SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.4 número2Metodologia de Pesquisa em Desenvolvimento Humano: Velhas Questões RevisitadasO Experimento na Psicologia Social: Sobre a Pesquisa Experimental em um Meio Relativista índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.4 no.2 Juiz de Fora dez. 2010

 

ARTIGOS

 

Fundamentos Metodológicos da Pesquisa em Análise Experimental do Comportamento

 

Methodological Principles of Research in Experimental Analysis of Behavior

 

 

Saulo Missiaggia Velasco; Miriam Garcia-Mijares; Gerson Yukio Tomanari

Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O método de pesquisa tendo o sujeito como seu próprio controle é uma das marcas da Análise Experimental do Comportamento. Os modos como o analista do comportamento formula perguntas, mensura comportamentos, realiza comparações experimentais, analisa dados e deriva conclusões são relativamente distintos dos métodos praticados em outros campos da Psicologia. O objetivo deste trabalho é apresentar introdutoriamente as principais características desse modo peculiar de investigação científica, explicitando as relações que suas estratégias e táticas mantêm com um conjunto de concepções filosófico-conceituais acerca da natureza de seu objeto de estudo, ou seja, o comportamento dos organismos.

Palavras-chaves: Behaviorismo; análise experimental do comportamento; métodos de pesquisa; sujeito único.


ABSTRACT

The research method that applies single-subject designs is a hallmark in the Experimental Analysis of Behavior. The ways behavior analysts state their questions, measure behavior, perform experimental comparisons, analyze data and derive conclusions are relatively distinct from the methods applied in other fields of Psychology. The goal of the current paper is to summarize the main features of this peculiar strategy of scientific research, as well as to make explicit the relationships that their strategies and tactics maintain with a set of theoretical conceptions regarding the nature of its object of investigation, that is, the behavior of the organisms.

Keywords: Behaviorism; experimental analysis of behavior; research methods; single-subject design.


 

 

Os métodos de pesquisa da Análise Experimental do Comportamento, os quais se apóiam em uma filosofia da ciência denominada Behaviorismo Radical (Skinner, 1945; 1974), refletem a concepção de que o comportamento deve ser tomado como um objeto de estudo por ele mesmo. Esse compromisso com o estudo direto do comportamento é acompanhado por uma convicção de que suas variáveis controladoras devem ser buscadas no ambiente em que o indivíduo se comporta (Baron & Perone, 1998). Tal convicção, por sua vez, compele o analista do comportamento a formular perguntas experimentais acerca dos efeitos da manipulação de variáveis ambientais ou estímulos (as variáveis independentes) sobre mudanças no comportamento (a variável dependente).

 

Procedimentos Operante-Livres e Procedimentos de Tentativas Discretas

Na investigação de relações funcionais entre variáveis dependentes e independentes, a tradição de pesquisa em Análise Experimental do Comportamento se caracteriza, primordialmente, por empregar os denominados procedimentos operante-livres . Quando Skinner fundou seu programa de pesquisa, na terceira década do século passado, procedimentos operante-livres se diferenciaram dos procedimentos de tentativas discretas que, então, vigoravam na Psicologia (Perone, 1991; Skinner, 1938).

Procedimentos operante-livres são aqueles que permitem que o sujeito se comporte a qualquer momento durante a sessão experimental, sem sofrer restrições do equipamento ou do experimentador (Ferster, 1953). Ou seja, o sujeito tem acesso contínuo ao manipulando, podendo responder livremente a qualquer momento. Exemplos de manipulandos comumente usados em pesquisas comportamentais são alavancas para ratos, discos iluminados para pombos, botões e teclas para humanos. Sem dúvida, mover alavancas, bicar discos e pressionar botões são respostas demasiadamente simples, mas é por essa razão, pela simplicidade e facilidade de mensuração, que foram escolhidas. Além disso, para a Análise Experimental do Comportamento, a forma ou a topografia da resposta pode ser pouco relevante no processo de análise de relações funcionais, pois diferentes topografias de resposta podem compartilhar funções semelhantes. Por exemplo, pedir oralmente ao garçom que traga a conta ou gesticular com as mãos são comportamentos muito distintos na forma, porém semelhantes na função que ambos exercem. Tecnicamente falando, dizemos que ambos os comportamentos pertenceriam a uma mesma classe de respostas. Outra característica marcante dos procedimentos operante-livres é que a taxa de resposta (isto é, o número de respostas emitidas por unidade de tempo) tende a ser utilizada como a medida primordial do comportamento (Skinner, 1969).

