposta treinada foi a de Subir na Caixa e Erguer-se (SuCx/Er). A instalação desta classe de respostas foi realizada reforçando-se respostas que gradualmente se aproximassem da resposta final desejada. Até que a resposta fosse instalada, a caixa usada foi a Cx3. Depois de modelada a resposta de SuCx/Er, foram feitas mais duas sessões de fortalecimento dessa habilidade, sendo usada a Cx5, na primeira sessão, e o Cubo, na segunda.

A Fase 4 consistiu em uma nova sessão de teste, com a re-inclusão do Cubo sob a corrente, exatamente como feito na Fase 2.

Terminado o segundo teste, teve início a Fase 5, em que foram feitas sete sessões adicionais, onde o conjunto de operanda (caixa+corrente) era trocado de posição a cada sessão, obedecendo a seguinte seqüência randômica pré-estabelecida: Posições 9, 6, 3, 8, 7, 5, 10 2. Os objetivos dessa fase foram verificar se o repertório aprendido indiretamente seria transferido para situações ligeiramente diferentes da original e verificar a "força" (freqüência) da resposta modelada em situações subseqüentes.

O tempo de duração de todas as sessões foi de 40 min e em todas o esquema de reforçamento foi CRF.

 

Resultados

Fase 1: Treino das Respostas de Puxar a Corrente (PuC)

Na etapa de modelagem da resposta de PuC foram necessárias três sessões para que o critério fosse atingido e as sessões de fortalecimento tivessem início, tendo sido realizadas duas sessões deste tipo. Foi registrada uma freqüência de 61 respostas de PuC na primeira sessão e 59 respostas de PuC na segunda sessão.

Fase 2: Pré-teste

Na ocasião do pré-teste as únicas respostas orientadas para a corrente foram de Saltar em direção à Corrente (SaC)3, tendo o sujeito sido bem sucedido em puxá-la deste modo por duas vezes, sem que nenhuma resposta de Subir na Caixa (SuCx) fosse registrada. Como as respostas de SaC persistiam e o sujeito havia puxado a corrente por duas vezes ainda nos dois primeiros minutos de sessão, a corrente foi suspensa a 20 cm acima da caixa, de forma que o único modo de alcançá-la seria subindo na caixa, o que evitava que o animal pudesse alcançá-la por meio de saltos diretamente do piso da Câmara. No entanto, as respostas de SaC persistiram, o que levou ao encerramento prematuro da sessão aos 7 min.

Fase 3: Treino em Subir na Caixa e Erguer-se (SuCx/Er)

O sujeito passou por seis sessões de modelagem da resposta de Subir na Caixa e Erguer-se sobre ela (SuCx/Er). Depois de instalado este repertório, foram realizadas duas sessões de fortalecimento desta resposta, sendo que na primeira destas sessões a caixa utilizada foi a Cx5 e na seguinte, o Cubo. Na primeira sessão, foram registradas 62 respostas de SuCx/Er e, na segunda, 95 respostas pertencentes a esta classe.

A Figura 2 mostra uma seqüência de fotografias quadro a quadro da cadeia de respostas de SuCx/Er sendo emitida pelo sujeito na última sessão desta fase de treino.

 

Figura 2: Seqüência de respostas constitutivas da cadeia de respostas de Subir na Caixa e Erguer-se. As fotografias mostram quadro a quadro a topografia final desta resposta, com o animal aproximando-se da caixa em um primeiro momento (00:45 s); para em seguida tocá-la com as patas dianteiras (00:46 s); subir na mesma (00:47 s); e por fim, erguer-se sobre ela (00:48 s). No canto superior-direito de cada fotografia consta um marcador com o tempo de sessão momento a momento.

 

Terminada esta etapa de treino no repertório de SuCx/Er, foi feita uma sessão de restabelecimento da resposta de PuC, sem que a caixa estivesse presente. Foram registradas 93 respostas de PuC. A Figura 3 mostra uma seqüência de fotografias quadro a quadro da cadeia de respostas de PuC sendo emitida pelo sujeito nesta sessão.

 

Figura 3: Seqüência de respostas constitutivas da cadeia de respostas de Puxar a Corrente. As fotografias mostram quadro a quadro a topografia final desta resposta, com o animal aproximando-se da corrente em um primeiro momento (00:18 s); para em seguida começar a erguer-se de um modo não direcionado à corrente (00:19 s); até finalmente fazer contato visual com a mesma (00:20 s); e puxá-la em seguida (00:21 s). No canto superior-direito de cada fotografia consta um marcador com o tempo de sessão momento a momento.

