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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.5 no.2 Juiz de Fora dez. 2011

 

ARTIGOS

 

Saúde Mental e Afastamento do Trabalho em Servidores do Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul

 

Mental Health and Work Leave in Judiciary Workers in the State of Rio Grande do Sul

 

 

Rosália Maria Costa Fonseca I; Mary Sandra CarlottoII

I Universidade Luterana do Brasil
II Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo buscou identificar a prevalência de afastamentos por Transtornos Mentais e do Comportamento relacionados ao trabalho, bem como avaliar a associação entre variáveis sociodemográficas, laborais e tipo de transtorno com a quantidade de licenças e dias de afastamento em 219 servidores públicos judiciários, no ano de 2009. Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva e inferencial, utilizandose a prova t de student, ANOVA, Mann-Whitney e Kruskal-Wallis. Resultados evidenciaram maior prevalência de transtornos do humor. Os servidores que trabalhavam na 1ª Instância, na cidade de Porto Alegre e região metropolitana, que se afastaram por uso de substância psicoativa e transtornos de humor apresentaram maior número de dias de afastamento. Os mesmos resultados foram encontrados com relação às licenças médicas, com exceção da cidade ou região de trabalho do servidor.

Palavras-chave: Transtornos mentais; setor público; saúde do trabalhador; licença médica.


ABSTRACT

This study tried to identify the prevalence of work absence due to Mental and Behavioral Disorders, as well as to evaluate the correlation between type of disorder, socio-demographic and work-related variables and the quantity and duration of absence among 219 court employees in 2009. Data were analyzed through descriptive and inferential statistics using the Student’s t-test, ANOVA, Mann-Whitney and Kruskal-Wallis. The results revealed a higher prevalence of Mood Disorders. Judiciary workers from the First Instance Court in Porto Alegre and metropolitan area with work absence due to the use of psychoactive substances and mood disorders presented a higher number of days off . The same results were found for sickness absence, with the exception of the city or region in which the servant worked.

Keywords: Mental disorders; public sector; workers’ health; sickness absence.


 

 

Atualmente, já se tem consolidada a concepção de que o absenteísmo é um sério problema para as organizações de trabalho e seus trabalhadores, seja pela interrupção dos processos de trabalho, assim, ocasionando o aumento da carga de trabalho entre os colegas, seja pela perda de produtividade (Böckerman & Laukkanen, 2010; Ybema, Smulders & Bongers, 2010). Seu impacto negativo também pode ser percebido na prestação de serviços e na satisfação dos trabalhadores (Munro, 2007) e a compreensão desse complexo fenômeno é objeto de estudos em vários países (Cunha, 2008). De acordo com Ybema, Smulders e Bonger (2010), frequentes faltas ao trabalho podem significar que um trabalhador precisa de tempo para se recuperar das tensões no trabalho e sua ausência prolongada pode ser um indicador de problemas mais graves.

Apesar da melhoria das condições gerais de saúde da população mundial nos últimos 100 anos, as taxas de afastamento do trabalho por doença têm aumentado nos países industrializados, desde 1951. O aumento do estresse relacionado ao trabalho vem sendo destacado como uma das importantes causas de Transtornos Mentais, dessa forma, propiciando o aumento do absenteísmo (McDaid, 2008) e acarretando altos custos às economias em todo o mundo (Seligmann-Silva, 2009).

Estudos atuais revelam aumento no número de pessoas que adoecem e se afastam do trabalho pelos mais variados motivos de saúde, porém os Transtornos Mentais e do Comportamento têm sido os mais prevalentes (Cunha, 2008; Seligmann-Silva, 2009) e se constituem uma das maiores causas de afastamento de longo prazo do trabalho (Stansfeld,North, White & Marmot, 1995). Transtornos Mentais e do Comportamento são condições clinicamente significativas, caracterizadas por alterações do modo de pensar e do humor (emoções) ou por comportamentos associados com angústia pessoal e/ou deterioração do funcionamento, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2001).