A principal concepção subjacente ao uso de procedimentos operante-livres e de taxa de respostas como medida é a de que o comportamento é a relação dinâmica e contínua do organismo com o ambiente — ambiente que, por sua vez, exerce uma ação seletiva sobre o comportamento, que então passa a ser chamado de operante ou instrumental (Skinner, 1938; 1953). Portanto, é essa relação que dever ser tomada como um objeto de estudo em si mesma (Sidman, 1960), e a freqüência com que ela ocorre ao longo do tempo é uma de suas características mais gerais e relevantes (Skinner, 1969). Contudo, medidas auxiliares, como duração e intervalo entre respostas, também têm sido utilizadas para responder a especificidades de determinadas perguntas experimentais.

Com relação aos procedimentos de tentativas discretas, estes caracterizam-se por restringir o responder a momentos isolados de observação, seja tirando o sujeito do equipamento experimental durante os intervalos entre tentativas, seja removendo ou desativando o manipulando de respostas. Com esse tipo de procedimento, a continuidade natural do comportamento é interrompida e cada resposta é analisada individualmente. Deste modo, o comportamento não mais pode ser medido em termos de taxa de resposta. Em vez disso, empregam-se medidas como a porcentagem de tentativas em que a resposta ocorre e a latência de emissão da resposta (Perone, 1991).

A escolha por um dos dois tipos de procedimento envolve mais do que uma simples opção metodológica. Diferentes compromissos estão implícitos em cada um deles. A opção por procedimentos operante-livres reflete a procura de ordem em propriedades dinâmicas do comportamento por meio do isolamento e da manipulação de variáveis ambientais ao longo de um contínuo temporal. Por outro lado, procedimentos de tentativas discretas envolvem a noção de que o estudo do comportamento fornece uma medida de processos ou estruturas do organismo que não podem ser estudados diretamente (Perone, 1991). Nesse caso, a interrupção do comportamento não atrapalharia a análise do processo estudado.

Os dois tipos de procedimentos também se distinguem quanto ao tratamento dado à variabilidade no comportamento. De um ponto de vista metodológico, a existência de dados irregulares com o uso de procedimentos operante-livres é atribuída a variáveis externas não programadas. Portanto, a redução da variabilidade é buscada aumentando-se o controle experimental. Épreciso esclarecer, contudo, que o fato da Análise Experimental do Comportamento buscar ordem ou regularidade no seu objeto de estudo não implica que a natureza do comportamento seja estritamente regular. Em outras palavras, a natureza fluida e variável do comportamento, reconhecida em alguns textos skinnerianos (e.g., Skinner, 1953; 1989), sempre irá impor limites no controle possível da variabilidade.

Com relação aos procedimentos de tentativas discretas, a redução variabilidade é frequentemente tratada agrupando-se os desempenhos de vários sujeitos em médias e realizando-se comparações estatísticas entre os grupos de sujeitos expostos às diferentes condições (i.e., grupo experimental e grupo controle). O objetivo dessa análise é revelar se as variações entre grupos (diferenças entre as médias dos diferentes grupos) excedem as variações intra-grupo (diferenças entre sujeitos de um mesmo grupo). Nos casos em que a variação entre grupos excede a variação intra-grupo com significância estatística, conclui-se que a variável independente teve um efeito sobre o comportamento dos sujeitos a ela expostos (o grupo experimental).

Até princípios do século passado, a pesquisa em Psicologia era dominada pelo delineamento estatístico e pelo estudo de grupo (Matos, 1990). A principal conseqüência desse tipo de abordagem é que o agrupamento dos dados na forma de desempenhos médios pode obscurecer exceções no nível individual, de modo que as médias do grupo podem não corresponder ao desempenho de nenhum indivíduo. Além disso, pesquisadores que empregam análises estatísticas devem estar preparados para aceitar a presença de diferenças incontroláveis entre sujeitos como uma característica invariável de seus experimentos (Baron & Perone, 1998).

