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Psicologia em Pesquisa

On-line version ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.4 no.1 Juiz de Fora  2010

 

ARTIGOS

 

Ensino Público e Privado: Comparando Representações Sociais de Professores sobre suas Habilidades

 

Public and Private Education: Comparing Social Representations of Teachers Regarding their Skills

 

 

Luciene Alves Miguez NaiffI; Adriana Benevides SoaresI; Denis Giovani Monteiro NaiffII; Cristiany Rocha AzamorI; Sabrina Araújo de AlmeidaI; Carolina Souto SilvaI

I Universidade Salgado de Oliveira
II Universidade Federa Rural do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As representações sociais são filtros que auxiliam o entendimento do mundo e orientam comportamentos e relações interpessoais. Nesse sentido, o presente estudo identificou e comparou as representações sociais sobre "habilidades do bom professor" de 243 professores, 104 do ensino público e 139 do ensino privado. Em seus prováveis núcleos centrais alguns elementos são comuns entre os segmentos público e privado, destacando-se: conhecimento, dinamismo e paciência. Os elementos específicos das representações sociais do professor do ensino público foram: compromisso, comunicação e dedicação; e no ensino privado: didática, criatividade e domínio. Concluímos que cada grupo de professores demonstrou ser influenciado pelo público-alvo que atende na composição de suas representações sociais sobre o "bom professor".

Palavras-chave: Representações sociais; ensino público e privado; habilidades do bom professor.


ABSTRACT

Social representations can be defined as filters that help to understand the world, guide behavior and interpersonal relationship. Accordingly, the present study identified and compared the social representations of "good teacher skills" of 243 teachers, 104 public school and 139 private schools. In their prospective central nuclei some elements are common among public and private sectors, including: knowledge, energy and patience. The specific elements of social representations of public school teachers were: commitment, communication and dedication, and in private education: teaching, creativity and mastery. We conclude that each group of teachers demonstrated to be influenced by the students they work with and consequently it has a direct impact on their social representation of what characterizes a "good teacher".

Keywords: Social representations; public and private education; skills of a good teacher.


 

 

Levantar representações sociais acerca de fenômenos relacionados à prática profissional do docente oferece um privilegiado olhar sobre as questões que norteiam o funcionamento da escola e as relações existentes nesse espaço social.

A instituição escola vem sofrendo modificações em consonância com as diretrizes da Lei Básica do setor1. Algumas dessas mudanças afetam diretamente a prática docente, gerando como conseqüência um redimensionamento de seu papel social. Nesse sentido, saber quais as atribuições do professor na atualidade do ensino brasileiro; e mais, quais as habilidades que o professor atribui a um "bom professor", são as principais questões norteadoras da presente pesquisa.

Em recente pesquisa conduzida por Abramoway (2003) em 14 estados brasileiros, destaca-se nas falas dos professores à importância atribuída a relação interpessoal na prática docente. Ao mesmo tempo, a pesquisa revela que os professores relatam construir expectativas e se basear muitas vezes em estereótipos dos alunos nas relações que se manifestam no espaço escolar. Esse dado é corroborado por estudos realizados por Alves-Mazzotti e Wilson (2004) e Filho (2005), mostrando que os professores são influenciados, nas interações sociais, por suas percepções positivas ou negativas dos alunos. Isso significa dizer que, apesar da consciência atual do professorado em relação à importância de desenvolver habilidades relacionais, estas nem sempre envolvem aspectos facilitadores do aprendizado e da manutenção do aluno na escola, visto que estão baseadas em conteúdos cognitivos facilmente falseados.

Fomos em busca das cognições partilhadas socialmente que incluem elementos do universo reificado sobre o bom professor e as necessidades da prática em sala de aula que produzem elementos consensuais. Almeida e Costa (1998) apresentam pesquisa semelhante em que os professores absorvem em suas representações sociais elementos do universo reificado que definem o bom professor como alguém competente e responsável, mas demonstram também que incorporam elementos atualizados referentes às demandas e situações do tempo histórico-social em que se passa a prática educacional do grupo pesquisado. Ou seja, ao mesmo tempo em que o professor está submetido ao discurso normativo dos atributos que definem um bom professor, ele incorpora, na produção do saber que orientará suas práticas, aspectos relevantes de seu dia a dia.