Estes não ocorrem por fatores isolados, mas de contextos de trabalho em interação com o corpo e aparato psíquico dos trabalhadores. As ações implicadas no ato de trabalhar podem atingir o corpo dos trabalhadores, produzindo disfunções e lesões biológicas, mas, também, reações psíquicas às situações de trabalho patogênicas, além de poderem desencadear processos psicopatológicos especificamente relacionados às condições do trabalho desempenhado pelo trabalhador (Brasil, 2001).

No Brasil, os transtornos mentais já ocupam o terceiro lugar entre as causas de concessão de benefícios previdenciários, isso sem considerar os casos não registrados nas estatísticas oficiais, uma vez que não se trata de lesões visíveis ou de processos físicos mensuráveis através de exames objetivos, sendo que, muitas vezes, os portadores não têm seu sofrimento legitimamente reconhecido (Jacques & Amazarray, 2006). Nesse sentido, estudos atinentes ao perfil de morbimortalidade dos trabalhadores brasileiros ainda são insuficientes para se conhecer adequadamente as características dessa população em relação ao processo saúde-doença-trabalho (Cunha, Blank & Boing, 2009). Porém, a magnitude do problema pode ser dimensionada a partir dos custos que tais afastamentos representaram para os cofres públicos, como o valor correspondente ao auxílio-doença previdenciário, concedido em 2005, que alcançou R$1,1 bilhão (Brasil, 2005). De acordo com dados do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no serviço público federal, as aposentadorias precoces e os afastamentos do trabalho, em 2005, contabilizaram um custo de R$300 milhões, conforme referem Cunha, Blank e Boing (2009).

O profissional do setor público, apesar de possuir uma relação de trabalho menos instável, de menor exposição ao risco de demissão, está sujeito a outras formas de instabilidade e precarização do trabalho, tais como privatização de empresas públicas seguida de demissão; terceirização de setores dentro da empresa; deterioração das condições de trabalho e da imagem do trabalhador do serviço público; e responsabilização pelas deficiências dos serviços e por possíveis crises das instituições públicas. Estão, ainda, expostos às instabilidades geradas por oscilações políticas e de planejamento, que ocasionam descontinuidade de ações, alterações na qualidade e quantidade da demanda pelos serviços ofertados; acúmulo de funções, mudanças na organização do trabalho ou na natureza das ações que conflitam com o sentido e as crenças que os trabalhadores têm em relação ao trabalho (Lancman, Sznelwar, Uchida & Tuacek, 2007). De acordo com Bazzo (1997), a história da saúde mental no universo do funcionalismo público brasileiro, nos últimos trinta anos, tem sido marcada por uma organização do trabalho a serviço do desprazer, da depressão e o adoecimento. Estudo realizado por Nunes e Lins (2009), com o objetivo de identificar possíveis fatores que proporcionam prazer e sofrimento em servidores públicos federais do Tribunal Judiciário, identificou a presença de sofrimento relacionado ao modelo de gestão altamente hierarquizado e tomado pela racionalização burocrática, além do estereótipo do servidor público federal caracterizado pela morosidade, aspectos que terminavam por afetar a saúde do trabalhador.

A Recomendação n° 171 e a Convenção n° 161 da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1985) abordam a importância de registrar as causas do absenteísmo a fim de obterem-se dados para a realização de análises que contribuirão para conhecer a dimensão, as determinações e causas do absenteísmo para se pensar em soluções (Mendes, 2003), bem como elaborar políticas de promoção, prevenção e reabilitação da saúde (Cunha, 2008). No entanto, a prevalência de absenteísmo e as suas principais causas ainda permanecem pobremente documentadas, principalmente nos países em desenvolvimento, dessa maneira dificultando a elaboração de programas de prevenção e reabilitação voltados para essa população (Andrade, Souza, Simões & Andrade, 2008).

Pesquisas epidemiológicas sobre o absenteísmo de servidores públicos no Brasil são escassas e os estudos publicados referem-se principalmente a trabalhadores da área da saúde. A escassez e inconsistência das informações sobre a real situação de saúde dos servidores públicos dificultam a definição de prioridades para as políticas públicas, o planejamento e implementação de ações de saúde do trabalhador, além de privar a sociedade de instrumentos importantes para a melhoria das condições de vida e trabalho (Cunha, 2008). A dificuldade de acesso a bancos de dados de empresas e de órgãos públicos tem se configurado um dos grandes limitadores na produção científica desta questão (Silva, Pinheiro & Sakurai, 2008).