 

Delineamento do Sujeito-Único (O Sujeito como seu Próprio Controle)

Em Análise Experimental do Comportamento, a questão das diferenças entre sujeitos não compromete a análise de dados. Ao contrário, cada sujeito é tratado como um indivíduo particular, distinto de qualquer outro. A busca pelos determinantes funcionais do comportamento usando procedimentos operante-livres supõe a singularidade do fenômeno estudado e, por isso, o uso de delineamentos de sujeito-único. Alterações nas regularidades do comportamento em termos de suas propriedades dinâmicas só podem ser observadas submetendo- se um sujeito de cada vez a diferentes condições experimentais (Matos, 1990). A lógica subjacente a essa tática é a de que o comportamento apresentado em uma condição A sirva como controle (linha de base) para se avaliar os efeitos de variáveis introduzidas, retiradas ou modificadas em uma outra condição B (delineamento A-B). É a isso que se refere a expressão "usar o sujeito como seu próprio controle" e é por isso que Skinner (1966) afirmou que preferia estudar um sujeito por mil horas a estudar mil sujeitos por uma hora.

Delineamentos de sujeito-único requerem, portanto, que o comportamento de um mesmo indivíduo seja medido contínua e repetidamente ao longo de cada condição até que se obtenha um estado-estável, ou seja, até que o comportamento de interesse demonstre variações mínimas de uma observação à outra (Sidman, 1960). Só então altera-se a condição em vigor acrescentando-se, removendo-se ou modificando-se o valor da variável independente investigada. Como antes, o sujeito é mantido na nova condição até que um novo estado-estável se estabeleça. Essa tática possibilita a avaliação do efeito completo de cada condição sobre o comportamento do sujeito (Johnston & Pennypacker, 1993). Além disso, a regularidade dos dados ao longo de uma mesma condição é uma importante medida do controle experimental alcançado. Quando os dados são pouco estáveis, deve-se continuar buscando formas de aumentar o controle sobre as variáveis experimentais e externas a fim de se reduzir a variabilidade a um valor mínimo tolerável (i.e., aquele que capture tão somente a variação natural do comportamento). Só assim é que medidas obtidas na condição controle podem fornecer uma linha de base confiável para se avaliar o efeito das manipulações realizadas na condição experimental. Em outras palavras, somente se o comportamento é estável dentro de cada condição é que mudanças estáveis entre condições podem ser atribuídas às manipulações na variável independente (Baron & Perone, 1998; Perone, 1991).

 

Critérios de Estabilidade

A despeito da variabilidade intrínseca do comportamento, estabilidade é a essência do delineamento de sujeito-único. Portanto, uma importante tarefa do analista experimental do comportamento é o estabelecimento de critérios aceitáveis para se reconhecer um estado como estável. Existem diversas formas de se definir critérios de estabilidade, mas todas têm em comum a tarefa de impor limites sobre a variação sistemática (tendência) e assistemática dos dados. Um estado-estável, portanto, deve ser isento, tanto quanto possível, de tendências e variações assistemáticas (Perone, 1991).

Tendências podem ser verificadas ou por inspeção visual de dados dispostos graficamente, observando-se a inexistência de aumentos ou diminuições nos valores da variável dependente ao longo de um determinado número de sessões terminais (normalmente, entre 5 e 10), ou ainda pela ausência de inclinação em uma reta traçada ao longo dos dados de tais sessões. Já o nível de variação assistemática tolerada pode ser definido tanto em termos quantitativos (critérios relativos ou absolutos) quanto em termos não-quantitativos (critérios de tempo fixo ou de inspeção visual). A descrição desses critérios, sumarizada a seguir, encontra-se detalhadamente discutida em Baron e Perone (1998) e Perone (1991).

Critérios relativos especificam o nível de variação tolerável em termos da porcentagem máxima de mudança permitida entre as sessões terminais de uma mesma condição. Por exemplo, consideram-se as 6 últimas sessões de uma determinada fase experimental e calcula-se a média da taxa de respostas relativa às 3 primeiras e às 3 últimas sessões, separadamente. A diferença entre estas duas médias é dividida pela média total das 6 sessões. O comportamento é julgado estável se a razão obtida não exceder 5%. Ou seja, a variação média da taxa de respostas dentro de cada bloco de 3 sessões deve ser suficientemente pequena em relação à média total envolvendo todas as 6 sessões.