 

Fase 4: Teste

Depois de ter sido treinado separadamente nas habilidades de Subir na Caixa e Erguer-se (SuCx/Er) e de Puxar a Corrente (PuC), o sujeito foi exposto a uma condição na qual o Cubo estava sob a corrente. Ao ser posto na câmara, depois farejar o bebedouro, o sujeito subiu na caixa e ergueu-se aos 8-s; farejou novamente o bebedouro e em seguida (aos 12-s de sessão) ergueu-se novamente sobre a caixa; voltou ao bebedouro e imediatamente (15-s) tornou a subir na caixa. Desta vez, o animal ergueu-se por três vezes, quando então tocou a corrente e após um período de aproximadamente 0,5-s a puxou, tendo feito isto aos 20 s do início da sessão. A Figura 4 apresenta uma série de fotografias dos instantes que antecederam a emissão da resposta final, desde o momento em que o sujeito subiu na caixa até o instante em que ele puxou a corrente.

A partir do momento em que a primeira resposta de PuC foi emitida, o sujeito emitiu mais 45 respostas de SuCx/PuC e 11 de SuCx/Er ao longo da sessão. Durante a sessão não foram registradas respostas de "saltar em direção à corrente".

Fase 5: Fortalecimento das Respostas de Subir na Caixa e Puxar a Corrente (SuCx/PuC)

Terminada a etapa de instalação da cadeia de respostas SuCx/PuC, foram realizadas as sessões de fortalecimento desse repertório, agora com o conjunto de operanda Caixa+Corrente sendo alternado de posição a cada nova sessão.

 

Figura 4: Seqüência de respostas demonstrativas da primeira ocasião em que foi emitida a cadeia final de respostas esperada. As fotografias mostram quadro a quadro o momento da resolução do problema, com o animal subindo na caixa (00:15 s e 00:16 s); erguendo-se sobre ela (00:17 s e 00:18 s); até finalmente fazer contato visual com a corrente (00:19 s); e puxá-la (00:20 s). No canto superior-direito de cada fotografia consta um marcador com o tempo de sessão momento a momento.

 

Na primeira sessão desta fase, o sujeito iniciou a sessão erguendo-se sob a Posição 2, tendo feito isso 40 vezes nos primeiros 4 min de sessão. Contudo, ele chegou a apresentar cinco respostas de SuCx nestes primeiros 4 min de sessão, sendo três no primeiro minuto, uma no segundo e uma no terceiro. Como em nenhuma das ocasiões em que o animal subiu na caixa ele fez contato com a corrente, foi feita uma breve remodelagem de SuCx/PuC, com a liberação de reforços para a sexta resposta de subir na caixa, emitida no quinto minuto de sessão. Após essa única resposta reforçada, foi feita uma mudança no critério, que agora exigia que o animal subisse na caixa e se erguesse. Foram emitidas e reforçadas três respostas que atendiam a este critério no sexto minuto e mais três no sétimo minuto. Ainda no sétimo minuto, foi adotado um novo critério, em que o animal deveria subir na caixa e puxar a corrente, quando foram liberados três reforços. A partir deste ponto, entrou em vigor um esquema de reforçamento em CRF para as respostas de SuCx/PuC até o final da sessão, quando foram emitidas 78 respostas de SuCx/PuC. A taxa de respostas de erguer-se sob a Posição 2, que nos quatro primeiros minutos havia sido de 10 Rs/Min, caiu para 1,25 nos 36 min restantes.

Na segunda sessão com alternância de posição, foram registradas 93 respostas de SuCx/PuC, com uma taxa de 2,3 Rs/Min; na terceira sessão foram registradas 87 respostas de SuCx/PuC, com taxa de 2,2 Rs/Min e uma queda de 6,5% no desempenho; na quarta sessão foram registradas 75 respostas de SuCx/PuC, com uma taxa de 1,9 Rs/Min e uma queda de 3,8% no desempenho. A quinta sessão precisou ser interrompida aos 25 minutos, tendo sido registradas 79 respostas de SuCx/PuC, com uma taxa de 3,2 Rs/Min e aumento de 5,3% no desempenho. Na sexta sessão foram emitidas 76 respostas de SuCx/PuC, com uma taxa de 1,9 Rs/Min e uma queda de 3,8% no desempenho; por fim, na sétima sessão foram registradas 61 respostas de SuCx/PuC, com uma taxa de 1,5 Rs/Min e uma queda 19,7% no desempenho.

 

Discussão

Os resultados demonstram que é possível instalar, em ratos, novos repertórios operantes também por meio de recombinação ou interconexão espontânea (não diretamente treinada) de repertórios prévia e separadamente ensinados, tal qual Epstein et al. (1984) já haviam demonstrado com pombos.

O sujeito em questão, que nunca havia passado pelo treino direto da cadeia: "(a) Subir na Caixa e (b) Puxar a Corrente" foi capaz de fazê-lo após um treino separado de cada um dos elos da cadeia. É importante frisar que o sujeito não foi capaz de chegar à solução do problema com treino em apenas um dos elos da cadeia, tendo sido necessário que se treinassem as duas habilidades para que pudesse haver o encadeamento que levava à resolução.