O presente estudo identificou e comparou as representações sociais sobre "habilidades do bom professor" de 243 professores, 104 do ensino público e 139 do ensino privado, levando em conta que essas duas categorias possuem características peculiares e identitárias.

 

A Educação no Brasil: Participação das Esferas Púbicas e Privadas

A escola é espaço da convivência de uma multiplicidade de significações sociais produzidas pelos atores que direta ou indiretamente se envolvem no sistema educacional, quais sejam: pais, professores, alunos, profissionais diversos, gestores públicos, intelectuais, etc. Isso, como salienta Gilly (2001), faz da área educacional:

um campo privilegiado para se observar como as representações sociais se constroem, evoluem e se transformam no interior de grupos sociais, e para elucidar o papel dessas construções nas relações desses grupos com o objeto de sua representação (p.322).

A reinvenção moderna da escola produz um discurso atualizado desse espaço como deflagrador de saberes, lugar da construção continuada da aprendizagem, direito social garantido na legislação. Na medida em que a escola carrega em si as contradições de tempos passados e presente convivendo na prática pedagógica, parece-nos interessante entender como as representações sociais que os professores produzem de elementos constitutivos de seu papel podem estar sendo influenciados, modificados e adequados no exercício diário da prática educacional.

Silva (2004) mostrou que as representações sociais dos professores sobre o alunado do ensino público o vê como desfavorecido na aprendizagem, principalmente pelo seu contexto social. Já em relação ao aluno das escolas privadas, o professor se sente intimidado com o poder que os alunos têm e se ressente de ter que se desdobrar para satisfazê-los. Os ensinos público e privado no Brasil apresentam características muito díspares e provocam, consequentemente, representações diferenciadas, tanto na relação dos professores e alunos, quanto do professor com sua prática.

O caráter ideológico sempre permeou as discussões sobre as esferas públicas e privadas no que tange ao oferecimento de serviços de educação. O cerne dessa discussão é, segundo Tedesco (1991), as diferenças do propósito socializador dessas instituições. No passado, isso se limitava entre a Igreja e o Estado. Atualmente, com a efetiva participação das instituições privadas laicas, além de questões ideológicas, questões financeiras atingem essa discussão.

Tedesco (1991) relaciona 4 principais motivos que geraram o crescente interesse na expansão do ensino privado no Brasil, a saber: 1) o papel das instituições religiosas que se mantiveram em ação na esfera educativa mesmo após o estado ter assumido seu papel; 2) necessidade de melhoria da qualidade do serviço oferecido pelo Estado; 3) a necessidade dos pais em ter uma maior participação nas decisões da escola; 4) a maior revalorização da educação na produção de mão-de-obra qualificada.

Arelaro (2007) argumenta que um dos motivos da precarização do ensino fundamental oferecido na esfera pública foi a mudança da responsabilidade dos estados para os municípios sem a devida preparação desses últimos para receber tal incumbência. Tudo isso fomentou a privatização dessa etapa de ensino em busca da eficiência perdida.

O Estado, no entanto, ainda é o setor que mais é demandado pelas parcelas mais pobres da população no que se refere às classes iniciais da educação. Como afirma Tedesco (1991):

O sistema privado recruta seu alunado em setores médios e altos, propiciando desta forma um fenômeno circular: alunos dotados de melhores backgrounds familiares recebem uma oferta escolar caracterizada por equipamentos e pessoal adequado, obtendo resultados mais altos que os produzidos pelam escola pública (p.36).

Outras experiências, como as escolas privadas subsidiadas chilenas, mostraram que as vulnerabilidades sociais e econômicas a que estão sujeitos o alunado mais empobrecido,conforme argumenta Tedesco (1991), aparecem no rendimento escolar, gerando um círculo vicioso e um processo já anunciado por Patto (1990) de "fracassalização" do aluno pobre. Tedesco (1991) aponta essa realidade baseado no SIMCE – Sistema de medición de la calidad de la educácion que o Chile promove em suas escolas.

Tedesco (1991) ainda aponta para a necessidade de se identificar dois aspectos que, a seu ver, prejudicam o avanço na eficiência da escola em especial da escola pública: o igualitarismo que todos os docentes têm direito, independente de sua atuação e a falta de autonomia e criatividade dos diretores que viram meros executores de instruções vindas de cima.