Critérios absolutos estabelecem limites fixos de variação tolerável entre sessões. Por exemplo, tomam-se as 6 sessões finais de uma fase experimental, calcula-se a mediana da taxa de respostas nas 3 primeiras e nas 3 últimas sessões e considera-se o comportamento estável caso não haja uma diferença de mais do que 2 respostas/min entre as duas medianas.

Critérios de tempo fixo estabelecem a duração total da condição experimental e o tamanho da amostra que será considerada como representativa do estado-estável. Por exemplo, a duração de uma condição pode ser fixada em 50 sessões e os dados obtidos nas 5 últimas sessões tomados como representativos do estado-estável. Por um lado, a utilização de critérios de tempo fixo simplifica as decisões que o pesquisador deve tomar durante a condução do experimento eliminando-se a necessidade dos cálculos de índices de estabilidade; por outro, ao se estabelecer uma duração fixa para cada condição, exige-se que o pesquisador conheça suficientemente o processo comportamental sob investigação e antecipe as diferenças individuais ajustando o critério para acomodar os sujeitos mais lentos (Sidman, 1960). Ainda assim, como não há medidas diretas de tendências e variações assistemáticas, não há como garantir que os dados das sessões terminais irão representar, de fato, um estado-estável. Portanto, no momento da divulgação do trabalho, é recomendado que o pesquisador demonstre a adequação do critério adotado, descrevendo os resultados com detalhes suficientes para que o leitor possa julgar o nível de estabilidade realmente alcançado.

Critérios de inspeção visual implicam em avaliações qualitativas de tendências e variações assistemáticas através do exame de dados organizados graficamente. Porque depende de critérios nem sempre claramente descritos, Sidman (1960) faz duas recomendações ao se utilizar este método: 1) critério de inspeção visual deve ser restrito ao estudo de variáveis que tenham efeitos óbvios; 2) os investigadores devem divulgar os critérios usados para julgar a estabilidade dos dados. Além disso, os resultados também devem ser descritos detalhadamente de modo a permitir ao leitor verificar o grau de estabilidade obtido.

Critérios de estabilidade constituem um elemento indispensável do delineamento de sujeito-único e, certamente, desempenham um papel essencial no grau de controle experimental a ser alcançado e na qualidade dos dados a serem produzidos. Infelizmente, porém, não há uma receita rígida que determine o melhor critério a ser aplicado em cada caso. A decisão por adotar um ou outro critério deve, entretanto, ser pautada no conhecimento profundo das variáveis sob investigação e das especificidades dos sujeitos pesquisados. De qualquer modo, é importante considerar que critérios muito flexíveis irão tolerar altos níveis de variabilidade incontrolada, os quais poderão obscurecer os efeitos das operações experimentais. Por outro lado, critérios muito rígidos poderão nunca ser atingidos, o que também impedirá a demonstração de relações ordenadas entre as variáveis sob investigação.

Em última instância, um critério de estabilidade será adequado se permitir que pesquisadores selecionem um estado do comportamento que possa ser replicado (Sidman, 1960). Considerando que até os critérios mais rígidos podem ser atingidos ao acaso, a replicação de condições entre e intra sujeitos é a chave para a validação de um critério de estabilidade (Baron & Perone, 1998; Perone, 1991). O delineamento experimental de uma investigação trata de como estas replicações devem ser planejadas.

 

Delineamentos Experimentais e Validade Interna

Épreciso mais do que a verificação de variações mínimas entre uma mesma condição e de mudanças claras no desempenho quando as condições são alteradas para se afirmar a existência de uma relação funcional entre as operações experimentais e o comportamento. Para se garantir que a manipulação na variável independente seja a causa das mudanças observadas na variável dependente, isto é, para atestar a validade interna de um experimento, é preciso ainda que as mudanças observadas sejam replicáveis intra-sujeito.

A tática tipicamente utilizada de replicação intra-sujeito envolve comparações entre conjuntos de dados coletados ao longo de pelo menos três condições sucessivas, sendo a primeira diferente da segunda e a terceira semelhante à primeira (delineamento A-B-A). Inicialmente, observa-se o comportamento do sujeito na condição de linha de base A até se obter um estado-estável. Em seguida, impõe-se a condição experimental B (inserindo variáveis em A ou removendo variáveis de A). Após um novo estado-estável ser alcançado, retorna- -se à condição A inicial (removendo variáveis anteriormente introduzidas em A ou reinserindo variáveis anteriormente removidas de A) até que o comportamento novamente se estabilize. Se a replicação da condição A re-estabelecer o padrão comportamental inicialmente observado em linha de base, então, as mudanças verificadas na condição B podem ser atribuídas à manipulação da variável independente e não a fatores externos coincidentes que atuaram ao longo da passagem do tempo, da exposição repetida aos procedimentos experimentais ou de problemas nos instrumentos de coleta de dados (Perone, 1991). Por promover um retorno à condição de linha de base após a implementação da condição experimental, esse tipo de delineamento também é conhecido como delineamento de reversão.