Alguns estudos realizados no Brasil (Falavigna, 2010; Gehring Jr, Corrêa Filho, Vieira Neto, Ferreira & Vieira, 2007; Jacques & Amazarray, 2006; Nunes & Lins, 2009) mostram perfis de determinadas categorias de trabalhadores, que se afastam do trabalho por Transtornos Mentais e do Comportamento relacionados ao trabalho, como enfermeiros, professores, servidores públicos federais, mas, na esfera pública judiciária estadual, a literatura nacional ainda carece de estudos relativos ao afastamento das atividades laborais por esses transtornos.

Assim, pelo exposto, este estudo de delineamento transversal buscou identificar a prevalência de afastamento por Transtornos Mentais e do Comportamento relacionados ao trabalho, segundo Capítulo V da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) (OMS, 1993), bem como objetivou avaliar a associação entre variáveis sociodemográficas, laborais e tipo de transtorno com a quantidade de licenças e dias de afastamento dos servidores públicos da justiça estadual no ano de 2009.

 

Método

População em estudo e população-alvo

A população em estudo constituiu-se de 8.185 servidores pertencentes ao quadro funcional em 2009. Os servidores desenvolvem seu trabalho em Comarcas distribuídas em 164 cidades do Estado do Rio Grande do Sul. Destes, 1.350 (16,5%) foram afastados do trabalho por licença-saúde. Do total de afastamentos, 219 (16,2%) foram por Transtornos Mentais e Comportamentais relacionados ao trabalho (F00-F99), segundo Capítulo V da Classificação Internacional de Doença (CID-10), sendo esta a população-alvo da investigação.

Instrumento e variáveis de estudo

O instrumento de coleta de dados constituiu-se de um protocolo de dados construído elas autoras de acordo com as variáveis de interesse e informações disponíveis no banco de dados já existente na instituição. O registro das informações no banco de dados é realizado com base em uma ficha médica funcional padronizada preenchida pelos médicos da instituição.

As variáveis de interesse foram distribuídas em três blocos: 1. Dados sociodemográficos (sexo, idade e estado civil); 2. Dados referentes à prática profissional (cargo/função, setor de lotação, tempo na função); 3. Dados sobre a saúde ocupacional (CID, quantidade de licenças, dias de afastamento, data da primeira licença).

Procedimentos

Após aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Processo nº 010-248H) da instituição de afiliação da primeira autora, deu-se início à composição do banco de dados, de acordo com as variáveis de interesse no estudo. As informações foram coletadas junto ao Departamento Médico Judiciário – DMJ de Porto Alegre, sede dos prontuários dos servidores, do período de janeiro a dezembro de 2009. O controle de qualidade do banco de dados foi realizado mediante análise descritiva de caráter exploratório para avaliar a existência de casos omissos, identificação de extremos e possíveis erros de digitação.

Após, foi realizada análise descritiva dos dados para descrição da amostra e identificação da prevalência dos afastamentos por Transtornos Mentais e do Comportamento para cada grupo: Grupo 1 - Transtornos mentais orgânicos, inclusive os sintomáticos (F00-F09); Grupo 2 – Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de substância psicoativa (F10-F19); Grupo 3 - Esquizofrenia, Transtornos esquizotípicos e Transtornos delirantes (F20-F29); Grupo 4 – Transtornos do humor/afetivos (F30-F39); Grupo 5 - Transtornos neuróticos, Transtornos relacionados com o estresse e Transtornos somatoformes (F40-F48); Grupo 6 - Síndromes comportamentais associadas a disfunções fisiológicas e a fatores físicos (F50-F59); Grupo 7 – Transtornos da personalidade e do comportamento do adulto (F60-F69); Grupo 8 - Retardo mental (F70-F79); Grupo 9 - Transtornos do desenvolvimento psicológico (F80-F89); Grupo 10 - Transtornos do comportamento e transtornos emocionais que aparecem, habitualmente, durante a infância ou adolescência (F90-F98); Grupo 11 - Transtorno mental não-especificado (F99). Por fim, foram calculadas as diferenças entre as médias das licenças por meio da prova t de student e ANOVA; e para os dias de afastamento foram utilizados os testes não-paramétricos Mann-Whitney e Kruskal-Wallis, adotando-se um nível de significância de 5%.