Segundo Negreiros (2005), existe uma desconfiança do ensino privado em relação a pensar novas possibilidades no processo ensino-aprendizagem já estabelecido. A organização em ciclos, por exemplo, ainda não foi considerada pelas escolas privadas. Isto se deve, segundo o autor, ao fato de que o que avalia a educação privada são os resultados que esta apresenta e que retroalimenta seu funcionamento. Se os procedimentos e a estrutura utilizados têm satisfeito a clientela, não há porque mudar. Para Negreiros (2005):

São muitos os elementos que interferem na construção de um ensino, dentre os quais se destacam: as questões relacionadas a formação dos professores, o currículo escolar, a estrutura da escola, as relações, a gestão, a proposta pedagógica, etc. Mudanças isoladas e sucessivas geram desgastes e trazem insegurança (p.193).

O que vemos nas escolas privadas é o aluno como centro do processo e satisfaze-lo é a origem e o resultado de toda ação. As escolas particulares também estão sintonizadas com as demandas do mercado. Nesse tipo de escola, o campo de forças tende sempre a favor da clientela.

Na escola pública, nem sempre os objetivos por trás das ações são direcionados para o melhor desempenho do aluno. Ainda que a legislação seja propositiva e direcionada para a garantia do direito à educação, as práticas escolares muitas vezes se afastam desse ideal. Uma discussão bastante atual sobre os motivos desse quadro é o adoecimento do professor de escola pública e a violência dentro e fora das salas de aula (Naiff, 2008).

A legislação brasileira, começando pela Constituição de 1988, passando pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e chegando às Leis de Diretrizes e Bases prega o princípio educacional da gestão democrática. Essa possibilidade poderia garantir uma maior participação proporcionando, entre outras coisas, uma vivência interpessoal mais satisfatória.

Segundo Arelaro (2007), as escolas privadas não são obrigadas a exercer esse tipo de gestão. Na prática, mesmo nas escolas públicas, existe uma dificuldade em manter essa tendência, no sentido de que o processo democrático demanda tempo para organização, discussão e elaboração conjunta de propostas e metas.

Apesar da proposta de gestão democrática ainda não ser uma realidade nas escolas, o Plano Decenal de Educação envolveu cerca de 5 mil educadores e é um dos grandes exemplos de ampla participação decisória nos caminhos educação. No entanto, ainda são poucos os exemplos satisfatórios desse tipo de ação (Arelaro, 2007).

Atualmente existem seis exames nacionais para medir desempenho escolar produzindo um ranqueamento que pode levar a um olhar mais aprofundado para o que acontece dentro da escola e ao papel do professor e da gestão. Arelaro (2007) argumenta que as propostas atualmente tendem a fomentar uma relação entre o salário do professor e sua eficiência como facilitador do ensino-aprendizagem medido por esses exames. Segundo o autor:

Como reforço ‘emulativo’ aos professores são adotadas remunerações salariais que acompanham pare passu o desempenho de cada professor dentro da lógica produtivista de resultados. Sua remuneração será proporcional ao número de alunos que se saírem bem nas provas e exames, elaborado por especialistas internos a escola ou externos a escola. Ou seja, sistematicamente seu salário poderá estar variando de valor, em função do melhor ou pior desempenho do grupo-classe ou do grupo-escola (p.912).

Esse ponto ainda é controverso, pois ao mesmo tempo que pode gerar uma busca constante por melhoria e qualidade na educação, pode acabar provocando uma competição entre alunos, professores e escolas e comprometendo as relações e vivências acadêmicas.

 

Representações Sociais e Habilidades Educativas

O conceito de representação social designa uma forma específica de conhecimento, o saber do senso comum, cujos conteúdos manifestam a operação de processos generativos e funcionais socialmente marcados. Mais amplamente, designa uma forma de pensamento social. Uma definição muito bem aceita dentro do campo de estudos das representações sociais e que resume suas principais características é dada por Denise Jodelet (2001), grande colaboradora de Moscovici e difusora da teoria: "é uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social"(p.22).

As representações sociais nascem no cotidiano, nas interações que estabelecemos seja na família, no trabalho, na escola, nas relações com a saúde, etc, seja onde quer que exista uma realidade a ser apropriada e partilhada. Segundo Moscovici (1984), no dia a dia as pessoas analisam, comentam filosofias de vida não oficiais, que têm um decisivo impacto em suas relações sociais, em suas escolhas, na forma como educam seus filhos.