Delineamentos de reversão também podem envolver a replicação de um número maior de condições, como, por exemplo, em um delineamento A-B-A-B. Quanto maior o número de condições replicadas, mais convincentes as evidências de que as mudanças comportamentais verificadas se devem às manipulações na variável independente, ou seja, maior a validade interna do experimento. Também é possível comparar mais de duas condições distintas, sucessivamente, como em um delineamento A-B-A-C-A, no qual três diferentes condições são comparativamente analisadas; ou, ainda, estudar os efeitos combinados de duas ou mais variáveis, como em um delineamento A-AB-A, no qual se avalia a interação entre as condições A e B.

Os chamados delineamentos paramétricos permitem comparar diversos níveis quantitativos de uma mesma variável independente. Nesse caso, os diferentes valores da variável independente são impostos, ao longo de sucessivas condições experimentais, em ordem ascendente, descendente ou irregular. Replicações das condições em diferentes seqüências informam se os diferentes resultados devem-se às manipulações paramétricas da variável independente ou se dependem da seqüência específica programada, ou mesmo de fatores associados à passagem do tempo. Quando a replicação de muitas condições em uma seqüência variada se mostra impraticável, a validade interna de um estudo paramétrico pode ser verificada replicando-se pelo menos uma das condições em uma fase do experimento temporalmente distante de sua primeira implementação. Finalmente, para minimizar os efeitos de uma condição experimental sobre outra, pode-se introduzir uma mesma condição de linha de base entre os diferentes níveis de manipulação da variável independente.

Os delineamentos de reversão assumem, naturalmente, que as mudanças comportamentais implementadas são reversíveis. Delineamentos de linha de base múltipla, por outro lado, permitem a avaliação de efeitos comportamentais irreversíveis. Nesse tipo de delineamento, dois ou mais comportamentos são observados simultaneamente até que cada um atinja um estado-estável independente. Depois disso, a condição experimental é imposta sobre cada comportamento em diferentes momentos do experimento. Caso cada comportamento se altere somente depois de entrar em contato com a variável independente, supõe-se que tais mudanças decorreram das manipulações experimentais e não da operação de variáveis externas associadas à passagem do tempo. Esse tipo de delineamento é usado, principalmente, em estudos com humanos em situação terapêutica, em que, muitas vezes, há impedimentos éticos com relação à reversão do tratamento realizado.

Algumas vezes, manipulações experimentais requerem o arranjo de duas ou mais condições em uma mesma sessão experimental. Nesses casos, empregam-se os chamados delineamentos de elementos múltiplos, nos quais os efeitos de diferentes variáveis são comparados quase que simultaneamente. Essa tática possui a vantagem de equalizar os efeitos de variáveis indesejáveis ao longo das múltiplas condições analisadas. Mas, por outro lado, deve-se considerar a possibilidade de que ocorram interações entre os diferentes elementos analisados simultaneamente.

 

Validade Externa

Apesar do que pode sugerir o nome "sujeito-único", pesquisas em Análise Experimental do Comportamento raramente empregam apenas um sujeito. O termo "único" se refere à unidade de análise considerada, o comportamento do indivíduo, e não ao número de sujeitos pesquisados, o tamanho da amostra (Perone, 1991). Vários sujeitos podem ser expostos às mesmas condições experimentais e até mesmo a variações dessas condições, mas o importante é que seus dados sejam tratados individualmente. Na verdade, é a replicação dos dados em diferentes sujeitos e sob diferentes condições que fornece representatividade e generalidade às conclusões de um estudo; em outras palavras, que atesta sua validade externa.