 

Resultados

Os resultados evidenciam que a maioria dos 219 servidores investigados pertence ao sexo feminino (68%), é solteiro/separado (57,9%), possui curso superior (69,4%) e tem idade média de 47 anos (± 8 anos).

Quanto ao cargo, identifica-se que, na 1ª Instância, a maioria dos servidores (83%) se distribui nas funções de Oficial Escrevente; Oficial de Justiça; Escrivão, Distribuidor-Contador, Oficial Ajudante e Assessor de Juiz, Perito Psicólogo, Perito Assistente Social, Sociólogo, Instrutor Judiciário, Orientador Judiciário. Já na 2ª Instância, 65,6% desenvolvem a função de Oficial Superior Judiciário, Auxiliar (Artífice, Comunicações, Enfermagem, Equipe, Serviços, Técnico, Judiciário), Operador (Terminais, Microinformática, Especial) Programador, Fotogravador, Porteiro e Serviçal; Taquígrafo Forense e Técnico Judiciário; Guarda de Segurança e Oficial de Transportes.

No tocante ao número de licenças, há uma variação de 1 a 9 licenças, em média, 3 licenças (± 2) por servidor, assim, perfazendo um total anual de 621. Observa-se que 38,4% tiveram uma licença ao ano; 30,8% de 2 a 3 ao ano; e 30,8% mais de 4 licenças ao ano. Os dias de afastamento variam de 1 a 365 dias, com uma média de 85 dias/ano (± 100), mediana de 41 dias/ano e moda de 15 dias/ano, totalizando 18.503 dias/ano. Quanto à prevalência, a classificação Transtornos do humor (F30-F39) apresentou maior percentual de ocorrência (Tabela 1).

 

 

Resultados obtidos revelam que servidores que atuam na 1ª Instância indicam maior número de licenças e dias de afastamento no trabalho. Profissionais de Porto Alegre e região metropolitana apontam maior média de dias de afastamento. Relativamente ao tipo de Transtorno mental¸ aqueles por uso de substância psicoativa e Transtornos de humor assinalam médias mais elevadas de licenças e dias de afastamento (Tabela 2).

 

 

Discussão

Dentre os 219 servidores afastados por licença para tratamento de saúde no ano de 2009, destaca-se a elevada prevalência de afastamentos por Transtornos de humor (58,4%). Os Transtornos do humor se caracterizam por alterações do afeto que, frequentemente, relacionam-se com situações ou fatos estressantes (OMS, 1993). Este resultado pode estar relacionado aos inúmeros fatores de estresse aos quais estão expostos estes profissionais, como a crescente demanda pelos serviços prestados, com aumento do volume de trabalho de alta complexidade e responsabilidade que, por sua vez, gera pressão pela produtividade e celeridade. A demanda cresce a cada ano, embora o número de servidores não aumente na mesma proporção. A diminuição da capacidade de atender a demanda dificulta o desenvolvimento da atividade dos trabalhadores, por conseguinte, comprometendo a qualidade do atendimento oferecido (Lancman et al., 2007).

O trabalho realizado pela grande maioria destes servidores é de alta complexidade cognitiva exigindo, portanto, um grande dispêndio de energia intelectual que requer diversos conhecimentos técnicos e teóricos. Seligmann-Silva (2009) salienta que o trabalho humano, na atualidade, tornou-se, cada vez mais, um trabalho dominantemente mental e que, quando o trabalho cognitivo é intensivo, o espaço da afetividade é comprimido e sacrificado. Alerta a autora para o fato de que o cansaço mental do trabalho intelectual intensificado e a exaustão emocional têm sido ignorados nas reestruturações organizacionais, que se aceleraram a partir dos anos 1980. Jacques e Amazarray (2006) referem que, atualmente, se reconhece uma série de fatores associados ao trabalho como responsável por sofrimentos e alterações na saúde mental, destacando a complexa articulação de fatores relativos à organização do trabalho, como o parcelamento de tarefas, o controle sobre o processo de trabalho, as políticas de gestão de recursos humanos, a estrutura hierárquica, os processos de comunicação, o ritmo e a jornada de trabalho.