As representações sociais possuem, como salienta Abric (1994), uma organização significante, isto é, não são apenas reproduções da realidade, estão imersas em um contexto mais imediato e outro mais global. Esse contexto mais global se refere aos elementos do sistema central das representações sociais e o contexto mais imediato é representado pelo sistema periférico.

Segundo Abric (1994), o núcleo central possui a função geradora e organizadora da representação social e confere estabilidade a essa mesma representação. O sistema periférico agrega características mais instáveis e permeáveis. Com isso age como um dispositivo de defesa da representação frente a novos elementos desestabilizadores. Nessa concepção, Abric resume as características do sistema central e periférico das representações como o primeiro sendo coerente, estável, consensual e historicamente definido, e o segundo, funcional, flexível, adaptativo e relativamente heterogêneo.

Comparar dois grupos em relação a suas representações diz respeito a identificar se seus núcleos centrais são diferenciados, isto é, se os elementos cognitivos mais rígidos e consensuais do grupo em relação ao objeto são partilhados ou não.

Portanto, conhecer uma representação é conhecer como se organizam seus sistemas central e periférico. E nessa organização, levar em conta não apenas a saliência que os elementos apresentam, mas a relação de sentido que estabelecem com os elementos centrais.

No universo escolar, não só novos conhecimentos se fazem, como também novas relações sociais. O convívio com colegas mais velhos ou mais novos, professores e outros atores sociais, traz à tona oportunidades de desenvolvimento da linguagem, do raciocínio pró-social e moral, da capacidade de empatia, bem como a assimilação das estruturas de comunicação verbal, pressupostos estes que compõem o desenvolvimento da competência social (Del Prette & Del Prette, 2001).

Argyle (1967/1994) destaca como funções de habilidades sociais do educador: despertar motivação, efetivar a disciplina e transmitir informações. Contudo, para Del Prette e Del Prette (2001), o planejamento do processo ensino-aprendizagem necessita de interação educador/educando/conhecimento, que vai além da transmissão de conhecimentos, perpassando pelas relações interpessoais que devem facilitar todo esse processo.

A LDB faz considerações em seu art. 13 sobre as principais expectativas que se deve esperar da prática docente, são elas: ser participativo da proposta pedagógica da escola, cumprir plano pedagógico coerente com a proposta aludida, ser o facilitador do aprendizado do aluno, utilizar estratégias de recuperação para os alunos com dificuldade, participar de todas as atividades relacionadas à docência, como planejamento e avaliação além da sala de aula, e se colocar disponível para apoiar ações de integração da escola com a família (Lei nº9.394, 20 de dezembro de 1996).

No ambiente educacional, rico em interações sociais, as habilidades que um bom professor deve possuir concorrem entre a necessidade de conhecimento e didática com a capacidade de interação e empatia. Desse modo, percebemos a importância de aprofundar essa discussão, conhecendo as representações sociais que grupos de professores de esferas de ensino diferentes produzem sobre as habilidades necessárias a sua boa prática profissional.

 

Método

Na busca do núcleo central das representações sociais dos professores do ensino público e privado, foi utilizada uma técnica de coleta de dados já amplamente testada por teóricos das Representações Sociais, em especial aqueles que atuam com a abordagem estrutural proposta por Abric (1994), chamada tarefa de evocação livre. Nessa proposta, é pedido aos sujeitos que digam em 5 palavras ou expressões o que lhes vêm à mente diante do termo indutor (no caso da presente pesquisa o termo indutor foi: "habilidades do bom professor"). De forma a complementar essa técnica, utilizamos uma entrevista semi estruturada com perguntas abertas, no intuito de confrontar com o material obtido com a evocação livre.

A tarefa de evocação livre foi dividida em dois momentos, de acordo com a indicação de Abric (2003), que advoga a substituição do "rang" de aparição pelo "rang de importância" como produto final da coleta de dados. Nesse sentido, primeiro foi solicitado aos sujeitos que deixassem vir o material espontâneo relacionado ao termo indutor. No segundo momento, foi pedido que hierarquizassem por grau de importância as palavras ou expressões evocadas anteriormente. Essa "técnica combinada" aproveita o material bruto nascido da associação livre e o organiza cognitivamente, permitindo uma reavaliação da ordem de evocação.