Sidman (1960) apontou duas formas de replicação entre sujeitos que promovem a validação externa de um estudo. A primeira, chamada de replicação direta, envolve a repetição de um experimento com novos sujeitos, mantendo-se estáveis os procedimentos e parâmetros do experimento original. A segunda, chamada de replicação sistemática, refere-se à replicação de uma relação funcional sob circunstâncias que diferem daquelas em que a relação foi originalmente observada. Esse tipo de replicação pode envolver tanto mudanças nas condições experimentais, nos equipamentos, nas variáveis dependentes e independentes, quanto o emprego de diferentes populações ou espécies de sujeitos.

 

Considerações Finais

O conjunto de estratégias e táticas que caracterizam o método de investigação da Análise Experimental do Comportamento reflete uma clara preocupação com o estudo científico do comportamento. O método de tratamento e análise de dados, caracterizado por procedimentos operante-livres, dispõe unidades comportamentais (classes de respostas) e ambientais (classes de estímulos) na seqüência temporal em que ocorrem, permitindo a visualização de relações ordenadas entre tais unidades. Esse tipo de abordagem permite uma análise da relação dinâmica que o comportamento mantém com o ambiente e só pode ser levada a cabo delineando-se comparações entre condições experimentais tendo o sujeito como o seu próprio controle.

O controle experimental sobre as variáveis independentes e externas é verificado pela ausência de tendências e variações assistemáticas ao longo de cada condição (estado-estável), o que permite avaliar o efeito de cada uma delas sobre o comportamento. Decisões sobre estabilidade são baseadas em critérios que estabelecem os limites de variação sistemática e assistemática tolerados ao longo de uma mesma condição. Evidências convincentes de que as mudanças verificadas no comportamento são, de fato, função das manipulações na variável independente (validade interna) requerem, portanto, variações mínimas em uma mesma condição, mudanças sistemáticas ao longo de diferentes condições, além de replicações de condições em um mesmo sujeito. Um vez que cada indivíduo é exposto a diversos níveis da variável independente, somente replicações permitem dissociar seus efeitos daqueles exercidos por variáveis externas relacionadas à passagem do tempo ou a repetidas exposições ao procedimento. Finalmente, a busca por reproduzir as relações funcionais observadas em diferentes indivíduos e populações, sob diferentes condições experimentais e com diferentes classes de respostas, permite que se acesse a generalidade dos dados produzidos atestando a validade externa do estudo.

 

REFERÊNCIAS

Baron, A., & Perone, M. (1998). Experimental design and analysis in the laboratory study of human operant behavior. In K. A. Lattal & M. Perone (Eds.), Handbook of research methods in human operant behavior (pp. 45-91). New York: Plenum.         [ Links ]

Ferster, C. B. (1953). The use of the free operant in the analysis of behavior. Psychological Bulletin, 50, 263-274.         [ Links ]

Johnston, J. M., & Pennypacker, H. S. (1993). Readings for strategies and tactics of behavioral research (2nd ed.). Hillsdale, NJ: Erlbaum.         [ Links ]

Matos, M. A. (1990). Controle experimental e controle estatístico: A filosofia do caso único na pesquisa comportamental. Ciência e Cultura, 42, 585-592.         [ Links ]

Matos, M. A, & Tomanari, G. Y. (2002). A Análise do Comportamento no laboratório didático. São Paulo: Editora Manole.         [ Links ]

Perone, M. (1991) Experimental design in the analysis of free-operant behavior. In I. H. Iversen & K. A. Lattal (Eds.), Experimental analysis of behavior, Part I (pp. 135-171). Amsterdam: Elsevier.         [ Links ]

Sidman, M. (1960). Tactics of scientific research: evaluating experimental data in psychology. New York: Basic Books.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1938). The behavior of organisms: An experimental analysis. New York: Appleton-Century-Crofts.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52, 270-277.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1953). Science and Human Behavior. New York: Macmillan.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1966). Operant behavior. In W. K. Honig (Ed.), Operant research: Areas of research and application (pp. 12-32). New York: Appleton-Century-Crofts.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1974). About Behaviorism. New York: Knopf.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences. Science, 31, 501-504.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Gerson Yukio Tomanari
Instituto de Psicologia - USP
Av. Prof. Mello Moraes, 1721
CEP 05508-030 - São Paulo/SP
E-mail: tomanari@usp.br

Recebido em Julho de 2010
Revisto em Setembro de 2010
Aceito em Outubro de 2010

Creative Commons License