Outro fato relevante é a observação de uma curva abrupta de aprendizagem após a primeira emissão da resposta correta, o que pode caracterizar tal processo de aprendizagem como sendo do tipo "insight", já que uma resposta que não havia sido emitida nenhuma vez em uma sessão de 7 min, foi emitida 45 vezes após a primeira emissão desta na sessão de teste, caracterizando assim a curva abrupta de aprendizagem característica deste fenômeno da aprendizagem.

Com relação à generalidade da aprendizagem para outros contextos, o sujeito mostrou estereotipia em suas respostas em um primeiro momento, ou seja, quando o Cubo foi trocado de posição o sujeito emitia respostas de erguer-se no local onde o Cubo havia estado anteriormente ao invés de dirigir ao Cubo reposicionado. Uma explicação possível para este resultado é que o sujeito havia passado por sessões em que a corrente estava suspensa na Posição 2, o que implicou no treino indireto das respostas de erguer-se naquela posição, uma vez que este era o elo inicial da cadeia necessária para puxar a corrente. Como tal resposta não produziu o reforço, teve início um processo de ressurgência (Epstein et al., 1984), o que tornava as respostas de SuCx mais prováveis, e que eventualmente levou a um contato com a corrente e às novas contingências em vigor.

O modelo proposto por Epstein permite ao analista do comportamento lidar experimentalmente com um fenômeno que freqüentemente é descrito como estando além das suas possibilidades teóricas e metodológicas: a criatividade ou originalidade (Delage & Neto, 2006). Por mais persuasivas que sejam as argumentações skinnerianas (como em Skinner, 1953/1989 ou 1969), uma demonstração empírica em situação controlada poderia ser um instrumento didático diferenciado no uso com alunos de graduação. Nas disciplinas iniciais de análise do comportamento, há aparentemente um descompasso entre as ambições explicativas apresentadas em textos teóricos e as efetivas demonstrações em laboratório (usualmente utilizando ratos e a modelagem como procedimento de construção de repertórios operantes simples). Sugere-se que a adoção também do procedimento de aprendizagem recombinativa nessas práticas de laboratório possa funcionar como uma estratégia de ensino importante para: (a) desconstruir mitos sobre a natureza mentalista dos fenômenos psicológicos complexos, apresentados freqüentemente como avessos a qualquer investigação e explicação comportamental; (b) fornecer um instrumental metodológico alternativo para a construção de novos operantes em situações naturais; (c) avaliar criticamente o alcance e as limitações do próprio modelo de Epstein, identificando lacunas a serem exploradas cientificamente.

Os repertórios comportamentais são construídos freqüentemente no cotidiano de modo não planejado e não gradual (Epstein, 1996). A aparente espontaneidade desses padrões (entendidos tradicionalmente como autogerados) contrasta com a apresentação, na graduação, de uma estratégia de ensino que parte do gradualismo planejado passo a passo: a modelagem. Tal estratégia de ensino já se mostrou eficaz em diversos contextos e sua utilidade não está em discussão. Porém, seria importante na preparação desses mesmos alunos que outras ferramentas fossem oferecidas, especialmente aquelas capazes de lidar com processos comportamentais complexos. A adoção de práticas de laboratório inspiradas no modelo de aprendizagem recombinativa ou generativa de Epstein (1996) poderia ser um bom começo.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Marcus Bentes de Carvalho Neto
Rua João Canuto, 510 - Centro
CEP 67.020-670 - Ananindeua/PA
E-mail: marcus_bentes@yahoo.com.br
Fone: (91) 8123-8772

Recebido em Agosto de 2009
Revisto em Janeiro de 2010
Aceito em Março de 2010

 

 

* O trabalho é parte da Dissertação de Mestrado do 1o autor, orientada pelo 2o, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento em 2006. A pesquisa foi parcialmente financiada pelo CNPq através do Edital 06/2003/Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas (Processo No. 403889/2003-0) e pela CAPES em forma de bolsa de Mestrado concedida ao 1o autor.
** Os autores agradecem aos professores Olavo Galvão, Carlos Sousa, Romariz Barros, Maria Helena Hunziker e Gerson Yukio Tomanari pelas sugestões e críticas. Somos gratos também às alunas Claudia Tatiana Ferreira Cavalcante e Alane Gláucia Brito Cruz pelo auxílio na coleta de dados. Agradecimentos especiais ao CNPq e a CAPES pelo financiamento da pesquisa.
1 A altura da corrente precisou ser adaptada para acompanhar o tamanho dos ratos.
2 Inicialmente estavam previstas sessões também nas posições 1 e 4, o que completaria as 10 posições possíveis, mas por problemas com o equipamento isso não foi possível.
3 O registro em vídeo dessa sessão foi perdido, de modo que não foi possível precisar quantas respostas de saltar foram emitidas durante esta sessão.

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