O material final foi analisado de duas maneiras distintas:

a) A tarefa de evocação livre foi analisada pela técnica de construção do quadro de quatro casas, através do programa de computador denominado de EVOC 2003® (Analyse des évocations). Esse programa combina a freqüência da evocação de cada palavra com sua ordem de evocação, com a intenção de estabelecer o grau de saliência dos elementos da representação em cada grupo, seguindo os princípios propostos por Vergès (2005). A análise nos oferece, como mostrado na Tabela 1, quatro quadrantes que irão determinar o grau de centralidade das palavras na estrutura da representação social.

 

Tabela 1: Representação esquemática da distribuição das cognições das representações sociais no modelo de evocação livre.

 

Dois valores norteiam a formação dos eixos horizontal e vertical: no eixo horizontal, temos a média das frequências que as palavras foram evocadas; no eixo vertical, temos a ordem média de evocação, que é uma média ponderada das ordens de evocação de cada palavra.

No quadrante superior esquerdo, podemos ob­servar os elementos que tiveram maior saliência na produção discursiva dos sujeitos, e que – segundo a técnica da evocação livre – fariam parte de um provável núcleo central da representação estudada.

b) As perguntas abertas sofreram um processo de categorização na busca do sentido simbólico incorporado ao conteúdo discursivo, com a intenção de corroborar ou mostrar as contradições existentes. A análise do conteúdo segue orientações propostas por Bardin (1977) no que tange à organização do discurso em estruturas lógicas e captadoras do sentido embutido nos relatos.

 

Resultados

Os resultados serão apresentados respeitando as duas técnicas de coleta de dados utilizados.

Evocação Livre

Na análise das evocações, três elementos se repetiram em ambas as esferas estudadas no quadrante superior esquerdo. Nesse quadrante ficam os elementos que tiveram maior saliência na produção discursiva dos sujeitos, e que - segundo a técnica da evocação livre - fariam parte de um provável núcleo central da representação estudada. São eles: conhecimento, dinamismo e paciência. Na esfera pública, os professores apresentaram ainda os elementos compromisso, comunicação, dedicação e responsabilidade em seu núcleo central. Na esfera privada os elementos diferenciais foram: criatividade, didática, domínio e conteúdo.

Podemos observar, nas Tabelas 2 e 3, que no provável núcleo central de ambos os grupos apresentam-se elementos que fazem parte de um discurso reificado sobre as habilidades do bom professor como: conhecimento, compromisso, didática, responsabilidade e conteúdo. No entanto, apresentam também elementos que fazem parte das estratégias adotadas no dia a dia dos docentes como: dinamismo, paciência, comunicação, dedicação, criatividade e domínio.

 

Tabela 2 - Habilidades do bom professor - professores ensino público.

 

 

Tabela 3 - Habilidades do bom professor - professores ensino privado.

 

Entrevista

As respostas às perguntas abertas ofereceram três grandes categorias: relação com os alunos; relação com os pais; relação com a escola.

Os professores das escolas públicas relatam a necessidade de firmeza e paciência no trato com os alunos e não costumam fazer atendimentos aos pais. Com relação à escola, os professores das escolas públicas relatam que pela precarização do trabalho docente ficam limitados em sua atuação. Os baixos salários, a falta de estrutura e de material seriam os responsáveis pelo desestímulo e pouco investimento desses profissionais.

Os professores das escolas privadas relatam que não encontram dificuldade no trato com o aluno. No entanto, relatam muitos problemas com os pais, que cobram e exigem maior participação nas decisões tomadas pela escola. A relação com a escola costuma ser mais próxima a uma lógica empresarial e profissional em que o acompanhamento dos resultados é o mais importante.

 

Discussão e Conclusões

Os elementos em comum no provável núcleo central de ambos os grupos foram conhecimento, paciência e dinamismo. Esses elementos representam uma atualização do papel do professor nos dias de hoje, em que somente conhecimento não basta para ser um professor habilidoso. A paciência, talvez substituindo antigo argumento da vocação e o dinamismo, representando as demandas da contemporaneidade.

A especificidade do ensino público acrescenta compromisso, comunicação, dedicação ao provável núcleo central, elementos que só aparecem na segunda periferia do grupo de professores do ensino privado. Apenas o elemento responsabilidade, que aparece no provável núcleo central dos professores do ensino público, está também na primeira periferia do ensino privado.