É importante destacar a significativa mudança ocorrida, em 2009, com relação à alteração do horário de trabalho na segunda instância. Até então, o horário de trabalho era de sete horas ininterruptas, das 12h às 19h, permitindo aos servidores realizarem outras atividades no turno da manhã. Um novo horário foi instituído, então, passando para oito horas diárias, em dois turnos, manhã e tarde. Essa mudança, de uma realidade de mais de vinte anos, gerou desacomodações na rotina pessoal, familiar e gastos antes inexistentes com deslocamentos e refeições. Estudo realizado por Böckerman e Laukkanen (2010) verificaram associação entre tempo de trabalho real em horas de trabalho semanais e o desejado, implicando em absenteísmo por adoecimento. Pode-se pensar na mudança na distribuição das horas de trabalho como um importante fator de insatisfação e de estresse que pode ter conduzido a afastamentos por licença-saúde. A satisfação no trabalho tem sido identificada como exercendo influência sobre o estado emocional do indivíduo, sendo este aspecto evidenciado em estudo realizado por Martinez, Paraguay e Latorre (2004). Neste, verifica-se que a satisfação no trabalho está associada à saúde dos trabalhadores nos seus aspectos saúde mental e capacidade para o trabalho, mostrando a importância dos fatores psicossociais em relação à saúde e bem-estar dos trabalhadores. A partir dos seus resultados, os autores reforçam a importância de diretrizes e mudanças na concepção e organização direcionadas para os aspectos psicossociais no trabalho. Estas diretrizes compreendem a prévia conceituação, discussão e consolidação coletivas, em cada organização, sobre as prioridades e conteúdo das mudanças; reformulação nas formas de reconhecimento e valorização dos trabalhadores e de suas funções; mudanças que aumentem a autonomia e controle exercidos pelos trabalhadores sobre seu trabalho, sem geração de sobrecarga; enriquecimento do trabalho, e não apenas das tarefas, mediante capacitação profissional, planejada e reconhecida pelos trabalhadores; possibilidades de desenvolvimento na carreira e de estabilidade no emprego; implemento dos níveis de suporte social; melhorias coletivas no fluxo, suportes e qualidade das informações operacionais e organizacionais, bem como nas condições do ambiente físico de trabalho.

Resultados obtidos, neste estudo, revelam que servidores que atuam na 1ª Instância apresentam significativamente maior número de licenças e dias de afastamento no trabalho. A 1ª Instância, por ser o primeiro grau de recurso, isto é, a porta de entrada para o judiciário, traz, além dos advogados, um grande número de partes envolvidas na busca de soluções para suas demandas. Neste sentido, há um maior número de processos e pessoas envolvidas, o que ocasiona uma maior carga de trabalho. Para evitar acúmulo e atraso no trabalho, o servidor, não raras vezes, utiliza seu tempo de intervalo para o almoço como uma tentativa de atenuar este importante fator de estresse.

Profissionais de Porto Alegre e região metropolitana apresentam maior média de dias de afastamento, possivelmente, por conta da carga de trabalho que, nesta localização geográfica, é superior à média do interior do Estado. Também, há que se considerar que o estresse dos centros urbanos acaba por gerar maior demanda nesse sentido, ao contrário do servidor do interior do Estado, que, em tese, teria uma melhor qualidade de vida. Este trabalhador, geralmente, tem um deslocamento ao trabalho mais fácil, sendo-lhe possível usufruir o intervalo para almoço na própria casa, o que lhe possibilita um maior descanso além de mais tempo para o convívio com a família e lazer.

Em relação ao tipo de Transtorno mental, aqueles por uso de substância psicoativa e Transtornos de humor apresentam médias mais elevadas de número de licenças e dias de afastamento em comparação aos Transtornos neuróticos, Transtornos relacionados com o estresse e Transtornos somatoformes. Este resultado pode estar relacionado às características dos Transtornos de humor, no qual ocorrem episódios de depressão ou elação, que, por sua vez, requerem algum tipo de medicação psicoativa prescrita ou não por um médico (OMS, 1993).