Quanto ao ensino privado, o elemento criatividade, que aparece no núcleo central, está na primeira periferia do ensino público. O elemento domínio está na segunda periferia e os elementos didática e conteúdo não aparecem no quadro de quatro casas no ensino público.

Os trabalhos de Alves-Mazzoti e Wilson (2004) e Filho (2005) apontam para um discurso do professor sobre sua prática inconsistente com o relato da prática em si. Isso mostra, no caso dos trabalhos citados, uma necessidade de adequação que ainda está no discurso, mas que nem sempre consegue ser apropriada efetivamente no dia a dia.

Nossa pesquisa levanta esse aspecto, principalmente nos elementos advindos do universo reificado, que definem a habilidade que um professor deve ter. Esses argumentos fazem parte do universo formativo dos docentes tanto em sua formação acadêmica quanto nas capacitações, palestras e na própria legislação do setor. Interessa-nos observar os elementos que fogem a essa regra e que se identificam com a prática. Paciência, dinamismo, criatividade, comunicação, dedicação e domínio nos remetem para as relações interpessoais. O professor percebe claramente que sua boa atuação depende de uma interação satisfatória com o aluno. Algumas qualidades são reativas ao comportamento do aluno, como domínio de turma, paciência e dedicação. Outras são características importantes para que o ensino-aprendizagem aconteça de forma adequada, como dinamismo, criatividade e comunicação.

As perguntas abertas mostraram um pouco mais das questões relativas ao dia a dia de cada setor. O professor da escola pública se ocupa muito de questões relativas ao seu cargo (salários, condições de trabalho, garantias, direitos). O professor da escola privada está mais direcionado aos resultados de sua prática (pais e alunos satisfeitos, altos índices de aprovação com qualidade comprovada em exames externos, reconhecimento da escola por seus serviços). Esses dados corroboram as pesquisas realizadas por Negreiros (2005), Tedesco (1991) e Arelaro (2007), em que a própria função da escola em relação aos seus públicos alvos direciona o comportamento do professor. A escola pública é um direito assegurado e a escola privada é um serviço contratado. Ambas deveriam caminhar para o mesmo fim, qual seja: oferecer educação de qualidade capaz de potencializar o aluno em sua formação. O discurso do professor mostra que ele está atento as qualidades necessárias para o bom desempenho de suas funções. No entanto, percebemos que sua atuação muitas vezes é influenciada por questões externas.

Vemos com isso a atuação do professor sendo repassada em suas construções simbólicas compartilhadas com significados renovados. Se antes a grande palavra que definia a atuação do professor era o amor à profissão também chamado "dom", hoje vemos um professor se posicionando em um campo mais profissional. O professor das escolas públicas possui estabilidade de emprego, mas trabalha em condições difíceis. O professor do ensino privado, apesar das excelentes condições de trabalho, é mais pressionado pelos alunos e pais. Os desafios são grandes para ambas as esferas, e as habilidades apresentadas pelos grupos, ainda que não criem uma ruptura marcante entre as representações, sugerem diferenças importantes que merecem ser mais bem exploradas levando em conta outras variáveis, como, por exemplo, as representações sociais sobre o bem-estar no trabalho para ambos os grupos e as representações sociais dos alunos acerca do desempenho de seus professores. O campo da psicologia social é profícuo no entendimento dos fenômenos que emergem das relações interpessoais estabelecidas na escola e, a teoria das representações sociais muito tem a dizer sobre essas questões e, com isso, auxiliar no entendimento do universo escolar.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Luciene Alves Miguez Naiff
Rua Conselheiro Olegário, nº 34, apt/103 - Maracanã
CEP 20271-090 - Rio de Janeiro/RJ
Tel: 2234-7282
e-mail: lunaiff@hotmail.com

Recebido em Outubro de 2009
Revisto em Fevereiro de 2010
Aceito em Março de 2010

 

 

1 Lei nº 9.394 - Lei de Diretrizes Básicas promulgada 20 de dezembro de 1996 que delibera, como o nome sugere, sobre as normas da educação brasileira, incorporando novos conceitos e práticas pedagógicas e que já vem sendo implementadas no Estado do Rio de Janeiro.

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