Os resultados deste estudo sinalizam uma elevada prevalência de afastamentos por Transtornos de humor e associação entre a quantidade de licenças e dias de afastamentos com variáveis laborais e tipo de transtorno. A alta prevalência encontrada indica a necessidade de avaliar e acompanhar a incidência desse agravo em estudo de delineamento longitudinal. Já os fatores associados remetem, basicamente, à realização de ações nos aspectos que envolvem o contexto e a organização do trabalho.

De acordo com Cunha (2008), conquanto pareça existir uma negação acerca da realidade de que servidores públicos estão adoecendo por múltiplas causas, incluindo aquelas relacionadas ao trabalho, fazendo com que a administração pública retroalimente o processo de adoecimento-afastamento, os gestores públicos parecem já estar percebendo a necessidade de se estabelecer políticas de melhoria da qualidade de vida e saúde dos servidores. Em respeito a tal conjuntura, resultados e novos estudos devem ser incentivados por parte da comunidade acadêmica e profissional.

Embora o estudo tenha utilizado um delineamento que possui vantagens como baixo custo e rápida execução (Cunha, Blank & Boing, 2009) e ausência de possibilidade do viés de memória, o mesmo apresenta algumas limitações que devem ser consideradas. A primeira se refere ao corte transversal, que não permite inferir uma relação de natureza causal entre Transtornos mentais e os fatores associados aos mesmos. A segunda limitação está relacionada à utilização de dados secundários (Palmeira, 2000) comprometendo, por vezes, a precisão e validade das variáveis. Pode-se pensar na ocorrência de subnotificação real dos agravos em consequência da legislação vigente do Conselho Federal de Medicina – artigo 112/Resolução Conselho Federal de Medicina, nº 1.658/2002 (Conselho Federal de Medicina, 2002), pela qual a colocação de CID, em atestado médico, só poderá ser feita mediante dever legal ou autorização expressa do paciente, sob pena do profissional violar o código de ética médica. Também, deve se apontar o desconhecimento médico de determinadas patologias laborais relacionadas aos Transtornos mentais e do comportamento, bem como de seu nexo causal (Carlotto, 2010).

O modelo médico coloca a doença como o resultado da ação de agentes específicos e esta visão obscurece o complexo entendimento da relação entre processo de trabalho e saúde, isto é, uma parte dela é colocada fora do trabalho, como uma “doença geral”; e outra é reconhecida como decorrente do trabalho, mas restringe-se aos riscos físicos, químicos, biológicos ou mecânicos (Laurell & Noriega, 1989). Ainda persiste o hábito de considerarem-se os afastamentos do trabalho como um problema físico, uma vez que estas demandas são mais fáceis de definir e identificar do que as mentais. Embora apresentem alta prevalência, entre a população trabalhadora, os distúrbios psíquicos relacionados ao trabalho, com frequência, não são reconhecidos como tais no momento da avaliação clínica. Essa situação pode estar relacionada às próprias características dos distúrbios psíquicos, regularmente, mascarados por sintomas físicos, bem como pela complexidade inerente à tarefa de definir-se claramente a associação entre tais distúrbios e o trabalho desenvolvido pelo trabalhador (Glina, Rocha, Batista & Mendonça, 2001). Pode-se, também, levantar a possibilidade do que se denonima, atualmente, presentismo laboral, ou seja, o trabalhador procura manter-se no trabalho mesmo com algum tipo de adoecimento devido ao temor de estratégias de gestão perversas, que entendem o trabalhador doente como indolente, sendo passível de sofrer algum tipo de assédio moral (Johns, 2010).

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Rosália Maria Costa Fonseca
Rua João Berutti, 470
CEP 91330-370 - Porto Alegre/RS
E-mail: rosaliafonseca@tj.rs.gov.b; romacf@gmail.com

Recebido em Janeiro de 2011
Revisto em Maio de 2011
Aceito em Agosto de 2011